sábado, 31 de março de 2018

Selaram a pedra do sepulcro e confiaram-no à vigilância dos guardas


Este dia de sábado é considerado dia litúrgico, mas recomenda-se a recitação das horas do Ofício divino e a meditação do silêncio.
Esta meditação do silêncio pode incidir sobre vários pontos relacionados com palavras e gestos de Cristo, com o simbolismo do sepulcro e com a situação da Mãe de Jesus.
O Padre César Augusto dos Santos SJ diz-nos, lá do Vaticano, que “hoje fazemos experiência do vazio”. Com efeito, o Senhor cumpriu a sua missão redimindo-nos através da sua paixão e cruz, através da sua entrega obediente até a morte, sendo entregue ao coração da terra.
O Evangelho de Marcos refere:
Ao cair da tarde, visto ser a Preparação, isto é, véspera do sábado, José de Arimateia, respeitável membro do Conselho que também esperava o Reino de Deus, foi corajosamente procurar Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Pilatos espantou-se por Ele já estar morto e, mandando chamar o centurião, perguntou-lhe se já tinha morrido há muito. Informado pelo centurião, Pilatos ordenou que o corpo fosse entregue a José. Este, depois de comprar um lençol, desceu o corpo da cruz e envolveu-o nele. Em seguida, depositou-o num sepulcro cavado na rocha e rolou uma pedra sobre a entrada do sepulcro. Maria de Magdala e Maria, mãe de José, observavam onde o depositaram.” (Mc 15,42-47).
O evangelista regista todos os atos do piedoso ofício da sepultura, mas, abstendo-se de qualquer descrição, como era seu jeito, insinua que o sepultamento teve de ser feito à pressa. Porém, o material utilizado era de boa qualidade – um lençol branco de linho ou síndone, como prescrito pelo ritualismo judaico. E também o sepulcro onde Jesus foi sepultado, que não era dele, era de pessoa de haveres, talvez de José de Arimateia, que esperava o Reino de Deus: escavado na rocha, compreendia um átrio, um pequeno corredor e a cela mortuária com um ou dois bancos de pedra e um nicho para depósito do cadáver. A entrada do átrio era fechada por uma pedra redonda que se rolava num plano inclinado.
A referência à postura das mulheres que observavam de olhar fixo no sepulcro pode sugerir a preparação da narração da descoberta do túmulo vazio e do anúncio da ressurreição.
Mateus refere um episódio meio burlesco:
No dia seguinte, que era o dia a seguir ao da Preparação, os sumos-sacerdotes e os fariseus reuniram-se com Pilatos e disseram-lhe: ‘Senhor, lembrámo-nos de que aquele impostor disse, ainda em vida: Três dias depois hei de ressuscitar. Por isso, ordena que o sepulcro seja guardado até ao terceiro dia, não venham os discípulos roubá-lo e dizer ao povo: Ressuscitou dos mortos. E seria a última impostura pior do que a primeira.’. Pilatos respondeu-lhes: ‘Tendes guardas. Ide e guardai-o como entenderdes.’. E eles foram pôr o sepulcro em segurança, selando a pedra e confiando-o à vigilância dos guardas.” (Mt 27,62-66).
Quer dizer: o morto ainda incomodava – podia fugir ou os discípulos que fugiram podiam vir arredar a pedra e roubar o cadáver e bradar a ressurreição. Selaram o sepulcro, rolaram em definitivo a pedra e puseram soldados de guarda. Como sabemos, foram precauções inúteis.
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Face a estes factos, o Padre César Santos anota que, “tal como Maria, com o coração em luto, a Igreja aguarda esperançosa que a promessa de Cristo se cumpra, que ele surja, que ele ressuscite”, pois a ausência não se limita à experiência do vazio, mas apela ao aprofundamento da presença desejada. Assim, na manhã do sábado pré-pascal, “a saudade está presente”, mas é “uma saudade cheia de paz e de esperança”.
E nada impede que recordemos os sábados santos da nossa vida, as experiências de vazio após sofrimentos e perdas e que reflitamos sobre eles. E o orientador desta reflexão Interpela-nos:   
Como vivenciamos os mistérios dolorosos quando irrompem em nossa existência? Permitimos que a luz da fé na certeza da vitória da Vida ilumine a nossa mente e aqueça o nosso coração? Preenchemos esse vazio abrindo as portas do nosso coração a Jesus, Palavra de Vida, de Eternidade? Ou fragilizamo-nos mais ainda, permitindo que a escuridão da morte nos envolva?”.
E, em jeito de resposta, assegura que “Jesus é Vida” e que “Nossa Senhora, a verdadeira discípula, na manhã de sábado permaneceu, apesar da dor, do luto, esperançosa”, pois “Ela acreditou nas palavras de seu Filho e não permitiu que o sofrimento pela perda dissesse a última palavra, mas que a palavra definitiva fosse a promessa de seu Filho, a própria Palavra, que disse que iria ressuscitar, que Ele era o Caminho, a Verdade, a Vida”.
Neste dia, poderemos enveredar pelo exercício da Via Matris meditando as sete dores de Maria, designadamente a profecia de Simeão, a fuga para o Egito, a perda do menino no Templo, o encontro de Jesus a caminho do Gólgota, a contemplação da crucifixão e morte de Jesus, a descida de Cristo da cruz e a sua reclinação no regaço da Mãe e a desolação do sepultamento.   
Porém, na noite da Vigília Pascal, celebramos a Vitória da Vida, a ressurreição de Jesus, o encontro do Filho ressuscitado com a Mãe, a qual deixará de ser a Senhora das Dores, para ser a Senhora da Glória e a Senhora da Alegria.
Contudo, nós que vamos perdendo entes queridos, não aplicamos literalmente a eles e anos esse encontro pascal nesta vida terrena. Por isso, se a fé nos leva à celebração jubilosa da ressurreição de Jesus, temos de fazer o esforço da esperança, nem sempre fácil, da espera por eles no encontro final dos ressuscitados, crentes de que Cristo é o primeiro dos ressuscitados – as primícias.
Nestes termos, a nossa vida deverá ser um permanente Sábado Santo, não com vazio, mas pleno de fé, de esperança na certeza da vitória da Vida e de que também teremos o reencontro que Maria teve, que será para sempre. E, quanto mais nos deixarmos envolver pela Palavra de Vida, que é Jesus, mais nos aproximaremos da estupefação surpreendente da manhã da ressurreição e da alegre tarde das aparições do Ressuscitado. De modo mais intenso essa divina palavra nos iluminará e aquecerá.
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Mas o sábado pré-pascal é o dia em que o nosso Pastor, fonte de águas vivas e por cuja morte ficamos provisoriamente apartados dele e na qual o sol se obscureceu, prendeu aquele que mantinha preso o primeiro homem. Hoje o nosso Salvador destruiu as prisões do inferno e esmagou o poder do demónio, quebrou as portas e as cadeias da morte. Chorado como se chora o filho único, porque morreu inocente, Ele livra-nos das portas do abismo e garante-nos:
Eu estive morto, mas agora vivo para sempre e tenho comigo as chaves da morte e do abismo” (Ap 1,18).
Está a cumprir-se o sinal de Jonas, o único dado àquela geração má e adúltera: “Assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, também o Filho do Homem estará três noites no seio da terra” (Mt 12,40). Cumpre-se o desafio de Jesus aos judeus: “Destruí este templo, e em três dias Eu o levantarei! […] Ele falava do templo que é o seu corpo.” (Jo 2,19.21).
Por outro lado, o sepulcro do Senhor é um santuário, um relicário em que se guarda temporariamente o divino corpo, mas donde Ele saltará para a oferta da salvação à morada dos mortos, se levanta redivivo para que os apóstolos e as santas mulheres O vejam, acreditem Nele e sejam testemunhas e missionários do Reino de Deus.
É um santuário terreno que funciona como antecâmara do santuário celeste, o coração do Pai. O túmulo vazio é a relíquia do amanhã. Por isso, é adequada a recitação do Salmo 24 no Ofício de Leitura deste dia:
Quem poderá subir à montanha do SENHOR e apresentar-se no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração limpo.
Ó portas, levantai os vossos umbrais! Alteai-vos, pórticos eternos, que vai entrar o rei glorioso.
Quem é esse rei glorioso? É o SENHOR, poderoso herói, o SENHOR, herói na batalha.
Ó portas, levantai os vossos umbrais! Alteai-vos, pórticos eternos, que vai entrar o rei glorioso.
Quem é Ele, esse rei glorioso? É o Senhor do universo! É Ele o rei glorioso. (Sl 24 [23,3-4.7-10]).
O Rei glorioso desceu à terra e sobe ao Céu, deixando-nos em missão e canto de louvor.
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A Igreja Católica celebra, nas últimas horas deste Sábado Santo e nas primeiras de Domingo de Páscoa, o principal e mais antigo momento do ano litúrgico, a Vigília Pascal, assinalando a ressurreição de Jesus. É uma celebração mais longa do que habitual, em que são proclamadas mais passagens da Bíblia do que as três habitualmente lidas aos domingos, continuando com uma celebração batismal e a comunhão.
A vigília começa com o ritual do fogo e da luz, que evoca a ressurreição de Jesus; o círio pascal é abençoado, antes de o presidente da celebração inscrever a primeira e a última letra do alfabeto grego (alfa e ómega) e inserir 5 grãos de incenso, em memória das 5 chagas da crucifixão de Cristo. A inscrição das letras e do ano no círio são acompanhadas pela recitação da fórmula em latim ‘Christus heri et hodie, Principium et Finis, Alpha et Omega. Ipsius sunt tempora et sæcula. Ipsi gloria et imperium per universa æternitatis sæcula’ (Cristo ontem e hoje, princípio e fim, alfa e ómega. Dele são os tempos e os séculos. A Ele a glória e o poder por todos os séculos, eternamente).
O ‘aleluia’, suprimido na Quaresma, reaparece agora em vários momentos da missa como sinal de alegria.
A celebração articula-se em quatro partes: a liturgia da luz ou “lucernário”; a liturgia da Palavra; a liturgia batismal; a liturgia eucarística. A liturgia da luz consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal. A liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento, que recordam “as maravilhas de Deus na história da salvação” e duas do Novo Testamento: o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos sinóticos (Marcos, Mateus e Lucas) e a leitura apostólica sobre o Batismo cristão. A liturgia batismal é parte integrante da celebração, pelo que, mesmo quando não há qualquer Batismo, se faz a bênção da fonte batismal e a renovação das promessas. Do programa ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a assembleia com a água benta e a oração universal. A Liturgia Eucarística decorre como noutras celebrações.
Nos primeiros séculos, as Igrejas do Oriente celebravam a Páscoa como os judeus, no dia 14 do mês de Nisan, ao passo que as do Ocidente a celebravam sempre ao domingo. O Concílio de Niceia, no ano 325, apresentou prescrições sobre o prazo dentro do qual se pode celebrar a Páscoa, conforme os cálculos astronómicos (primeiro domingo depois da lua cheia que se segue ao equinócio da primavera): de 22 de março a 25 de abril. Em 1951, o Papa Pio XII mandou celebrar a Vigília Pascal de novo como nas origens, isto é, na noite do Sábado Santo para o Domingo da Páscoa; a reforma do Concílio Vaticano II  confirmou esta disposição.
2018.03.31 – Louro de Carvalho

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