O Papa
Francisco rezou, neste domingo, 18 de março, como habitualmente o faz aos
domingos e dias santos, a oração mariana do Angelus
com os fiéis e peregrinos de várias partes do mundo, presentes na Praça São
Pedro.
Porém, antes pronunciou uma breve alocução com
acento no Evangelho do dia, salientando um dos verbos fundamentais do texto de
João – o verbo “ver”. E disse que o verbo que
João usa “ver”, “significa chegar ao coração, chegar com os olhos, com o
entendimento até ao íntimo da pessoa, dentro da pessoa”. Não é de um ver
superficial que se trata, mas do ver com olhar profundo e “penetrante”, “de
olhos abertos”, como se dizia de Balaão filho de Beor:
“Oráculo de Balaão, filho de Beor, oráculo
do homem de olhar penetrante; oráculo do que escuta as palavras de Deus, que
tem a visão do Omnipotente, que se prostra, mas de olhos abertos” (Nm
24,3-4).
O Evangelho
deste domingo, sublinha o Papa, narra o episódio ocorrido nos últimos dias da
vida de Jesus que se encontra em Jerusalém para a festa da Páscoa judaica,
sendo que alguns gregos também participaram nesta celebração ritual. “Trata-se
de homens animados por sentimentos religiosos, atraídos pela fé do povo judeu e
que, tendo ouvido falar desse grande profeta, se aproximam de Filipe, um dos
doze apóstolos, e lhe dizem: Queremos ver
Jesus”.
Provavelmente
queriam ver Jesus por curiosidade, para não ficarem para trás, para verem
prodígios e sinais. Tanto assim era que não estavam à vontade para se dirigirem
a Ele, mas tentaram fazê-lo por intermediários.
É certo que
a oferta da Salvação trazida por Cristo se dirigia também a eles, aliás como a
todos, dado o seu caráter universal, mas essa visão de Jesus tinha de ser feita
em comunidade e não se podia ficar pela tona. Era e é preciso chegar ao
coração.
Como diz o Pontífice, João faz ressaltar
“esta frase, centrada no ver, que no vocabulário do evangelista significa ir além das aparências para entender o
mistério de uma pessoa”. O verbo que João usa “ver” significa chegar ao coração, chegar com
os olhos, com o entendimento até o íntimo da pessoa, dentro da pessoa”.
***
O verbo “ver” é recorrente em João.
Vejamos, a título de exemplo, alguns lugares do
Evangelho: “E nós vimos a sua glória, a glória que possui como
Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). “Vi o Espírito que
descia do céu como uma pomba e permanecia sobre Ele […] Pois bem: eu vi e dou testemunho de que este é o
Filho de Deus.” (Jo 1,32.34). “Ele
respondeu-lhes: ‘Vinde e vereis’.
Foram, pois, e viram onde morava e
ficaram com Ele nesse dia.” (Jo 1,39). “Vi-te
quando estavas debaixo da figueira” (Jo
1,48).
“Hás de ver coisas maiores do que
estas” (Jo 1,50). “Em verdade, em verdade vos digo: vereis o Céu aberto e os anjos de Deus
subindo e descendo por meio do Filho do Homem” (Jo
1,51).
É um ver que denota a penetração no mistério de Deus, no coração da pessoa e na
propedêutica para o testemunho.
“Muitos creram
nele ao verem os sinais miraculosos
que realizava” (Jo 2,23). “Nós falamos do que sabemos e damos testemunho do que vimos”
(Jo 3,11). “Aquele que vem do Céu está acima de tudo e dá testemunho
daquilo que viu e ouviu” (Jo 3,31-32). “Senhor, vejo
que és um profeta” (Jo 4,19). “Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu
fiz” (Jo 4,29). “Se não virdes
sinais extraordinários e prodígios, não acreditais (Jo 4,48). “O pai viu,
então, que tinha sido exatamente àquela hora que Jesus lhe dissera: ‘O teu
filho está salvo’. E acreditou ele e todos os da sua casa” (Jo 4,53). Alguns só acreditam se virem, enquanto outros creem sem
ter visto.
“Jesus, ao vê-lo prostrado e sabendo que já levava
muito tempo assim, disse-lhe: Queres ficar são?” (Jo 5,6). É o ver de compaixão pela necessidade. “Vê lá: ficaste curado. Não peques mais.”
(Jo 5,14). É o ver de advertência. “Aquela gente, ao ver o sinal milagroso que Jesus tinha
feito, dizia: ‘Este é realmente o Profeta que devia vir ao mundo’!” (Jo 6,14). É o ver que leva a crer. “Quando viu que nem Jesus nem os seus discípulos estavam ali, a multidão
subiu para os barcos e foi para Cafarnaum à procura de Jesus” (Jo 6,24). É o ver do desconforto e que leva à procura. “Aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna
(Jo 1,40). É o ver da fé profunda e firme que transporta à vida
eterna, que gera a salvação.
E
revisitemos o cap. 20. Maria Madalena viu
retirada a pedra do sepulcro (v. 1); Simão
Pedro ficou admirado ao ver os panos
(v. 6); o outro discípulo “viu e começou a crer” (v. 8); Maria Madalena “voltou-se para trás e viu Jesus, de pé, mas não se dava conta de que era Ele” (v. 14); “Maria
Madalena foi e anunciou aos discípulos: ‘Vi
o Senhor!’. E contou o que Ele lhe tinha dito” (v. 18); “Os
discípulos encheram-se de alegria por verem
o Senhor” (v. 20). “Disseram: ‘Vimos o Senhor’. Tomé disse: ‘Se eu
não vir o sinal dos pregos nas suas
mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito,
não acredito’.” (v. 25).
Depois desta caminhada ao encontro do Ressuscitado, entre a
surpresa, dúvida e alegria testemunhante, vem a sentença do Senhor: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que creem
sem terem visto,” (v. 29). É um ver que
tem de passar do corporal para o espiritual e para o total.
***
A reação de
Jesus ao desejo daqueles gregos de que fala a perícopa do Evangelho em causa (Jo
12,20-33) é surpreendente, no dizer do Papa. Jesus não responde
com um ‘sim’ ou com um ‘não’, mas di-lo com um facto não palpável à vista
desarmada: “Chegou a hora em que o Filho
do Homem vai ser glorificado”. São palavras, que à primeira vista parecem
ignorar o desejo dos gregos, mas na realidade dão a verdadeira resposta, porque
quem quer conhecer Jesus deve olhá-Lo dentro da cruz, onde a sua glória é revelada
– olhar dentro da cruz. Por isso, Francisco adverte:
“O Evangelho de hoje convida-nos a dirigir o
nosso olhar ao crucifixo, que não é um objeto de decoração ou o acessório de
uma roupa, de que se abusa às vezes!”.
O crucifixo
é, antes, um sinal religioso a ser contemplado e compreendido. Na imagem de
Jesus crucificado revela-se o mistério da morte do Filho como supremo ato de
amor, fonte de vida e salvação para a humanidade de todos os tempos, pois, “em suas chagas fomos curados” (1Pe
2,24). Assim, a cruz não é ato de loucura ou pedra
de escândalo nem mesmo a refinada sabedoria grega, mas a portadora da sabedoria
do Altíssimo. Por isso, com Cristo inaugurou-se um tipo específico de
sabedoria, a “Sabedoria da cruz”. E hoje a Santa Sofia é a sabedoria sapiente
de Deus existente desde toda a eternidade, mas, depois do episódio do Calvário,
a sabedoria para os crentes é Cristo crucificado. Nestes termos, o Papa
Francisco discorre:
“Posso pensar: como olho eu o crucifixo? Como uma obra de arte, para ver
se é bonito ou feio? Eu olho-o de dentro, entro nas chagas de Jesus até o seu
coração? Olho o mistério do Deus que se aniquilou até a morte, como um escravo,
como um criminoso? Não vos esqueçais disso: olhar o crucifixo, mas olhá-lo
dentro.”
Depois,
refere “a devoção bonita de rezar um Pai-Nosso numa das cinco chagas”,
exortando: “Quando rezamos este Pai-Nosso, procuremos entrar dentro das chagas
de Jesus, em seu coração”, pois, “ali, aprenderemos a grande sabedoria do
mistério de Cristo, a grande sabedoria da cruz”.
Para
explicar o significado da sua Paixão, Morte e Ressurreição, Jesus usa a imagem
do grão de trigo, advertindo: “Se o grão
de trigo que cai na terra não morre, continua só; mas se morre, então produz
muito fruto”.
Enfim, a Cruz coroa a encarnação, pois é a sua finalidade. E o Papa
explicita o querer de Jesus:
“Ele quer deixar claro que o seu evento extremo, ou seja, a cruz, morte
e ressurreição, é um ato de fecundidade, as suas chagas nos curaram. Uma
fecundidade que dará fruto para muitos. Assim, ele compara-se ao grão de trigo
que, morrendo na terra, gera vida nova.”.
Como diz o
Papa, “com a encarnação, Jesus veio ao mundo; mas isso não basta”. Na verdade,
“Ele deve também morrer para resgatar os homens da escravidão do pecado e
dar-lhes uma nova vida reconciliada no amor”. Ele é o redentor do homem, o
redentor do mundo!
E Francisco
esmiúça meditando:
“Eu disse para resgatar os homens: para me resgatar, te resgatar a ti, a
todos nós, a cada um de nós. Ele pagou esse preço. Este é o mistério de Cristo.
Vai às suas chagas, entra e contempla. Vê Jesus de dentro.”.
Segundo o
Santo Padre, “este dinamismo do
grão de trigo, realizado em Jesus, também deve ser realizado em nós, seus
discípulos”, pois, “somos chamados a fazer nossa esta lei pascal
de perder a vida para recebê-la nova e também eterna”.
Mas é importante questionarmo-nos sobre o significado deste perder a
vida à imagem do grão de trigo. Por isso, o discurso papal desenvolve-se agora
no esquema pergunta-resposta:
“O que significa perder a vida? O que significa ser um grão de trigo?
Significa pensar menos em si mesmos, nos interesses pessoais, e saber ‘ver’ e
ir ao encontro das necessidades do nosso próximo, especialmente dos últimos.”.
Por
consequência, é preciso incorporar no nosso estilo de vida e este dinamismo:
“Realizar com alegria obras caritativas aos que sofrem no corpo e no
espírito é a maneira mais autêntica de viver o Evangelho, é o fundamento necessário para que as nossas
comunidades cresçam na fraternidade e no acolhimento recíproco. Quero
ver Jesus, mas vê-lo de dentro. Entra em suas chagas e contempla o amor de seu
coração por ti, por mim, por todos.”.
E, a ilustrar a força deste dinamismo da dedicação compassiva e generosa,
o Papa recordou visita feita, no dia 17, a Pietrelcina e San Giovanni Rotondo,
onde lidou com o sofrimento e a dor, bem como com a abnegação dos cuidadores no
Hospital Pediátrico e na Casa do Alívio e do Sofrimento. De facto, tantos e
tantas completam na sua carne o que falta à Paixão de Cristo, por seu corpo,
que é a Igreja (cf Cl 1,24).
2018.03.18 –
Louro de Carvalho
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