sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Não combater o clima constitui violação de Direitos Humanos

 

Caso sem precedentes é o de seis jovens portugueses que acusam 33 países de violação de Direitos Humanos, por não combaterem as alterações climáticas, como reporta o Expresso online, a 29 de setembro, pela pena de Cláudia Monarca Almeida.

Na verdade, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) ouviu, a 27 de setembro, o caso dos seis jovens portugueses que acusam Portugal e outros 32 países de inação climática. A deliberação, que só deverá ser conhecida em 2024, já suscita grande expectativa. Se os Estados em causa forem condenados, o impacto será “estrondoso”.

É verdade que o TEDH já deliberou em casos sobre questões ambientais, mas apresentados por pessoas afetadas, diretamente, por problemas com causas específicas identificadas (por exemplo, viverem perto de fábricas e estarem afetados por poluição), explica Heloísa Oliveira, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e responsável pelo Climate Litigation Observatory (CLO).

Como indica a investigadora, as questões climáticas são diferentes, pois “são estruturalmente difusas” e os impactos são sentidos, de forma indiferenciada, “entre as pessoas de certas regiões, com causas cumulativas e difusas, transfronteiriças e diferidas no tempo”. Isto leva a que “os casos de litigância climática sejam disruptivos”, originando, frequentemente, decisões inovadoras, porque “o direito vigente não foi criado para resolver problemas desta natureza”. E “quase todas estas ações são preventivas, em relação a danos futuros, ao passo que  os outros casos do TEDH se referem a “danos concretos que já se verificaram e não são antecipatórias”, como é o caso em apreço.

Todavia, esta não é a única ação climática a decorrer no TEDH. Com efeito, o Tribunal está analisar outros dois casos: um intentado por um grupo de idosos contra a Suíça; e outro, pelo ex-autarca de Grande-Synthe contra a França.

O caso Duarte Agostinho e outros cinco contra Portugal e contra outros 32 Estados assume especial relevância por várias razões. Em primeiro lugar, os autores do processo são jovens, alguns deles menores de idade, o que, segundo Tiago de Melo Cartaxo, professor de Lei Ambiental na Universidade de Exeter e na NOVA School of Law, leva a concluir que “faz sentido enfatizar o papel das novas gerações na defesa dos direitos ambientais e climáticos, como elemento essencial na promoção da justiça intergeracional”. Em segundo lugar, a ação não é apenas intentada contra um, mas também contra mais 32 Estados, o que permite concluir que, se o TEDH decidir a favor dos autores, “a decisão poderá ter um impacto estrondoso nas jurisdições de um vasto número de Estados”. E, em terceiro lugar, uma caraterística relevante do processo prende-se com o facto de já ter sido objeto da intervenção de amplo número entidades terceiras, como relatores especiais Organização das Nações Unidas (ONU), da Comissária Europeia para os Direitos Humanos, da Greenpeace, da Amnistia Internacional, de universidades e de outras organizações interessadas no tema.

A questão que se levanta é: “Se as alterações climáticas são problema global, podem os países ser responsabilizados?” Ora, na audiência, os países acusados consideraram “inegáveis” os impactos da crise climática e não rejeitaram as provas científicas. Porém, contestaram a admissibilidade do caso, aduzindo que o TEDH estaria a exceder o seu mandado e que, por este ser um problema global, os queixosos não deveriam poder reclamar o estatuto de vítimas.

E Heloísa Oliveira, considerando esta argumentação previsível e coerente com a jurisprudência do TEDH, bem como com o modelo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), sustenta que “não é possível estabelecer causalidade entre as emissões com origem num país específico e um evento que afete uma determinada pessoa”. Com efeito, “a responsabilidade por danos resultantes de alterações climáticas não pode deixar de ser assumida, de forma coletiva, a nível global, ainda que de forma diferenciada entre Estados”, justifica. Não obstante, em sua opinião, tal não impede o TEDH de apreciar se os Estados em causa, sendo emitentes e não estando a reduzir emissões a um nível adequado à luz do consenso científico, estão ou não a violar direitos humanos,” mesmo que outros Estados, que não são Parte da CEDH, também o estejam.”

Tiago Cartaxo corrobora, sustentando que o argumento de as alterações climáticas terem efeitos globais são será suficiente para o TEDH o aceitar, visto que estão em causa 33 Estados industrializados e poluentes, que representam grande parte da economia global e do contributo para as alterações climáticas, mas ficam fora deste grupo países como a China, a India e os Estados Unidos da América (EUA), que são dos maiores poluentes do Mundo. Contudo, será hipocrisia que os juízes decidam que, tendo também responsabilidade na matéria Estados que estão fora da sua jurisdição, deixarão de julgar os Estados incluídos na sua jurisdição.

Este caso, a ser decidido conforme a vontade dos autores, criará precedentes jurídicos em matéria processual e substantiva, porque ser o primeiro caso decidido pelo TEDH em matéria de alterações climáticas. Efetivamente, se o TEDH aceitar o caso, o acesso a esse tribunal será mais fácil para qualquer cidadão no espaço europeu, o que terá como consequência “a propositura de mais ações climáticas”. Por outro lado, a jurisprudência criada estender-se-á aos tribunais nacionais. Mais, como aponta Heloísa Oliveira, sendo este tribunal europeu “o mais antigo e desenvolvido dos sistemas regionais de proteção de direitos humanos”, é possível que influencie os mais variados órgãos e tribunais internacionais onde decorrem outras ações climáticas.

Tiago Cartaxo lembra que, em abril deste ano, a Assembleia Geral da ONU aprovou, por consenso, uma resolução a solicitar um parecer consultivo ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre as responsabilidades dos Estados em matéria climática”. Assim, também o TIJ, que abrange os países da ONU], aguarda a decisão do TEDH, para poder tomar uma posição no futuro.

Para os países que ratificaram a CEDH, as decisões do TEDH são vinculativas. A exceção será a Rússia, o único acusado que foi expulso do Conselho da Europa, instituição que tutela o TEDH, na sequência da invasão da Ucrânia. Poderá haver questões com o Reino Unido, que admitiu abandonar a CEDH, devido a tensões com o TEDH em matéria de migrações. Para todos os outros países, se o TEDH, na decisão final, der razão aos autores deste processo, as consequências serão enormes, desde logo pela necessidade de mais de três dezenas de Estados terem de alterar as suas legislações e as suas políticas em matéria ambiental e climática, incluindo as metas relativamente à neutralidade carbónica e aos demais gases com efeito de estufa.

O próprio Direito do Ambiente da União Europeia e as suas agendas ambientais, como o Green Deal, podem sofrer alterações no futuro, após decisão de tal envergadura. Dependendo da fundamentação da decisão, “os Estados ficarão com o dever de reduzir as suas emissões”, explicita Heloísa Oliveira, referindo: “O Comité de Ministros do Conselho da Europa é o órgão com competência para verificar o cumprimento das decisões do TEDH, pelo que os Estados teriam de passar a prestar informações sobre que medidas foram adotadas na matéria.”

Tiago Cartaxo ficará mais preocupado, se a decisão do TEDH “for desfavorável aos autores”, pois, sendo “O TEDH, historicamente, um dos tribunais mais avançados em Direito Internacional, se esta for uma oportunidade perdida, as esperanças dos ambientalistas serão menores.

Heloísa Oliveira, considerando que “há vários tipos de ações climáticas” e que o seu impacto real dependerá dos termos do pedido, da condenação e das entidades envolvidas (algumas ações são simbólicas, várias não), desenvolve: “Todas as ações procedentes contra empresas – por exemplo, redução de emissões e proibição de práticas de greenwashing – podem ser imediatamente consequentes, não só no caso, mas também enquanto precedentes que as demais empresas não poderão ignorar nas suas práticas, sob pena de serem também elas condenadas. Já nas ações contra Estados e entidades públicas, os tribunais reconhecem sempre uma margem de apreciação do poder político, mesmo quando condenam – ou seja, o poder político é que terá de definir, entre as várias vias possíveis, como é que irá alcançar o resultado.”

Assim, essas ações podem parecer menos eficazes, mas todas contribuem para “identificar, especificar e alargar os limites jurídicos à ação política”, isto é, para declarar que a adoção de medida concretas que consigam atingir a neutralidade carbónica, a breve trecho, não é mera opção política, mas um dever legal, “o que, até agora, era apenas algo que ativistas reivindicavam e sobre o qual académicos escreviam”, diz a investigadora responsável pelo CLO.

Já Tiago Cartaxo, apontando o risco da multiplicação das ações climáticas, que pode parecer positivo, à partida, mas que pode vir a “encher os tribunais com processos intermináveis e fazer com que o combate a um problema urgente passe para segundo plano”, opina: “Parece-me que o TEDH tem vindo a analisar os vários casos que se lhe têm sido apresentados, de forma bastante cuidadosa e sensata. Acredito que um dia viremos a ter uma decisão de um tribunal internacional que seja favorável a todo o movimento mundial de combate às alterações climáticas. O caso dos jovens portugueses parece ter argumentos e fundamentos razoáveis e poderá vir a tornar-se num caso paradigmático de Direito Internacional em matéria climática.”

Porém, os renomados investigadores consideram que a via judicial deve ser “uma das respostas” do Direito à crise climática, mas não a única. Outro mecanismo jurídico “bastante eficaz”, defendem, “é a inclusão de cláusulas climáticas em contratos comerciais”.

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Parece-me temerária e de reduzida eficácia a via judicial, no TEDH ou no TIJ, para a resolução dos problemas ambientais, mormente no âmbito climático. Implica alterações legislativas nos Estados e nas organizações internacionais de Estados, a que se tem imprimido uma celeridade de caracol. Por sua vez, a via judicial nacional também é morosa e tem dificuldade em fazer cumprir as decisões dos tribunais, nomeadamente da parte de quem tem dinheiro e/ou poder.

Também é injusto, em minha opinião, punir uns países e outros ficarem isentos de punição, quando os problemas climáticos são globais e têm de ser atacados em rede, e quando o TEDH e o TIJ não são cabazes de punir os grandes lóbis que zelam os poderosos interesses instalados em todo o Mundo, a começar pelos países mais pobres e/ou mais dependentes.

É, no entanto, urgente combater as alterações climáticas e zelar pela preservação do planeta, todos cumprindo a sua parte. Porém, embora se compreenda e aceite a revolta das novas gerações por verem o seu futuro ameaçado, não lhes é lícito protagonizar ações que, em vez de intensificarem a ação climática, a descredibilizam. Refiro-me à aderência (tipo birra) a instalações, à exigência de demissões de governantes, a ataques pessoais, alguns deles exóticos. Em alguns casos, há falta de coerência. Por exemplo, não querem os combustíveis de origem fóssil, mas não dispensam o carro ou a moto e usam os plásticos.   

E imaginem a hecatombe histórica, se nós quiséssemos fazer um juízo, ainda que meramente histórico (mas com algumas consequências), sobre os desleixos dos nossos antepassados, que nos dificultaram o presente, com surtos de fome, de peste e de guerras (as guerras são o elemento mais danoso para o planeta)!

2023.09.29 – Louro de Carvalho

A Igreja é para “todos, todos, todos”, mas não para “tudo, tudo, tudo”

 

Portugal conta, a partir de 30 de setembro, com seis cardeais, quatro dos quais possíveis eleitores em próximo conclave, tendo D. Américo Aguiar, bispo-eleito de Setúbal, chegado ao cardinalato antes de completar 50 anos, com o pregão enunciado em epígrafe.

O principal rosto da organização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa, em agosto, assegura, em entrevista conjunta à agência Lusa e à agência Ecclesia, não ter “expectativa nenhuma” sobre a elevação a cardeal, confessando que os primeiros sentimentos, a 9 de julho, ao conhecer a sua nomeação, foram de medo, de incapacidade, de se sentir um “danoninho” (produto alimentício da Danone voltado para o público infantil). Porém, logo surgiu a confiança, pois, quando tem um desafio, entrega-se-lhe na totalidade, aprende e tenta corresponder. “E é nessa disponibilidade que vou responder ao desafio”, assegurou.

Viu na nomeação para o colégio cardinalício “um gesto de homenagem aos jovens, aos jovens portugueses” envolvidos na preparação da JMJ, por quem o Papa sempre manifestou carinho, homenagem, gratidão, nos quatro anos da sua preparação. Admite que os contactos frequentes com o Pontífice, em Roma, para a preparação da JMJ tenham sido fulcrais. Acredita e interpreta, humanamente, que o facto de ter tido seis, oito, 10, 12 audiências privadas com o Papa nestes anos, levou a que ele o mirasse, “tirasse as medidas” e decidisse o que decidiu”, afirma o “cardeal Américo”, como já era conhecido no seminário e visto por muitos como “um terrível seguidor de Francisco”, podendo esta faceta ter sido determinante.

Segundo o cardeal, o Papa, face à sua leitura dos tempos atuais da Igreja e dos desafios futuros da Igreja”, terá valorizado a “disponibilidade, sincronização, fidelidade” ao que Francisco significa para o futuro cardeal, mas também o que significaram Bento XVI e João Paulo II. Todavia, reconhece que não ousou perguntar ao Papa porque é decidiu fazer dele cardeal.

Quanto ao papel enquanto cardeal, diz concordar com uma frase que leu recentemente e que aponta para o estar a assistir-se a uma mudança de paradigma: de cardeais “príncipes da Igreja” para cardeais “príncipes do Papa”: “É isso que o Papa, nas suas últimas nomeações, tem reforçado: não é poder, não é fausto, não é nada disso. São aqueles que ele chama mais proximamente para junto de si, sem ser até geográfico, mas para aquilo que seja o governo da Igreja, naquilo que seja o ter mais perto as sensibilidades, seja da idade, seja da geografia, seja das outras circunstâncias”, sustenta, verificando a proximidade das posições do Papa levou alguns setores da Igreja a estarem distantes das suas próprias posições, como quando, antes da JMJ, referiu que naquele encontro não se quereria “converter os jovens a Cristo ou à Igreja”.

De imediato “choveram” críticas de setores mais conservadores, mas desdramatizou, considerando que, em casa, com os amigos, com a família, com os conhecidos, não estamos todos na mesma posição, nem com as mesmas proximidades. E defende que, “nesta família que somos, nesta humanidade que constituímos”, é importante – é o que o Papa tem dito e o cardeal referiu, muitas vezes, até em relação à JMJ – é “conhecer os outros, conhecermo-nos uns aos outros e o que é diferente não deve ser obstáculo, não deve ser problema”. “O que é diferente deve ser oportunidade, deve ser riqueza e deve ser caminho em conjunto. Eu sinto isso”, disse, lamentando: “Estamos na era da liberdade de expressão, mas parece que, quando alguém se expressa de modo diferente daquilo que eu penso, dá uma guerra”.

Para o cardeal, que respondeu a todos os críticos que lhe enviaram mensagens sobre a posição tomada a poucas semanas da JMJ, “é uma coisa estranha”. Exigimos respeito pela liberdade de expressão, mas reagimos violentamente, quando alguém pensa diferente. “Dentro de casa, às vezes, há reações que eu acho que não são justificáveis”, verificou.

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Sobre o aspeto financeiro da JMJ, D. Américo Aguiar, diz que “ainda é preciso tempo” para falar dos momentos mais difíceis vividos na preparação do encontro, mas garante que o encontro deu lucro e que, em breve, serão conhecidos os números. Considera que “é preciso tempo”, pois o mais difícil envolve sempre pessoas e não é justo, porque se pode estar a ver mal. Para já, diz que houve “dificuldades, problemas”, quer na Igreja, quer na relação com instituições.

No entanto, contrapõe o entusiasmo dos dias da Jornada nos muitos profissionais de diversos setores com quem contactou. “Eu gostava de dizer que, durante a Jornada, porque é sentido e foi verdade, eu estava preso naquela coisa do séquito, e não pude sair muito fora daquela ‘prisão domiciliária’. Mas, à noite, dei umas escapadinhas e andei a ver e falei com polícias, falei com médicos e falei com os homens da higiene urbana […]. Estavam felizes. A ideia que eu tinha é de que havia um desconforto, porque tiveram de trabalhar, porque vieram não sei de onde. Não foi isso que eu encontrei. Foi alegria de participar, alegria de ser parte”, garante.

E é isso que o cardeal quer que os portugueses sintam: “Que cada um sinta que fez uma coisinha pequenina e fez a Jornada.” O sucesso da Jornada aconteceu “graças ao polícia, ao bombeiro, ao homem da higiene urbana, ao anónimo”, enfim, “ao empenho de todos”. Por isso, dói e magoa, quando vem a crítica fácil, o populismo, “a rafeirada ou não se sabe o quê estragar algo feito “com tanto carinho, com tanta entrega, com tanto sacrifício por todos os portugueses”.

Quanto às polémicas dos últimos meses, desde logo com os custos da organização, como o altar-palco do Parque Tejo, Américo Aguiar diz que “gostaria que algumas não tivessem acontecido, mas aconteceram”. E diz-se o único culpado por não ter conseguido explicar, mas, quanto mais tempo passa, acredita que Portugal e os portugueses vão entendendo a dimensão do evento.

Julga ter sido o seu calcanhar de Aquiles não ter conseguido transmitir a dimensão de tudo o que envolveu a JMJ: participantes, custos, gastos, tempos, tudo. Porém, entende que tudo foi muito bom, pelo custo, pelo empenho, pela dedicação e pelos problemas.

Tendo anunciado que as contas finais da semana da JMJ serão apresentadas em breve e que o encontro deu lucro, a questão é saber se a Fundação JMJ Lisboa 2023 será extinta ou se continuará. “Inicialmente, quando começámos o caminho, o objetivo era que a Fundação, após cumprimento dos prazos legais das suas obrigações fiscais, pudesse ser extinta, porque se extinguiu o objetivo fundamental”. Porém, o patriarca Rui Valério pode entender, “porque não é descabido, que a fundação se mantenha, até para dar seguimento a coisas que podem acontecer no país ligadas à juventude, sempre como legado, como herança do que foi a JMJ 2023”.

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Uma das mais fortes mensagens deixadas por Francisco na JMJ de Lisboa foi a de uma Igreja para “todos, todos, todos”, o cardeal avisa que não se pode traduzir por “tudo, tudo, tudo”.

Aqui recordo, o abade de Tarouca, Manuel Carlos Pereira Lopes, que dizia, já há muitos anos, que a Igreja é para todos, mas não para tudo. E eu acrescento, “mas não para proveito próprio, quando dá jeito, quando interessa para a fotografia económica, política, clerical ou laical”.  

O novo purpurado sustenta que “isto é um caminho que estamos a fazer” e confessa que “quanto mais o Papa dizia ‘todos’, mais eu ficava feliz”. E, quando, em Fátima, disse – e ele é magnífico, “porque tem os textos que estão feitos e, a certa altura, é capaz de ler a sua audiência e o contexto e, rapidamente, se focar – que a Igreja é como esta igreja [a Capela das Aparições], não tem portas, toda a gente entende. Nós não temos o direito de barrar a ninguém o acesso a Cristo”.

No entanto, o homem que passou a integrar o grupo de cardeais é perentório a alertar: “Agora, ‘todos, todos, todos’ não se traduz por ‘tudo, tudo, tudo’. Quem ama, quem quer, quem cuida, sabe que o Pai ama, quer e cuida, [mas] isso não quer dizer tudo, tudo, tudo.” “Ou seja, o nós chamarmos a atenção, o nós corrigirmos, o nós termos considerações, não significa menos amor, menos entrega e menos dedicação, pelo contrário. Portanto, o ‘todos, todos, todos’ […] é que nós não temos o direito de vedar a ninguém o acesso a Cristo”, diz D. Américo Aguiar. “A partir do momento em que a pessoa chegou a Cristo, o meu trabalho, a minha fé é que Cristo opere no coração dessa pessoa e a converta”, vinca.

É por isso que tem toda a razão – e ele di-lo, também por outras palavras, na entrevista, ao apontar que o intuito primeiro não era converter os jovens. A nós cabe testemunhar e expor, clara e convictamente, o Evangelho, mas é Deus quem toca os corações, que para Ele se voltam.    

Do que ficou para a Igreja em Portugal, no rescaldo da JMJ, além das mensagens do Papa, o cardeal diz que, para já, temos “ notícias do país, das dioceses, no arranque, na retoma”. Aliás, sabe que a diocese de Coimbra anunciou que vai arrancar, com um Sínodo da Juventude. Isso é fundamental que, tendo retirado do sofá os jovens, que eles não regressem ao sofá.

Recordando que o Papa defende, na exortação apostólica ‘Christus vivit’ (Cristo Vive) que os jovens devem ser convidados para a missão, para arregaçar as mangas e trabalhar, ir ao encontro das periferias, ir ao encontro das pessoas, D. Américo Aguiar frisa que “os jovens gostam disso”. Gostam de ajudar no bairro ou na aldeia, de limpar a praia, de apanhar plásticos, de tirar beatas do chão. Porém, é preciso ter em conta que muitos não conhecem as orações ou nem sabem rezar. Alguns não sabem quem é Cristo. E isto coloca algumas limitações. Neste contexto, sustenta que “o convite à missão é urgente”, mas avisa que “isso tem o lado do ‘back office’, e dá muito trabalho, é muito exigente”. Isso dá muito trabalho, mas é preciso que, na realidade de cada diocese, se aproveite a maior riqueza da JMJ em Portugal, que foi descobrir, em todo o país, norte, sul, litoral, interior, continente e ilhas, milhares de jovens que estiveram a preparar a Jornada e que estão em prontidão para corresponder ao que a Igreja lhes proporcionar. E, para o conseguir, é preciso continuar a “provocar” nos jovens o desejo de alcançar as metas, nomeadamente fazer com que não sejam “administradores de medos, mas empreendedores de sonhos”, como Francisco pediu no encontro na Universidade Católica Portuguesa.

Para termos um tempo novo, os jovens têm de reconquistar o gosto, a coragem de sonhar, pois, não tendo os jovens emprego, ganham pouco, não podendo comprar casa ou não tendo como pagar, não podendo ter filhos ou não tendo onde os deixar, deixa-os um pouco deprimidos.

Outro dos legados da JMJ foi a lei da amnistia, que levou à libertação de mais de 400 de jovens.

“O importante da amnistia foi, humanamente, nós devolvermos esperança a alguém que cometeu uma falha na sua vida. Isto é profundamente humano e ultrapassa a questão religiosa. Quando eu disse ao Papa da possibilidade de amnistia, o Papa ficou felicíssimo exatamente neste registo. Um de nós comete um crime, a sociedade impõe uma pena, nós cumprimos essa pena, é humano termos a capacidade de devolver esperança a essa pessoa”, acrescentou, lamentando as críticas que se ouvem sobre as libertações ao abrigo desta decisão extraordinária. Uma coisa é falar com o presidiário ou com a sua família e outra é falar com a família das vítimas ou com as vítimas. O sentimento é totalmente diferente e é preciso conhecer e compreender os dois lados. Agora, “quem sofreu as consequências dos atos graves do que tem estado limitado na sua liberdade tem esta grandeza de aceitar que humanamente nós temos de ser maiores do que aquele que cometeu o crime e temos de lhe dizer: ‘nós vamos-te devolver um pozinho de esperança’”, afirma o cardeal.

Defensor assumido das ideias do Papa Francisco, D. Américo Aguiar reconhece os momentos difíceis que a Igreja atravessa, com as divisões entre a ala progressista e a conservadora. A poucos dias do início da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 4 a 29 de outubro, no Vaticano, frisa que o Papa avisa que “o sínodo não é um parlamento, em que chegam lá as várias fações, cada uma conta as espingardas […] e ganha a maioria”. O sínodo é um local onde cada um se deve sentir livre para falar, ter o gosto de ouvir e deixar o Espírito Santo decidir. Às vezes, “o Espírito Santo toma a decisão que não é propriamente a da maioria”.

Falamos de irmãos e irmãs que como sensibilidades diferentes sobre alguns temas. E o Papa tem-nos provocado a todos para que possamos refletir sobre eles. De facto, consultando os documentos preparatórios do sínodo se verifica “alguma conexão” entre as diferentes sensibilidades. Assim, “há preocupações europeias que casam com preocupações americanas, africanas e asiáticas”. No entanto, “depois, quando começamos a pôr o microscópio a aproximar, depois vem muito mais a identidade nacional e realidades muito específicas”, diz o cardeal D. Américo Aguiar.

É muito importante não desvalorizar a opinião do irmão, a opinião de um país, a opinião de uma conferência episcopal. Não quer dizer que estejam errados ou certos, mas importa que se sintam respeitados ao pronunciarem-se e que estejam disponíveis para acolher o sentir da Igreja em processo sinodal. Com isto, Américo Aguiar mostra-se convicto de que o período da Assembleia Geral do Sínodo será um tempo “de muita oração, de muito trabalho”, confessando-se expectante em relação às conclusões. E enfatiza a vigília de oração ecuménica, de 30 de setembro, a anteceder o início da Assembleia Geral do Sínodo, com o Papa a rezar com outros 12 líderes de confissões cristãs, na Praça de São Pedro, no Vaticano, integrada iniciativa Together, dirigida aos jovens.

Perante este facto, Américo Aguiar lembra que a JMJ de Lisboa fortaleceu o espírito ecuménico.

“É um caminho que vem sendo feito nas jornadas mundiais da juventude e eu gostei muito do que aconteceu no nosso país. Algumas dioceses têm alguma tradição de ecumenismo, de diálogo inter-religioso, noutras nem tanto, são realidades totalmente diferentes, e confesso que gostei e fiquei muito feliz com aquilo que foi o acontecer de vários eventos, acontecimentos, uns mais oficiais no calendário da jornada, outros oficiosos, outros laterais, ou seja, acho que todas as pessoas tiveram oportunidade de dizer, de se dar a conhecer”, recorda.

Reconhecendo que, às vezes, há “reações menos positivas daqueles que não gostam”, o novel purpurado frisa que, “desde que tudo aconteça no respeito pelos outros, tem de se fazer caminho”. E lembra que, nos quatro anos de preparação da JMJ, sobretudo com a Comunidade de Taizé, surgiu a questão dessa vigília, do encontro de jovens de várias religiões e de sentimento diferente, diferenciado de transcendência. Ora, é “muito interessante e muito rico, que os jovens se disponibilizem e queiram, nas suas diversas confissões, rezar ou ter presente uma vigília de oração”. Eles são os filhos do Sínodo”, conclui.

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Que o cardeal D. Américo (do seminário e do Papa) se robusteça cada vez mais pessoalmente, no pastoreio da diocese de Setúbal (que ainda não tem os vícios das velhas dioceses) e na sua ligação com Roma e com o Papa, sem eclipsar a solicitude paulina por todas as Igrejas. Quanto às críticas, é de vincar que “só se atiram pedras às árvores de fruto”.

2023.09.29 – Louro de Carvalho


quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Está em marcha o processo de reprivatização da TAP

 

De acordo com o respetivo comunicado, o Conselho de Ministros aprovou, a 28 de setembro, o Decreto-Lei que inicia o processo de reprivatização do capital social da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), prevendo que este seja efetuado pela modalidade de venda direta. Com efeito, o governo entende que “esta modalidade é a que melhor salvaguarda o interesse nacional, indo ao encontro da estratégia definida para o setor, assente numa maior estabilidade da estrutura acionista e na preservação do valor e da importância da companhia para o país”.

O processo, que prevê ainda uma oferta pública de venda dirigida exclusivamente a trabalhadores da TAP, inclui a integração da Portugália, da Cateringpor e da Cuidados Integrados de Saúde no perímetro de ativos a privatizar e não prejudica a vigência do plano de reestruturação da TAP aprovado pela Comissão Europeia, o qual tem um horizonte temporal até 31 de dezembro de 2025.

Diz o governo que o processo de reprivatização foi precedido de avaliação prévia da empresa (não adiantou valores), concretizada por duas entidades independentes (a EY e o Banco Finantia).

Na conferência de imprensa subsequente à reunião do Conselho de Ministros, o ministro das Finanças, Fernando Medina, esclareceu que o governo definiu que pretende alienar, pelo menos, 51% do capital da empresa (o que não exclui a privatização total), reservando até 5% para os trabalhadores. “A privatização da TAP justifica-se, desde que possamos aumentar o contributo que a empresa dá para o crescimento económico do país”, reiterou o governante, segundo o qual o objetivo do governo, com este processo, é salvaguardar cinco princípios estratégicos: o crescimento da TAP; o crescimento do hub nacional; a garantia do investimento e do emprego em atividades de alto valor no setor da aviação; a garantia do crescimento de operações de ponto a ponto, que aproveitem capacidade não aproveitada nos aeroportos nacionais, com destaque para o aeroporto do Porto; e o valor oferecido para a aquisição das ações da companhia, com vista a maximizar o encaixe financeiro para o país.

Quanto ao perfil do comprador, o ministro das Finanças afirmou: “Queremos investidores de escala do setor aeronáutico, por si ou em consórcios por si liderados, que estejam alinhados com os nossos objetivos estratégicos. Não pretendemos atrair puros investimentos de natureza financeira que venham a procurar entrar na TAP, para, depois, posteriormente a alienar, ou então poder alienar partes e, no fundo, retirar o contributo estratégico da TAP para o país.”

O ministro das Finanças desvalorizou o referido exercício de avaliação prévia, obrigatório por lei. “O valor de uma companhia aérea resulta de uma avaliação contabilística de uma empresa e do valor que o adquirente valorizar a empresa, no que ela seja complementar da sua atividade”, disse, preferindo focar-se no preço que venha a ser oferecido e que terá em conta as sinergias para o comprador. E, sobre o montante que o Estado poderá recuperar da injeção pública de 3,2 mil milhões na TAP, remeteu a resposta para quando forem conhecidas as propostas.

Por seu turno, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, frisou que “este é o momento apropriado para lançar este processo” e mencionou os resultados “francamente positivos” da TAP e o bom momento que se vive no setor aeronáutico, em que há uma grande procura por processos de consolidação. Por outro lado, rejeitou que as condições impostas venham a prejudicar o interesse na operação. “Não são limitações para o comprador. Sinalizam dimensões que são importantes e que as empresas de aviação valorizam. Não é fator que pudesse desvalorizar a TAP, antes pelo contrário”, considerou.

Terá agora início o processo de escolha dos consultores estratégico, financeiro e jurídico, que aconselharão o Estado nesta operação, e o processo de consulta ao mercado e de diálogo com potenciais investidores de referência no setor. 

O objetivo será no final de 2023 ou, o mais tardar, no início de 2024 apresentar, em Conselho de Ministros, o caderno de encargos que definirá, “de forma mais fina”, a concretização e a ponderação dos valores estratégicos que definidos como prioritários, adiantou Fernando Medina. 

O caderno de encargos definirá, com maior detalhe, as condições das ofertas e os critérios de seleção. Segue-se a apresentação de propostas. E uma das exigências é a preservação do hub da TAP no aeroporto de Lisboa.

Há já três interessados de peso que se perfilam: a Lufthansa, a Air France – KLM e o grupo IAG, dono da British Airways e da Iberia. Os dois últimos já contrataram assessores financeiros, jurídicos e de comunicação para os apoiarem neste processo.

Todos aguardavam pela publicação do decreto-lei de reprivatização para tomarem uma decisão mais formal sobre a entrada na corrida. “Queremos ver as condições da participação na privatização da TAP. Acredito que pode ser interessante para nós”, afirmou LuisGallego, CEO do IAG, na sua intervenção no World Aviation Festival, em Lisboa, a 27 de setembro.

O passo dado no dia 28 é o primeiro de um processo que o governo espera concluir até ao final do primeiro semestre do próximo ano. E, juntando as autorizações regulatórias necessárias, a venda só deverá estar concluída dentro de um ano.

Mesmo quando já estiver na mão dos privados, a TAP continuará sujeita ao plano de restruturação acordado com Bruxelas e que vai até ao final de 2025. No entanto, o Governo pode solicitar à Comissão Europeia que autorize alterações convenientes.

Tal como consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (UE), na aplicação das regras de concorrência, a Comissão é neutra no respeitante à propriedade das empresas, pelo que não discrimina entre propriedade pública e privada. Por conseguinte, as condições incluídas na decisão da Comissão, em 2021, incluindo as relativas ao plano de reestruturação, aplicam-se independentemente da estrutura de propriedade.

Na verdade, a Comissão Europeia aprovou, em dezembro de 2021, a injeção de 2,55 mil milhões de euros em ajudas de Estado à TAP, a que se somaram compensações para mitigar o impacto da pandemia, num total de 3,2 mil milhões euros. A capitalização com dinheiro público obrigou à apresentação de um plano de reestruturação, com metas financeiras, a que o Executivo comunitário deu luz verde, mas impondo restrições para preservar a concorrência, como a cedência de 18 slots no aeroporto de Lisboa, que foram parar à easyJet, ou a imposição de um limite de 99 aeronaves até ao final de 2022.

A TAP tem vindo a bater as metas do plano. Em 2022, registou lucros de 65,6 milhões de euros, três anos antes do previsto. E o primeiro semestre deste ano terminou também com resultados positivos recorde, de 22,9 milhões, abrindo boas perspetivas para o futuro.

A melhoria dos resultados permitiu começar a reverter as reduções salariais antes do previsto no plano de reestruturação. Os cortes que subsistem, de 20% acima dos 1.520 euros, deverão terminar, ainda este ano, com a assinatura de novos acordos de empresa, como já aconteceu com os pilotos e com o pessoal de terra. Por fechar estão as negociações com as principais estruturas sindicais que representam os tripulantes e os técnicos de manutenção.

O governo vai por à venda “pelo menos” 51% da transportadora. A percentagem exata será fixada mediante as ofertas recebidas. “Não está definido, ainda hoje, se será 51%, se será 60%, 80% ou 100%, como admitiu o senhor primeiro-ministro. Será definido numa fase posterior e conforme decorra a privatização”, disse Fernando Medina. Será a percentagem que garanta “segurança no cumprimento dos objetivos estratégicos”, cuja defesa poderá acontecer através da manutenção de uma percentagem da companhia, com direitos especiais, ou um acordo parassocial assinado com o novo acionista. Assim, a empresa voltará a ter donos privados, depois de, em 2020, o governo ter avançado para a nacionalização da companhia, cuja sobrevivência ficou posta em causa pelo impacto da pandemia no transporte aéreo. A entrada do Estado ditou a saída da Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, que tinham ganho a privatização de 2015.

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As reações não se fizeram esperar. Os partidos mais à direita falam em ziguezague do governo, em falta de planeamento e em reconhecimento do erro cometido com a nacionalização. Os partidos mais à esquerda falam em crime, em assalto e na perda de milhões de euros – dinheiro público (dos contribuintes) –, acusando a reestruturação da empresa de ter sido feita à custa da redução de salários e de despedimentos. Há um partido a defender que o processo deve ser acompanhado e fiscalizado pela Entidade das Contas. O Presidente da República exige que a lei garanta o interesse nacional. Os trabalhadores têm por gravoso vir uma empresa espanhola a ser proprietária da TAP. E todos querem que, a efetuar-se, a reprivatização se faça por valor não inferior ao montante dos milhões de euros injetados na companhia aérea pelo Estado ou pela UE.

Por mim, preferia que a TAP continuasse maioritariamente pública. Contudo, a ser vendida, é desejável que o contrato não deixe para o Estado os rabos-de-palha, como indemnizações por litigâncias pendentes, encargos encobertos, ou seja, que não venha a suceder nada parecido com o que antecéu com a venda do Novo Banco (o Estado vendeu e pagou os encargos).

Por fim, não partilho da ideia de que o processo da transportadora aérea enferme de falta de planeamento, de que haja reconhecimento de erro por parte do governo ou de que o primeiro-ministro (PM) tenha mudado, realmente, de opinião.

Bem ou mal, pelo menos, desde que o falecido Jorge Coelho detinha, como ministro, a tutela da TAP, a ideia da privatização parcial era notoriamente confessada através da necessidade de o Estado conseguir um parceiro estratégico, que ninguém encontrou. Em 2015, alegadamente por imposição da troika, o governo de Passos Coelho privatizou a companhia aérea, reservando 5% para os trabalhadores. Veio a saber-se, através de personalidades insuspeitas, ouvidas em sede de comissão parlamentar de inquérito (CPI), que a privatização fora precipitada, executada em tempo de duvidosa legitimidade do governo em funções e em condições gravosas para a empresa. Terá sido, por estes motivos (e talvez para alinhar com os partidos que apoiavam o seu governo minoritário) que o PM acionou o processo de renacionalização.

Com os problemas surgidos com o impacto da pandemia de covid-19 nos transportes aéreos no Mundo, a TAP foi sujeita a um plano de reestruturação autorizado e apoiado pela Comissão Europeia, que implicava uma de duas coisas: a redução salarial, de pessoal e de algumas estruturas; ou a assunção dos encargos pelos acionistas. Como estes não se fizeram parte interessada, teve o Estado de optar pela primeira hipótese.

É pena que uma companhia de bandeira se tenha capitalizado em proveito de interesses privados e que o Estado lhe tenha de pagar, quiçá a preço exorbitante, o serviço público que venha a prestar. Porém, não sei se os opositores a esta medida fariam melhor, se fossem governo. Na hora da verdade, para onerar o contribuinte, todos servem.

2023.09.28 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

História e rostos do Sínodo dos Bispos

 

O padre jesuíta Giacomo Costa, num artigo publicado no L’Osservatore Romano, revisita a evolução da assembleia dos bispos, desde a ideia inicial de São Paulo VI, há cerca de 60 anos, até à nova conceção de Francisco, a espelhar na próxima assembleia, em outubro próximo.

O Sínodo dos Bispos nasceu, em 1965, por iniciativa de Paulo VI, com o “Motu proprio” Apostolica sollicitudo, que o definiu como “um conselho permanente de Bispos para a Igreja universal”. Assim, deu sequência a uma solicitação do Concílio Vaticano II, que estava quase no a chegar ao seu termo, especialmente durante o debate sobre a colegialidade. Desde então, Paulo VI estava ciente de que o Sínodo mudaria com o tempo. De facto, no “Motu proprio”, o Papa escreveu: “Como toda instituição humana, com o passar do tempo ele será aperfeiçoado.”

Casos houve, após o pontificado de Paulo VI, em que o documento final da assembleia sinodal e, obviamente, a exortação apostólica pós-sinodal subsequente pouco retinham do que os bispos haviam refletido. A Cúria Romana tendia a sobrepor-se à assembleia. Bento XVI e Francisco optaram pelo respeito pela assembleia sinodal.    

A evolução do Sínodo andou de mãos dadas com a receção progressiva do Concílio, em particular com a visão eclesiológica em que está enraizada a relação entre o povo de Deus, o colégio dos bispos e o Bispo de Roma. O Papa Francisco deu expressão a esta realidade, por vezes esquecida ou subalternizada, refletindo sobre a dimensão sinodal constitutiva da Igreja por ocasião do quinquagésimo aniversário da instituição do Sínodo (2015): “Uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, [...] uma escuta mútua na qual cada um tem algo a aprender. Povo fiel, Colégio episcopal, Bispo de Roma: um ouvindo o outro; e todos ouvindo o Espírito Santo.”

Em 2018, a constituição apostólica Episcopalis communio prossegue na linha de aperfeiçoamento do Sínodo: de evento pontual – assembleia de bispos dedicada a tratar de uma questão – transforma-o num processo articulado em várias etapas, em que toda a Igreja e todos na Igreja são convidados a participar. Foi sobre esta base renovada que se concebeu o processo do Sínodo 2021-2024, intitulado “Por uma Igreja Sinodal. Comunhão, participação, missão”. Isso explica a sua articulação, que é muito mais complexa do que a dos sínodos anteriores.

Esta articulação previu uma longa fase de consulta e de escuta do povo de Deus em todas as Igrejas do Mundo, que ocorreu em várias etapas: começou a nível local (paroquial e, depois, diocesano), passou para o nível das conferências episcopais nacionais e terminou com o nível continental. Neste processo, a escuta tornou-se uma oportunidade de encontro e de diálogo, dentro de cada Igreja local e entre as diversas Igrejas locais, especialmente entre as que pertencem à mesma região, e ao nível da Igreja universal, graças também aos estímulos do Documento preparatório e do Documento de trabalho para a etapa continental, elaborados pela Secretaria-Geral do Sínodo, em particular, com base nos elementos colhidos na escuta do povo de Deus.

A dinâmica eclesial a nível continental, que este sínodo enfatiza, encontra inspiração no Concílio Vaticano II, particularmente no decreto Ad gentes, que afirma no n.º 22: “É, portanto, desejável, para não dizer sumamente conveniente, que as conferências episcopais se reúnam dentro de cada vasto território sociocultural, a fim de poderem realizar esse plano de adaptação em plena harmonia entre si e na uniformidade das decisões.”

E a fase de discernimento, tarefa que cabe, em primeiro lugar, aos pastores, acentua o seu caráter processual, graças ao facto de a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ser realizada em duas sessões, intercaladas com um tempo para os devidos aprofundamentos e, sobretudo, para interpelar, de novo, o Povo de Deus.

A maior articulação do processo reflete-se na composição da assembleia sinodal e influencia-a. Ela mantém o seu caráter episcopal fundamental, já que três quartos dos seus membros são bispos, a que se juntam sacerdotes e diáconos, religiosos e religiosas, leigos e leigas, escolhidos entre os/as que se comprometeram mais intensamente com as várias etapas do processo sinodal. A sua tarefa é levar o testemunho e a memória da riqueza do processo para a assembleia responsável pelo discernimento.

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A primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo 2021-2024 (com 464 participantes, segundo os últimos dados), que se realizará em outubro próximo, é definida pelo padre Giacomo Costa S.I., secretário especial da Assembleia Sinodal, como um tempo de mudanças na continuidade. Vamos aguardá-las.

Com efeito, estamos perante um Instrumento de Trabalho diferente, que serve de ajuda prática para trabalhar em conjunto, com base em tudo o que foi feito nas assembleias continentais.

O Sínodo dos Bispos tem evoluído, nos últimos anos, e a Episcopalis communio, que, pela primeira vez, será aplicada na íntegra num sínodo, desempenha um papel importante nesta dinâmica.  O n.º 7 deste documento torna claro que “o processo sinodal tem o seu ponto de partida e também o seu ponto de chegada no Povo de Deus, sobre o qual devem ser derramados os dons da graça infundidos pelo Espírito Santo, através da assembleia dos Pastores”.

Neste processo sinodal, foram levantadas algumas questões: Como é que este “caminhar juntos” que permite à Igreja anunciar o Evangelho, de acordo com a missão que lhe foi confiada, está a ser realizado, hoje, a vários níveis (do local ao universal)? Que passos é que o Espírito nos convida a dar para crescermos como Igreja sinodal?

É um processo em que o trabalho se baseia nos temas que emergiram da escuta do Povo de Deus, apresentados no Instrumentum Laboris (Instrumento de Trabalho) e recolhidos em documentos anteriores. Por isso, o trabalho da Assembleia pretende ser um caminho de oração, de discernimento espiritual, porque o verdadeiro protagonista é o Espírito Santo.

O processo começa a 30 de setembro, com a Vigília Ecuménica de Oração, a que se segue um retiro de três dias e a missa de abertura, a 4 de outubro. Durante os trabalhos da assembleia, acompanhados por momentos de oração e por celebrações litúrgicas, o ponto de partida será uma experiência integral que ajudará, ao longo de quatro dias, a ter uma visão global do que é uma Igreja sinodal, o que constitui o primeiro segmento. Durante 13 dias, de 9 a 21 de outubro, serão trabalhados os três temas prioritários para a Igreja sinodal: comunhão, missão, participação, designados segmentos 2, 3 e 4. Finalmente, surgirá o segmento 5, que será o momento das conclusões e propostas, de 23 a 28 de outubro, com a missa de encerramento, a 29 de outubro.

O objetivo é aprofundar as caraterísticas e os comportamentos fundamentais de uma Igreja sinodal, a partir da experiência do caminho em conjunto vivida pelo Povo de Deus. Por outras palavras, o objetivo é identificar passos práticos significativos a dar, para crescer como Igreja sinodal, através do discernimento sobre os três temas prioritários que emergiram da consulta ao Povo de Deus. Trata-se de perguntar como ser mais plenamente sinal e instrumento de união com Deus e com os outros, como partilhar dons e tarefas ao serviço do Evangelho e como procurar as estruturas e instituições necessárias numa Igreja sinodal missionária.

Ao apresentar a dinâmica de cada segmento, o secretário especial da Assembleia Sinodal disse que cada segmento seguirá o mesmo padrão, ajudando a construir consenso, sem esconder as diferenças. Para tal, haverá uma introdução em que se contextualiza a realidade através de testemunhos e de contributos bíblicos, um trabalho em grupos linguísticos, utilizando o método da conversa no Espírito, sessões plenárias, onde se fará a síntese do trabalho realizado nos grupos, com um debate aberto e uma recapitulação nos grupos, com base nos frutos recolhidos em plenário, que ajudarão a formular um relatório final com propostas para os próximos passos.

Este trabalho será efetuado com base em fichas de trabalho, começando por uma breve contextualização, enquadrada pelas reflexões decorrentes da consulta ao Povo de Deus. Para o efeito, serão propostas algumas intuições e questões que articulam várias perspetivas, dimensões e níveis. Trata-se, segundo o padre Costa, de “amassar a experiência e a Palavra de Deus para descobrir o que o Espírito está a dizer”. Não se trata de uma assembleia parlamentar que discute qual o partido ou a proposta vencedora, esgrimindo acutilante argumentação contra as ideias adversas, nem se trata de um tribunal de doutrina a lançar anátemas contra hereges.  

Quanto às conclusões e propostas, ficou estabelecido que o resultado não será um documento final, porque esta é a primeira sessão. Ao invés, surgirá um novo documento para devolver o que foi trabalhado em toda a Igreja e para ver como aprofundar o que saiu da assembleia, seguindo o disposto na Episcopalis conmunio, que afirma que “o consensus Ecclesiae não é dado pela contagem dos votos, mas é o resultado da ação do Espírito, a alma da única Igreja de Cristo”. Por isso, “ou ganhamos todos ou não ganha ninguém”, pois é inútil formular de qualquer maneira, se a formulação não refletir o consenso.

Aos participantes na Assembleia Sinodal em representação das Igrejas da América Latina e do Caribe, o secretário especial salientou a sua grande responsabilidade, “porque têm, aqui, uma experiência continental única de Igreja sinodal”. Daí a importância destes dias de encontro, que ajudam a tomar consciência dos dons da Igreja na América Latina e no Caribe, a reconhecer os dons das outras Igrejas e a aprender a caminhar juntos. O objetivo é ajudar toda a Igreja a crescer como Igreja sinodal missionária.

Será uma Assembleia sinodal em que a conversação no Espírito desempenha um papel fundamental e que Mauricio López vê como a práxis do discernimento. Nesta metodologia, vê a necessidade de uma atitude orante, que ajude na busca progressiva do que o Espírito nos está a dizer. Reconhecendo que não é um método perfeito, o padre Costa insiste que o passo mais importante é passar do “eu” para o “tu”, para descobrir, no que os outros partilharam, a presença do Espírito, o que dá lugar à procura do “nós”, do sentimento comum de cada grupo, da presença do Senhor em cada um dos grupos, algo que será realizado durante estes dias como preparação para o que será vivido em outubro.

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Enfim, que o Sínodo seja a maior assembleia que se reúne, em outubro, no Mundo. Que a oração dos participantes e de toda a Igreja em união com eles, a capacidade de escuta e a força lúcida do discernimento se tornem um poderoso mecanismo de revivificação da Igreja e um precioso contributo para a paz e para a fraternidade, que teimam em não sair dos papéis.

2023.09.27 – Louro de Carvalho

Chegou a Portugal a DHE, nova doença animal detetada na Europa

 

Uma nova doença detetada na Europa, que começou na Grécia e na Itália, entrou em Espanha, e chegou, em julho de 2023, a Portugal. Era desconhecida na Península Ibérica até ao fim de 2022, mas atingiu, em Espanha, índices preocupantes (só na Estremadura Espanhola, em agosto, matou 400 reses e alastrou, rapidamente, pela Andaluzia, chegando à Comunidade de Madrid) e já foi confirmada em 14 explorações, no Alentejo, e outras, no centro do país, estão, sob suspeita, à espera de análises. Nesta altura, está em situação de alerta praticamente todo o país.

Uma das causas para a rápida progressão desta doença, de etiologia viral, está nas chuvas torrenciais primaveris, de índole tropical, que favoreceram a célere reprodução dos mosquitos do género culicoide, mais comum em zonas tropicais, os quais podem provocar, nos humanos, a doença de pele gnumosa, manifestável através de bolhas cutâneas.  

O mosquito em causa é endémico na África subsaariana, mas as primeiras epidemias provocadas por ele surgiram, em 1980, em animais bovinos do Médio Oriente. Em 2015, a doença foi detetada na Grécia e nos Balcãs.  

Estamos a falar da doença hemorrágica epizoótica (DHE) (ataca, ao mesmo tempo, muitos animais da mesma espécie na mesma zona), que afeta animais ruminantes – especialmente bovinos e veados selvagens. Pode também atingir ovelhas, mas, nestas, sem sintomas graves. Já o gado caprino é pouco afetado.

“É uma doença vírica, afeta os ruminantes – em especial bovinos e os cervídeos selvagens –, é transmitida por vetores e não afeta os seres humanos”, explicou, em declarações à TSF, Susana Pombo, diretora-geral de Alimentação e Veterinária, que, alertando que, tal como sucede em Espanha, a doença “está a expandir-se rapidamente”, explanou: “Quando detetamos uma exploração positiva, é estabelecido um raio de 150 quilómetros que limita o movimento dos animais a partir dessa grande área para outras zonas onde nunca foi reportada a doença, isto numa perspetiva de controlo. Já temos o país praticamente todo afetado, porque 150 quilómetros a partir de Espanha, num foco perto da fronteira, é muito fácil chegar aos limites do nosso país.”

Dentro desse raio de 150 quilómetros, decorrente da lei, os animais de explorações afetadas podem seguir para abate e comercialização, mas não podem ser exportados para países da União Europeia (UE), além de Espanha e Itália, que já têm a doença. “Há constrangimentos dentro da UE, porque só se podem movimentar [animais] dentro de áreas afetadas. Se escolhermos exportar, por exemplo, para França, que é um país que, até à data, é livre [da doença], aí destas áreas afetas não podemos certificar animais”, esclareceu Susana Pombo, a 22 de agosto, assegurando: “Sempre que há a notícia de uma situação positiva, informamos os principais parceiros.”

Na sequência das ocorrências, foi determinada a “vigilância clínica reforçada”, com a obrigatoriedade de comunicação imediata de qualquer suspeita à DGAV.

Apesar de não reconhecer nenhuma morte associada a esta doença, que, em regra, pode ser tratada em poucos dias, Susana Pombo afirmou que, em Espanha, existem já casos de animais mortos.

O consumo de carne de animais doentes não é sequer perigoso, mas o avanço rápido da doença provoca algumas inquietações, já que implica restrições ao movimento de animais nestas explorações, nomeadamente para exportação.

Como se trata de uma doença nova, não há vacina, pelo que a prevenção passa pelo controlo de mosquitos, pela higiene nas explorações e pelos limites à movimentação de animais potencialmente infetados num raio de 150 quilómetros, cobrindo praticamente todo o país.

A diretora-geral de Alimentação e Veterinária pede aos produtores que estejam atentos aos sintomas e alerta as autoridades em caso de suspeita, até porque a transparência é a melhor forma de lidar com o problema. “É uma doença que tem uns sinais clínicos que são mais frequentes [a] que os médicos veterinários e os senhores produtores devem estar atentos, como lesões na mucosa oral, no focinho, [havendo] reportes de que os animais produzem saliva com excesso, com corrimento nasal, por vezes inflamação na coroa dos cascos, alguma coceira e febres”, discorreu.

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Entretanto, ao invés do que, então, sustentava Susana Pombo, já há mortes resultantes da DHE.

Refere Diogo Peralta, médico veterinário que exerce atividade na clínica Portusvet, em Nisa, no distrito de Portalegre, releva que já morreram cerca de 100 bovinos, em Portugal, afetados por esta doença. As regiões do território português mais atingidas são as da raia alentejana, mas há casos registados em outras zonas do país.

Por seu turno, a Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) já cadastrou, até 18 de setembro, em vários concelhos, os estabelecimentos de exploração de bovinos com registos positivos de doença, desde Trás-os-Montes, Alto-Douro, Beira Interior e Alentejo, mas todos a fazer fronteira com Espanha.

Nas áreas consideradas afetadas, estão a ser impostas medidas restritivas que implicam regras de higienização extensivas aos veículos de transporte de animais vivos, que passaram a ter “controlo vetorial”, um método que visa reduzir os vetores da doença. Neste caso, o vetor é um mosquito assassino cuja proveniência pode estar no Norte de África, tendo dali transitado para a Espanha.  

Também Susana Pombo, responsável pela DGAV, confirmou, como referido, a existência da DHE em Portugal: “Surgiu em Badajoz, em novembro de 2022 e, rapidamente, passou para Portugal, logo no início de dezembro do ano passado, primeiro, em duas explorações de bovinos, nos concelhos de Moura e de Barrancos.”  

A situação mais dramática é entre os cervídeos selvagens, devido à dificuldade em ministrar desparasitantes externos. Assim, têm surgido muitos veados mortos nos montados espanhóis e nos portugueses, não havendo, até ao momento, capacidade para controlar o surto.      

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Segundo a DGAV, foi determinada, pela primeira vez, uma zona infetada, em Portugal, através do Edital n.º 1 – Doença Epizoótica Hemorrágica, de 2 de dezembro, na sequência da deteção de focos da DHE em Badajoz, em novembro de 2022. E, devido à confirmação da circulação do vírus da DHE em duas explorações de bovinos nos concelhos de Moura e de Barrancos, torna-se necessário atualizar a zona infetada do território nacional que ficará abrangida pelas medidas previstas na legislação da UE.

Considera a DGAV que a DHE é uma doença de etiologia viral que afeta os ruminantes, em especial os bovinos e os cervídeos selvagens, com transmissão vetorial, classificada como D e E (certificação na movimentação animal entre Estados-membros e notificação obrigatória) pela Lei da Saúde Animal – LSA (Regulamento (UE) 2016/429, de 9 de março e Regulamento de Execução (UE) 2018/1882, de dezembro), e incluída na lista de doenças de declaração obrigatória da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).

Os sinais clínicos desta doença são os seguintes: a perda do sentido de fuga, com imobilidade; a febre e a falta de apetite; a estomatite ulcerativa – lesões na mucosa nasal e bocal, congestão e corrimento nasal; produção excessiva de saliva e dificuldade em engolir; a coceira, por causa da inflamação das coroas dos cascos; o úbere avermelhado; e pequenas úlceras, crostas e/ou hemorragias.

A doença pode provocar a morte do animal, mas é mais frequente a sua recuperação ocorrer em duas semanas. Por outro lado, não afeta, por si, os humanos, não havendo perigosidade de transmissão às pessoas. Todavia, causa prejuízo aos produtores e aos comerciantes, pelos custos com o tratamento da doença e, eventualmente, com a morte dos animais.

De acordo com o estabelecido no Regulamento Delegado (UE) 2020/688 da Comissão, de 17 de dezembro de 2019, a área afetada é constituída por um raio de 150 km em torno do foco, sendo restringidos os movimentos com destino a outros Estados-membros, de animais provenientes de explorações localizadas nessa área. As medidas de controlo a implementar serão adaptadas em função da avaliação das medidas de vigilância e baseiam-se na delimitação de zonas livres e zonas afetadas e na implementação de condicionantes à movimentação animal das espécies sensíveis.

A notificação de qualquer suspeita deve ser realizada, imediatamente, aos serviços da DGAV, para permitir uma rápida e eficaz implementação das medidas de controlo da doença no terreno pela DGAV. Para tal, deve ser utilizado o Modelo 1728/DGAV. Se a notificação é respeitante a mais do que um animal, os mesmos devem ser indicados no anexo do Modelo 1728/DGAV.
Deverão ser reforçadas as medidas de higiene e desinsetização de instalações para controlo vetorial, bem como dos veículos de transporte, e apresentar a declaração de desinsetização (Modelo 1037/DGAV).

As medidas de controlo de doença aplicadas nas zonas afetadas são determinadas no Edital n.º 4, de 19 de setembro de 2023 da Doença Hemorrágica Epizoótica. O mapa e a lista de zonas afetadas pelas restrições associadas a esta doença podem ser consultados no site da DGAV, mantendo-se a lista anexa ao edital anterior (Edital nº 3).

Diogo Peralta sustenta que as medidas preventivas, como a desparasitação externa, são a melhor solução, pois sendo esta uma doença viral, os antibióticos não têm efeito e até aumentam a resistência e a habituação a este tipo de tratamentos.   

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Estamos, pois, ante mais um surto epidémico que origina prejuízos avultados na pecuária e, consequentemente, na economia, e no desequilíbrio dos ecossistemas, a juntar a tantas outras perdas económicas e a tantos outros danos ambientais. Parece que, a cada ano que passa, surgem novos fenómenos epidémicos que preocupam a comunidade humana, juntamente com as catástrofes naturais, com os atentados ambientais, com as alterações climáticas e com as guerras.

2023.09.27 – Louro de Carvalho