domingo, 24 de setembro de 2023

Urge a reforma do processo civil e do processo penal

 

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Henrique Araújo, no discurso que proferiu, a 23 de setembro, na cerimónia, em que marcou presença o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, engenheiro Carlos Moedas, e que assinalou os 190 anos daquele tribunal, que abriu portas, pela primeira vez, a 23 de setembro de 1833, alertou para a necessidade de se “tornarem mais ágeis e claras as regras de processo civil e de processo penal”, sendo, neste último “urgente intervir, para imprimir mais celeridade aos recursos”.

Para assinalar esta importante data, o STJ preparou um programa de comemoração aberto e diversificado, com forte cariz cultural, que decorreu entre os dias 18 e 23 de setembro, no edifício do Tribunal, e que culminou com uma sessão solene, no dia 23, em que interviera, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente da Câmara de Lisboa.

No âmbito deste aniversário, foi também apresentado o livro 190 anos do Supremo Tribunal de Justiça- Arte e Património, coordenado pela Professora Isabel Drummond Braga, que inclui mais de uma dezena de artigos científicos da autoria de reputados professores e especialistas em História da Arte, sobre o relevante acervo patrimonial do Supremo.

O programa integrou, ainda, o lançamento de um número especial da Revista, do Supremo Tribunal de Justiça, a realização de um Congresso sobre “Liberdade, Meio Ambiente e Justiça”, organizado em parceria com a Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, e uma exposição de pintura coletiva. Foram, ainda, realizadas mesas-redondas destinadas a aprofundar a discussão sobre o património histórico e artístico do STJ e visitas guiadas ao edifício do Tribunal, abertas ao público, mediante inscrição prévia.

Na referida sessão solene, após fazer uma resenha histórica daquele tribunal superior, o juiz conselheiro Henrique Araújo falou do futuro, apontando duas dificuldades e insistindo “na necessidade de se tornarem mais ágeis e claras as regras de processo civil e de processo penal”.

No processo penal, referiu a urgência de “intervir para imprimir mais celeridade aos recursos e [para] filtrar a sua admissão para o Supremo”, vincando que, “aí, ainda se torna mais visível a série de expedientes processuais usados para tentar obstaculizar a ação da Justiça, principalmente por quem tem capacidade financeira para sustentar tal litigância”.

A este respeito, o presidente do STJ Henrique lembrou a crónica em que Fernão Lopes cita D. Pedro I “As leis e a justiça são como a teia de aranha. Se nela caem os mosquitos pequenos, aí ficam retidos e morrem; se nela caem as moscas grandes, que são mais rijas, rompem a teia e vão-se. A lei e a justiça apenas se cumprem nos mais pobres; os outros, que têm ajuda e socorro, delas escapam”.

Neste âmbito, Henrique Araújo admitiu que, “na substância, este problema mantém-se, apesar de negado por quem nisso vê vantagem”, pelo que “importa, assim, rever as fases da instrução e [de] julgamento, a recorribilidade das decisões e o próprio regime de recursos”.

Quanto ao processo civil, referiu que houve uma proposta do governo que promovia a alteração do Código de Processo Civil, visando “a agilização da apreciação dos recursos”, mas a iniciativa caducou em 22 de março de 2022, em consequência da dissolução da Assembleia da República (AR). “Daí para cá não são conhecidas novas iniciativas, continuando o arrastamento de questões referentes à admissibilidade dos recursos [civis] e à sua tramitação. Seria muito importante reanimar essa intenção”, comentou. É caso para perguntar por que ninguém alertou a AR para isso. Não vale o setor judiciário calar-se e lamentar as omissões, de longe.

Volvidos 190 anos, Henrique Araújo observou que o STJ assenta, agora, numa “outra realidade organizacional e numa dinâmica jurídico-processual bem diferente”, salientando que, atualmente, o quadro do tribunal é composto por 60 juízes conselheiros, três juízes militares, nove procuradores-gerais adjuntos e 54 funcionários, havendo ainda uma estrutura administrativa de apoio ao presidente. Admitiu persistirem, na atualidade, dificuldades várias, especificando: “Umas, respeitam à insuficiência de meios humanos, especialmente ao nível da assessoria, cujo contingente continua inalterado desde há 28 anos, e de oficiais de justiça e funcionários administrativos; outras relacionam-se com as atribuições jurisdicionais e processamento dos recursos, na medida em que o STJ é chamado a decidir questões de diminuta relevância económica, social ou criminal; outras ainda dizem respeito ao espaço físico das instalações.”

O projeto de digitalização do Arquivo do STJ, a conclusão, em breve, da base de dados jurisprudenciais e o avanço para a criação de estruturas de rede de internet compatíveis com os equipamentos informáticos e com as plataformas digitais usadas por magistrados e por funcionários foram outras metas traçadas por Henrique Araújo para este tribunal que, dentro de 10 anos, completará dois séculos de existência.

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Henrique Araújo foi eleito para a presidência do STJ, a 18 de maio de 2021, numa eleição decidida à segunda volta, na qual obteve 33 votos contra 26 de Maria dos Prazeres Beleza, registando-se ainda um voto em branco. Já na primeira volta tinha sido o mais votado, com 22 votos, tendo Maria dos Prazeres Beleza e Alexandre Reis alcançado ambos 18 votos, mas Maria dos Prazeres Beleza passou à segunda volta, pelas regras do STJ, por antiguidade.

O presidente do STJ lidera, por inerência, o Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão, administração e disciplina dos juízes.

A 18 de maio de 2022, ao perfazer um ano no cargo, o presidente do STJ alargou os pedidos urgentes ao poder político, defendendo a eliminação de muitas das possibilidades de recurso e o alargamento da base de recrutamento de candidatos para a magistratura.

Henrique Araújo alertava que não se podia esperar mais, para avançar com medidas para reformar o setor, no dia em que cumpria um ano da sua eleição para a presidência daquele tribunal superior.

Numa declaração enviada à Lusa, destacava, no primeiro ano de mandato, a chamada de atenção aos “poderes públicos para a necessidade de se enfrentarem problemas que, desde há muito, se arrastam no setor da Justiça”, vincando que os atuais constrangimentos “afetam o funcionamento eficiente e transparente dos tribunais”.

“Há muito para fazer na Justiça. Tenho a esperança de que a mensagem que deixei na abertura do ano judicial possa ter algum seguimento, porque não se pode esperar mais. Da minha parte, cá estarei para prestar contas, as que dependerem de mim, naturalmente”, refere, em alusão ao discurso proferido na cerimónia realizada a 20 de abril de 2022.

Entre as principais ideias dessa intervenção, o juiz conselheiro Henrique Araújo apelava ao fim das “portas giratórias” entre a magistratura judicial e a política, o que defende recorrentemente, preconizando a “impossibilidade de regresso à magistratura judicial dos juízes que tenham exercido cargos políticos em comissões de serviço não judiciais”.  

Daquela vez, o presidente do STJ foi mais bem longe e elencou outras medidas que considera importantes para ajudar a melhorar a eficiência dos tribunais, nomeadamente uma redução das opções de recurso que adiam o trânsito em julgado das decisões, nomeadamente, “[a] alteração significativa dos códigos do processo civil e do processo penal, de modo que as causas fluam mais rapidamente, sem quebra das garantias constitucionais de defesa, mas com eliminação de muitas das possibilidades legais colocadas à disposição das partes para impedirem a decisão final ou a produção dos seus efeitos; revisão do regime de assessoria nos tribunais; e [a] alteração da lei de acesso ao Centro de Estudos Judiciários, de forma a alargar a base de recrutamento de candidatos”.

Com 68 anos então (agora com 69), Henrique Araújo estava seguro de que não poderia completar o mandato de cinco anos na liderança do STJ, por atingir a idade limite de 70 anos antes do fim do mandato, tal como já havia acontecido com o seu antecessor, António Piçarra. Apesar dessa contingência, prometia analisar a evolução destes temas e as respostas aos seus alertas. “Nos dois anos de mandato que restam [agora, um], estarei atento aos desenvolvimentos relacionados com as referidas questões e, no âmbito do Conselho Superior da Magistratura, promoverei as iniciativas que se me afigurarem úteis”, concluía.

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Não é novidade, em Henrique Araújo, o desejo e a proposta da agilização dos processos judiciais. Já em tempos, propunha a travagem aos megaprocessos e à instrução como repetição do inquérito ou como pré-julgamento. Reitera a abolição da porta-giratória da política para a justiça – no que estou em desacordo, se o regresso for definitivamente proibido (poderia exigir-se um tempo de nojo, não a exclusão; nesse caso, deveria ser abolida também para outras atividades como o futebol). É, no entanto, necessária a criação de condições legais para a agilização processual e que os tribunais as observem. O excesso de manobras processuais meramente dilatórias só está ao alcance de pessoas ricas e poderosas. E isso leva a que a Justiça pareça e seja ténue, para os ricos e poderosos, e forte, para os cidadãos dotados de poucos ou de nenhuns recursos, como já dizia D. Pedro I. Justiça que não seja equânime, célere e eficaz não é justiça.

2023.09.24 – Louro de Carvalho

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