terça-feira, 31 de março de 2020

Sobre a contestação de crentes à suspensão de celebrações coletivas


Obviamente, a decisão das autoridades eclesiais, por antecipação às iminentes resoluções das autoridades governamentais – ou a reboque destas – faria surgir alguma contestação por parte de crentes mais tradicionalistas ou mesmo daqueles que, em circunstâncias normais, não cumprem com os deveres cristãos, mas se escandalizam quando alegadamente os outros não o fazem.
A este respeito, o “Sete Margens”, a 23 de março, referia que Raymond Burke, cardeal norte-americano, conhecido pelas suas posições tradicionalistas e mesmo em rota de colisão com o Papa Francisco nalguns aspetos, defende que os católicos não devem “aceitar as determinações dos governos seculares”, que tratam a “adoração a Deus da mesma forma que ir a um restaurante”, a um filme ou um jogo de futebol”.
Efetivamente, em carta publicada a 21 de março e divulgada pela “Vida Nueva, acrescenta:
Bispos e sacerdotes devemos explicar publicamente a necessidade que os católicos têm de rezar e adorar nas suas igrejas e capelas e ir em procissão pelas ruas pedindo a bênção de Deus sobre o seu povo que sofre tão intensamente”.
Não obstante, dá conselhos sobre como evitar o contágio, entre os quais o de “evitar reuniões de grupo”. Mas entende que, da mesma forma que podemos comprar alimentos e medicamentos, “também devemos poder orar nas nossas igrejas e capelas, receber os sacramentos e participar em atos de oração pública”. Para isso, os padres devem desinfetar os bancos e confessionários depois de cada celebração, recorrendo à ajuda dos fiéis, se o não puderem fazer sozinhos.
A isto, reagiu Frei Bento Domingues, na sua crónica dominical do passado dia 29 de março:
Se, como foi noticiado, o cardeal Burke tiver dito, perante as ameaças da Covid-19, ‘que devemos poder orar nas nossas igrejas e capelas, receber os sacramentos e participar em atos de oração pública’, espero que alguém o convença a despir-se das pompas cardinalícias, a envolver-se em saco e cinza para pedir perdão, através dos meios de comunicação social, a crentes e não crentes por essa pouca vergonha”.
Não vou tão longe como Frei Bento na exigência de que o purpurado peça perdão a crentes e não crentes, mas penso que talvez Burke devesse deixar de se apegar ao estatuto cardinalício, antes atendendo ao seu especial dever de obediência ao Papa e seguindo, em comunhão com ele, imposta pela condição de católico e, a fortiori, pela sua condição de membro do Sacro Colégio. Porém, Sua Eminência, por um lado, parece desconhecer que as restrições ao culto resultaram, na maior parte dos casos, de decisão das autoridades eclesiásticas – Santa Sé e Conferências Episcopais – em articulação prudente com as autoridades sanitárias de Itália e de cada país e, por outro, desconhece as dimensões e constrições caraterizadoras da maior parte das nossas igrejas e capelas. Além disso, não pode a Igreja católica (nem as outras confissões religiosas) fazer ou dar azo a que o poder político faça policiamento nas assembleias litúrgicas, procissões, encontros devocionais e permanência nos santuários – sendo que, por mais indicações que se deem de distanciamento social, em grande ajuntamento de pessoas, é difícil garantir o sucesso. Depois, é ingénuo, duro e ineficaz impor aos sacerdotes e a alguns fiéis a desinfeção dos bancos e confessionários. Por que não também dos altares, talhas, imagens, teto, paredes e chão?
Aí tem razão o nosso Primeiro-Ministro, quando preconiza: “desejamos o melhor, mas estarmos preparados para o pior”.
É certo que, sobretudo passados os 14 dias de interrupção do culto, como referia o psiquiatra Pedro Afonso, será demasiada cautela os padres deixarem de celebrar, com algumas pessoas devidamente distanciadas, num dos templos de que são responsáveis, em vez de se recolherem permanentemente em casa e – digo eu – eventualmente porem-se em situação de férias. Aliás, é de reparar o cuidado e a suficiente ousadia de que se revestem algumas das celebrações transmitidas pela TV, Rádio e Internet, com celebrante e alguns colaboradores (diáconos, leitores, acólitos, organistas e outros instrumentistas, cantores, alguns comungantes).            
Por sua vez, o missionário espiritano Tony Neves, disse à Renascença e à Ecclesia, a 27 de março, entender, que “algumas pessoas têm a tentação de olhar para tudo o que acontece de desgraça como um castigo de Deus”, o que, na sua perspetiva (e na do Reitor do Santuário de Fátima), “esta é uma maneira muito errada de ver Deus, como castigador e vingativo, e é também uma maneira muito errada de olhar para a ciência”. E sustenta, no âmbito da doutrina, que “Deus é bom, e a ciência também é fruto da sabedoria que Deus dá”, pelo que temos de olhar para a ciência que nos diz que “as características deste vírus são estas e estas” e “vamos fazer distanciamento social”. Ora, havendo “quem ache que a única forma de combater este vírus é rezar mais e ter manifestações públicas de fé juntando muita gente, e que foi um erro fechar as igrejas e acabar com as missas”, Tony Neves porfiou que “não foi erro”. E adiantou:
Nós podemos rezar, podemos descobrir uma nova forma de relação com Deus, e até de uns com os outros enquanto comunidades, respondendo com inteligência, mas também com sentido de responsabilidade social a este tipo de pandemias”.
Por mim, devo dizer que as decisões da Santa Sé tomadas até agora, como as da nossa Conferência Episcopal, foram as necessárias para o momento. Por outro lado, as últimas orientações da Santa Sé, como a carta (coloquial e afetuosa) do Arcebispo de Braga aos sacerdotes, embora perpassadas de contenção e cautela, mostram um rumo de abrandamento equilibrado.
De resto, devemos ter em conta que, em 1918, a pandemia do vírus influenza, incomummente mortal, que infetou 500 milhões de pessoas e vitimou 50 milhões, também deu azo a restrições ao culto público.
Diz-se que estamos numa espécie de catacumbas em nossas casas, com o culto celebrado a partir de alguns lugares sem participação física de povo, que é instado a unir-se espiritualmente às celebrações. Anotei que estamos em ambiente parecido com o longo tempo em que o povo, não conhecendo a língua litúrgica, deixou os mistérios a cargo exclusivo dos ministros do Altar, embora estivesse presente nas assembleias, mas a curtir atos devocionais, como fonte de grande espiritualidade, alimentada pela solene pomposidade do culto bem preparado e pela pregação. Mas agora os ministros ordenados e laicais celebram os mistérios, sem povo, mas que se une espiritualmente a eles, pode acompanhar pela TV, Rádio e Internet e deles pode receber a Palavra, a formação e o conforto, que podem e devem ser replicados a outros. 
Devo acrescentar, para quem ande distraído, que nas pestes, pandemias e malinas que assolavam as populações ao longo da História, não era preciso decretar a suspensão de qualquer culto coletivo nem qualquer quarentena ou confinamento. Nem havia força para rezar. A maior parte das habitações eram miseráveis, as famílias acotovelavam-se dentro de casa, sendo que muitas viviam com os animais no mesmo compartimento, e os templos não tinham o mínimo de conforto. Assim, os focos de infeção eram mais que muitos e muitas pessoas mal conseguiam sair de casa, onde se contorciam febrilmente, quanto mais deslocarem-se às igrejas. E, por consequência, os padres, se não sucumbissem também, quando se podiam deslocar ao templo, ficavam praticamente sozinhos. Por outro lado, não havia meios de prevenção, contenção, mitigação e cura das pandemias, não havia mecanismos de saúde pública, nem havia TV, Rádio, Internet, telefone para contacto, informação e formação. Amontoavam-se infetados, corpos esqueléticos e cadáveres, que aumentavam os focos de infeção. Era a miséria em toda a linha!               
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No passado dia 26, o jornalista Joaquim Franco escrevia para o “Sete Margens”, sob o títuloOração, cidadania e solidariedade contra a pandemia”, em que exaltava a iniciativa do Papa de convidar os fiéis para acompanharem, no dia 27, pelos meios de comunicação, um momento extraordinário de oração às 18 horas de Roma, a partir do adro da Basílica de São Pedro, perante a praça vazia, na que ia ser uma das imagens mediáticas que registam este difícil tempo da humanidade. Isto, depois da iniciativa ecuménica de Francisco de convidar os cristãos de todo o mundo para, às 12 horas do dia 25, recitarem o Pai-Nosso, oração fundacional no cristianismo – iniciativa que “teve um alcance que vai além da pandemia do momento”. Declarava o Pontífice:
Rezamos pelos doentes e suas famílias, pelos profissionais de saúde e quantos os ajudam, pelas autoridades, as forças da ordem e os voluntários, pelos ministros das comunidades”.
Francisco deu assim, segundo Joaquim Franco, amplitude ao papel das religiões, nomeadamente das cristãs, pois “há uma construção a fazer, nos gestos do quotidiano e nos momentos mais difíceis, que requer um retorno ao essencial”. E “aumenta a dramaticidade do isolamento entre os cristãos”, impedidos de celebrar, em comunidade, o principal tempo litúrgico do calendário.
No final, da oração do dia 27, o Papa deu a bênção Urbi et Orbi (à cidade de Roma e ao mundo), reservada para ocasiões muito especiais, como o dia da eleição papal, a Páscoa e o Natal.
E o jornalista recorda o que se passou em Fátima no dia 25: uma cerimónia de Consagração por causa da pandemia, que “passou quase despercebida na comunicação social”. E enfatizou:
O cenário terá transportado os crentes para um misto de graça e angústia pela voz embargada do cardeal António Marto, pela sobriedade da cerimónia no canto e nas palavras. Sem multidões nem emoções transbordantes, amplamente visíveis se fosse uma cerimónia pública, Fátima mostrou-se necessariamente recolhida numa basílica vazia, com o recinto vazio ao anoitecer e os celebrantes afastados. Um contraste sem paralelo.”.
Os bispos portugueses e de Espanha consagraram a Igreja e o mundo ao “Sagrado Coração de Jesus” e ao “Imaculado Coração de Maria”, ato a que se associaram os bispos de outros 20 países, “mantendo a tradição antiga das petições espirituais em tempos de aflição comunitária”.
Num quadro sóbrio, ajoelhado ante a Cruz e a imagem da Senhora de Fátima, António Marto, emocionado, nesta “singular hora de sofrimento” (como disse e redisse na fórmula da consagração), suplicou “inspiração para os governantes, cura para os doentes, amparo para os velhos e vulneráveis, conforto para médicos, enfermeiros e todo o pessoal em ação, profissionais ou voluntários” e concluiu de forma lancinante: “livra-nos da pandemia que nos atinge”.
Podem “estas expressões quentes de fé” exalçar mais a piedade popular que uma manifestação mais racional de fé – “se pouco ou nada há a fazer, que o Alto tenha uma intervenção” – mas o jornalista atento fixou uma frase no texto lido pelo prelado do Lis, como chave de leitura, que vai além da mera petição: “Reforça-nos na cidadania e na solidariedade”. E comentou:
Não é comum invocar a ‘cidadania’ numa celebração religiosa desta natureza. António Marto sintonizou a oração dos crentes com a urgência de uma atitude ativa perante expectáveis dramas familiares e sociais. Nas narrativas evangélicas, Jesus opera no concreto da vida próxima e faz próximos os que mais precisam. Construindo a igualdade e a justiça como vivência e caminho de salvação, o ‘Reino’ é um encontro e o encontro leva ao ‘Reino’.”.
Francisco, ao convocar-nos para a oração do dia 27, frisou que a confiança incondicional na intervenção divina implica a fé comprometida com os outros e que respondemos à pandemia com a universalidade da oração”, “da compaixão e da ternura”, assegurando “proximidade às pessoas mais sós”. E à televisão espanhola La Sexta disse não imaginar as dificuldades que vão passar os empresários, mas que os despedimentos não salvam empresas. E pede oração…
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Se, em vez de discutirmos medidas de exceção, rezássemos mais e fôssemos mais solidários?   
2020.03.31 – Louro de Carvalho

A declaração do estado de emergência vai ser renovada


Para a renovação da declaração do estado de emergência requerem-se os mesmos procedimentos que para a declaração inicial, tal como devem ser respeitados os mesmos limites – cf artigos 19.º, 134.º/d), 138.º, 161.º/l) e 197.º/f), da Constituição; e artigos 3.º, 5.º, 10.º, 11.º, 14.º, 15.º, 16.º, 24.º, 25.º e 26.º do regime do estado de sítio e do estado de emergência, aprovado pela Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, e cuja última alteração foi introduzida pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio.
Não obstante, o mencionado art.º 26.º da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, faz uma distinção relevante entre a renovação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência e a alteração das medidas nela estabelecidas. Assim, o seu n.º 1 estabelece que “a renovação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como a sua modificação no sentido da extensão das respetivas providências ou medidas, seguem os trâmites previstos para a declaração inicial”. Porém, o n.º 2 estabelece que a modificação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência no sentido da redução das respetivas providências ou medidas, bem como a sua revogação, operam-se por decreto do Presidente da República, referendado pelo Governo, independentemente de prévia audição deste e de autorização da Assembleia da República”. Isto é, não tem de haver audição (Governo) e autorização (Parlamento).
Relativamente à iminência da renovação da declaração do estado de emergência em vigor até às 24 horas do próximo dia 2 de abril, o Chefe de Estado declarou, na tarde do dia 30 de março, que não tomará nenhuma decisão sobre o prolongamento do estado de emergência – e sobre os moldes em que poderá ser prolongado, se mantendo as medidas que atualmente vigoram ou se endurecendo o decreto e limitando mais as liberdades para responder à epidemia – sem ouvir os especialistas de saúde. Fez esta declaração em resposta aos jornalistas que o aguardavam após uma reunião com confederações de comércio e turismo, no Palácio de Belém, em Lisboa. Com efeito, segundo declarou, “eles nos dirão onde estará o pico, como será a evolução até ao pico, como será a evolução depois do pico”. Assim, o Presidente da República quer saber “o panorama sanitário, do ponto de vista da saúde”. E pormenorizou os termos das suas razões:
É preciso saber se o quadro de medidas que o estado de emergência permitiu, que é muito flexível – dá ao Governo poder para tomar medidas muito diversas – é suficiente ou não. Sabemos, mesmo antes de ouvir os especialistas, que é uma situação que está para durar bastante tempo, não uma nem duas, mas várias semanas. Mas é importante ouvir os especialistas para saber exatamente quantas semanas e em que termos, para saber exatamente quando é que se localiza ao pico, como é que cresce até ao pico e depois como decresce. Cresce mais rapidamente ou menos rapidamente, decresce depois rapidamente ou não – e até quando? Isso é muito importante para poder calibrar as medidas.”.
Adiantou que hoje, dia 31, haveria reuniões com o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-ministro, ministros, líderes partidários e parlamentares e conselheiros de Estado.
E disse que, depois de ter informações das autoridades de saúde, irá ouvir “o parecer do Governo” que se pronunciará “como aconteceu da última vez, sobre não só a renovação do estado de emergência, mas também sobre o que entende que pode ser, ou deve ser, introduzido no conteúdo dessa renovação”. Depois, no dia 1, ao fim da tarde, Marcelo enviará para o Parlamento, acompanhada de mensagem fundamentada, a decisão já com o resultado das conversas que estão em curso com Governo e com a auscultação da posição do Governo. E, na proposta do decreto presidencial, constará tudo o que o Chefe de Estado entende como necessário para a situação; o Parlamento debaterá e, se for caso disso, aprovará, o que espera que venha acontecer na manhã do dia 2, último dia da vigência do atual estado de emergência.
É de referir que ao Parlamento cabe autorizar ou não a proposta do Presidente tal como ele a formular, não podendo introduzir-lhe emendas (cf n.º 3 do art.º 10.º da mencionada lei), como não pode condicionar os termos do decreto presidencial (cf n.º 3 do art.º 24.º da mencionada lei).  
Do ponto de vista de Marcelo, no dia 30, era “prematuro” dizer algo “antes de ouvir especialistas, porque eles é que dirão como é que vai ser do seu ponto de vista evolução da epidemia”, como era necessário “ultimar contactos com Governo” para “poder dizer em que tempo é que, a haver uma renovação, ela é efetuada, se o texto será igual ao da declaração, se deve ter mais elementos. E, aquando destas declarações, ainda não tinha dados para decidir.
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Por sua vez, o Primeiro-Ministro deu como provável o prolongamento das medidas do estado de emergência,  assumindo que o país vai “entrar no mês mais crítico desta pandemia”, pelo que, na próxima semana, já espera que o plano de testes em lares possa cobrir todo o país. 
Em concreto, sobre o estado de emergência, disse, à saída duma visita às obras de recuperação do antigo Hospital Militar de Belém, em Lisboa, unidade que se destina a instalar o novo centro de apoio militar para o combate à pandemia de Covid-19:
O Presidente da República tomará, esta semana, a iniciativa de renovar ou não o estado de emergência, o Governo dará nessa altura a sua opinião ao Presidente da República e haverá uma decisão da Assembleia da República. Eu creio, sem fazer futurologia, que o que é expectável é que, sabendo nós que temos tido sucesso, felizmente, em baixar o pico desta pandemia – ou seja, o momento em que o maior número de pessoas estará infetada, mas ao mesmo tempo prolongando a duração desta pandemia –, isto significa que vamos ter de prolongar também as medidas que têm vindo a ser adoptadas, com estado de emergência ou sem estado de emergência.”.
Costa sublinhou o contributo que cada um pode dar, que é o confinamento em casa: “O vírus não anda sozinho, é fundamental mover-nos o menos possível” – disse. E, depois de salientar o trabalho desenvolvido pelas Forças Armadas na prevenção e combate ao surto, admitiu que “o melhor” seria que as camas que se estão a preparar neste centro de apoio militar não viessem a ser precisas, mas prevalece o princípio “desejar o melhor, mas estar preparado para o pior”.
No atinente ao número total de testes que vai ser realizado em lares – e cujo programa se iniciou no dia 30, António Costa disse não ter esse dado, pois toda a operação resulta da articulação de várias instituições e universidades. No entanto, o projeto-piloto iniciado será alargado a todo o país na próxima semana, em resultado da articulação entre o Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, que pode realizar 300 testes por dia, e outras universidades. O objetivo é conseguir cobrir todo o país com estas iniciativas, mobilizando os laboratórios universitários, parecendo “particularmente útil para separar pessoas infetadas tão cedo quanto possível”.
Interpelado sobre a hipótese de um governo de salvação nacional, no futuro, admitida pelo líder do PSD à RTP na noite do dia 29, Costa disse não querer comentar por não ter ainda visto a entrevista, mas concordou com a ideia de que, “neste momento, nada justifica alteração das coisas”. No entanto, observou que, a seguir a esta pandemia, independentemente de poder haver “segundas vagas”, há um momento para “relançar a reconstrução” da economia. E frisou:
Aí o esforço necessário tem de ser de todos. Esse sentido de salvação nacional tem prevalecido na sociedade portuguesa e nos políticos. Não devemos consumirmo-nos nas discussões e formas políticas. Temos de nos concentrar no objetivo de estancar a pandemia.”.
E, questionado pelos jornalistas sobre o pedido de documentos justificativos por parte das forças de segurança aos automobilistas a circular nas vias, o Chefe do Governo não comentou por o considerar “extemporâneo”, mas remeteu para a avaliação do estado de emergência decretado a 18 de março. Ora, apesar de salientar o “cumprimento generalizado da sociedade portuguesa” das medidas de recolhimento, aproveitou para fazer alguma pedagogia: lembrou o “dever de recolhimento” com as exceções previstas na lei e, relativamente ao período da Páscoa, recordou as restrições de circulação e de distanciamento, vincando:
As pessoas não podem ir à terra, não podem ir passar férias ao Algarve, as famílias numerosas não podem passar juntas, têm de estar separadas”.
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É ainda de mencionar que o Presidente da República, na intervenção mencionada acima, deixou uma nota sobre as previsões erradas quanto à evolução do surto da própria Organização Mundial de Saúde (OMS). No início, como apontou, houve uma “previsão da OMS que não correspondeu à realidade”. As primeiras declarações da OMS pareciam apontar para um fenómeno regional, a ficar ali, na Ásia, e porventura num país, a China, o que não aconteceu. Especialistas e políticos em todo o mundo, acreditando nesse testemunho, no início disseram coisas e, depois, o processo mostrou que não era bem assim. Embora não tenha citado nomes, as declarações do Presidente pareceram justificar algumas das declarações iniciais feitas por Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, agora repescadas e criticadas, sobretudo nas redes sociais.
O Presidente da República revelou ainda ter falado, no dia 30, com o presidente italiano sobre a União Europeia (UE) e sobre a evolução da pandemia nos dois países. E relatou:
Falámos de preocupações comuns: a primeira, a pandemia. Itália está convencida de que em breves dias entra em viragem da curva, o que significa um decrescimento do número de casos diários. Seria uma evolução, veremos como, porque é imprevisível – lá como em todo o mundo –, mas uma evolução mais positiva que aquela que tem tido. Disso falou o Presidente italiano. Expliquei-lhe a situação portuguesa, que é diversa: começou mais tarde e está a ter uma evolução diferente até agora.”.
Outro tema de conversa entre os Presidentes de Portugal e Itália foi a ação da UE na resposta à pandemia. E Marcelo contou:
Falámos da Europa, de como é importante que a Europa tenha posições comuns fortes, percebendo a importância da pandemia e a necessidade de acorrer aos efeitos económicos e sociais da UE”.
Nesta altura, como apontou Marcelo, “é importante afirmar a unidade europeia, a solidariedade europeia, o que significa que não se pode esperar um, dois ou três meses como alguns pensam para haver respostas europeias no terreno”. E “não é em teoria, é no terreno” – assegurou.
Questionado ainda sobre as queixas de profissionais de saúde relativas a uma insuficiência de material de proteção e respondeu assim:
Praticamente todos os países se depararam com um fenómeno novo. Esse fenómeno novo significava proteções diferentes das existentes e numa quantidade imprevisível e testes diferentes e numa quantidade imprevisível. Houve que fazer encomendas, continuam a chegar em quantidade que é sempre aquém do que se tinha previsto em cada momento – quer EPI quer testes. O que significa que é uma situação que ultrapassou todas as previsões e expectativas. É verdade, admito isso.”.
***
Enfim, embora não o digam claramente, pelos dizeres de Marcelo e de Costa, até pela incerteza sobre a evolução da pandemia, virá aí a renovação da declaração do estado de emergência, como provavelmente outras no futuro próximo, e provavelmente com o endurecimento de algumas providências e medidas (por exemplo a exibição de documento justificativo, ainda que elementar, para circulação para trabalho), mas também com mais plataformas de apoio à sua execução e ao bem-estar das populações. Por outro lado, Costa assume que o sentido de salvação nacional tem estado presente no quadro de atuação do Governo.
2020.03.31 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 30 de março de 2020

Jesus é a ressurreição e a vida e quem Nele crê não morrerá


A catequese da vida, do “Livro dos Sinais” do Evangelho de João (Jo 11,1-45) desenvolve-se numa narrativa que não tem paralelo nos outros três Evangelhos. Na verdade, como assinala Frederico Lourenço, “a ressurreição de Lázaro é um episódio da vida de Jesus que encontramos somente no Evangelho de João”, é o seu “milagre mais espetacular” e, no contexto do relato joânico, tem em vista “uma demonstração concreta da afirmação de Jesus feita no capítulo 5”:
Tal como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, assim também o Filho faz viver aqueles que quer” (Jo 5,21).
Na economia da narrativa joânica, este episódio “é um importante móbil na precipitação dos acontecimentos até ao Calvário”, pois é este milagre, “tão assombroso quanto inconcebível”, que dá azo à decisão definitiva dos inimigos de matarem Jesus (cf Jo 11,46.53). Ora, tanto Jesus como os discípulos têm consciência do risco da ida a Betânia, uma aldeia a Este do monte das Oliveiras, a cerca de três quilómetros de Jerusalém. Assim, pode dizer-se que, ao ressuscitar o amigo, Jesus dá por ele a sua própria vida, oferecendo antecipadamente a demonstração do enunciado que proferirá na noite da Última Ceia, segundo o qual não há maior prova de amor do que dar a vida pelos seus amigos (cf Jo 15,13).  
O autor desta catequese põe-nos diante dum episódio familiar triste: a morte dum homem. A família, constituída por três pessoas (Marta, Maria e Lázaro), é conhecida de Jesus: no v. 5, diz-se que Jesus amava Marta, a sua irmã Maria e Lázaro. A visita de Jesus a esta família é, aliás, mencionada em Lc 10,38-42; e João observa que a Maria, ora referenciada, é a que ungira “o Senhor” com perfume e lhe enxugara os pés com os cabelos (v. 2; cf. Jo 12,1-8).
Para Frederico Lourenço, esta referência não foi escrita pelo evangelista, pois, neste momento, não tinha ocorrido a unção, que é referida só no capítulo seguinte, pelo que terá sido introduzida mais tarde como glosa explicativa. Por outro lado, a referência a Jesus como “o Senhor”, neste momento, levanta o mesmo tipo de suspeita. Por seu turno, a Bíblia da CEP entende que “o episódio narrado apenas em 12,3 é referido antecipadamente talvez porque a comunidade já o conhecia quando o evangelho foi escrito”. Porém, é de ter em conta a índole catequética do texto, que foi escrito à luz da ressurreição do Senhor.
A família de Betânia apresenta caraterísticas peculiares. A narração não faz referência a outros membros, para lá de Maria, Marta e Lázaro: não há pai, mãe ou filhos. Além disso, João insiste no grau de parentesco que une os três: “irmãos” (vv. 1.2b.3.5.19.21.23.28.32.39). A palavra “irmão/a” (“adelfos/ê”, em grego) será a usada por Jesus, após a ressurreição, para definir a comunidade dos discípulos (Mt 28,10; Jo 20,17); e será comum entre os membros da comunidade cristã primitiva (Jo 21,23). Por outro lado, é peculiar a relação entre Jesus e esta família: família amiga de Jesus, que Ele conhece e que O conhece; que O ama e que é amada por Ele: e que O recebe em sua casa.
Um facto abala a vida desta família: o irmão está gravemente doente. As irmãs, na preocupação e solidariedade para com o irmão e informam Jesus “aquele que amas (phileîs, distinto de agapâs) está doente”. Então, além do discípulo amado, há outro homem que Jesus ama: Lázaro – o que faz dizer a alguns (Filson e Eckhardt) que o discípulo amado do Evangelho e Lázaro sejam a mesma pessoa e o Evangelho tenha sido escrito por Lázaro, o que não é aceite.
A relação de Jesus com Lázaro é de afeto e amizade; mas Jesus não vai imediatamente ao seu encontro; parece atrasar-se deliberadamente. Com a sua passividade, Jesus deixa que a morte do amigo se consume. Na verdade, este milagre supremo não é mais uma cura, mas a demonstração de que não está sujeito à morte quem Jesus quer. E, na intenção do catequista, o pormenor significa que Jesus não veio alterar o ciclo normal da vida do homem, libertando-o da morte biológica, mas para dar um novo sentido à morte física e oferecer ao homem a vida sem fim.
Passados dois dias, Jesus resolve dirigir-se à Judeia ao encontro do amigo. Mas os discípulos tentam dissuadi-Lo, pois a oposição a Jesus está na Judeia e, sobretudo, em Jerusalém. E Tomé (em português, devia ser Tomás) antecipa que vão a Betânia para morrerem com Ele (Jesus). Não tinham percebido que o plano do Pai é que Jesus dê vida ao homem enfermo, mesmo que, para isso, corra riscos e tenha de oferecer a própria vida. Jesus não atende ao medo dos discípulos: a sua preocupação é realizar o plano do Pai no sentido de dar vida ao homem. Ele é o pastor que desafia o perigo por amor das suas ovelhas.
Em Betânia, Jesus encontrou o amigo sepultado havia 4 dias. Segundo os judeus, a morte era considerada definitiva a partir do 3.º dia. Lázaro está, pois, mesmo morto. Jesus não elimina a morte física; mas, para os amigos de Jesus, essa morte não passa dum sono, de que se acorda para descobrir a vida definitiva. Entretanto, surgem as irmãs de Lázaro. Marta vem ao encontro de Jesus e exprime o seu desconforto: Jesus evitaria a morte do amigo, se estivesse presente. Agora, nada feito, como comentava Dom Joaquim Mendes na homilia da Missa do V domingo da Quaresma. No entanto, Jesus pode interceder junto de Deus, Deus atendê-lo-á. Assim, o amigo assegura: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo aquele que vive e acredita em mim jamais morrerá para sempre”. E desafia: “Crês nisto?”. Marta já acreditava que Jesus era um profeta, através de quem Deus atua no mundo, mas pensava que as palavras de Jesus eram uma simples consolação e que Ele se refere à crença farisaica, segundo a qual os mortos reviveriam, no fim dos tempos, quando se registasse a última intervenção de Deus na história humana. Mas ainda não tinha consciência de que Jesus é a vida do Pai e que Ele próprio dá a vida. Agora, quando Jesus lhe diz que o irmão ressuscitará, é resoluta ao afirmar: “Sim, Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo”. “Creio, acredito” está no pretérito perfeito (pepísteuka), com o sentido de “eu tenho vindo a acreditar e, por isso, acredito”. É o resultado do processo da fé.
O que Jesus diz é que, para quem é seu amigo, não há morte. Jesus é “a ressurreição e a vida”. Para os seus amigos, a morte física é apenas a passagem desta vida para a vida plena. Jesus não evita a morte física; mas Ele oferece ao homem a vida que se prolonga para sempre. Mas, para que a vida definitiva chegue ao homem, é necessário que o homem adira a Jesus e O siga, (“todo aquele que vive e acredita em mim, não morrerá”). A comunidade de Jesus é a comunidade dos e das que possuem a vida definitiva. Passarão pela morte física, mas essa morte será apenas a passagem para a verdadeira vida, que Jesus quer oferecer. Jesus traz a liberdade, como fica bem patente na ordem dada aos circunstantes, depois de Lázaro vir para fora: “Desligai-o e deixai-o andar”.
Maria tinha ficado em casa, paralisada pela dor sem esperança. Porém, instigada por Marta – que falara com Jesus e encontrara n’Ele a resposta para a situação – vai sem dar explicações a ninguém, pois tem consciência de que só em Jesus encontrará solução para o sofrimento que lhe enche o coração. Também nas suas palavras há sinal de desconforto por Jesus não ter estado presente, impedindo a morte de Lázaro. Jesus não pronuncia qualquer palavra de consolo, nem a exorta à resignação. Mas, vendo-a chorar, irritou-se no espírito e agitou-se. Diz Frederico Lourenço que não há como escapar ao sentido do verbo “embrimaómai”, que se repete no v. 38, já usado na versão dos LXX com o sentido de “encolerizar-se(Dn 11,30). E surge em Mt 9,30 e Marcos 1,43 e 14,4 (nos dois primeiros casos, Jesus irrita-se com os doentes a quem curou; no terceiro, os discípulos irritam-se com o desperdício do perfume que a mulher anónima derramava sobre Jesus em Betânia, na casa do leproso Simão). No princípio e no tempo da Patrística, aceitava-se que a Bíblia atribuísse a Jesus a irritabilidade; depois, começou a suavizar-se a ideia com o “suspirar profundamente”. Como causa da “zanga” de Jesus provavelmente estará o choro descontrolado de Maria e a certeza de que este milagre trará consequências para si. Seja como for, as emoções de Jesus estão à flor da pele como sucede no v. 35: Jesus chorou. Este é o versículo mais curto do Evangelho com três palavras gregas: edrákusen ho Iêssous. É desconcertante e comovente como se tem acesso ao perfil emocional do Mestre, que se irrita, compadece e chora.  
A cena da ressurreição de Lázaro começa, pois, com Jesus a chorar. Jesus mostra publicamente, dessa forma, o seu afeto e saudade por Lázaro. Sente a dor face à morte física da pessoa amada, mas a sua dor não é desespero. Chegado junto do sepulcro de Lázaro, vê a entrada da gruta onde o morto está sepultado fechada com uma pedra. A pedra é, aqui, símbolo da definitividade da morte. Separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos, cortando qualquer relação entre eles. Porém, Jesus manda tirar essa “pedra”. Com efeito, para os crentes, estes mundos não são duas realidades sem qualquer relação. Jesus, ao oferecer a vida plena, abate as barreiras criadas pela morte física, que não afasta o homem da vida. E a ação de dar vida a Lázaro representa a concretização da missão que o Pai confiou a Jesus: dar vida plena e definitiva ao homem. Por isso, antes de mandar Lázaro sair do sepulcro, ergue os olhos ao céu e diz: “Agradeço-te, Pai”.
O modo de dizer aqui em grego “Eukharistô soi” não terá agradado a leitores cultos da época, que teriam preferido uma forma mais clássica de exprimir agradecimento (khárin eidénai). Este modernismo linguístico posto na boca de Jesus é fruto da ficção joânica, graças à qual Jesus fala em grego corrente e, neste caso, a expressão parece-se com o nosso “obrigado”.
No fundo, a oração de Jesus evidencia a sua comunhão com o Pai e a sua obediência na concretização do plano paterno. E Jesus “gritou com voz forte”. O verbo “kraugásein”, gritar, só aparece uma vez em Mateus (12,19) e uma vez em Lucas (4,41). Mas João usa-o 6 vezes, 4 das quais para exprimir os gritos da multidão (Jo 18,40; 19, 6.12.15) a pedir a crucifixão de Jesus. Diz o Padre Raymond Brown:
Poderia estabelecer-se um contraste entre o grito da multidão que dá a morte a Jesus e o grito de Jesus que dá a vida a Lazaro” (Brown, vol. I, pg 427, apud Lourenço, Bíblia vol I, pgs 375-376).  
Depois, Jesus mostra Lázaro vivo na morte, provando à comunidade dos crentes, representada aqui pela família de Betânia, que a morte não interrompe a vida plena do discípulo que ama Jesus e O segue. Essa família faz a experiência da morte física e tem de lidar com ela, não com o desespero de quem acha que tudo acabou, o que irrita mesmo Jesus, mas sabendo, crendo e professando, na amizade de Jesus, que Ele é a ressurreição e a vida e que dá aos seus a vida plena, em todos os momentos, de modo que aqueles e aquelas que Nele acreditam e O seguem, vivendo em comunhão de santos, têm a vida que não terá fim, a vida eterna. Podemos chorar a saudade pela partida de um irmão, mas temos de saber que, ao deixar este mundo, ele encontrou a vida plena, na glória de Deus. Por isso, a fé de Marta tem de ressoar na vida de cada um, da Igreja e do mundo: “Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus que vem ao mundo”.
Não esqueçamos: Ele morreu para reunir os filhos de Deus que andavam dispersos (cf Jo 11,32).
2020.03.30 – Louro de Carvalho

Celebrar Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz


Em carta aberta aos sacerdotes, neste tempo de Covid-19 e à beira da Páscoa, em linguagem coloquial e afetuosa, o Arcebispo Primaz abre o seu coração de pastor, tece considerações espirituais e dá indicações práticas sobre a celebração desta Semana Santa.
Segue uma síntese dos principais conteúdos, já sem o tom coloquial do nosso metropolita.
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Observa Dom Jorge Ortiga que os gestos têm sempre um significado muito especial, pois são a fala dos amigos, ninguém os podendo diminuir. Com efeito, são o suporte das palavras e neles comungamos o viver do mundo, a vida com as suas emoções. Ora, no caminho que subimos com Jesus para Jerusalém, há pessoas caídas (cf Lc 10,25-37), pelo que nos devemos fazer seus próximos, sem desviarmos o olhar, as mãos ou o coração, mas com o cuidado aprendido de Jesus, que, “ainda hoje, como bom samaritano, vem ao encontro de todos os homens atribulados no corpo ou no espírito e derrama sobre as suas feridas o óleo da consolação e o vinho da esperança” (Prefácio comum VIII). Assim, ao celebrarmos o memorial da Páscoa de Cristo, rezamos fervorosamente ao Pai:
Tornai-nos atentos e generosos para com as necessidades dos irmãos, de modo que, participando nas suas dores e angústias, alegrias e esperanças, lhes levemos fielmente a boa nova da salvação e sigamos, juntamente com eles, o caminho do vosso reino” (Oração Eucarística V/c; cf Gaudium et spes, n.1).
Efetivamente, este é o tempo do redobro da atenção, o tempo da medida larga em generosidade, da compartilha na hora da paixão, pois, no dom de Jesus aprendemos a doar-nos, a repartir a luz à noite da dor. Daí a nossa gratidão a Deus, como quando rezamos:
Por este dom da vossa graça, também a noite da dor se abre à luz pascal do vosso Filho crucificado e ressuscitado” (Prefácio comum VIII).  
Nunca os pastores se podem afastar dum povo que vive momentos dramáticos, mas devem, por causa dele, revestir-se de todos os cuidados cumprindo todas as orientações civis. 
A vida das comunidades tem expressões que não podem ser suspensas. Os gestos e as palavras (cf Constituição Dei Verbum, 1), com que Jesus realizou o plano de salvação, põem-nos dentro da “vontade” de Deus (cf Ef 1,9). É a pastoral da cura das feridas, pois a pandemia “não pode afogar a torrente do dom”, apesar do cansaço ou da dúvida – o que postula a perseverança no amor à Palavra “que entra pelas casas dentro e salva os irmãos na fé”. Assim, com Jesus e por Ele “daremos outra consistência à nossa fé”. 
E o Arcebispo, apelando à proximidade dos pastores, exorta os sacerdotes:
Diz, ó pastor, uma palavra e a ovelha te reconhecerá próximo. Alegrar-se-á na tua voz. A tua pronúncia não será esquecida, nem na única palavra que escrevas. Ela é o testemunho da tua bênção, o peso e a graça da tua piedade, do teu pensamento. A tua oração seja constante e muito concreta. Encontra-te com cada pessoa invocando o seu nome e expressando solidariedade cristã. Com o realismo que a situação exige, o povo deve saber e experimentar o quanto o amamos com gestos muito concretos.”.
Celebrando sozinhos, sem a presença física das pessoas, os sacerdotes encontram “outros gestos gratuitos que aproximam, identificam e unificam as nossas vidas”: mensagens, contactos telefónicos, saudações pela internet, seguindo “o que a fantasia da caridade sugere”.
Por isso, o prelado bracarense pede aos pastores “palavras e gestos alimentados no exercício do sacerdócio de Jesus, o Sumo Sacerdote que nos convém (cf Heb, 7,26-28), nossa Páscoa”. E, assim, “celebraremos a Páscoa de Jesus, através de outras pequenas páscoas, pois ajudaremos a fazer a passagem do medo para a confiança, da divisão para a unidade”. Não é retirada a dor, mas a Páscoa acontecerá. Poderá ser numa mensagem a cada família, substituindo o “compasso” tradicional, mas explicando a Páscoa como passagem do temor à serenidade, do medo à esperança, “a mostrar a força da fé para todos os momentos, mas particularmente para os conturbados”. E “a Páscoa acontecerá através de pequenas páscoas presentes em gestos que mostram vida”, pois, “neles, o Ressuscitado está presente. 
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Depois, deixa orientações para a Semana Santa. Tendo em conta que ela comemora “a Paixão de Cristo desde a sua entrada messiânica em Jerusalém” (IGMR, n. 31), o Pastor estimula os padres e os diáconos (no respetivo ministério) a celebrarem a Liturgia das Horas e a Eucaristia pelo povo das comunidades onde servem, em todos os dias previstos, embora sempre sem povo e nas condições que a máxima segurança da saúde pública o exija. Será o mais belo e compassivo gesto para com o Povo de Deus. Quanto à Semana Santa, há que seguir as indicações da Conferência Episcopal Portuguesa no documento “Semana Santa e Tríduo Pascal em tempo de Covid-19”. Para lá das celebrações do Arcebispo, a transmitir pela internet, podem ser realizadas outras nas igrejas paroquiais e capelas das comunidades onde for possível. E, porque sem povo, impõe-se colocar espírito, para o que o Arcebispo deixa algumas indicações.
Em Domingo de Ramos na Paixão do Senhor (na Sé Primaz, às 11,30 horas), na impossibilidade de o fazer exteriormente, agitaremos os ramos da nossa alegria para comemorar a provocadora entrada messiânica de Jesus em Jerusalém. “É Ele que alteia os pórticos antigos do nosso coração e rasga o véu que nos separava do encontro com Deus”.
Os acontecimentos comemorados, de forma expressiva, no Domingo de Ramos, são celebrados no Tríduo Pascal, com a atenção a cada momento da paixão, morte e ressurreição de Jesus.
Braga não terá agora a Missa Crismal e Bênção dos Santos Óleos, esperando celebrá-la a 19 de junho, Solenidade do Sagrado Coração de Jesus e Jornada de Santificação do Clero. Mas o Arcebispo deseja que os padres, na Eucaristia da tarde, renovem as promessas feitas no dia da ordenação e que o povo reze por eles, para que “sejamos abundantemente embebidos nas bênçãos de Deus, na fidelidade a Cristo Sacerdote, Bom Pastor, Mestre e Servo de todos”. Pede que utilizem a estola branca por si oferecida, com a imagem de Santa Maria de Braga e o logótipo da Arquidiocese, como sinal de unidade e de consolo recíproco. E, como Pai na fé, diz:
Só dever haver concelebrações nas comunidades sacerdotais, ou seja, para aqueles que vivem na mesma casa e estejam em recolhimento ou quarentena. Virem de comunidades distintas para celebrarem ou fazerem reuniões “é acrescentar um perigo desnecessário”, sobretudo num período que pode ser o pico da pandemia.
Na tarde de Quinta-feira Santa, celebra-se a Missa Vespertina da Ceia do Senhor (na Sé Primacial, é às 16 horas e é presidida pelo Arcebispo). E, embora o Missal Romano registe que, “segundo uma antiquíssima tradição, são proibidas neste dia todas as missas sem participação do povo” (MR 245), os sacerdotes celebram a Eucaristia sem a presença de pessoas; os fiéis, porque impedidos pelas circunstâncias, devem associar-se, participando espiritualmente e através das transmissões pela internet, rádio e televisão, à celebração da missa comemorativa da instituição da Eucaristia. Por não poderem comungar fisicamente, devem fazê-lo no modo espiritual. E, quanto ao lava-pés (que não é feito), é sugerida a preparação para esta missa (como é hábito no rito bracarense) ou, no final, um gesto que manifeste a alegria do serviço recíproco. E lembra-se o desafio do Mestre:
Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me ‘o Mestre’ e ‘o Senhor’, e dizeis bem, porque o sou. Ora, se Eu, o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Na verdade, dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também.” (Jo 13,13-15).
Na Sexta-feira Santa, faz-se a celebração da Paixão do Senhor (na Sé Primacial é às 15 horas), mergulhando espiritualmente em todas as partes do rito: o silêncio inicial durante a prostração; a Liturgia da Palavra, com atenção às leituras, nomeadamente ao Evangelho, até porque nos fazem bem as narrativas longas, e com o exercício do nosso sacerdócio batismal ao rezarmos a oração universal por todo o mundo, acrescentando uma outra intenção pela que é hoje uma grave necessidade pública; a adoração da cruz, adorando, em silêncio e sem ósculo, uma única cruz, exposta em lugar digno. E observa-se o jejum litúrgico até à Vigília Pascal.
Na noite do Sábado Santo (na Sé Primacial, às 21 horas), celebra-se a que é, nas palavras de Santo Agostinho, “a mãe de todas as vigílias” (Sto. Agostinho, Sermo 219). Deve ser vivida de forma mais intensa, não obstante o esplendor que tem habitualmente em formas exteriores: liturgia do fogo até ao canto do Precónio Pascal; Liturgia da Palavra, neste dia mais abundante em leituras; Liturgia Batismal, com a bênção da água e os sacramentos da iniciação cristã, e a cerimónia do “Accendite”, como se faz na Sé Primacial; Liturgia Eucarística, com a procissão da ressurreição, como se faz habitualmente na catedral. Como se menciona no Missal Romano: “esta é uma noite de vigília em nome do Senhor (Ex 12,42), a noite que os fiéis celebram, segundo a recomendação do Evangelho (Lc 12,35ss), de lâmpadas acesas na mão, à semelhança dos servos que esperam o Senhor, para que, quando Ele vier, os encontre vigilantes e os faça sentar à sua mesa” (MR 281). Com esta vigília, celebramos o “Domingo de Páscoa da ressurreição do Senhor”. Não obstante a sua duração, somos convidados a viver intensamente estes momentos, tendo no coração o Povo de Deus, e a celebrar com o esplendor espiritual possível a celebração da missa do dia, no domingo (na Sé Primacial, às 21 horas). E que este clima de “plenitude da alegria” (Prefácios do Tempo Pascal), seja vivido até à Solenidade do Pentecostes. 
Para exteriorizar estes momentos de fé, o Arcebispo pede às famílias que, na noite de sábado para domingo, coloquem na janela uma ou mais velas como recordação do Batismo e convite a sermos luz no mundo e que, durante o Domingo de Páscoa, os sinos toquem festivamente. Pode e deve ser usada a criatividade pastoral para inventar outros sinais que manifestem a alegria pascal, nomeadamente um almoço festivo (com muitas ou poucas coisas), antecedido de oração, que poderá ser feita como sugere o Cardeal Farrell:  
Fazer isto é simples: podemos reunir-nos todos numa sala, recitar um salmo de louvor, pedir perdão uns aos outros com uma palavra ou gesto entre esposos e entre pais e filhos, lendo o Evangelho do domingo, expressar um pensamento sobre o que a Palavra provoca em cada um, formular uma oração pelas necessidades da família, dos que amamos, da Igreja e do mundo. E, por fim, confiar ao cuidado de Maria a nossa família e cada família que conhecemos.”.
Por fim, o prelado bracarense porfia impor a si próprio tudo o que pede aos sacerdotes, convicto de que eles encontrarão “formas de concretizar em gestos, também sacramentais, a caridade pastoral” (cf Pastores dabo vobis, nn.21-23). Com efeito, o Espírito nunca nos faltou “à imaginação da caridade e a discernir os dons”, nunca o Senhor Jesus nos abandonou. Por isso, exorta a confiar, “naquela confiança que dá que fazer” e propõe “o abraço entre o dom e a tarefa, a alegria de experimentar quanto Deus nos ama e a responsabilidade de O anunciar alegremente como Vivo e Ressuscitado”.
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Parece-me um belo guião de espiritualidade litúrgica e de edificação/reforço da comunhão entre o Bispo e o seu presbitério. Braga continua a ensinar como no tempo de São Bartolomeu!
2020.03.29 – Louro de Carvalho

domingo, 29 de março de 2020

Conselho Europeu de 26 de março e o Covid-19 – muita parra


No passado dia 26 de março, reuniu, por videoconferência, o Conselho Europeu (ou: Conselho) sob a presidência de Charles Y. J. Gh. Michel (estiveram em reunião os Chefes de Estado e de Governo), para efetuar o seguimento da resposta da UE ao surto de Covid‑19, tendo também analisado o alargamento da UE, o sismo na Croácia e a situação nas fronteiras externas da UE.
Segundo o teor da comunicação conjunta, foram abordados os seguintes itens no respeitante ao Covid-19: limitação da sua propagação; fornecimento do equipamento médico; investigação; combate às consequências socioeconómicas; e apoio aos cidadãos retidos em países terceiros.
Quanto à limitação da propagação do vírus, foi referido que os Estados-Membros tomaram medidas firmes para conter e retardar a propagação, segundo as indicações das suas autoridades nacionais de saúde, baseadas nas orientações do ECDC (Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças) e do painel consultivo da Comissão sobre o Covid-19. Continuarão a ser emitidas orientações, quando necessário, e o Conselho acompanhará a evolução da situação através do IPCR (Mecanismo Integrado da UE de Resposta Política a Situações de Crise).
Está reforçado o controlo das fronteiras pela restrição (temporária, renovável) das viagens não necessárias para a UE. Em controlos temporários nas fronteiras internas, está assegurada a gestão harmoniosa das fronteiras para a circulação de pessoas e mercadorias e o funcionamento do mercado único. Responder-se-á, com o apoio da Comissão, aos problemas que subsistem no concernente aos cidadãos da UE retidos nas fronteiras internas da União e impedidos de regressar aos países de origem e aos trabalhadores transfronteiriços e sazonais que têm de continuar a exercer atividades essenciais. O mesmo se aplica ao fornecimento de bens e serviços essenciais, por via terrestre, marítima ou aérea.
Além disso, o Conselho aposta no combate à desinformação pela comunicação transparente, atempada e baseada em factos e na ação, reforçando a resiliência das nossas sociedades.
Em relação à garantia do fornecimento de equipamento médico, o Conselho exorta a Comissão a acelerar os esforços para garantir o fornecimento urgente e adequado de equipamento médico em toda a UE, a prioridade mais premente, devendo os Estados fornecer à Comissão, em tempo útil, dados fiáveis. A Comissão, em cooperação com o setor, fornecerá uma panorâmica das existências, produção e importações; tomará medidas para melhorar a situação; prosseguirá ativamente as suas iniciativas de contratação conjunta para a aquisição de equipamento de proteção individual, ventiladores e material de despistagem; e aumentará, segundo o necessário, o orçamento inicial para a reserva estratégica rescEU de equipamento médico, nomeadamente o da prestação de cuidados intensivos, vacinas e meios terapêuticos. A decisão de exportação de equipamento de proteção individual conduzirá ao levantamento integral de todos os tipos de proibições ou restrições internas, pois, à luz das recomendações da OMS, é urgente aumentar a capacidade de despistagem, pelo que os Estados informarão a Comissão sobre a situação.
No atinente à promoção da investigação, o Conselho diz que fará tudo o que puder para apoiar a investigação, coordenar os esforços e procurar sinergias dentro da comunidade científica e de investigação europeia, maximizando o pleno potencial da investigação em toda a UE. Informa que foram mobilizados 140 milhões de euros para 17 projetos, incluindo projetos relacionados com o desenvolvimento de vacinas e que trabalhará em conjunto com os principais parceiros, conforme consta das recentes declarações do G7 e do G20, pois há “uma necessidade urgente de partilhar informações científicas e de colaborar, tanto a nível da UE como a nível mundial, no sentido de desenvolver uma vacina no mais curto prazo possível e de a disponibilizar a todos os que dela necessitam”, pelo que haverá reforço e aceleração do apoio às equipas de investigação e às empresas europeias. Assim, o Conselho congratula-se com as iniciativas da Comissão, do Conselho Europeu da Inovação e do Grupo do BEI (Banco Europeu de Investimento) no sentido de prestar apoio financeiro à resposta clínica e de saúde pública ao Covid-19.
Sobre o combate às consequências socioeconómicas, o Conselho, reconhecendo a gravidade das consequências socioeconómicas da crise sanitária, fará tudo o que for necessário para responder a este desafio num espírito de solidariedade; apoia a ação resoluta do BCE (Banco Central Europeu) no sentido de garantir condições de financiamento favoráveis em todos os países da área do euro; e toma boa nota dos progressos realizados pelo Eurogrupo, convidando-o a apresentar propostas no prazo de duas semanas, propostas que terão em conta a natureza inédita do choque provocado pelo Covid-19, devendo a resposta (do Conselho) ser intensificada mediante novas medidas tomadas de forma inclusiva, à luz da evolução da situação, para assegurar uma resposta abrangente. Coisa linda, mas longe da eficácia!  
Diz o Conselho que, tendo os Estados tomado importantes medidas de apoio às suas economias e de atenuação dos problemas sociais e de emprego, recorrerá aos instrumentos da UE para apoiar as suas ações na medida do necessário, pois os Estados precisam de flexibilidade para fazer tudo o que for preciso. Assim, o quadro temporário proposto pela Comissão para as medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar a economia durante o atual surto constitui um avanço importante, tal como o é o recurso sem precedentes à cláusula de exceção geral no âmbito do Pacto de Estabilidade. A proposta da Comissão relativa à iniciativa de investimento de resposta à crise disponibilizará 37 mil milhões de euros em investimento no âmbito da política de coesão para fazer face às consequências da crise. Segundo a alteração proposta ao Fundo de Solidariedade da UE, que se espera rápida, este poderá também ser utilizado em situações de emergência no domínio da saúde pública, como o surto de Covid-19.
E o Conselho saúda a disponibilidade da Comissão para aumentar mais a flexibilidade e a alavancagem na utilização dos instrumentos da UE; louva o contributo do Grupo BEI na mobilização de recursos para as garantias bancárias e os investimentos destinados às empresas europeias, em especial as pequenas e médias, incluindo a utilização do orçamento da UE; convida os ministros das Finanças a explorarem, célere, as possibilidades de aumentar a resposta do Grupo BEI ao coronavírus; acolhe as orientações da Comissão na análise do investimento direto estrangeiro; e apela aos Estados a que tomem todas as medidas necessárias para proteger os ativos e a tecnologia estratégicos de investimentos estrangeiros suscetíveis de ameaçar os objetivos das políticas públicas, passo útil para a autonomia estratégica da UE, durante a crise e posteriormente. E, porque o Covid-19 afeta pessoas e sociedades em todo o mundo e terá impacto a longo prazo na economia e comércio mundiais, A UE compromete-se a cooperar a nível internacional e a procurar soluções multilaterais para combater a pandemia e as suas consequências; e fará tudo o que estiver ao seu alcance para apoiar os países e as comunidades no combate à crise, bem como para reforçar a sustentabilidade das cadeias de valor e de abastecimento integradas a nível mundial, para as adaptar conforme necessário e para atenuar o impacto negativo da crise em termos socioeconómicos.
No apoio a cidadãos retidos em países terceiros, o Conselho, com o apoio ativo do alto representante e da Comissão, continuará a intensificar os esforços para garantir que os cidadãos da UE retidos em países terceiros que pretendam regressar a casa o possam fazer. A Comissão apresentará uma adenda às orientações relativas à gestão das fronteiras, a fim de facilitar os regimes de trânsito para os cidadãos da UE repatriados.
O SEAE criou um grupo de trabalho consular que age em coordenação com a Comissão e com os Estados. O CCRE (Centro de Coordenação de Resposta de Emergência) presta assistência aos esforços de repatriamento em curso através do Mecanismo de Proteção Civil da União, que deverá ser provido dos recursos necessários. Embora, de momento, o mais urgente seja o combate à pandemia e suas consequências imediatas, contudo, temos de preparar as medidas necessárias para voltar ao funcionamento normal das nossas sociedades e economias e ao crescimento sustentável, integrando nomeadamente a transição para a economia verde e a transformação digital. Para tal, urge a estratégia de saída coordenada, o plano de recuperação abrangente e o investimento sem precedentes. Por isso, o Conselho convida a presidente da Comissão e o presidente do Conselho, em consulta com as outras instituições, especialmente o BCE, a iniciarem os trabalhos sobre um roteiro acompanhado de um plano de ação, pois chegou o momento de criar um sistema de gestão de crises mais ambicioso e abrangente na UE.
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Também António Costa fez uma declaração pública sobre este Conselho, que se centrou “nas consequências económicas e sociais” da “situação de paralisia generalizada da economia à escala europeia, com uma forte pressão sobre o emprego e o rendimento das famílias”. E o frisou, entre outros aspetos, que o Conselho procurou “agir concertadamente”, tendo tomado “duas decisões importantes” neste campo. 
A primeira foi atribuir ao Eurogrupo o mandato para, em duas semanas, apresentar ao Conselho as condições de mobilização duma linha do instrumento de estabilidade europeia para financiar os Estados no combate à crise, no montante de 240 mil milhões de euros, do qual cada Estado pode levantar até ao limite de 2% do seu PIB. O dinheiro servirá para os investimentos na saúde e para as medidas de apoio ao emprego, ao rendimento e à estabilização das empresas, o que é fundamental para assegurar a maior calma e a maior confiança possíveis nos três meses mais próximos, para que todos possamos chegar a junho nas melhores condições e então olhar o futuro e perspetivar uma estratégia de relançamento da economia.
A segunda, foi mandatar a presidente da Comissão e o presidente do Conselho, em articulação com as outras instituições (Eurogrupo, Banco Central Europeu e Presidente do Parlamento Europeu), para “começar a preparar um programa de recuperação da economia europeia para o [tempo] pós-crise”. Com efeito, embora ninguém saiba o momento de fim da crise, “é necessário que tudo esteja pronto para que, assim que a pandemia estiver controlada e pudermos ir levantando as medidas de confinamento e de paralisação da atividade económica, possamos não perder tempo no relançamento da economia”.
O Primeiro-Ministro disse que, até agora, no campo económico, foi muito importante a ação determinada do BCE “para controlar o risco de qualquer crise de dívidas soberanas”. Na verdade, depois dum movimento inicial de especulação, tem havido uma acalmia dos mercados e uma descida acentuada das taxas de juro, ainda não para os valores de antes, mas com uma boa tendência, que deve ser mantida. E o BCE começou por fazer “o anúncio de mobilização de 750 mil milhões de euros para intervenção no mercado e, no dia 25, retirou qualquer limitação à aquisição de dívida dos países”, o que representou um “contributo decisivo, que foi, até agora, o mais importante da União Europeia” – disse Costa.
O Chefe do Governo referiu “outros contributos importantes”, como “a flexibilização do pacto de estabilidade e das regras da concorrência que proíbem ajudas de Estado”, pelas quais o Governo pôde “dar garantias de Estado que permitem baixar consideravelmente as taxas de juro dos três mil milhões de euros de linhas de crédito que estão a ser abertas esta semana para apoiar os setores económicos mais atingidos”.
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É claro, o Primeiro-Ministro, nesta comunicação, não se perdeu na divergência sobre a emissão de “coronabonds”, que o Conselho não aprovou por não aceitação por parte dos países do Norte, especialmente na sua irritação (vindo a ter o apoio solidário de Marcelo) com o estadista da Holanda que acusou a Espanha de não ter orçamento para combater o Covid-19. Costa preferiu sublinhar os dados positivos desta reunião importante, que só o será se chegar à mutualidade da dívida, aos “coronabonds”. Para já, resta a compra da dívida dos países do Eurogrupo resultante do Covid-19 pelo BCE, mesmo que ultrapasse 1/3 da dívida do respetivo país, a contenção dos juros, a suspensão das regras atinentes ao défice, à divida e à ajuda estatal a empresas.
Para Carlos Costa, governador do nosso banco central ou há “coronabonds” ou a UE se desfaz.
Outras reuniões do Conselho serão menos líricas e mais solidárias e audazes ou a UE afundará.  
2020.03.29 – Louro de Carvalho

Abraçar o Senhor para abraçar a esperança


Foi, no momento extraordinário de oração do passado dia 27 de março, pelas 18 horas de Roma, a mensagem nevrálgica do Papa aos fiéis de todo o mundo que, neste momento, se encontram a braços com a tempestade causada pela pandemia do novo coronavírus.
A partir do átrio da Basílica de São Pedro e diante daquela Praça completamente vazia, mas em sintonia com milhões de pessoas que se uniram ao Santo Padre, através dos poderosos meios de comunicação, para invocarem o Senhor neste momento de extrema necessidade da humanidade, desenrolou-se um ritual, simples, mas repleto de significado humana e espiritual, inundando de graças a todos aqueles que tiveram a oportunidade de participar virtualmente.
Eram cinco os elementos que suscitavam a atenção de quem teve a oportunidade de contemplar aquele átrio da basílica petrina: a sede donde um Papa verdadeiramente compungido estava a presidir; a estante/ambão donde foi proclamada a perícopa do Evangelho de Marcos que narra o episódio da tempestade acalmada por Jesus (Mc 4,35-41) e que o Pontífice comentou na homilia dele fazendo extrair várias lições de vida; o Crucifixo da Igreja de São Marcelo, que foi levado em procissão pelo povo durante uma peste que atingiu a cidade de Roma no século XVI e aos pés do qual Francisco, depois das orantes palavras de confiança que dirigiu aos crentes, pediu perdão, implorou o divino auxílio e lançou o afetuoso ósculo de fé, esperança e caridade; o ícone de Nossa Senhora, “Salus Populi Romani”, de que a tradição refere ter sido pintado por São Lucas nas tábuas de uma mesa feita pelo próprio Jesus Cristo quando jovem; e, no centro de tudo, o Santíssimo Sacramento alçado pelo Sumo Pontífice para abençoar a todos os homens e mulheres de boa vontade, unidos ou não a ele, naquele momento – Bênção Urbi et Orbi (à cidade e Roma e ao mundo), a que se associou a concessão da Indulgência Plenária.
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Na sua homilia, em que alternam a exortação aos crentes e a oração ao Senhor, o Papa Francisco afirmou que é “diante do sofrimento que se mede o verdadeiro desenvolvimento dos povos” e apontou a ilusão de se pensar “que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente”.
A meditação homilética papal começa por glosar o entardecer e, depois, desenvolve-se anaforicamente em torno da interpelação: “Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?”.
Os discípulos já tinham alguma fé, pois até invocam o Senhor, mas não era uma fé inabalável, confiante, comprometida, uma fé de arriscar tudo por tudo.
Assim, considerando que, há várias semanas que parece a tarde ter caído e ter coberto de trevas densas, de indizível e ensurdecedor silêncio e “de um vazio desolador”, sente que nos vemos existencialmente “amedrontados e perdidos”. E observou que esta situação nos fez entender que estamos todos no mesmo barco e que somos “chamados a remar juntos”, carecidos de mútuo encorajamento. Depois, temos de saber que, neste mesmo barco, está Jesus agora connosco tal como estava com os discípulos daquele tempo. Mas Jesus, no meio da tempestade, dorme. E Francisco anotou que este é o único relato do Evangelho em que se nos diz que Jesus dorme.
Ao ser despertado pelos discípulos em pânico, confronta-os como o medo e a falta de fé deles.
A tempestade, agora como naquele tempo, desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a nu as autossuficientes, falsas e supérfluas seguranças com que gizamos os nossos programas, projetos, hábitos e prioridades. Mostra como deixamos adormecido e abandonado o que nutre, sustenta e fortalece a nossa vida e a nossa comunidade. Com a tempestade cai o nosso “ego” sempre preocupado com a própria imagem e vem à tona a abençoada pertença comum que não podemos ignorar: a pertença como irmãos e desfaz-se a ilusão de que iríamos continuar saudáveis num mundo doente. E o Papa ora em autocrítica e enálage de pessoa:
 Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: ‘Acorda, Senhor!’.”.
Tendo em conta que o Senhor nos dirige um insistente apelo à fé e nos chama a viver este tempo de provação como um tempo de decisão, o Santo Padre adverte para o tempo de escolher entre o que conta e o que passa, de separar o que é necessário do que não o é, “o tempo de reajustar a rota da vida rumo ao Senhor e aos outros”.  
E Francisco citou o exemplo de tantas pessoas que doaram a sua vida e estão a escrever hoje os momentos decisivos da nossa história. Não são pessoas famosas, mas são “médicos, enfermeiros, funcionários de supermercados, pessoal da limpeza, transportadores, forças policiais, voluntários, sacerdotes, religiosas e muitos – mas muitos – outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho”.
“É diante do sofrimento que se mede o verdadeiro desenvolvimento dos nossos povos”, afirmou o Papa, que recordou que a oração e o serviço silencioso são as nossas “armas vencedoras”.
A tempestade mostra que não somos autossuficientes, que sozinhos nos afundamos. Por isso, devemos convidar Jesus a embarcar em nossas vidas, pois, com Ele a bordo, não naufragamos, porque esta é a força de Deus: transformar em bem tudo o que nos acontece, inclusive as coisas negativas. Com Deus, a vida jamais morre.
No meio da tempestade, o Senhor interpela-nos e pede que nos despertemos. “Temos uma âncora: na sua cruz fomos salvos. Temos um leme: na sua cruz, fomos resgatados. Temos uma esperança: na sua cruz, fomos curados e abraçados, para que nada nem ninguém nos separe do seu amor redentor.” Abraçar a sua cruz, explanou o Papa, significa encontrar a coragem de abraçar todas as contrariedades desta hora em que sofremos, abandonando por um momento a nossa ânsia de omnipotência e posse, para dar espaço à criatividade que só o Espírito é capaz de suscitar. Abraçar o Senhor, para abraçar a esperança – eis a força da fé, que liberta do medo.
E Francisco concluiu:
Deste lugar que atesta a fé rochosa de Pedro, gostaria nesta tarde de confiar todos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora, saúde do seu povo, estrela do mar em tempestade. Desta colunata que abraça Roma e o mundo, desça sobre vós, como um abraço consolador, a bênção de Deus. Senhor, não nos deixes à mercê da tempestade.”.
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Não vem a despropósito nesta circunstância e para lá da sua ultrapassagem, continuar a ler, escutar e meditar esta passagem do Evangelho de Marcos, contemplar o rosto materno de Maria, ajoelhar aos pés do Crucificado, adorar Jesus Hóstia para ver nos doentes e outros sofredores as suas chagas e implorar a bênção para nós e para todos os que partilham a vida com os mais angustiados clamores e as maiores esperanças e as mais faustosas alegrias.
Seja a cruz polivalente Cristo a âncora em que nos apoiamos, o leme que nos dirige, a esperança que nos conforta, o abraço que nos recria e acalenta, a catapulta que nos atira para o mundo do testemunho e da ação/atividade.
2020.03.28 – Louro de Carvalho