segunda-feira, 23 de março de 2020

Celebrações da Semana Santa e da Páscoa em tempo de Covid-19


Tendo em conta o tempo difícil que o mundo está a atravessar, em razão da pandemia de Covid-19, e verificando-se o prolongado impedimento de celebrar comunitariamente a liturgia nas igrejas, tal como os bispos o têm indicado para os territórios da sua jurisdição, chegaram à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos consultas atinentes às próximas solenidades pascais.
Assim, para dar resposta que sirva de critério a observar comummente, a predita Congregação emitiu, com data do passado dia 19 de março, solenidade de São José, Padroeiro da Igreja Universal, um decreto, por mandato do Sumo Pontífice apenas para este ano de 2020 – assinado pelo Prefeito, cardeal Sarah, e pelo secretário, arcebispo Arthur Roche – cujo teor é o seguinte:
Sendo a Páscoa a “coroação do ano litúrgico”, não uma festa como as outras, mas “celebrada no arco de três dias, o Tríduo Pascal, precedida pela Quaresma e coroada pelo Pentecostes”, a sua data não é transferível.
Já no concernente à Missa crismal e, avaliando o caso concreto nos diversos países, o Bispo diocesano “tem a faculdade de a adiar para data posterior”.
Em relação ao Tríduo Pascal, onde a autoridade civil e eclesial impôs restrições, o decreto dá as seguintes indicações:
O Bispos dará indicações, de acordo com a Conferência Episcopal, para que na Igreja Catedral e nas Igrejas paroquiais, mesmo sem a participação dos fiéis, o bispo e os párocos celebrem os mistérios litúrgicos do Tríduo Pascal, avisando os fiéis da hora de início de modo que se possam unir em oração a partir das respetivas habitações, constituindo, neste caso, uma ajuda “os meios de comunicação telemática em direto, não gravada”. E devem a Conferência Episcopal e cada Diocese oferecer subsídios para ajudar a oração familiar e pessoal.  
Em Quinta-Feira Santa, nas Igrejas catedrais e paroquiais, na medida da real possibilidade, os sacerdotes da paróquia podem concelebrar a Missa na Ceia do Senhor, concedendo-se a título excecional a todos os sacerdotes a faculdade de celebrar neste dia, em lugar adequado, a Missa sem o povo. Omite-se o lava-pés, que já era facultativo. No termo da Missa na Ceia do Senhor, omite-se a procissão e guarda-se no Sacrário o Santíssimo Sacramento. Os sacerdotes que não têm a possibilidade de celebrar a Missa, em vez dela, rezarão as Vésperas (cf Liturgia Horarum).
Em Sexta-Feira Santa, nas igrejas catedrais e paroquiais, na medida da real possibilidade, o Bispo / o pároco celebra a Paixão do Senhor. Para a oração universal, o Bispo Diocesano terá o cuidado de estabelecer uma intenção especial pelos doentes, pelos defuntos e pelos doridos que sofreram alguma perda (cf Missal Romano, pg. 253, n. 12).
A Vigília Pascal celebra-se apenas nas igrejas catedrais e paroquiais, na medida da real possibilidade. Para o “Início da vigília ou Lucernário” omite-se o acender do fogo, acende-se o círio e, omitindo a procissão, passa-se ao “Exsultet”, precónio pascal. Segue-se a “Liturgia da Palavra”. Para a “Liturgia batismal”, apenas se renovam as promessas batismais (cf Missal Romano, pg. 320, n. 46). E avança-se com a “Liturgia eucarística”. Quem não pode unir-se à Vigília Pascal reza o Ofício de Leituras do Domingo de Páscoa (cf Liturgia Horarum).
Para os mosteiros, os seminários e as comunidades religiosas, o Bispo diocesano decidirá.
As procissões e demais expressões de piedade popular, que enriquecem estes dias, a juízo do Bispo diocesano, podem ser transferidas para outros dias (por exemplo, 14 e 15 de setembro).
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Em suma, o competente dicastério romano emitiu um decreto, unicamente para o ano corrente, sobre as celebrações da Semana Santa e do Tríduo Pascal, aplicável nos países afetados pela pandemia do Covid-19. Admite a possibilidade de adiamento da Missa Crismal, celebrada habitualmente na manhã de Quinta-feira Santa, que reúne o bispo e o clero da diocese, com a renovação das promessas sacerdotais e a bênção dos Santos Óleos – dos catecúmenos (a aplicar antes do Batismo), do crisma (a aplicar depois do Batismo das crianças, no Sacramento da Confirmação, na Ordenação Presbiteral e na Ordenação Episcopal, na Sagração do Altar…) e da unção dos doentes (a aplicar na ministração deste Sacramento).
Sobre as expressões de piedade popular e as procissões desta época, a Santa Sé admite o seu adiamento para outras datas “convenientes”, indicando como alternativas as datas de 14 e 15 de setembro, respetivamente, festa da Exaltação da Cruz e memória de Nossa Senhora das Dores.
O decreto apoia o recurso aos meios de comunicação e às novas tecnologias para a transmissão das celebrações, “considerando o impedimento de celebrar a liturgia comunitariamente”. No entanto, adverte para a necessidade da transmissão em direto das celebrações e não a exibição gravada ou a sua apresentação em diferido
Na Quinta-feira Santa, a Missa vespertina in Coena Domini pode ser celebrada por mais de um sacerdote, respeitando as normas sanitárias de cada país, nas várias igrejas paroquiais e sem presença de fiéis; omite-se, este ano, o tradicional gesto do lava-pés, bem como a procissão do Santíssimo Sacramento, no final da celebração.
Para a Sexta-feira Santa, dispõe-se que a celebração da Paixão do Senhor decorra sem a presença de assembleia, com uma intenção especial de oração “pelos doentes, os mortos e quem sofreu alguma perda”, sobretudo no contexto da pandemia.
A Vigília Pascal, a celebração mais importante do ciclo litúrgico, deve ser celebrada com a mesma disposição, quanto à ausência de fiéis, omitindo-se o ritual do fogo e a procissão inicial.
O decreto sublinha que, devido ao seu caráter específico, a data da Páscoa “não pode ser transferida” para outra altura.
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Nem por isso se deve deixar de ter em conta, quando celebrada integralmente, a riqueza e o significado da Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias.
A Igreja Católica celebra, nas últimas horas de Sábado Santo e nas primeiras de Domingo de Páscoa o principal e mais antigo momento do ano litúrgico, a Vigília Pascal, assinalando a ressurreição de Jesus. Esta é uma celebração mais longa do que habitual, em que são proclamadas mais passagens da Bíblia do que as três habitualmente proclamadas aos domingos, continuando com uma celebração batismal e a comunhão.
A vigília começa com um ritual do fogo e da luz que evoca a ressurreição de Jesus; o círio pascal é abençoado, antes de o presidente da celebração inscrever a primeira e a última letra do alfabeto grego – alfa e ómega –, e inserir cinco grãos de incenso em memória das cinco chagas da crucifixão de Cristo, bem como o ano em curso.
A inscrição das letras e do ano no círio são acompanhadas pela recitação da fórmula em latim:
Christus heri et hodie, Principium et Finis, Alpha et Omega. Ipsius sunt tempora et sæcula. Ipsi gloria et imperium per universa æternitatis sæcula” (Cristo ontem e hoje, princípio e fim, alfa e ómega. Dele são os tempos e os séculos. A Ele a glória e o poder por todos os séculos, eternamente).
O ‘Aleluia’, suprimido no tempo da Quaresma, reaparece em vários momentos da missa como sinal de alegria.
A celebração articula-se em quatro partes: a Liturgia da Luz ou “lucernário”; a Liturgia da Palavra; a Liturgia Batismal; a Liturgia Eucarística.
A Liturgia da Luz consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal.
A Liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento – seguidas do respetivo salmo responsorial e oração – que recordam “as maravilhas de Deus na história da salvação” (Gn 1,1-22; Gn 22,1-18; Ex 14,15 – 15,1; Is 54,5-14; Is 55,1-11; Br 3,9-15.32 – 4,4; e Ez 36,16-17a.18-28), após o que se canta o Gloria in excelsis Deo, e duas do Novo Testamento: Rm 6,3-11 (leitura apostólica sobre o Batismo cristão), após o que se canta solenemente o Aleluia, e o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos sinóticos (Mateus 28,1-10, no Ano A; Marcos 16,1-7; Ano B; e Lucas 24,1-12, no Ano C).
A Liturgia Batismal é parte integrante da celebração, pelo que, mesmo não havendo ministração do Batismo, se faz a bênção da fonte batismal e a renovação das promessas do Batismo. Do programa ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a assembleia com a água benta e a oração universal.
Por fim, segue a Liturgia Eucarística nos termos habituais, mas com o Prefácio Pascal I e a bênção solene adequada. E a despedida é aleluiática.
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Já se referiu que os crentes estão novamente em catacumbas, mercê da pandemia, com a diferença de que as catacumbas são as casas de cada um, ficando os templos quase vazios. Talvez seja de estabelecer também o paralelo entre o cenário litúrgico de agora e o que se passou a viver desde que o povo deixou de perceber o latim, língua em que se vertiam o textos litúrgicos, até ao tempo do movimento litúrgico e do movimento bíblico, alguns dos precursores do Concílio Vaticano II. Então, sacerdote e ministros, habitualmente de costas para o povo, tornavam-se representantes e intérpretes da comunidade e, quando se voltavam para saudar a assembleia ou para lhe explicar a Palavra de Deus, a que não tinha acesso direto, eram mensageiros de Deus. Era o sacerdócio de mediação. Na altura, o povo tinha de estar presente para cumprir o preceito, mas alheado do mistério, que não percebia, e talvez ocupado com práticas devocionais, algumas de forte espiritualidade, enquanto de vez em quando havia culto luzidio com ministros adequadamente preparados, boa cantoria e música de órgão: agora o povo não pode ir ao templo, mas acompanha a celebração a partir de casa, porque percebe, tem livros, rádio, televisão e internet, com os ministros ordenados e ministros laicais no templo, embora guardando entre si a distância regulamentar. Não são apenas representantes do povo ou mensageiros de Deus, mas comunicadores à distância, que se faz curta, e tornam-nos coparticipantes na celebração dos santos mistérios. E faz-se a comunhão espiritual.
Valetete, o tempora, o mores. Viva a reforma conciliar na totalidade!
2020.03.23 – Louro de Carvalho      

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