Tendo em
conta o tempo difícil que o mundo está a atravessar, em razão da pandemia de Covid-19,
e verificando-se o prolongado impedimento de celebrar comunitariamente a
liturgia nas igrejas, tal como os bispos o têm indicado para os territórios da
sua jurisdição, chegaram à Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos
consultas atinentes às próximas solenidades pascais.
Assim,
para dar resposta que sirva de critério a observar comummente, a predita
Congregação emitiu, com data do passado dia 19 de março, solenidade de São
José, Padroeiro da Igreja Universal, um decreto, por mandato do Sumo Pontífice
apenas para este ano de 2020 – assinado pelo Prefeito, cardeal Sarah, e pelo
secretário, arcebispo Arthur Roche – cujo teor é o seguinte:
Sendo a
Páscoa a “coroação do ano litúrgico”, não uma festa como as outras, mas “celebrada
no arco de três dias, o Tríduo Pascal, precedida pela Quaresma e coroada pelo
Pentecostes”, a sua data não é transferível.
Já no concernente
à Missa crismal e, avaliando o caso concreto nos diversos países, o Bispo diocesano
“tem a faculdade de a adiar para data posterior”.
Em relação
ao Tríduo Pascal, onde a autoridade civil e eclesial impôs restrições, o
decreto dá as seguintes indicações:
O Bispos
dará indicações, de acordo com a Conferência Episcopal, para que na Igreja
Catedral e nas Igrejas paroquiais, mesmo sem a participação dos fiéis, o bispo
e os párocos celebrem os mistérios litúrgicos do Tríduo Pascal, avisando os fiéis
da hora de início de modo que se possam unir em oração a partir das respetivas
habitações, constituindo, neste caso, uma ajuda “os meios de comunicação
telemática em direto, não gravada”. E devem a Conferência Episcopal e cada
Diocese oferecer subsídios para ajudar a oração familiar e pessoal.
Em
Quinta-Feira Santa, nas Igrejas catedrais e paroquiais, na medida da real
possibilidade, os sacerdotes da paróquia podem concelebrar a Missa na Ceia do
Senhor, concedendo-se a título excecional a todos os sacerdotes a faculdade de
celebrar neste dia, em lugar adequado, a Missa sem o povo. Omite-se o lava-pés,
que já era facultativo. No termo da Missa na Ceia do Senhor, omite-se a
procissão e guarda-se no Sacrário o Santíssimo Sacramento. Os sacerdotes que
não têm a possibilidade de celebrar a Missa, em vez dela, rezarão as Vésperas (cf
Liturgia Horarum).
Em
Sexta-Feira Santa, nas igrejas catedrais e paroquiais, na medida da real
possibilidade, o Bispo / o pároco celebra a Paixão do Senhor. Para a oração
universal, o Bispo Diocesano terá o cuidado de estabelecer uma intenção
especial pelos doentes, pelos defuntos e pelos doridos que sofreram alguma
perda (cf
Missal Romano, pg. 253, n. 12).
A
Vigília Pascal celebra-se apenas nas igrejas catedrais e paroquiais, na medida
da real possibilidade. Para o “Início da
vigília ou Lucernário” omite-se o acender do fogo, acende-se o círio e,
omitindo a procissão, passa-se ao “Exsultet”,
precónio pascal. Segue-se a “Liturgia da Palavra”. Para a “Liturgia batismal”,
apenas se renovam as promessas batismais (cf Missal Romano, pg. 320, n. 46).
E avança-se com a “Liturgia eucarística”. Quem não pode unir-se à Vigília
Pascal reza o Ofício de Leituras do Domingo de Páscoa (cf
Liturgia Horarum).
Para os
mosteiros, os seminários e as comunidades religiosas, o Bispo diocesano
decidirá.
As procissões
e demais expressões de piedade popular, que enriquecem estes dias, a juízo do
Bispo diocesano, podem ser transferidas para outros dias (por
exemplo, 14 e 15 de setembro).
***
Em suma, o
competente dicastério romano emitiu um decreto, unicamente para o ano corrente,
sobre as celebrações da Semana Santa e do Tríduo Pascal, aplicável nos países
afetados pela pandemia do Covid-19. Admite a possibilidade de adiamento da
Missa Crismal, celebrada habitualmente na manhã de Quinta-feira Santa, que
reúne o bispo e o clero da diocese, com a renovação das promessas sacerdotais e
a bênção dos Santos Óleos – dos catecúmenos (a aplicar antes do Batismo), do crisma (a aplicar depois do Batismo das crianças, no Sacramento da Confirmação,
na Ordenação Presbiteral e na Ordenação Episcopal, na Sagração do Altar…) e da unção dos doentes (a aplicar na ministração deste Sacramento).
Sobre as expressões
de piedade popular e as procissões desta época, a Santa Sé admite o seu adiamento
para outras datas “convenientes”, indicando como alternativas as datas de 14 e
15 de setembro, respetivamente, festa da Exaltação da Cruz e memória de Nossa
Senhora das Dores.
O decreto apoia
o recurso aos meios de comunicação e às novas tecnologias para a transmissão
das celebrações, “considerando o impedimento de celebrar a liturgia
comunitariamente”. No entanto, adverte para a necessidade da transmissão em
direto das celebrações e não a exibição gravada ou a sua apresentação em
diferido
Na Quinta-feira
Santa, a Missa vespertina in
Coena Domini pode
ser celebrada por mais de um sacerdote, respeitando as normas sanitárias de
cada país, nas várias igrejas paroquiais e sem presença de fiéis; omite-se,
este ano, o tradicional gesto do lava-pés, bem como a procissão do Santíssimo
Sacramento, no final da celebração.
Para a
Sexta-feira Santa, dispõe-se que a celebração da Paixão do Senhor decorra sem a
presença de assembleia, com uma intenção especial de oração “pelos doentes, os
mortos e quem sofreu alguma perda”, sobretudo no contexto da pandemia.
A Vigília
Pascal, a celebração mais importante do ciclo litúrgico, deve ser celebrada com
a mesma disposição, quanto à ausência de fiéis, omitindo-se o ritual do fogo e
a procissão inicial.
O decreto sublinha
que, devido ao seu caráter específico, a data da Páscoa “não pode ser
transferida” para outra altura.
***
Nem por isso se deve deixar de ter em conta, quando celebrada
integralmente, a riqueza e o significado da Vigília Pascal, a mãe de todas as vigílias.
A Igreja Católica celebra, nas últimas horas de Sábado
Santo e nas primeiras de Domingo de Páscoa o principal e mais antigo momento do
ano litúrgico, a Vigília Pascal, assinalando a ressurreição de Jesus. Esta é
uma celebração mais longa do que habitual, em que são proclamadas mais
passagens da Bíblia do que as três habitualmente proclamadas aos domingos,
continuando com uma celebração batismal e a comunhão.
A vigília começa com um ritual do fogo e da luz que
evoca a ressurreição de Jesus; o círio pascal é abençoado, antes de o
presidente da celebração inscrever a primeira e a última letra do alfabeto
grego – alfa e ómega –, e inserir cinco grãos de incenso em memória das cinco
chagas da crucifixão de Cristo, bem como o ano em curso.
A inscrição das letras e do ano no círio são
acompanhadas pela recitação da fórmula em latim:
“Christus heri et hodie, Principium et
Finis, Alpha et Omega. Ipsius sunt tempora et sæcula. Ipsi gloria et imperium per
universa æternitatis sæcula” (Cristo ontem e hoje, princípio e fim, alfa e
ómega. Dele são os tempos e os séculos. A Ele a glória e o poder por todos os
séculos, eternamente).
O ‘Aleluia’, suprimido no tempo da Quaresma, reaparece
em vários momentos da missa como sinal de alegria.
A celebração articula-se em quatro partes: a Liturgia
da Luz ou “lucernário”; a Liturgia da Palavra; a Liturgia Batismal; a Liturgia
Eucarística.
A Liturgia da Luz consiste na bênção do fogo, na
preparação do círio e na proclamação do precónio pascal.
A Liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo
Testamento – seguidas do respetivo salmo responsorial e oração – que recordam
“as maravilhas de Deus na história da salvação” (Gn 1,1-22; Gn 22,1-18; Ex 14,15 –
15,1; Is 54,5-14; Is 55,1-11; Br 3,9-15.32 – 4,4; e Ez 36,16-17a.18-28), após o que se canta o Gloria in excelsis Deo, e duas do Novo Testamento: Rm 6,3-11 (leitura
apostólica sobre o Batismo cristão), após o que
se canta solenemente o Aleluia, e o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos
sinóticos (Mateus 28,1-10, no Ano A; Marcos 16,1-7; Ano B; e Lucas 24,1-12, no Ano C).
A Liturgia Batismal é parte integrante da celebração,
pelo que, mesmo não havendo ministração do Batismo, se faz a bênção da fonte
batismal e a renovação das promessas do Batismo. Do programa ritual consta,
ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a
assembleia com a água benta e a oração universal.
Por fim, segue a Liturgia Eucarística nos termos
habituais, mas com o Prefácio Pascal I e a bênção solene adequada. E a
despedida é aleluiática.
***
Já se referiu que os crentes estão novamente em
catacumbas, mercê da pandemia, com a diferença de que as catacumbas são as
casas de cada um, ficando os templos quase vazios. Talvez seja de estabelecer também
o paralelo entre o cenário litúrgico de agora e o que se passou a viver desde
que o povo deixou de perceber o latim, língua em que se vertiam o textos
litúrgicos, até ao tempo do movimento litúrgico e do movimento bíblico, alguns
dos precursores do Concílio Vaticano II. Então, sacerdote e ministros, habitualmente
de costas para o povo, tornavam-se representantes e intérpretes da comunidade
e, quando se voltavam para saudar a assembleia ou para lhe explicar a Palavra
de Deus, a que não tinha acesso direto, eram mensageiros de Deus. Era o sacerdócio
de mediação. Na altura, o povo tinha de estar presente para cumprir o preceito,
mas alheado do mistério, que não percebia, e talvez ocupado com práticas
devocionais, algumas de forte espiritualidade, enquanto de vez em quando havia
culto luzidio com ministros adequadamente preparados, boa cantoria e música de órgão:
agora o povo não pode ir ao templo, mas acompanha a celebração a partir de
casa, porque percebe, tem livros, rádio, televisão e internet, com os ministros
ordenados e ministros laicais no templo, embora guardando entre si a distância
regulamentar. Não são apenas representantes do povo ou mensageiros de Deus, mas
comunicadores à distância, que se faz curta, e tornam-nos coparticipantes na celebração
dos santos mistérios. E faz-se a comunhão espiritual.
Valetete, o
tempora, o mores. Viva a
reforma conciliar na totalidade!
2020.03.23 – Louro de Carvalho
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