quinta-feira, 30 de junho de 2016

A propósito da 1.ª eleição presidencial na vigência da Constituição

Decorreu, a 27 de junho, na Fundação Calouste Gulbenkian, uma cerimónia de comemoração evocativa da primeira eleição presidencial na vigência da Constituição da República Portuguesa, aprovada em definitivo, pela Assembleia Constituinte, no dia 2 abril de 1976, promulgada, no mesmo dia 2 de abril, pelo então Presidente da República, Francisco da Costa Gomes, designado para o cargo pela Junta de Salvação Nacional (em sucessão do renunciante António Sebastião Ribeiro de Spínola) e publicada em Diário da República a 10 de abril do mesmo ano, para entrar em vigor no dia 25 de abril. E foi ao abrigo desta lei fundamental que ocorreram as eleições para a Assembleia da República, a 25 de abril de 1976, um ano depois das eleições para a Assembleia Constituinte, e as eleições presidenciais, que tiveram lugar a 27 de junho de 1976, há 40 anos, feitos na passada segunda-feira.
Esta cerimónia encerrou um conjunto de iniciativas promovidas pela Presidência da República para assinalar esta efeméride e que levaram o ex-Presidente – que ganhou aquelas eleições com 61,4% dos votos – e o atual a Évora e Castelo Branco, para encontros com jovens, onde se debateram a Liberdade e a Democracia, numa perspetiva de futuro. Foi a este conjunto de iniciativas que se referiu Marcelo Rebelo de Sousa no seu discurso, quando declarou que, por vontade do General Ramalho Eanes, as comemorações do 40.º aniversário das primeiras eleições presidenciais em democracia se revestiram de relevante índole pedagógica e prospetiva.
Na mesma cerimónia prestou-se homenagem ao General António dos Santos Ramalho Eanes, em que intervieram o Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva, o Prof. Doutor Manuel Braga da Cruz, cuja intervenção versou o ato eleitoral de há 4 décadas, e o homenageado, o General Doutor António dos Santos Ramalho Eanes. 
Seguiu-se a intervenção do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, após a qual agraciou o homenageado com o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique, pois, trata-se do primeiro Chefe de Estado democraticamente eleito por sufrágio direto e universal.
Recorde-se que o Grande-Colar é o mais alto grau desta Ordem e é concedido a antigos Chefes de Estado e a pessoas cujos feitos, de natureza extraordinária e especial relevância para Portugal, as tornem merecedoras dessa distinção. Porém, o ex-Presidente da República Eanes agradeceu a condecoração como sendo uma “generosidade excessiva”.
No final da cerimónia foi inaugurada a exposição “40 Anos Eleições Presidenciais – Um Presidente para todos os Portugueses”, que ficará patente ao público até dia 27 de julho próximo, no piso 0 da Fundação Calouste Gulbenkian, com entrada gratuita.
Ramalho Eanes, que sempre preferiu a discrição ao protagonismo político, tornou-se desta vez o centro das atenções para largas dezenas de figuras. Num tempo politicamente extremado, o ex-Chefe do Estado conseguiu reunir a esquerda e a direita, os ex-presidentes Jorge Sampaio e Cavaco Silva, os revolucionários, os sindicalistas... Após, as saudações ao homenageado pelas entidades presentes, o evento foi palco dum reencontro: “Então, António, estou aqui há tanto tempo e ninguém me liga!”. Era Otelo Saraiva de Carvalho, que não poderia ter faltado, como transpareceu do abraço emocionado entre o vencedor e o derrotado no sufrágio de 1976.
Além das personalidades referidas, destacam-se: o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues; os presidentes dos tribunais superiores; os ex-presidentes da República, Jorge Sampaio e Cavaco Silva; o presidente da Associação 25 de Abril e ex-conselheiro da Revolução, Vasco Lourenço; o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral; o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho; a líder do CDS-PP Assunção Cristas; e ainda, como se disse, o candidato presidencial que ficou em segundo lugar na corrida presidencial de 1976, Otelo Saraiva de Carvalho.
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Num tom sóbrio – o mesmo de há 40 anos – num discurso acutilante, embora pouco eloquente, mas descomprometido de qualquer força político-partidária, tal como aquando da eleição a 27 de junho de 1976, o general pediu ao Presidente da República que fiscalize as promessas dos políticos. Com efeito, considera isso “indispensável para a saúde da democracia regressar às raízes éticas da política para encontrar o sentido da ação coletiva”. E, defendendo a necessidade de maior aproximação dos políticos à população, o mítico general deixou algumas ideias a Marcelo, defendendo:
“O Presidente da República (...) poderá seguramente até solicitar aos governos, aos partidos ou à Assembleia da República que forneçam informação, mesmo à sociedade civil, da exequibilidade financeira de certas promessas eleitorais que, embora apelativas ao voto, são manifestamente difíceis ou prejudiciais ao futuro da nação ou mesmo impossíveis de concretizar, como já temos visto”.
 E adiantou sugerindo:
“Se numa campanha eleitoral um político prometer que vai aumentar os vencimentos e fazer um conjunto grande de obras públicas para as quais não há qualquer capacidade financeira, o Presidente da República pode, sem se imiscuir na campanha, perguntar à Unidade Técnica de Apoio Orçamental, UTAO, se aquilo é possível”.
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Sem comentar as sugestões eanistas, Marcelo, o 5.º presidente eleito em democracia, enalteceu o legado político do general na institucionalização da democracia em Portugal, explicitando:
“Aquelas semanas de campanha não haviam sido simples. A revolução continuava naturalmente presente na Constituição e no arranque da sua vigência. Vossa Excelência teve nesse contexto a missão histórica de abrir caminhos, de aplanar confrontos, de estabelecer pontes e o veredicto popular foi eloquente”.
Marcelo Rebelo de Sousa, que acompanhou há 40 anos a campanha presidencial como subdiretor do semanário Expresso, disse agora reter lições da forma como Eanes exerceu o mandato. A primeira é a lição sobre o papel crucial do Presidente “em clima de radicalização de posições e de atitudes, corporizando o máximo denominador comum em torno dos valores nacionais” e “resistindo a substituir-se ou a imiscuir-se em outros órgãos de soberania ou instâncias do poder”. Outra “é que ignorar ou minimizar as Forças Armadas, por ação ou omissão, é não apreender uma componente essencial da identidade pátria”, para lá de “não perceber os desafios da segurança global” da atualidade. Ademais, a persistência das “linhas de política externa não sujeitas a impulsos ou estados de alma conjunturais” – entre elas, a “fidelidade à Aliança Atlântica e o persistente rumo de integração europeia” – são outras “lições” que o Presidente disse reter do legado do primeiro dos seus predecessores eleitos e que foi enriquecido pelos sucessivos ocupantes da cátedra de Belém.
Após a cerimónia evocativa, o Presidente da República inaugurou e visitou, com Ramalho Eanes ao lado, predita exposição sobre as primeiras eleições presidenciais, que reúne cartazes da campanha eleitoral e jornais da época, entre os quais o semanário Expresso, do qual Marcelo Rebelo de Sousa era, há 40 anos, subdiretor.
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Cabe à República celebrar os seus obreiros e evocar as efemérides marcantes. Porém, não é plausível evocar umas efemérides e deslustrar outras, embora devendo saber priorizar. Por isso, do meu ponto de vista, é legítimo e imperativo cívico evocar os 40 anos da Constituição, das primeiras eleições legislativas, das eleições presidenciais, das eleições regionais e das regiões autárquicas. Veremos se as regionais e as autárquicas terão o destaque merecido.
Quanto aos obreiros da República, parece-me bem, desde que não sejam mitificados nem os promotores entrem em contradições significativas.
Penso que Eanes merece ser associado à efeméride do 40.º aniversário das eleições presidenciais, porque as venceu e exerceu a presidência em circunstâncias bem difíceis. Porém, atribuir-lhe os louros da transição da fase revolucionária à fase da democracia representativa no quadro constitucional é excessivo. Onde é que estão os outros? A título de exemplo, lembro Costa Gomes, Pinheiro de Azevedo, Pires Veloso, Franco Charais, Pezarat Correia, Vasco Lourenço, Melo Antunes, Vítor Alves, Vítor Crespo, Sousa e Castro, Jaime Neves; Mário Soares, Almeida Santos, Salgado Zenha, Sá Carneiro, Pinto Balsemão, Freitas do Amaral, amaro da Costa, Jerónimo de Sousa, José Manuel Tengarrinha…
É certo que Eanes restabeleceu a hierarquia nas forças armadas, deixando de, com ele e a partir dele, de haver mais graduações em oficial general. Porém, ele mesmo tinha ascendido ao generalato pela via da graduação (passou de tenente-coronel a general para exercer a chefia do Estado-Maior do Exército e ficou em general porque entretanto ascendeu à Presidência da República). Com ele – diz-se – as forças armadas regressaram a quartéis subordinando-se ao poder político. Mas tal sucede apenas no segundo mandato, com a 1.ª lei de revisão constitucional, em setembro de 1982, que ele era obrigado a promulgar e de cujo teor se lamentou, em comunicação ao país via RTP, alegadamente pela perda de poderes presidenciais.
Não foi o único Chefe de Estado a acumular as funções de Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA). Isso acontecera com Costa Gomes também, o qual, a 25 de novembro, comandava as ações militares na qualidade de CEMGFA, sendo seu transmissor (melhor: assegurando a cadeia de comando) aos comandantes operacionais o então major Vasco Lourenço, que depois seria graduado em general para assumir o cargo de governador militar de Lisboa. Porém, Ramalho Eanes, que prestou o serviço de moderação política e disciplinadora das forças armadas, assumiu-se no 1.º mandato como presidente militar (era natural que acumulasse as funções de CEMGFA, o que outro faria no seu lugar, se não fosse civil). Já o 2.º mandato foi explicitamente assumido como resultante de uma candidatura civil. Nunca mais surgiu fardado e frequentemente dispensava as guardas de honra militares. E, ainda antes da 1.ª revisão constitucional, deixou de acumular a função presidencial com a de CEMGFA. O seu 1.º sucessor neste cargo militar foi o General Nuno Viriato Tavares de Melo Egídio. Recordo-me que o CEMGA foi representado (em maio/junho de 1982) na 24.ª Peregrinação Militar Internacional a Lourdes, em que participei, pelo General Quartel-Mestre Jorge da Costa Salazar Braga.
Não me sensibiliza a recusa da promoção a marechal. Primeiro, o militar não recusa serviços, promoções condecorações, louvores, punições. Depois, um galardão tem em vista reconhecer o mérito de quem o recebe, mas também a satisfação e o prestígio da entidade que o atribui.
Do ponto de vista político, lembro-me dos discursos do 25 de abril em que o Governo recebia as respetivas farpas, a exoneração de Mário Soares sem que houvesse preparado uma solução alternativa, o patrocínio da criação dum partido a partir de Belém (que, em 1985, obteve um resultado as legislativas de 18% e que originou a queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em 1987, de que resultou a 1.ª maioria absoluta) e o apoio declarado à candidatura presidencial de Salgado Zenha em 1985/1986.
Do ângulo de vista do valor pessoal, gosto de que tenha obtido o grau de doutor depois de deixar a política explícita e aprecio o seu afã em conferências e outras intervenções cívicas, académicas e culturais. Lamento que as universidades portuguesas não o tivessem acolhido, como discuto os seus apoios políticos erráticos desde a velha FRS/Frente Republicana Socialista (com a qual estabelecera protocolo pré-eleitoral em 1980), passando pela declaração pública de que o seu programa presidencial coincidia basicamente com o da AD, até ao apoio às candidaturas presidenciais de Cavaco Silva e de Sampaio da Nóvoa.
Não creio que seja taticamente meritória a sua renúncia à retroação de vencimentos que os tribunais decretaram a seu respeito. Sua Excelência terá promulgado o diploma que lhe foi apresentado. (Lembro-me do arcebispo de Braga Frei Bartolomeu dos Mártires, que entendia que as questões institucionais não são tratadas de forma pessoalizada). Entendeu recorrer para os tribunais. Deram-lhe razão. Aceitava a decisão. Se achava que em termos morais não tinha direito, disporia em prol de alguma instituição.  
Quanto aos promotores de homenagens a Eanes, se excetuar os militares, também devo não aplaudir a sua pressuposta boa intencionalidade. Disputaram a antecipação do apoio à sua candidatura presidencial em 1976, para travar a esquerda; crucificaram-no politicamente, em 1980, por hipoteticamente colado ao PCP; criticaram-no por ter albergado a criação do PRD sendo ainda Presidente; e apontaram o tique militarista das suas intervenções.
Agora que o homem singrou académica e socialmente e se mantém formalmente equidistante dos partidos endeusam-no e só veem nele virtudes.
Quanto ao Presidente da República, devo dizer que, em termos gerais, o seu discurso foi atilado, pelo menos na perspetiva política que defende. Porém, fazer contas aos meses e dias que, na sua ótica, separam a 1.ª eleição presidencial da promulgação da Constituição em dois meses e seis dias não lembrava ao careca, com ele diz às vezes. A Constituição foi promulgada a 2 de abril: desta data até 27 de junho vão 2 meses e 25 dias. Não confunde o constitucionalista promulgação com publicação: esta foi a 10 de abril – 2 meses e 17 dias.
Para quem criticava Guterres por errar aritmética em público…

2016.06.30 – Louro de Carvalho

A promessa da entrega das chaves do Reino dos Céus


Na solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo, a Liturgia da Palavra da Missa do Dia (também há a missa a vigília), parece gravitar em torno do poder das chaves. Mas é necessário ter em conta o contexto, que é a profissão da fé de Pedro que se adiantou em relação aos seus companheiros quando Jesus – depois de os ter questionado sobre o que dizem por aí os outros sobre o Filho do Homem (João Batista, Elias ou algum dos profetas – responderam eles), os interrogou: “E vós, quem dizeis que Eu sou?”. Pedro, como sabemos, diz sem receio: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”.
Então, segundo este Evangelho, a entrega das chaves é a contrapartida da fé explícita, como em João (cf Jo 21,15ss) a entrega a Pedro da tarefa de apascentar os cordeiros e as ovelhas de Cristo é a contrapartida do amor explícito, total e incondicional ao Senhor (até à morte). Também o poder de ligar e desligar na Terra com a consequência de ligar/desligar no Céu (poder das chaves) – confiado aos discípulos (cf Mt 18,18) – é a contrapartida evangélico-eclesial da prática da correção fraterna na comunidade/Igreja. E este poder, radicado no dom e força do Espírito Santo, que os apóstolos recebem, implica o perdão dos pecados (cf Jo 20,19-23). Fé, amor, perdão, e Espírito Santo dão a chave do Reino.
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Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu” (Mt 16,19).
A que tipo de chaves se refere Cristo quando promete fazer a sua entrega a Pedro? Chave é uma parábola-metáfora, imagem de liberdade – como a ave egípcia a levantar voo, a cunha assíria a romper a dureza da pedra, o 3.º filho de Noé (Jafet) denominado filho do espaço e da amplidão aberta do céu, o êxodo hebreu a fazer o povo abrir a passagem, galgar fronteiras, marchar para a aventura do seu destino, ou o Êpheta, dirigido ao surdo-mudo (a 1.ª palavra que ouve não é pai ou mãe, mas “abre-te”, “liberta-te”) – (vd Cândido de Souza, Palavra, Parábola, Ed. Santuário: 1990).
E essa chave foi entregue apenas a Pedro? A leitura isolada do versículo 19 leva a supor que a entrega foi exclusivamente feita a Pedro. Porém, tendo em conta o capítulo 18 de Mateus os caps. 20 e 21 de João, é legítimo e salutar sentir com Santo Agostinho:
“Não foi apenas um homem, Pedro, que recebeu as chaves do Reino, mas a Igreja universal. Quando Cristo disse ‘Eu te entrego as chaves’, estava a entregar as chaves a todos” (cf id et ib; ML,38,1349).
Os ditames evangélicos são para todos. Não pode o leitor/recetor determinar o que não é para si. Toda a doutrina do cap. 18 de Mateus é para os discípulos, para a Igreja: perdão, correção fraterna, oração, tornar-se como criança, receber uma criança, etc. Não pode o desligar e o ligar ser prerrogativa exclusiva de poucos, obviamente que Pedro está à frente e até se adianta a perguntar, a crer, a amar, a missionar. Ironicamente o cap. 16 de Mateus mostra Jesus a dar as chaves a Pedro (com o direito e o poder de abrir/fechar). Pedro é indubitavelmente o maior, o portador das chaves. Mas os discípulos vão ser esclarecidos no cap. 18. A pergunta dos discípulos obtém como resposta: A criança. Dela é o Reino. E a chave gerida por Pedro está ao cuidado de todos. Deus ligará ou desligará consoante os discípulos ligarem ou desligarem. Contra a exigência das assembleias gregas ou romanas, que vinculavam o valor das deliberações à participação de centenas e até milhares de pessoas, para a Ecclesia de Cristo bastam dois ou três para garantir a presença de Jesus e para Deus ratificar o que esses dois ou três abrem ou fecham na terra. É claro que têm de estar em comunhão com Cristo, com Pedro e com toda a Ecclesia Dei.
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E o Papa Francisco, na sua homilia de hoje, dia 29, dá-nos o sentido das chaves a partir do binómio fechamento/abertura”, baseado na perícopa do Evangelho da Solenidade (Mt 16,13-19). Mas relaciona-a, de pronto, com as perícopas do Livros dos Atos dos Apóstolos (At 12,1-11) e da 2.ª Carta a Timóteo (2Tm 4,6-9.17-18), que antecedem a proclamação do Evangelho. Assim, começando por dizer que, “nesta liturgia, a Palavra de Deus contém um binómio central “fechamento/abertura”, relaciona com esta imagem o símbolo das chaves que Jesus promete a Simão Pedro para que este possa “abrir às pessoas a entrada no Reino dos Céus e não fechá-la como faziam alguns escribas e fariseus hipócritas, que Jesus censura” (cf Mt 23,13). E, na perícopa dos Atos dos Apóstolos (12, 1-11), Francisco vislumbra três fechamentos:
“O de Pedro na prisão; o da comunidade reunida em oração; e – no contexto próximo da nossa perícopa – o da casa de Maria, mãe de João chamado Marcos, a cuja porta foi bater Pedro depois de ter sido libertado”.
E a principal via de saída dos fechamentos, segundo o Papa, é a oração. Sem ela, a comunidade corre o risco de se fechar por via da perseguição e do medo. Pedro que, já no início da missão que o Senhor lhe confiara, foi lançado na prisão por Herodes, correu o risco de condenação à morte. Porem, enquanto Pedro estava na prisão, “a Igreja orava a Deus, instantemente, por ele” (At 12,5). Obviamente, o Senhor responde com o envio do anjo libertador.
Assim, refere o Papa, “a oração, como humilde entrega a Deus e à sua santa vontade, é sempre a via de saída dos nossos fechamentos pessoais e comunitários”.
Também Paulo fala a Timóteo da sua experiência de libertação, de saída do perigo de ser condenado à morte, porque “o Senhor esteve ao seu lado e deu-lhe força para poder levar a bom termo a sua obra de evangelização dos gentios” (cf 2 Tm 4,17). Mas Paulo “fala duma ‘abertura’ muito maior, para um horizonte infinitamente mais amplo: o da vida eterna, que o espera depois de ter concluído a ‘corrida’ terrena”.
Quanto a Pedro, a narração evangélica da sua confissão de fé e consequente entrega da missão mostra que a vida do pescador galileu, como a vida de cada um de nós, “desabrocha plenamente quando acolhe, de Deus Pai, a graça da fé”. E Pedro enceta o “caminho longo e duro” – que o faz “sair de si mesmo, das suas seguranças humanas, sobretudo do seu orgulho”.
Mas o Papa acentua e valoriza um pormenor do Livro dos Atos (vdAt 12,12-17):
“Quando Pedro, miraculosamente liberto, se vê fora da prisão de Herodes, vai ter à casa da mãe de João chamado Marcos. Bate à porta e, de dentro, vem atender uma empregada chamada Rode, que, tendo reconhecido a voz de Pedro, em vez de abrir a porta, incrédula, mas cheia de alegria corre a informar a patroa. A narração, que pode parecer cómica – e pode ter dado início ao chamado complexo de Rode –, deixa intuir o clima de medo em que estava a comunidade cristã, fechada em casa e fechada também às surpresas de Deus”.
Pedro corre perigo, pois os guardas podem prendê-lo. Mas o medo paralisa, “fecha-nos, fecha-nos às surpresas de Deus”. Este detalhe, na ótica papal, mostra a tentação existente na Igreja: a de fechar-se em si mesma, à vista dos perigos. Porém, a oração faz a brecha determinante “por onde pode passar a ação de Deus: Lucas diz que, naquela casa, numerosos fiéis estavam reunidos a orar” (vd At 12,5). Ora, insiste o Pontífice, a oração permite que a graça abra a via de saída: do fechamento à abertura, do medo à coragem, da tristeza à alegria, da divisão à unidade.
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Voltando ao conceito de chave e à sua utilidade, importa saber o que é uma chave ou para que serve. A resposta mais óbvia será abrir e fechar. Porém, muitos preferem usá-la para fechar, ao passo que outros preferem que ela abra. A palavra portuguesa “clave” deriva por via erudita (é alótropa ou divergente de chave) da latina “clavis”. E é o tipo e a posição da clave na pauta musical o que nos dá a denominação das notas e das pausas. Já a “autoclave” (do grego autós, mesmo; próprio + latim clave-, chave, pelo francês autoclave) é um recipiente de fecho automático com fluidos a alta pressão (tensão) para esterilizar instrumentos – abre, mas predomina a dimensão de fechamento.
O mundo ocidental papagueia a liberdade, democracia e participação, mas isto é privilégio real de poucos (dos endinheirados, dos poderosos e dos oportunistas). “Chave”, para os ocidentais, significa principalmente “fecho”, enquanto nas línguas semitas significa sobretudo “abertura”.
“Clavis”, no latim, provém de “claudere” (fechar, trancar, enclausurar, pôr ferrolho, por um clavus ou cravo). E a semântica é paralela no grego (Klêis), italiano (Chiave), francês (Clef), espanhol (Llave), romeno (Cheie), português (Chave), inglês (Key), alemão (Schlussel), boémio (Klic), polaco (Klucz), russo (Kljuc).
Em contraponto, no hebreu, “chave” (MA.PTÉAĤ) origina-se do verbo PATÁH, abrir. Nesta língua há uma série de sons paralelos: Pat, Pet, Pit, Pot, Put; Fat, Fet, Fit, Fot, Fut; Bat, Bet, Bit, Bot, But; Bad, Bed, Bid, Bod, Bud; Pas, Pes, Pis, Pos, Pus; Pats, Pets, Pits, Pots, Puts (até parece brincadeira). O denominador comum da semântica destes sons é “abrir”. Assim: patah, significa “abrir, romper, tornar patente”; pataĤ, “livrar, soltar, manifestar, abrir, fender, começar” (implica rutura); pat, significa “naco, pedaço, fatia, migalha”; patar, “quebrar, romper, abrir, cortar, livrar, soltar, rasgar, fazer brecha, explicar, interpretar”; pétah, “porta, entrada, abertura, declaração, explicação”; e ma.ptêaĤ, “instrumento que abre, que anda e desanda – chave”. Os sons que se relacionam com a palavra “chave”, no hebreu, e com o seu sentido fundamental de “abrir” exprimem: abertura física (do chão, do solo), dando origem a palavras como arar, cortar (a terra), arado, sulcar, sulco, brecha, campo ou arada (por onde passou o arado – padân); abertura do espírito (para conhecimento), com palavras como declaração, explicação, interpretação; instrumentos utilizados para abrir (com palavras como martelo, arado, chave - patísh); abertura social e psicológica (com palavras como libertação, rompimento, das cadeias, abertura das correntes – pedút). Jafet, o 3.º filho de Noé, é o filho da liberdade. E o memorial judeo-cristão tem a “Páscoa” (Pêssah), “libertação” ou “salvação” (pedút) e “Abre-te” (Êpheta). São termos que pertencem à família etimológica de chave, ma.ptêaĤ; porta, pêaĤ; e abertura, pêtsa’.
Em suma, temos conceitos importantíssimos: chave, libertação, abertura, porta, arado, brecha, sulco, declaração, interpretação, hermenêutica, explicação, espaço, vastidão, amplidão, rompimento das cadeias, alicerce, fundamento, útero, casca, casulo, ferida, fratura, fragmento, fração, fatia, segmento, viagem, passagem, saída, êxodo, páscoa. Tudo, menos claustrofilia!
Os sons deste quadro – abrir, romper – encontram-se nas línguas clássicas do Oriente e do Ocidente: egípcio, sumério, acádico, grego, latim, chinês e algumas línguas indígenas. Assim, a título de exemplo: Em assírio-babilónio, a ideia de abrir ou romper exprime-se com o ícone de uma cunha (sons: bad, bit, but, batu, pitu), de uma cruz (abrir ao meio) ou de uma tesoura (cortar); em egípcio, abrir exprime-se pelo hieróglifo do martelo e do braço armado com um punhal (indicando assim também céu, espaço, imensidão – que abre os olhos) e ainda com o hieróglifo da ave a abrir as asas e a levantar voo – rica imagem para o “spatium”; em chinês, utiliza-se put, pernas que se abrem para caminhar como a ave abre as asas para voar. Em egípcio, PA exprime ação, admiração, estupefação, movimento, surpresa; e indica também uma exclamação – Ah! Oh! – e funciona como o definido “o” e os demonstrativos “o” e “este” ou nome “pai” e “ave” e verbo “voar”.
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Cristo, ao abrir a boca e os ouvidos do surdo-mudo emprestou à palavra Êpheta ou Effathá toda a força etimológica do mundo semita (vd Mc 7,32-35). Por isso, as traduções – grega e latina – da Bíblia a conservam. O som Êpheta contém a ideia de libertação das cadeias e da prisão, o fim do exílio e da escravidão ou do trabalho forçado. Neste caso, ao libertar de uma deficiência física, tem o significado concomitante de palavra iluminadora do mestre e do profeta a abrir a boca ou o livro para explicar, interpretar, esclarecer. Por outro lado, indica a abertura para a vastidão do mundo e do céu que se abre para os olhos possibilitando a liberdade de fruir do mundo ou das alturas. É o milagre da liberdade e da caminhada, é a rutura com a limitação, o passado. É, contra a asfixia egoísta e, às vezes, institucionalizada, a proclamação da santa agorafilia!
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Por isso, a chave entregue por Cristo a Pedro e a todos os demais, que permanecem e caminham em comunhão com ele, é um ÊPHETA, um mandato de Liberdade, um grito de Salvação, um Arado para tornar a Terra arada segundo coração de Deus, o Punhal da Misericórdia, as Asas do voo, o Bordão desbravador de caminhos não andados que esperam a Redenção, o Cantil do peregrino que lhe mata a sede como aos demais, o glorioso Castiçal da flama olímpica do Deus Libertador a mobilizar em torno de Si todos os homens e todas as mulheres de boa vontade!

2016.06.29 – Louro de Carvalho

terça-feira, 28 de junho de 2016

Concílio Panortodoxo de Creta

Iniciado oficialmente a 19 de junho, dia do Pentecostes (segundo o calendário juliano, seguido pela Igreja ortodoxa), com a solene celebração da Liturgia Divina, decorreu o Concílio Panortodoxo ou o Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa na Academia ortodoxa de Creta. Foi esta uma semana de intensos trabalhos da parte dos 290 delegados representando 10 Igrejas ortodoxas (Faltaram quatro: as da Rússia, Bulgária, Geórgia e Antioquia, que no último momento decidiram não participar). As sessões de debates iniciaram-se no dia 20 e terminaram no dia 25, superando as previsões mais pessimistas existentes antes da abertura. Com efeito, a Assembleia Conciliar, não somente adotou os seis textos que figuravam na ordem do dia, mas também publicou uma Encíclica e uma importante “Mensagem ao povo ortodoxo e a todas as pessoas de boa vontade”.
Foi a primeira vez, em mais de mil anos, que se realizou esta reunião magna das diversas Igrejas ortodoxas. E o evento constitui uma “grande apologia ao diálogo”. Foram estes os termos com que se lhe referiu a mensagem final do Grande Concílio das Igrejas Ortodoxas: uma “exaltação da importância do diálogo entre as várias denominações ortodoxas, mas também do diálogo ecuménico com as outras Igrejas cristãs”, porque, como explicitou o Patriarca Bartolomeu I, “a unidade ortodoxa serve também para a causa da unidade dos cristãos”. Trata-se de segmentos discursivos registados pela Rádio Vaticano, que também afirmou que o Patriarca Ecuménico garantiu que este encontro panortodoxo presta ajuda ao diálogo inter-religioso tentando um frutuoso contraponto à explosão do fundamentalismo, porque o diálogo sincero é o único caminho para a confiança recíproca, a paz e a reconciliação.
A este respeito, o Concílio lançou forte apelo à comunidade internacional para que se cumpram todos os esforços possíveis para “uma resolução dos conflitos armados” no Oriente Médio: “Estamos ouvindo a dor, as angústias e o grito de justiça e de paz dos povos” – clamaram.
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Culmina deste modo a longa caminhada pré-conciliar encetada pelas Igrejas Ortodoxas ainda nos anos 60 do século XX, com a abertura de uma nova página na sua história, inspirada no esforço da boa vontade católico-ortodoxa, personificada em Atenágoras I e Paulo VI. Não obstante as indisfarçáveis lacunas e para lá dos documentos e do próprio Concílio, a Igreja Ortodoxa deu importante passo no exercício da sinodalidade, certamente até agora professada, mas não vivida suficientemente entre todas as Igrejas Ortodoxas. Como o próprio Concílio vaticinou, é improvável que este precedente não tenha consequências positivas visíveis.
A sessão final de 25 de junho, tal como havia ocorrido com a primeira, a 20 de junho, foi aberta aos observadores e jornalistas. Sendo a sessão conclusiva, foi substancialmente uma sessão de agradecimentos, no decurso da qual o Patriarca Ecuménico pôde fazer um primeiro balanço avaliativo. Algo entristecido pela notória ausência das quatro Igrejas acima mencionadas e reconhecendo que “não foi fácil” e que “o fator humano esteve presente”, Bartolomeu I (em grego: Βαρθολομαίος ο Α') congratulou-se e manifestou o seu regozijo pela concórdia alcançada e pela mensagem de unidade entregue ao mundo. Prova disto é o facto de que, “não obstante a instituição da autocefalia, somos uma Igreja indivisível e gozamos da unidade na nossa diversidade e da diversidade na nossa unidade”. Assim, pôde concluir: “Escrevemos, juntos, uma página de história, um novo capítulo na história contemporânea das nossas Igrejas”.
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Aos observadores Sua Santidade, Bartolomeu I, Arcebispo de Constantinopla Nova Roma e Patriarca Ecuménico (H Αυτού Θειοτάτη Παναγιότης ο Αρχιεπίσκοπος Κωνσταντινουπόλεως Νέας Ρώμης και Οικουμενικός Πατριάρχης Βαρθολομαίος Α'), agradeceu, em particular, pela oração, apoio e interesse manifestado pelas suas respetivas Igrejas. Indo um pouco além das palavras dos textos fixados no Concílio, salientou que esta magna assembleia “confirmou a importância vital do diálogo com as outras Igrejas cristãs”. Fez uma síntese do resultado fundamental consubstanciada na metáfora do “caminho comum” (syn-odos):
“Apesar das imperfeições do caminho, este Santo e Grande Concílio oferece-nos a oportunidade de revitalizar o processo conciliar, de modo que os Concílios eclesiais se tornem novamente o caminho canónico e natural para alcançar e afirmar a unidade ortodoxa para todas as nossas Igrejas irmãs Ortodoxas”.
No final da última sessão conciliar, Bartolomeu pronunciou, de improviso, um discurso em que sublinhou a contribuição da Igreja Ortodoxa, e em particular a de Constantinopla, para o movimento ecuménico. Depois, aproveitou o ensejo para evocar recordações pessoais, como estudante do Instituto de Bossey e como Vice-Presidente da Comissão Fé e Constituição (do Conselho Ecuménico das Igrejas), bem como o diálogo com João Paulo II, Bento XVI e Francisco.
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Já no domingo, dia 26, Solenidade de Todos os Santos, celebrada pela Igreja Ortodoxa no domingo subsequente ao do Pentecostes, os Primazes concelebraram a Divina Liturgia na Igreja dos Santos Pedro e Paulo em Chanya.
Após a proclamação do Evangelho, foi proferida a mensagem comum que – “fundada na certeza de que a Igreja não vive para si mesma” – desenvolve em 12 itens os temas debatidos. O Concílio, para já, tomara decisões sobre 6 deles, enquanto os outros 6 serão examinados posteriormente. Assegurando que a prioridade é a proclamação da unidade da Igreja Ortodoxa – unidade que se expressa no Concílio – o texto destaca, antes de mais, que a conciliaridade (da Igreja Ortodoxa) lhe modela a organização, o modo de tomada decisões e a forma de determinação do seu destino. Na verdade, as Igrejas Ortodoxas autocéfalas não são simplesmente “uma federação de Igrejas, mas a Igreja una, santa, católica e apostólica”, em que subiste a Igreja fundada por Jesus Cristo. Neste sentido, aplicado ao fenómeno problemático da diáspora, o princípio de conciliaridade está na base das Assembleias Episcopais que o Concílio aceita e confirmou, como está na origem origina das sinaxys dos Primazes e do Santo e Grande Concílio, pelo que este será, doravante, convocado regularmente, “a cada sete ou dez anos”.
A mensagem prossegue no relevo da necessidade do testemunho da fé, “Liturgia após Liturgia”, com vista à evangelização e à “reevangelização”. Evidencia a importância do diálogo, “em particular com os cristãos não ortodoxos” (diálogo ecuménico), para fazer resplandecer melhor a ortodoxia, e também com os não cristãos (diálogo inter-religioso), num sentido de respeito, aceitação e inclusão. E, ressaltando, de forma expressiva, a preocupação pelos cristãos e pelas minorias perseguidas no Oriente Médio, bem como a situação dos refugiados, a par da clara denúncia do “secularismo moderno”, o documento deixa bem vincado que “a cultura ocidental traz a marca indelével da contribuição do cristianismo”.
Também a conceção cristã do matrimónio recebeu a atenção dos Patriarcas e Arcebispos, tal como o valor da abstinência e ascese, “caraterística da vida cristã em todas as suas expressões”.
O documento recorda, por fim, “importantes questões contemporâneas”, que é necessário aprofundar: as relações entre fé e ciência; a crise ecológica; o “respeito pelo particularismo”; a relação entre Igreja e âmbito político; e os jovens. Antes de concluir, é relevado que “o santo e Grande Concílio abriu o nosso horizonte sobre o mundo contemporâneo”. A Igreja ortodoxa é, na entrada do 3.º milénio, sensível à invocação de paz e justiça dos povos do mundo e proclama a boa notícia da salvação, anunciando a glória e as maravilhas de Deus entre todos os povos.
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Também a homilia pronunciada pelo Patriarca Ecuménico foi dedicada à sinodalidade. Citando várias vezes o teólogo ortodoxo de origem russa Alexander Schmemann, Bartolomeu I recordou “a natureza sinodal” da Igreja, definida como um “sínodo ecuménico”, que Deus convoca. Se não entendermos a Igreja como “essencialmente sinodal”, se não aceitarmos que toda a sua vida é uma vida “em sínodo”, “então não seremos capazes de entender corretamente a função dos Concílios no sentido mais estreito da expressão” – declarou.
O Arcebispo de Constantinopla insistiu na necessidade de divulgar e aplicar as decisões conciliares, segundo o processo que definiu como “Concílio após o Concílio”:
“As decisões sinodais panortodoxas devem ser inseridas na vida das Igrejas Ortodoxas locais, divulgadas nas paróquias, nas santas arquidioceses, nas ‘metropolias’ e nos santos mosteiros, discutidas nas escolas teológicas e nos seminários, utilizadas para o catecismo e educação dos jovens, para poderem dar fruto no ministério pastoral e nas atividades da Igreja no mundo”.
Segundo a reiterada ideia de Bartolomeu I, o ensinamento principal do Concílio é o seguinte: “A sinodalidade é outro termo para descrever a unidade, a santidade, a catolicidade e a natureza apostólica da Igreja”. Ideias que Francisco tem destacado. De facto, o Santo e Grande Concílio revelou que a Igreja una, santa, católica e apostólica, unida pela fé, sacramentos e testemunho no mundo, encarna e expressa de modo autêntico o princípio eclesiológico central e a verdade da sinodalidade; e reiterou que a Igreja vive como um “sínodo”. Pegando nas palavras de Steven Runciman, que citara, em 16 de junho, o Patriarca Bartolomeu I afirmou, no final do Concílio:
 “Se o século XXI pode e deve tornar-se o ‘século da ortodoxia’,  o Santo e Grande Concílio de nossa santíssima Igreja, pela graça do Deus adorado, trino e Senhor de tudo, colocou a primeira pedra para o cumprimento desta visão divina”.
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O Papa dedicou a este Concílio umas palavras, ao Angelus do dia 19, na praça de São Pedro:
“Vamos unir-nos em oração pelos nossos irmãos ortodoxos, invocando o Espírito Santo, para que ajude com os seus dons os patriarcas, os arcebispos e os bispos que estão reunidos no Concílio. E todos juntos oremos a Nossa Senhora, por todos os nossos irmãos ortodoxos: Ave-Maria...”.
E, no regresso da Arménia, disse aos jornalistas que fazia um juízo positivo sobre este fórum:
Foi feito um passo avante: não 100%, mas um passo avante. As coisas que justificaram – entre aspas – são sinceras para eles, são coisas que com o tempo podem ser resolvidas. Esses quatro que não participaram queriam fazê-lo mais para frente. Mas creio que o primeiro passo se faz como se pode. Como as crianças, quando dão os primeiros passos, fazem como podem: os primeiros como os gatos, e depois os primeiros passos.
E acrescentou:
“Eu estou feliz. Falaram de tantas coisas. Creio que o resultado seja positivo. Somente o facto de essas Igrejas autocéfalas se terem reunido, em nome da ortodoxia, para se olharem face a face, para rezar juntos e falar e talvez fazer algum comentário, isso é muito positivo. Eu agradeço ao Senhor. No próximo, serão mais numerosos. Abençoado seja o Senhor!”.
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Louvores a Deus pela lucidez, vontade e estilo sinodal!
2016.06.28 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Eh, eh, sou eu quem decide!

A sintaxe não foi a plasmada em epígrafe, mas a semântica anda por aí. Pela SIC passou recentemente um programa “Eu é que sou o Presidente da Junta!”, como passou, há anos, um outro, “O juiz decide”, que terminava com o estribilho rifónico “O juiz decidiu, está decidido!”. E, na Administração Pública ou na empresa, não raro, o diretor, administrador ou algo que o valha é apanhado, à falta de melhor, com o argumento autoritário (que não de autoridade): “Eu sou o diretor (presidente/administrador…) e eu decido assim”!
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No encerramento da X Convenção do Bloco de Esquerda (BE), a líder reconfirmada, Catarina Martins, deixou aviso a António Costa e à UE, ou seja, anunciou que o BE entende que exigirá um referendo sobre a permanência de Portugal na UE se a Comissão Europeia decidir pela aplicação de sanções a Portugal em razão do desempenho orçamental de 2015:
“Se a Comissão Europeia tomar uma iniciativa gravíssima de aplicar uma sanção inédita, inaceitável e provocatória de penalizar Portugal pelo mau desempenho de Pedro Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, a Comissão declara guerra a Portugal”.
E prosseguiu, dizendo que, se a Comissão “aplicar uma sanção por causa desses anos (2015 é o 1.º ano inteiro sem troika – reflexo da caminhada do triénio anterior) e a usar, para pressionar o Orçamento do Estado para 2017 exigindo mais impostos”, também “declara guerra a Portugal”. Ora, para que a UE não continue a pisar-nos, Portugal, naquele cenário, “só pode responder recusando as sanções e o arbítrio e anunciar que está disposto a colocar na ordem do dia um referendo para pôr termo à chantagem”, a exemplo do que fez o Reino Unido, em que venceu a opção que defende a saída da União Europeia (UE) – o que representa um precedente e “outros países poderão decidir por referendo o que querem fazer na União Europeia”.
Por outro lado, mostrou-se crítica face à atitude de Merkel em convocar os ditos seis fundadores da CEE, “uma instituição fantasma que já nem sequer existe”, para uma reunião, que se realizou a 25 de junho, de aceleração de resposta ao “Brexit”. Em contraponto à tendência da direita e seus aliados de responder ao referendo britânico com a alegada corrida “para mais integração”, anotou:
“O pior da UE é mesmo a sua chefia, são perigosos e mostram todos os dias que estão dispostos a destroçar a Europa para aguentar uma política que assusta os povos”.
E porfiou que “Portugal não tem de assistir em silêncio a uma vingança contra a democracia”. Na verdade, “o Reino Unido decidiu sair e tem o direito de sair. Se a UE ofereceu a Cameron “uma exceção contra os imigrantes, não pode agora inventar regras quando violou as regras essenciais”, recordou criticando o acordo celebrado com Cameron pelo Conselho a 18-19 de fevereiro deste ano.
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Às declarações feitas por Catarina Martins em nome do BE, opuseram-se diversas posições marcadas pelo denominador comum da contestação ao referendo. E sobre o referendo é de salientar a declaração do Presidente da República, que tinha, do meu ponto de vista, reagido de forma exemplar à notícia do “Brexit” na manhã do dia 24.
Sobre o “Brexit”, Marcelo sublinhara o desconforto da decisão, o respeito pela vontade soberana do povo do Reino unido, a resposta a dar de forma rápida e coesa pelo reforço do projeto europeu e as consequências económicas nos diversos países da Europa; e dissera esperar as condições de tranquilidade dos compatriotas que trabalham no reino Unido, bem como evocou a velha aliança e a factualidade de o Reino continuar a pertencer à Europa, devendo ser definidas da melhor forma as relações que essa pertença implica.
Sobre a posição do BE e o referendo, disse aos jornalistas em Torres Vedras, no passado dia 26, que não lhe competia comentar convenções e congressos dos partidos, mas atirou que um referendo em Portugal como aconteceu em Inglaterra “é uma questão que não se põe”, aduzindo que Portugal “quer continuar na União Europeia”, que “Portugal está na União Europeia, sente-se bem na União Europeia e quer continuar na União Europeia”. E ainda: “Quanto ao resto, a Constituição diz que a decisão sobre o referendo é do Presidente da República e, portanto, é uma questão que não se põe neste momento”.
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É verdade que, segundo a CRP, a decisão sobre o referendo é uma competência do Presidente da República. Porém, esta verdade dita assim, sem o seu contexto, pode levar a equívocos. Por exemplo, o Presidente não pode tomar a iniciativa do referendo, nem é a ele que os cidadãos ou os partidos se devem dirigir para pedir um referendo.
Com efeito, a alínea c) do art.º 134.º da CRP estabelece como competência para a prática de atos próprios do Presidente: “submeter a referendo questões de relevante interesse nacional, nos termos do artigo 115.º, e as referidas no n.º 2 do artigo 232.º e no n.º 3 do artigo 256.º”. Ora, outras competências o mesmo artigo consagra como competências para a prática de atos próprios do Presidente e em que os seus poderes são bem condicionados. Por exemplo, só excecionalmente recusa a promulgação de lei ou decreto-lei (observado o estipulado no art.º 136.º) e não lhe cabe tomar qualquer iniciativa legislativa ou regulamentar; dificilmente declara o estado de sítio ou o estado de emergência (e tem de observar o estipulado no art.º 19.º, que impõe limitações e precauções, e o art.º 138.º, que impõe a audição do Governo e autorização da AR); como comandante supremo das forças armadas não tem funções operacionais e a sua ação tem de estar articulada com a definição da política geral definida pelo Governo (vd art.º 182.º); indultar ou comutar penas implica a audição do Governo; requerer ao Tribunal Constitucional (TC) a apreciação da constitucionalidade das leis acontece esporadicamente quando o Presidente tem dúvidas fundadas; e a pronunciar-se sobre as emergências graves da República tem de ser comedido para não banalizar a pronúncia e não correr o risco de não ser escutado quando o superior interesse do país o postular. O que pode fazer mais livremente será dar condecorações nos termos da lei.
Quanto ao referendo, o art.º 115.º prevê que “os cidadãos eleitores recenseados no território nacional” e os residentes no estrangeiro (tendo em conta a existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional, nos termos do n.º 2 do art.º 121.º) “podem ser chamados a pronunciar-se diretamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembleia da República ou do Governo, em matérias das respetivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei”. O referendo pode também “resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembleia da República, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei” (vd n.º e n.º 2).
Compete, nos termos do n.º 2 do art.º 232.º, à Assembleia Legislativa da região autónoma respetiva “apresentar propostas de referendo regional, através do qual os cidadãos eleitores recenseados no respetivo território possam, por decisão do Presidente da República, ser chamados a pronunciar-se diretamente, a título vinculativo, acerca de questões de relevante interesse específico regional”. Também o art.º 256.º prevê as condições de instituição em concreto das regiões administrativas e o modo de fazer a consulta aos eleitores para o efeito (decide o Presidente por proposta da AR nos termos da respetiva lei orgânica).
Os n.os 3, 4, 5 e 7 do art.º 115.º limitam e/ou excluem do referendo algumas matérias. O n.º 6 estabelece que um referendo “recairá sobre uma só matéria, devendo as questões ser formuladas com objetividade, clareza e precisão e para respostas de sim ou não, num número máximo de perguntas a fixar por lei, a qual determinará igualmente as demais condições de formulação e efetivação de referendos”. O n.º 8 estipula que o Presidente da República submete ao Tribunal Constitucional “a fiscalização preventiva obrigatória da constitucionalidade e da legalidade as propostas de referendo que lhe tenham sido remetidas pela AR ou pelo Governo”. E o n.º 10 estabelece que “as propostas de referendo recusadas pelo Presidente da República ou objeto de resposta negativa do eleitorado não podem ser renovadas na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República, ou até à demissão do Governo”.
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Concluindo, a decisão do referendo é mesmo uma competência do Presidente da República no quadro das competências para a prática de atos próprios, mas tem de se encarar no contexto do equilíbrio ou contrapeso dos poderes. Implica a proposta da AR, do Governo ou da respetiva Assembleia Legislativa regional (em matérias de interesse regional) e a obrigatoriedade de fiscalização prévia da parte do TC. Ademais, o BE não mostrou ignorar as competências presidenciais, mas fez um aviso ao líder do partido do Governo, que também tem capacidade para, de certo modo, influenciar o agendamento das matérias na AR.  
Por isso, o Presidente não pode pôr-se em bicos de pés, pois, como se vê, o nosso sistema está longe de ser um sistema presidencialista. E, mesmo nos sistemas presidencialistas, o Presidente não pode fazer tudo o que quer. Veja-se o que se passa nos EUA e no Brasil. Porém, como diz o povo, “Presunção e água benta cada um toma a que quer”.

2016.06.27 – Louro de Carvalho  

“Construir pontes de amor e comunhão”

O Papa Francisco e Karekin II, o supremo Patriarca e Catholicos de todos os arménios, assinaram uma declaração comum, na Santa Etchmiadzin (centro espiritual de todos os arménios), na tarde do dia 26, antes do “Encontro com Delegados e Benfeitores da Igreja Apostólica Arménia” no Palácio Apostólico. Pela pertinência ecuménica destacam-se os pontos principais:
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- Dão graças, de mente e coração, “ao Todo-Poderoso pela progressiva e crescente proximidade na fé e no amor” entre as duas Igrejas “no seu testemunho comum à mensagem do Evangelho da salvação num mundo dilacerado por conflitos”, mas “desejoso de conforto e esperança”.
- Louvam a SS.ma Trindade por ter permitido esta reunião “na terra bíblica de Ararat”, que é uma terra de memória “de que Deus será para sempre a nossa proteção e salvação”.
- Evocam com prazer espiritual a visita de João Paulo II à Arménia, em 2001, pelos 1700 anos da proclamação do cristianismo como religião da Arménia, o que virou “uma nova página nas relações calorosas e fraternas entre a Igreja Arménia Apostólica e a Igreja Católica”.
- Exprimem gratidão pela graça de terem estado juntos “numa solene liturgia na Basílica de São Pedro em Roma” a 12 de abril de 2015, onde empenharam a vontade de se oporem “a toda a forma de discriminação e violência” e comemoraram as vítimas daquele que a Declaração Comum de João Paulo II e Karekin II (a 27 de Setembro de 2001) assinala “como o extermínio de um milhão e meio de cristãos arménios, naquele que geralmente é referido como o primeiro genocídio do século XX”.
- Louvam o Senhor por a fé cristã ser “novamente uma realidade vibrante na Arménia” e a Igreja Arménia “exercer a sua missão com espírito de colaboração fraterna entre as Igrejas, sustentando os fiéis na construção dum mundo de solidariedade, justiça e paz”.
- Assumem-se como “testemunhas duma tragédia imensa que se desenrola ante os nossos olhos”: inúmeras pessoas inocentes “são mortas, deslocadas ou forçadas a um exílio doloroso e incerto devido a contínuos conflitos por motivos étnicos, económicos, políticos e religiosos, no Médio Oriente e noutras partes do mundo”.
- Assinalam o fenómeno de “minorias religiosas e étnicas” serem “alvo de perseguição e tratamento cruel, a ponto de o sofrimento pela crença religiosa se tornar uma realidade diária”.
- Reconhecendo que “os mártires pertencem a todas as Igrejas e o seu sofrimento é um ecumenismo de sangue que transcende as divisões históricas entre os cristãos”, convidam todos a promoverem “a unidade visível dos discípulos de Cristo”.
- Rezam conjuntamente, “por intercessão dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, Tadeu e Bartolomeu, por uma mudança de coração em todos os que cometem tais crimes e nos que estão em posição de acabar com a violência”.
- Imploram “aos líderes das nações que ouçam o apelo de milhões de seres humanos que anseiam pela paz e justiça no mundo e pedem respeito pelos seus direitos dados por Deus, que têm necessidade urgente de pão, não de armas”.
- Reconhecem-se como “testemunhas duma apresentação fundamentalista da religião e valores religiosos”, com o uso de tal forma “para justificar a difusão de ódio, discriminação e violência”.
– Repudiam, por inaceitável, a justificação de crimes com base em conceções religiosas, porque “Deus não é um Deus de desordem, mas de paz” (1Cor 14,33).
- Convictos de que “o respeito pelas diferenças religiosas é condição necessária para a convivência pacífica de diferentes comunidades étnicas e religiosas” recordam que os cristãos são chamados a buscar e implementar caminhos de reconciliação e paz e expressam a esperança numa resolução pacífica das questões em torno de Nagorno-Karabakh.
- Conscientes do ensino de Jesus aos discípulos, ao clamar: “Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo” (Mt 25,35-36), pedem aos fiéis que abram os corações e mãos às vítimas da guerra e do terrorismo, aos refugiados e suas famílias.
- Entendem que está em causa o próprio sentido da humanidade, solidariedade, compaixão e generosidade, “que só pode ser devidamente expresso na imediata partilha prática de recursos”. - Aceitando tudo o que já se está a fazer, insistem em que “é necessário muito mais, da parte dos líderes políticos e da comunidade internacional com vista à garantia do direito de todos viverem em paz e segurança, da defesa do Estado de direito, da proteção das minorias religiosas e étnicas, do combate ao tráfico de seres humanos e ao contrabando.
- Denunciam a secularização galopante de amplos setores da sociedade e a alienação das ligações espirituais e divinas que leva à visão materialista do homem e da família.
- Preocupados com a crise da família em muitos países, assumem que “a Igreja Apostólica Arménia e a Igreja Católica compartilham a mesma visão da família, fundada no matrimónio como ato de livre doação e de amor fiel entre um homem e uma mulher”.
- Confirmam que, “apesar das divisões que subsistem entre os cristãos”, percebem mais claramente que aquilo que nos une é muito mais do que aquilo que nos divide”, sendo esta “a base sólida sobre a qual será manifestada a unidade da Igreja de Cristo, de acordo com as palavras do Senhor: “que todos sejam um só” (Jo 17,21).
- Verificam que, nas últimas décadas, a relação entre as duas Igrejas “entrou com êxito numa nova fase”, fortalecida pelas orações comuns e mútuos esforços “a fim de superar os desafios contemporâneos”.
- Estão convencidos da importância crucial do avanço nesta relação ecuménica, “promovendo uma colaboração mais profunda e decisiva, não só na área da teologia, mas também na oração e na cooperação ativa no nível das comunidades locais, com o escopo de compartilhar a comunhão plena e expressões concretas de unidade”.
- Exortam os fiéis ao trabalho harmonioso pela promoção na sociedade dos valores cristãos que efetivamente contribuam para construir uma civilização de justiça, paz e solidariedade humana”, na “senda da reconciliação e da fraternidade”.  
- Confiam em que o Espírito Santo nos guie para a verdade completa (cf Jo 16,13) e sustente “todo o esforço genuíno por construir pontes de amor e comunhão”.
- Apelam aos fiéis para que se lhes juntem numa oração com as palavras de São Nerses, o Gracioso:
Glorioso Senhor, aceitai as súplicas dos vossos servos e, graciosamente, atendei os nossos pedidos, pela intercessão da Santa Mãe de Deus, João Batista, o primeiro mártir Santo Estêvão, São Gregório nosso Iluminador, os Santos Apóstolos, Profetas, Teólogos, Mártires, Patriarcas, Eremitas, Virgens e todos os vossos Santos no céu e na terra. E a Vós, Santa e Indivisível Trindade, seja glória e adoração por todo o sempre. Ámen”.
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Esta é mais uma declaração ecuménica conjunta a marcar a aproximação ecuménica e o pontificado de Francisco, na esteira dos seus predecessores.
Ora, perpassada do espírito ecuménico é também a alocução proferida pelo Papa no final da Divina Liturgia presidida por Karekin II, a que Francisco assistiu desde o lado direito do altar. Disse o Bispo de Roma:
“Encontramo-nos, abraçamo-nos fraternalmente, rezamos juntos, partilhamos os dons, as esperanças e as preocupações da Igreja de Cristo, da qual notamos em uníssono as pulsações do coração, e que acreditamos e sentimos ser una. ‘Há um só Corpo e um só Espírito, assim como (…) uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos’ (Ef 4,4-6): verdadeiramente podemos, com alegria, fazer nossas estas palavras do apóstolo Paulo.”
Pedro e Paulo deram a vida pelo Senhor em Roma; Bartolomeu e Tadeu proclamaram pela primeira vez o Evangelho naquelas terras. Agora – diz o Papa – eles que “reinam com Cristo no céu, decerto se alegram ao ver o nosso afeto e a nossa aspiração concreta à plena comunhão”.
E, depois de acentuar que, naquela Divina Liturgia, se elevou ao céu “o canto solene do triságio (Santo, Santo, Santo...), louvando a santidade de Deus”, Francisco implorou a descida abundante da “bênção do Altíssimo sobre a terra, pela intercessão da Mãe de Deus, dos grandes Santos e Doutores, dos Mártires, sobretudo da multidão de mártires ali canonizados em 2015 por Karenin II. E pediu que o Espírito Santo faça dos crentes um só coração e uma só alma e “venha refundar-nos na unidade”.
Fazendo votos para que “a Igreja arménia caminhe em paz e a comunhão entre nós seja plena”, espera que “surja em todos o forte anseio de unidade, unidade que não deve ser submissão de um ao outro, nem absorção, mas sim acolhimento de todos os dons que Deus deu a cada um para manifestar ao mundo inteiro o grande mistério da salvação realizado por Cristo Senhor através do Espírito Santo”. E, acolhendo o apelo dos Santos, ouvindo a voz dos humildes e dos pobres, das inúmeras vítimas do ódio que sofreram e sacrificaram a vida pela fé, sugere atenção “às gerações mais jovens, que pedem um futuro livre das divisões do passado”, sob os auspícios de São Gregório, que iluminou estas terras a cuja intercessão invoca “a luz do amor que perdoa e reconcilia”.
Finalmente, vem um pedido típico de Francisco (impensável nos antecessores), o da bênção da parte do Patriarca da Arménia para Francisco para a Igreja Católica e para o movimento ecuménico:
“E agora, Santidade, em nome de Deus, peço-vos que me abençoeis, que abençoeis a mim e à Igreja Católica, que abençoeis esta nossa corrida rumo à plena unidade”.
Cunctis benedictio Dei et voluntas hominum prosint!

2016.06.26 – Louro de Carvalho