domingo, 31 de janeiro de 2021

Maravilhados por Ele ensinar com autoridade e não como os escribas

 

O trecho do Evangelho selecionado para o 4.º domingo do Tempo Comum no Ano B (Mc 1, 21-28) relata-nos o episódio em que Jesus, a um sábado, movido pelo sentido de pertença ao povo de Israel, entra na sinagoga de Cafarnaum para a liturgia sinagogal e, impelido pela paixão messiânica de pregar o dinamismo do Reino, começa a ensinar e todos se maravilham com a sua doutrina, uma doutrina nova, e porque os ensinava com autoridade e não como os escribas.

Estamos na primeira parte do Evangelho de Marcos (cf Mc 1,14-8,30) cujo objetivo é levar-nos à descoberta de Jesus como o Messias que proclama o Reino de Deus. E Marcos fá-lo através dum percurso catequético em que nos convida a acompanhar a revelação de Jesus, escutando as suas palavras e o seu anúncio, fazendo-nos discípulos da sua proposta de salvação/libertação – um percurso de descoberta a culminar em Mc 8,29-30 com a confissão messiânica de Pedro, em Cesareia de Filipe “Tu és o Messias(“sy eî ho Khristós”), que é a confissão que se espera de cada crente, depois de ter pari passu acompanhado o percurso de Jesus.

O trecho desta dominga aparece quase no início desta caminhada de encontro com o Messias e o seu anúncio de salvação. Rodeado pelos primeiros discípulos, Jesus começa a revelar-Se como o libertador, que está no meio dos homens para lhes apresentar a salvação. É Cafarnaum (em hebraico, “Kfar Nahum”, ou seja, a “aldeia de Naum”), cidade na costa noroeste do Lago Kineret (Mar da Galileia), onde Jesus se vai instalar durante o tempo do seu ministério na Galileia, pois ali viviam vários dos discípulos – Simão e seu irmão André, Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João.

A comunidade está reunida na sinagoga de Cafarnaum em dia de sábado. Jesus, recém-chegado, entra como bom judeu para participar na liturgia sabática. A celebração comunitária começava com a “profissão de fé” (cf Dt 6,4-9), a que se seguiam orações, cânticos e duas leituras (uma da Torah e outra dos Profetas), o comentário às leituras e as bênçãos. É provável que Jesus tivesse sido convidado para fazer a leitura dos Profetas e tecer o comentário às leituras feitas. Fê-lo de forma original, diferente dos comentários que as pessoas estavam habituadas a ouvir aos estudiosos das Escrituras. E as pessoas ficaram maravilhadas com as palavras de Jesus, “porque os ensinava como tendo autoridade (“hôs exousían ékhôn”) e não como os escribas” (Mc 1,22).

A referência à autoridade (em grego, “exousía”; em latim, “potestas” ou “auctoritas”) das suas palavras sugere que Jesus vem de Deus e a sua doutrina tem a marca de Deus. “Auctoritas” é nome cognato do verbo “augeo”, que significa aumentar, fazer crescer, valorizar, garantir; e “potestas” é nome cognato do verbo “posssum”, que significa poder, tornar possível, influenciar mudar, mas sem ter de utilizar o “imperium”, o poder absoluto e ilimitado, o poderio militar que tudo varre. A “autoridade” que se revela nas palavras de Jesus manifesta-se em ações concretas, que secundam a autoridade das palavras servindo-lhes de aval, caução ou garantia.

Dom António Couto, Bispo de Lamego, parte da declaração apocalíptica de Deus “Eis que faço novas todas as coisas(Ap 21,5) para comentar este passo do Evangelho. E frisa que são de tal modo novas as coisas que Deus faz que “ninguém pode dizer: ‘Já o sabia’.” (Is 48,7). Assim, na sinagoga deles (dos habitantes de Cafarnaum e de alguns dos discípulos), Jesus “ensinava e ordenava tudo de forma nova”, a ponto de inutilizar “todas as comparações e catalogações”.

Com efeito, como verifica o prelado especialista em Sagrada Escritura, Jesus “não era membro de nenhuma confraria, academia, partido, ordem profissional ou instituição, que à partida lhe conferisse algum crédito, alguma autoridade” e “nenhum crédito, nenhum currículo, nenhum diploma, o precedia”. Na verdade, o seu poder e autoridade estavam no ato de dizer e/ou fazer. E os cafaurnitas, tomados de espanto, verificaram ali que saía dos seus lábios e das suas mãos um mundo novo, ordenado segundo a bitola da Criação.

Diz o venerando prelado que “um vendaval manso de graça e de bondade encheu Cafarnaum e transvazava como perfume novo de amor e louvor por toda a região da Galileia e da missão” (Mc 1,28), tornando-se evidente que a cidade “não podia conter ou reter tamanha vaga de perfume e lume novo”: “a fama de Jesus divulgou-se por toda a parte em toda a região da Galileia”.

As pessoas de Cafarnaum sabiam bem o que e como diziam os escribas. Repetiam até à exaustão as velhas doutrinas como se fossem peças museológicas e valorizavam os inúmeros preceitos que os doutores vinham impondo ao povo, sem que eles lhes tocassem com um dedo sequer. Recitando no vazio, compraziam-se nas suas próprias palavras e nada acontecia. Porém, tendo Jesus começado a falar, as pessoas sentiram “um estremecimento novo” (cf Is 66,2.5). Foi como se acabassem de escutar a palavra há tanto tempo esperada e desejada.

Estranhamente, como anota Dom António Couto, nada nos diz aqui o narrador acerca do conteúdo do ensinamento de Jesus em Cafarnaum, o que sugere que, mais do que as suas palavras, o que interessa verdadeiramente é a pessoa de Jesus.   

Na sequência das palavras de Jesus e que transmitem aos ouvintes um sinal incontornável da presença de Deus, surge “um homem com um espírito impuro”. Os judeus estavam convencidos que todas as doenças eram provocadas por espíritos maus que se apropriavam dos homens e os tornavam prisioneiros. As pessoas afetadas por tais males deixavam de cumprir a Lei e, ficando em situação de impureza, estavam afastadas de Deus e da comunidade. Na ótica judaica, os espíritos maus que afastavam os homens da órbita de Deus tinham um poder absoluto que os homens não podiam ultrapassar. Cria-se que só Deus, com o seu poder e autoridade, era capaz de vencer os espíritos maus e devolver aos homens a vida, a dignidade e a liberdade perdidas.

Por conseguinte, as pessoas de Cafarnaum sabiam bem o que eram e como se faziam os exorcismos, muito em voga ao tempo: longos, esquisitos, complexos, cheios de ritos e fórmulas mágicas. Jesus, porém, profere uma palavra criadora: “Cala-te e sai desse homem(“phimôthêti kaì éxelthe ex autoû”), e tudo ficou resolvido (cf Mc 1,25-26).

Na verdade, Marcos, com singular poder evocador, põe em cena o espírito mau, que domina um homem ali presente, a interpelar Jesus. Sugere que, ante da libertação que Jesus veio trazer, os espíritos maus, responsáveis pelas cadeias e grilhões que oprimem os homens, ficam inquietos por sentirem que o seu poder sobre a humanidade chegou ao fim.

E a ação desta cura constitui a prova inequívoca de que Jesus traz a libertação que vem de Deus, ou seja, pela ação de Jesus, Deus vem ao encontro do homem para o salvar de tudo o que o impede de ter vida em plenitude.

Para Marcos, este episódio é uma apresentação do programa de ação de Jesus: vem ao encontro dos homens para os libertar de tudo o que os aprisiona e lhes rouba a vida; já está em marcha a libertação que Deus oferece à humanidade; o Reino de Deus instalou-se no mundo: Jesus, cumprindo o desígnio de Deus, pela palavra e pela ação, renova e transforma em homens livres todos aqueles que vivem prisioneiros do egoísmo, do pecado e da morte.

E, face àquele prodígio nunca visto da cura dum homem possesso, as pessoas perguntam “ O que é isto?(“tì estin toûto;” – Mc 1,27). Nova doutrina, nova autoridade!

Trata-se apenas do início da jornada do anúncio do Evangelho de Deus (Mc 1,14). Logo a abrir o Evangelho, Marcos ensina que a jornada iniciada naquele sábado em Cafarnaum extravasa os cânones habituais: indo de madrugada a madrugada, faz aflorar a subjacência da madrugada da Ressurreição. Com efeito Jesus começa de manhã na sinagoga; caminha 30 metros para sul, e entra, pelo meio-dia, na casa de Pedro e levanta da febre a sogra de Pedro; à tardinha, posto o sol, no primeiro dia da semana, toda a cidade de Cafarnaum está reunida diante da porta daquela casa, para ouvir Jesus e ver curados por Ele os seus doentes; de madrugada, Jesus sai sozinho para rezar; e os discípulos correm a procurá-Lo para O trazerem de volta a Cafarnaum, pois todas as pessoas O querem ver e ter – ninguém O quer perder.

Porém, o anúncio do Evangelho tem de prosseguir noutros lugares. Com o “vamos a outros lugares” (Mc 1,38), Jesus desinstala e agrega si os discípulos para o trabalho de anúncio da Boa Nova por toda a parte e a todos, com estas marcas: ensinar, libertar, acolher, curar, recriar.

E a caraterística do arauto do Evangelho não assenta na capacidade deste, mas na sua fidelidade Àquele que lhe confia a mensagem que deve anunciar, pois é em Seu nome que diz o que diz e que diz como diz; e no enviado se há de ver o rosto do enviante, pois no enviado é Deus que visita o seu povo. E, cheio de Deus, Jesus leva Deus aos seus irmãos. É esta a sua autoridade.

A passagem do Livro do Deuteronómio assumida como 1.ª leitura desta dominga (Dt 18,15-20) anuncia um profeta novo, como Moisés, o que nos abre, desde logo, o caminho para Jesus, a Quem Deus confiará as palavras que há de dizer ao Povo.

Para os teólogos deuteronomistas, Moisés é o modelo do verdadeiro profeta. Isto significa que Deus está na origem e no centro da vocação de Moisés. Não foi este que, por sua iniciativa, se candidatou à missão profética, nem conquistou, pela sua ação ou qualidades, o direito à profecia. A iniciativa foi de Deus que gratuitamente o escolheu, chamou e enviou em missão. A consagração do profeta resulta da ação gratuita de Deus que, segundo critérios muitas vezes ilógicos na ótica humana, escolhe aquela pessoa em concreto, com as suas qualidades e defeitos, para a enviar aos seus irmãos.

Depois, a mensagem transmitida não era a mensagem de Moisés, mas de Deus. O verdadeiro profeta não é o que transmite uma mensagem pessoal ou diz o que os homens querem ouvir, mas é o que, frontal e corajosamente, testemunha fielmente o desígnio de Deus para os homens e para o mundo, pelo que é preciso discernir entre falsa e verdadeira profecia. Porém, as palavras do profeta devem ser escutadas e acolhidas cuidadosamente, pois são palavras de Deus. E Deus pedirá contas a quem fechar ouvidos e coração aos desafios que Deus, pelo profeta, apresenta ao mundo. Ora, Jesus nunca ousará dizer o que Deus não Lhe mandou, muito menos falará em nome de outros deuses. Mas ser-nos-ão pedidas contas se não O escutarmos.  

Então Jesus é o profeta como Moisés e o profeta mais do que Moisés, pois a sua boca vem repleta das palavras de Deus (cf Dt 18,18), que perpassam as mãos e o coração, muito diferente dos escribas e dos falsos profetas e do povo rebelde, que, no deserto, dispensam a Palavra de Deus, ávidos de pão e carne. O que recolheu menos, no deserto, diz-nos o relato do Livro dos Números 11,31-35, recolheu 4500 kg de codorniz (cf Nm 11,32). E, tendo começado a meter a carne à boca, fizeram-no com tanta avidez que morreram de náusea e foram encontrados mortos, ainda com a carne entre os dentes, por mastigar (cf Nm 11,33). Por isso, como acentua António Couto, urge libertar mãos, boca e coração, pois “vive-se da Palavra” e “morre-se de náusea”.

Face à urgência de pormos a vida em conformidade com a profecia, a santidade e o amor de que Jesus é autor e arauto, há que reler Paulo na passagem (1Cor 7,32-35) que apela à Primeira e Última Grandeza perante a qual tudo fica relativizado – a única grande devoção, cheia de amor, a nortear a nossa vida, é a total dedicação a Cristo, sem oscilação nem distração.  

Subjacente às afirmações que Paulo faz no trecho proposto como 2.ª leitura, está a convicção de que as realidades terrenas são passageiras e efémeras e nunca devem ser absolutizadas. Não se trata de propor uma evasão do mundo ou uma espiritualidade descarnada, insensível, alheia ao amor, à partilha, à ternura, mas de avisar que as realidades desta terra não podem ser o objetivo final e único da vida do homem. É uma reflexão que nos leva a repensar as nossas prioridades e a não ancorar a nossa vida em realidades transitórias.

Por consequência, é bom que nos persuadamos de que não podemos adormecer ou entorpecer, de modo a ficarmos inativos e indiferentes. O Salmo 95 (hoje, salmo responsorial à 1.ª leitura), que é, para os judeus fiéis, a oração de ingresso ou de entrada no sábado (rezam-no sexta-feira ao pôr-do-sol), e é, para os cristãos, o invitatório recitado em quase todas as manhãs, deve ser o despertador que nos põe em alerta permanente para a adoração a Deus e para a escuta da sua Palavra. “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações”, antes “Vinde, prostremo-nos em terra, adoremos o Senhor que nos criou, pois Ele é o nosso Deus e nós o seu povo, as ovelhas do seu rebanho”. Aqui subjaz todo o nosso destino último.

2021.01.31 – Louro de Carvalho

“Direito a desligar”: primeiro, é preciso cumprir a Lei, que é suficiente

 

O teletrabalho é, de momento, a realidade para milhares de portugueses, que nem sempre têm facilidade em deixar o trabalho de parte, pois, num espaço pessoal, torna-se mais difícil definir os limites de início e fim do dia de trabalho. Com efeito, muitas vezes, o escritório está montado em lugares da casa que também são de descanso, pelo que o “direito a desligar” ou a possibilidade de ficar offline é um dos temas que tem merecido destaque e discussão.

pandemia trouxe vários desafios ao mercado de trabalho e a necessidade de rever ou clarificar as leis que o regulam, por exemplo através do “Livro Verde para o Futuro do Trabalho”, cujo projeto-plano foi apresentado a 25 de novembro aos parceiros sociais.

O art.º 169.º do Código de Trabalho (CT) prevê as mesmas regras de limites do período normal de trabalho para o trabalho presencial e à distância, mas a questão do “direito a desligar” tem merecido cada vez mais destaque, se bem que, para muitos juristas, a lei que existe é suficiente. Porém, mais que olhar para a legislação sobre o direito a desligar, importa levar a sério o horário de trabalho, o seu registo e controlo – um desafio mais cultural que legal, como refere Ângela Afonso, advogada associada da sociedade de advogados SLCM, ao discorrer:

Importa recordar que ainda somos um país em que são aceitáveis as pausas para café, para fumar e conversar ou até a utilização da Internet e redes sociais para fins não profissionais, durante o horário de trabalho. Em contrapartida, é socialmente bem visto estar constantemente ligado ao trabalho, contrariamente ao que sucede noutros Estados Europeus.”.

Apesar de lhe ser inerente o “direito a desligar”, o teletrabalho trouxe vantagens, como a possibilidade de maior capacidade de gestão do tempo, mais flexibilidade e facilidade em conciliar a vida pessoal e profissional. E, além de tais possibilidades constituírem benefícios, também representam desafios no mercado de trabalho para os quais o “Livro Verde para o Futuro do Trabalho” deve garantir soluções.

Segundo a lei, o trabalho prestado fora do horário laboral é tido como “suplementar”, pelo que se aplica apenas em casos de exceção, para responder a um aumento súbito e pontual do volume de trabalho ou para prevenir prejuízos graves para a empresa ou serviço. Mas à distância, as horas de trabalho parecem estender-se, por exemplo, para quem tem a cargo obrigações familiares. E isso impõe a revisão dos mecanismos de controlo da atividade e dos tempos de trabalho, essenciais para assegurar o respeito pelos tempos de trabalho e de descanso, para o que não basta a previsão do direito a desligar formulado de forma vaga e indefinida.

Também por lei, o trabalhador, fora do seu horário de trabalho, não tem de estar disponível para a prestação de trabalho, por exemplo, para acompanhar e responder a emails ou telefonemas, nem pode ser penalizado por, nos períodos de descanso, desligar os equipamentos digitais.

Ora, as empresas ou serviços e trabalhadores já dispõem dos mecanismos necessários para a criação de regras de organização e funcionamento das estruturas tendentes à materialização desse direito e para controlarem o cumprimento dessas regras. Basta que tudo fique acertado em sede de contratação coletiva e nos contratos individuais de trabalho.

O teletrabalho veio para ficar e, para muitas empresas e serviços, vai continuar, pelo menos, ao longo deste ano, trazendo ainda mais desafios para quem gere pessoas à distância. Por isso, há diretores de recursos humanos que reconhecem a necessidade de se pensar sobre o direito dos trabalhadores a ficar offline para salvaguardar a conciliação entre a vida pessoal e familiar e realçam algumas falhas na lei. Com efeito, certas matérias em termos de direito de trabalho ou fiscal, sobretudo as atinentes à gestão de tempos no trabalho ou ao local de trabalho, estão muito assentes no modelo do escritório e registo de tempos, sendo que algumas das regras têm difícil aplicação em contexto de trabalho que se realize a partir de diferentes locais ou até países.

Por outro lado, o “direito a desligar” afigura-se como “uma obrigação” imposta pela crise causada pela pandemia, pois, todos fomos obrigados a parar ou abrandar e a atentar no valor e importância de outras áreas fundamentais da dimensão humana. Na verdade, uma sociedade equilibrada, culta, saudável e disponível para o desenvolvimento dos cidadãos e do coletivo postula que aprendamos a “desligar’. De facto, quem valorizou esta experiência oferecerá resistência em voltar a padrões que lhes retirem este equilíbrio.

O reforço da utilização de ferramentas digitais em teletrabalho traz novas preocupações de regulação da sua atualização, relacionadas com o “direito a desligar” e o reforço da proteção dos mecanismos de conciliação da vida profissional com a vida pessoal.

Mais que o direito a desligar computador e telemóvel a determinada hora, as pessoas pretendem sentir a capacidade de organizarem melhor o seu tempo de trabalho e o seu tempo livre, pelo que a regulamentação do direito a desligar deve responder às necessidades do trabalhador. 

Em entrevista à “Pessoas” em dezembro passado, o advogado Guilherme Machado Dray, Professor Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e coordenador do grupo de trabalho para o “Livro Verde para o Futuro do Trabalho”, considerou não ser necessária lei específica para o teletrabalho, mas há quem defenda que este documento poderá ajudar a esclarecer os desafios do teletrabalho e salvaguardar os direitos dos trabalhadores.

Assim, o documento poderá identificar uma parte significativa dos trabalhadores que não desligará por fatores exógenos que não têm a ver com a lei e constituir uma forma de colocar por escrito soluções para os desafios atuais do mundo do trabalho, garantindo que há ferramentas para responder às novas formas de organização do tempo de trabalho que permitam uma conciliação mais efetiva entre a vida profissional, pessoal e familiar e um modo de controlar a atividade e os tempos de trabalho nesta modalidade. E, ainda, abrirá caminho para esclarecer e reforçar pontos relevantes a respeitar como os respeitantes à confidencialidade, disponibilidade, saúde mental nas organizações e gestão de equipas à distância. E, como a nada mudou em termos formais, espera-se que o grupo de trabalho que está a elaborar o “Livro Verde para o Futuro do Trabalhoenuncie tópicos que nunca foram discutidos a fundo e legislados, por serem, até há pouco, aplicáveis apenas a uma minoria de empresas e serviços.

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Apesar de haver lei, nos últimos dois meses, quase 40% da população empregada portuguesa foi contactada por motivos profissionais durante o período de descanso. Quase 30% dizem trabalhar sempre ou muitas vezes sob pressão de tempo. E os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) revelam que 13,2% dos trabalhadores foram contactados pelos empregadores foram mesmo levados a trabalhar fora do horário normal.

Segundo o “Inquérito ao Emprego”, 55,3% da população empregada nunca foi contactada profissionalmente fora do horário de trabalho. Em sentido inverso, quase 40% dos trabalhadores receberam este tipo de contactos: 20,2% uma ou duas vezes; 5,3% mais que duas vezes, mas sem expectativa de diligências; 13,2% mais do que duas vezes e com expectativa de diligências. Por atividade económica, a maior percentagem (83,3%) verificou-se na agricultura, produção animal, caça, floresta e pesca e a menor (31%) nas atividades imobiliárias. Este dado é deveras relevante agora que o direito a desligar está em discussão, após ter sido inscrito na lei francesa. Em Portugal, vários partidos (PS, PCP e BE) tentaram seguir esse exemplo em sede de revisão do CT, mas a norma acabou por não ser aprovada, por divergências na sua formulação.

Não obstante, ainda que não esteja expressamente previsto na lei, o direito à desconexão já está inscrito, por exemplo, no acordo de empresa do BdP (Banco de Portugal), estipulando a proibição de o empregador exigir que o trabalhador se mantenha conectado nos períodos de descanso.

Os dados do INE indicam que 28,8% dos trabalhadores dizem trabalhar sempre, ou muitas vezes, sob pressão de tempo, “tendo de terminar tarefas e trabalhos ou tomar decisões dentro de prazos considerados insuficientes”. E o INE destaca:

Nos três níveis de escolaridade considerados, a percentagem é maior entre aqueles que têm ensino superior (41,8%) e menor entre aqueles com escolaridade até ao ensino básico – 3.º ciclo (18,6%). Entre as atividades económicas com valores significativos, a maior percentagem verificou-se nas atividades financeiras e de seguros (52,3%).”.

Não obstante, 63,3% dos trabalhadores garantem que o seu horário diário é só pontualmente alterado (uma vez por mês ou nunca) devido às exigências do trabalho, dos clientes ou dos superiores hierárquicos. Em sentido inverso, 19,6% dos trabalhos veem os seus horários mudados por essas razões todas as semanas e 5,3% todos os meses. São mais as mulheres quem menos vezes tem de alterar as suas horas habituais de trabalho (66,4%, contra 60,2% dos homens), sendo nas indústrias transformadoras que se regista o maior número destas situações.

Quanto à definição do horário, para 64,7% dos trabalhadores, o horário é decidido, não pelo próprio, mas pelo empregador, clientes ou disposições legais. No entanto, 67,6% dizem que é fácil ou muito fácil ausentar-se, por motivos pessoais ou familiares, do seu local de trabalho por um curto período de tempo (uma ou duas horas), avisando no próprio dia ou na véspera. E, para 42,8% da população empregada (46,2% entre os homens e 39,4% entre as mulheres)é fácil ou muito fácil tirar um ou dois dias de férias planeados com pouca antecedência. Porém, esta percentagem é mais baixa (39,9%) entre os trabalhadores por conta de outrem.

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Em vésperas de assumir a Presidência da UE, mais precisamente a 25 de novembro de 2020, o Governo abriu os trabalhos para a elaboração do “Livro Verde para o Futuro do Trabalho”.

E Guilherme Machado Dray, na referida entrevista, entre outras coisas, refere que a pandemia “veio dar quase uma legitimidade acrescida, por força da massificação do teletrabalho”.

Não contendo o livro propostas legislativas, todavia, contempla áreas importantes, como as atinentes à digitalização, trabalho nas plataformas digitais, microtarefas nas plataformas digitais, teletrabalho, privacidade e vantagens/desvantagens associadas a estes elementos, como quer a Ministra do Trabalho. E, em nome da dignidade do trabalho, há que promover a inclusão e a universalização da Segurança Social e debelar a precariedade e o trabalho informal.

O grupo de trabalho olhará o regime legal existente para o teletrabalho – criado em 2003 e retocado em 2009, em consonância com a UE, que deu três opções aos Estados-membros: códigos de conduta, negociação coletiva ou via legislativa. E Portugal optou pela via legislativa, designadamente o CT, em 2003. Porém, visto que a covid-19 fez com que o teletrabalho passasse de residual a massificado, é preciso “capitalizar tudo o que há de bom no teletrabalho – do ponto de vista ambiental, redução de tráfego urbano diário, redução de emissões de CO2, fixação das pessoas no interior e zonas rurais e desfavorecidas”. Por outro lado, é de relevar que, para os trabalhadores, também tem aspetos positivos, nomeadamente o não terem de se deslocar diariamente para o local de trabalho, a redução do tempo de commuting, o aumento da qualidade de vida, a maior conciliação com a vida familiar, o aumento da liberdade de trabalho. Ao invés, é de anotar que o teletrabalho tem desvantagens associadas: maior isolamento, maior dificuldade de ascensão na carreira – por força do isolamento –, algum ostracismo, trabalho para lá do limite do período normal do trabalho e questões de privacidade por intrusão de software no domicílio do trabalhador. São matérias constantes do CT, mas que precisam de reforço, por exemplo no quadro da privacidade, segurança e saúde no trabalho e limitação do tempo de trabalho/direito à desconexão.

E afirma o advogado-académico que o Estado Social tem de olhar a nova e numerosa vaga de trabalhadores independentes e trazê-los para dentro do sistema, de forma que, em poucos anos, não fiquem sem apoio social. Não se trata de o Estado dar uma forma paternalista de proteção, mas de cumprir o dever de proteção para com os cidadãos em situação de vulnerabilidade.

O Livro Verde terá linhas de orientação sobre o direito de desligar. Uns dizem que tal direito já está no CT, outros pensam que não e outros acham que isso deve ser clarificado. Com efeito, houve muitas pessoas que trabalharam muito além das 8 horas diárias e mantiveram contacto permanente com o empregador porque não havia contacto físico e presencial e, portanto, estendeu-se para lá do normal – o que pode justificar uma intervenção legislativa.

Reconhece o académico que a pandemia aumenta a desigualdade na medida em que tem um reflexo económico que pode, por sua vez, implicar uma perda ou redução de emprego em várias empresas e serviços. Por isso, o Governo tentou atuar – e atuou – através de vários regimes de lay-offs, precisamente para preservar o emprego. Obviamente, em situações de crise, os mais desfavorecidos tendem a ficar ainda mais e, se não houver uma intervenção do Estado na linha do apoio social, há um risco grande de a desigualdade aumentar.

Adverte Gray que uma coisa são as medidas conjunturais como as que estão a ser tomadas, como o lay-off simplificado ou o apoio à reforma progressiva ou o desfasamento de horários, e outra “são reformas estruturantes e que tendem a ficar para o futuro do Código do Trabalho”.

Sobre o desenho de nova legislação do teletrabalho, aponta que o CT é uma base muito boa, pois tem regras sobre vários aspetos: liberdade de celebração, reserva de privacidade, afiliação sindical dos teletrabalhadores, o princípio da igualdade, etc.. E dá às partes a oportunidade de fixarem o modo de teletrabalho por acordo entre as partes, que o podem fazer parcial ou integralmente, e incentiva a que haja sempre períodos de permanência do teletrabalhador na empresa, a qual deve promover o contacto com o trabalhador, e até com deslocações semanais à empresa, para evitar o isolamento do teletrabalhador. Haverá, porém, conveniência em clarificar um ou outro ponto e até partir para o aumento dos casos de isenção do horário de trabalho.

É de clarificar se um percalço, que é acidente de trabalho se ocorrer na empresa ou serviço, também o será se ocorrer em casa no horário de trabalho, como são de clarificar todos os aspetos conexos com a segurança e a saúde no trabalho respeitantes a esta modalidade. E, se for preciso ou conveniente, faça-se lei, mas, sobretudo, cuide-se da formação e da ética laboral.

Do “Livro Verde para o Futuro do Trabalho” foi apresentado pelo Governo o projeto-plano. O projeto devidamente afinado será apresentado aos parceiros sociais até ao fim do 1.º trimestre. E o produto final estará pronto antes do fim do ano.

Prosit!

2021.01.31 – Louro de Carvalho 

sábado, 30 de janeiro de 2021

Em memória dos irmãos cónegos José Cardoso e Mário Augusto

 

Este dia 30 de janeiro de 2021 faz-me evocar o 37.º aniversário do falecimento do Cónego José Cardoso de Almeida e o 35.º aniversário do falecimento do seu irmão Cónego Mário Augusto de Almeida. O primeiro fica na memória de quem o conheceu pela simpatia, atividade e frontalidade; o segundo, pela discrição, culto da vida espiritual e diplomacia eclesiástica.  

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Uma segunda-feira, 30 de janeiro de 1984, a meia tarde, regressado de Viseu para o Granjal para atividade oportunamente programada, recado com nota de urgência solicitava que eu entrasse em contacto telefónico com Vila da Ponte. E, do lado de lá, a informação fulminava com a mensagem da morte do Cónego José Cardoso de Almeida.

A nível diocesano, estavam feitas as diligências informativas e mobilizadoras para as exéquias solenes na Sé de Lamego no dia 31, cidade em cujo Seminário Maior fixara a sede das suas ações e o ponto donde irradiava para todos os lugares da diocese e do país. Aí ocorrera o óbito inesperado. Era necessário programar as cerimónias em Vila da Ponte, terra onde vira a luz do dia e na qual havia de ter sepultura, conforme efetivamente aconteceu.

Não sendo interessante emaranhar-me em pormenores, recordo um episódio passado entre mim e o prelado diocesano, o Arcebispo-bispo de Lamego Dom António de Castro Xavier Monteiro. Conversando sobre as exéquias na Sé e trâmites subsequentes, sugeri-lhe que presidisse também em Vila da Ponte, deferência que os paroquianos e aqueles que, naquele dia do inverno, não poderiam deslocar-se a Lamego certamente apreciariam. Objetou que presidiria na Sé, que não havia necessidade de binar e que na paróquia presidisse o pároco ou o arcipreste. Argumentei que, se o bispo pode conceder a autorização de binar a celebração eucarística a um padre ou reconhecer-lhe tal faculdade, quando motivos pastorais o postulam, a fortiori, o bispo poderá assumir para si essa mesma faculdade e que a sua presença seria reconfortante para as pessoas e para a consagração pública que o venerando defunto merecia da diocese e suas gentes. Sua excelência Reverendíssima, após segundos de alinhamento de reflexão, afirmou decididamente: “Pronto, meu amigo, eu vou à Vila da Ponte!”. Agradeci penhoradamente a disponibilidade e voltei aos preparativos.

A Catedral e imediações eram um lindo mosaico de fé celebrativa: enorme multidão de gente provinda de todas as partes da diocese rezava e cantava em sintonia com o presbitério ali conciliado e acolheu uma empolgante homilia do bispo diocesano, num ato de culto marcado pela unção religiosa, pela perfeição técnica e pelo ambiente contagiante.

O cortejo automóvel para Vila da Ponte, do concelho de Sernancelhe, mais do que o esperado préstito fúnebre, constituiu verdadeira jornada triunfal a desembocar na bonita, mas pequena, igreja paroquial – com a envolvente repleta de gente e automóveis. O Arcebispo presidiu à celebração eucarística com o canto de Vésperas e proferiu espontânea e entusiasmante homilia. Foi, pela simplicidade e espontaneidade, compartilhada entre o hierarca e seu povo, uma autêntica apoteose, de tal modo que, enquanto as pessoas desfilavam perante o féretro, cuja sepultura se adiara para a manhã do dia seguinte (1 de fevereiro), dadas as condições coevas do cemitério e do tempo atmosférico, o Arcebispo, ao abraçar o irmão, o Cónego Mário Augusto, lhe diz com toda a franqueza e sonoridade: “Senhor Cónego Mário, em Lamego, foi tudo muito bem, mas aqui foi muito mais bonito”! Na verdade, aquela romagem de saudade transmutou-se numa consagração pública, indelével da memória de quem nela participou, ao Homem de Fé, ao Líder duma linha pedagógica benéfica, ao Catequista dos Catequistas, ao amigo das crianças da diocese – das paróquias e das escolas – ao colaborador paroquial sempre disponível.

No rescaldo do sucedido, o semanário diocesano “Voz de Lamego”, publicava testemunhos de colegas e admiradores. Reconheço a limitação, mas, ao tempo não tive capacidade para escrever nada – facto de que penso ter-me redimido mais tarde em comentário ao seu último livro em cuja edição póstuma “codiligenciei”. Mas relembro um dos testemunhos me ficou e que transcrevo de forma livre: o Cónego José Cardoso andava a pensar no Monumento ao Catequista; pois, o Monumento ao Catequista está agora no cemitério de Vila da Ponte. Referia-se o Professor Duarte ao túmulo do Cónego José Cardoso!

Em 25 de outubro de 1992, o Município de Sernancelhe, o Seminário de Lamego, as Paróquias de Vila da Ponte e de Sernancelhe (em cuja igreja matriz ele fora batizado a 26 de outubro de 1914) e a família, na passagem do 50.º aniversário da sua ordenação sacerdotal, prestaram-lhe sentida homenagem, com números programáticos na Vila da Ponte e em Sernancelhe. Sobretudo as celebrações em Vila da Ponte ainda galvanizaram a diocese.

A 30 de janeiro de 2009, “Asas da Montanha”, o Padre Manuel Carlos Pereira Lopes, abade de Tarouca, fez eloquente referência ao 25.º aniversário de sua morte, de que respigo o seguinte:

Nunca vi ninguém com tanto, tanto jeito para falar a crianças como o Cónego Zé. Ele era um motivador, um impulsionador, uma pessoa convicta e agregadora. Tal como as crianças, os catequistas tinham-no em enorme consideração. E como ele sabia cativá-los para a bela tarefa da catequese! (…) era um apóstolo da família. O que ele fez pela família na diocese! Cursos, livros, contactos pessoais, slogans gravados que ainda hoje perduram. ‘Nada contra a família, tudo pela família’, lê-se ainda hoje num calhau em Santa Helena.”.

Na sua página do Facebook, no dia 29 de janeiro deste ano de 2021, o Cónego João António Pinheiro Teixeira faz a seguinte referência, que transcrevo com a devida vénia:

Foi num dia 30 de janeiro. Corria o ano de 1984. Estávamos na primeira aula do dia. Eis quando alguém avisa: «O senhor Cónego José Cardoso sente-se mal»! Todos nos alvoroçámos, compreensivelmente. Mas todos pensámos também tratar-se de uma indisposição momentânea e, portanto, passageira. Houve até um colega que ainda reinou com ele. Eis quando tudo se precipita e o desenlace acontece. Nunca mais posso esquecer o quão célere correu a notícia e o quão célere também foi a mobilização de pessoas e, particularmente, de crianças. A Sé lotou-se por completo. São homens e sacerdotes de uma estirpe que fez escola e faz falta. Que saudades, senhor Cónego, de pessoas assim!”.

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O Cónego José Cardoso nasceu na Vila da Ponte em 8 de agosto de 1914 e faleceu em Lamego no dia 30 de Janeiro de 1984. Foi ordenado a 26 de Julho de 1942, na Igreja Paroquial de Vila da Ponte, por Dom Agostinho de Jesus e Sousa. Mais tarde, foi nomeado cónego honorário da Sé Catedral de Lamego, passando, anos depois, a integrar o cabido.

Sacerdote zeloso, de grande prestígio na diocese de Lamego e no país, desenvolveu notável ação nos campos da pregação e na pedagogia catequística, pautada pelos critérios da humildade colaborante em todos os setores da atividade pastoral e da crítica atempada, clara e vigorosa.

Cedo se começou a olhar para ele como o amigo das crianças, o padre que “ensinava a ensinar” ou que “ensinava a aprender”, conforme o auditório que tinha pela frente. Aparecia nas catequeses, como visitador e animador; encabeçava a orientação de cursos ou ajudava a constituir equipa formadora; organizou, a nível concelhio e diocesano, concentrações, certames catequísticos e congressos eucarísticos, planos e jornadas de pastoral familiar. Criava empatia e inspirava boa disposição. Decoravam-se inteiras expressões suas, que revelavam saber e bonomia, ciência e simpatia. Entre estas, recordo a seguinte, sobre a qual tive ocasião de produzir comentário mais aprofundado com base na saudação angélica a Maria: “O ‘Dominus vobiscum’. Que palavra tão linda e tão doce! Levai-a para vossa casa.”.

O pároco de Vila da Rua – qualidade em que iniciou suas funções pastorais – pelo seu labor catequístico de inovação, foi chamado a dirigir o Secretariado Diocesano da Catequese, então criado, e a visitar as catequeses paroquiais. O homem prático, graças à intuição, ao estudo e ao contacto com outras realidades, transformou-se no teórico. No entanto, não olvidou o tempo de pároco e recusou qualquer utopia ou teoria que não pudesse demonstrar e não tentasse levar à prática. À volta da catequese, nos diversos níveis, arregimentou uma plêiade de agentes a quem incutiu fulgor e gana evangélico-apostólicos, britando o monolitismo da cartilha, criando esquemas, elaborando manuais e construindo meios de sensibilização e formação, como cursos de catequistas, certames catequísticos e congressos eucarísticos diocesano e concelhios.

Convencido de que se multiplicavam os agentes minadores da família, propôs a criação do Secretariado Diocesano da Pastoral Familiar, de que foi o primeiro diretor. Mobilizou agentes, suscitou contributos, provocou formação. Colocou ao serviço da pastoral familiar a “Revista Catequística”, que dirigiu durante anos sem conta. Foi o primeiro assistente espiritual diocesano dos CPM (Cursos de Preparação para o Matrimónio) e o impulsionador das equipas de casais.

Não se entregando exclusivamente a iniciativas ou a obras de que fosse o iniciador, servia. E servir era a ideia mais importante. Sendo assim, foi também secretário da Obra das Vocações e Seminários e assumiu interinamente a direção do Secretariado Diocesano da Educação Cristã da Juventude. Cedo se convenceu de que a formação de crianças, adolescentes e jovens não resulta sem a atenção necessária e adequada à formação dos pais. Foi assim que as palestras aos pais e as publicações que implicavam esta componente da sensibilização e da formação se tornaram cada vez mais frequentes.

Foi ainda, durante muitos anos, professor de Pedagogia Catequística no Seminário Maior de Lamego e de Moral na Escola do Magistério Primário da mesma cidade, desde o momento da criação da escola.

As suas muitas publicações, como as suas palestras, refletiam o seu caráter intelectualmente metódico, a exposição fácil e simpática de conteúdos, a afirmação convicta das ideias, o jeito de provocar a resposta e o diálogo.

Não será fácil hoje estruturar catequeses ou tomar atitudes pedagógicas sem ter em conta a doutrina e a pedagogia praticadas pelo cónego José Cardoso de Almeida, o qual se impõe como exemplo de labuta apostólica na atenção à realidade que urge reformar numa perspetiva de otimismo, mas na rendibilização de todos os talentos.

Postumamente, a família decidiu editar o último livro que saiu da pena do cónego José Cardoso, aquele em que ele pôs mais empenho. Prestou assim um bom serviço à diocese e às grandes causas. “Que o livro faça bem – lê-se no depoimento da família, em apêndice – a todos quantos o lerem e reverta para glória de Deus e prazer espiritual de todos por quem o Cónego Zé labutou com zelo pastoral e garra apostólica”.

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Sobre o falecimento do Cónego Mário Augusto de Almeida, um sacerdote discreto e humilde, já lá vão 35 anos, exatamente menos dois que sobre o falecimento do irmão.

Aqueles dias de inverno eram de frio, de muito frio. E, na manhã do primeiro dia de fevereiro de 1986, a igreja paroquial de Vila da Ponte estava apinhada de gente que ali acorrera de muitos lugares. Para que mais participantes pudessem caber no templo e se pudessem abrigar do ambiente do rigor invernal, haviam sido de lá retirados os bancos.

Era a celebração exequial em homenagem ao Cónego Mário Augusto de Almeida – que falecera a 30 de janeiro – presidida pelo prelado diocesano, o Arcebispo-bispo Dom António de Castro Xavier Monteiro e concelebrada por muitos sacerdotes.

O Cónego Mário falecera a 30 de janeiro após a celebração, na igreja de Vila da Ponte, da missa no 2.º aniversário da morte do irmão, o Cónego José Cardoso se Almeida, ocorrida exatamente no dia 30 de janeiro de 1984, não de 1983, como se lia algures.

Do Cónego José, mais conhecido e extravertido, falaram e escreveram muitos. Do Cónego Mário falou-se menos e escreveu-se pouco. No entanto, ele merece a referência que lhe devo em virtude da fraternidade específica que o sacerdócio induz e pela amizade com que se relacionou comigo, pelo menos a partir do momento em que assumi a paroquialidade da sua terra natal.

Os contemporâneos sabiam que era um sacerdote discreto, tímido, de muita oração, escrupuloso cumpridor dos deveres do estado sacerdotal. Servira como secretário pessoal do venerando Dom Agostinho de Jesus e Sousa, que foi Bispo de Lamego e depois Bispo do Porto e administrador apostólico de Lamego, de Dom João da Silva Campos Neves, Bispo de Lamego, e, durante algum tempo, do já mencionado Arcebispo-bispo Dom António de Castro Xavier Monteiro, Bispo de Lamego. Desse múnus saliento a prestação discreta e eficaz, inerente a um conselheiro que influencia, com rara sabedoria, tomadas de decisão relevantes e a um executor eficaz e estabelecedor de pontes. Recordo que a carta que me comunicava a admissão ao seminário de Resende vinha subscrita por “Padre Mário”.

Do relacionamento com Dom António Xavier Monteiro recordo a ansiedade com que acompanhou, embora à distância, melindrosa intervenção cirúrgica a que o prelado se sujeitara.

Por mim, devo dizer que guardo muitos dos despretensiosos conselhos de ordem pessoal e pastoral, de resultados que reputo benéficos para o povo e de agrado geral, bem como a contribuição económica para obras de apostolado e de restauro da igreja da sua terra.

Sei que o Cónego Mário, de ação menos vistosa que o irmão, era eficiente no trabalho de bastidores, um homem de boa relação social e de fino trato, um bom colaborador na paróquia.

Um determinado dia, já o irmão tinha falecido e também Monsenhor Augusto Campos Neves, que acompanhava assiduamente “os senhores cónegos” (como se dizia na Vila da Ponte), dizia-me, na presença de alguns familiares, que pretendia, quando morresse, ser sepultado na caminheira do cemitério. Como eu discordasse, explicou-me que o sacerdote tem de ser “ponte” e a função da “ponte” é deixar que as pessoas lhe passem por cima. Perante a minha teimosia em tentar demovê-lo desse propósito, argumentando com a vertente da dignidade sacerdotal e com a predileção de Cristo para com os sacerdotes, porfiou que então queria ser sepultado atrás da porta do cemitério, onde naturalmente seria menos notado.

Reparei que os familiares ainda tentaram – e bem – sepultá-lo na mesma tumba do Cónego José Cardoso. Porém, como o tempo de sepultura ainda não o aconselhava, ficou sepultado em campa própria atrás de uma das portas do cemitério paroquial.

Fica na memória o tempo que o sacerdote gastou, enquanto pôde (isto é, até que surgiu contraindicação médica), no confessionário testemunhando e oferecendo a misericórdia de Deus a quem se mostrava arrependido. E o templo e a casa, o altar e o confessionário, a rua e a tumba podem testemunhar o ser e ação do homem e sacerdote, discreto e eficiente, que apostou em pôr o outro na ribalta da ação e em mostrar o lugar eminente de Cristo na vida das pessoas e do povo.

2021.01.30 – Louro de Carvalho

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Preparadas, mas apontando constrangimentos, as escolas cumprem

 

 

Disse à Lusa, a 28 de janeiro, o presidente da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) que as escolas estão preparadas para seguir a decisão do Governo sobre regresso às aulas, apesar de persistirem constrangimentos conexos com o ensino online.

Filinto Lima, que esperava para breve o anúncio da decisão do Governo (que foi feito em tempo record), considerou que a situação, em termos de computação, é melhor que no ano anterior, pois foram já entregues 100.000 computadores para alunos do ensino secundário, priorizando os abrangidos pela Ação Social Escolar. Referiu que, por outro lado, alguns pais, prevenindo o que vai suceder a partir de 8 de fevereiro, se precaveram e foram comprando computadores. Contudo, a promessa do Primeiro-Ministro, em abril de que tinha 400 milhões de euros para gastar em material digital e que, no arranque do ano letivo, cada aluno iria ter um computador, está “muito longe de ser cumprida”, embora, como disse o Ministro da Educação, já estejam a caminho mãos 335 mil computadores.

De acordo com o presidente da ANDAEP, à semelhança do que aconteceu no ano transato, ressurgiu o movimento de apoio por parte dos autarcas, associações de pais e algumas organizações da sociedade civil para empréstimo de computadores aos alunos.

E, face à entrega de computadores aos alunos por parte do ME (Ministério da Educação), alguns pais recusaram a receção, uns por já terem comprado computadores e outros por não concordarem com as condições de empréstimo. É óbvio que os pais têm de pagar as reparações que tiverem que ser feitas nos computadores em virtude da sua utilização e que devem ser devolvidos por se tratar de empréstimo. Porém, contestam a proibição de os alunos não poderem instalar programas, porque não conseguem fazer tal controlo (Ao que se chegou!) e não garantem a entrega do computador a funcionar em boas condições.

Por seu turno, Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE (Conselho Nacional de Educação), alertou, esta semana, na Assembleia da República (AR), para o facto de o problema tecnológico neste setor não se colocar apenas no número de computadores, mas também na aptidão para usar os equipamentos por parte de professores e alunos, bem como na insuficiência da conexão à internet – alerta que Filinto Lima confirmou, afirmando que a insuficiência de ligação à internet se verifica especialmente nas regiões do interior, o que dá azo a desigualdades que resultam, não só da falta de poder económico, mas também das assimetrias regionais.

No entanto, observa Filinto Lima, as desigualdades do ensino à distância passam também pela falta de condições que muitos alunos têm em casa para estudarem, sejam físicas, sejam emocionais. E, ainda no campo informático, o presidente da ANDAEP defendeu a atribuição temporária de computadores aos professores, bem como de ligação à internet, pois há famílias inteiras a trabalhar em casa e muitas casas não têm condições. Na verdade, os custos do teletrabalho não devem ser suportados pelo trabalhador.

A este respeito, António Costa afirmou, no programa da TVI-24 “Circulatura do Quadrado”, do dia 27, que não acredita que se possam retomar as aulas presenciais no espaço de 15 dias face à evolução da situação epidemiológica do país e adiantou que a alternativa será o ensino online e que o Governo não repetirá a medida que tomou, no dia 22 de janeiro, no sentido de decretar uma interrupção no ano letivo, com compensações nos períodos tradicionais de férias.

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A par das escolas, as creches vão continuar encerradas. Com efeito, falando em conferência de imprensa após a reunião do Conselho de Ministros do dia 28, a Ministra de Estado e da Presidência explicou que as creches se mantêm encerradas e que se mantêm as medidas de apoio às famílias já em vigor. E explicitou:

Nesta fase, todos os níveis de ensino e também as respostas de apoio social estão encerradas e as creches nesta quinzena continuam encerradas, estando em vigor o regime de apoio à família aprovado há uma semana para as famílias que precisem de cuidar dos seus filhos durante este período”.

Devido à pandemia de covid-19 o Governo determinou, na semana passada, o encerramento, por duas semanas, de todos os estabelecimentos de ensino, bem como o encerramento das creches. E o Conselho de Ministros, no dia 28, decidiu que a suspensão das atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário se mantém até dia 5 e que a partir de dia 8 sejam retomadas as atividades letivas em regime não presencial.

Ora, as creches não conseguem, dada a natureza do serviço, funcionar online.

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São abissais os custos sociais e económicos destas medidas de interrupção ou condicionamento desta prestação educativa e social a ponto de se poder dizer que “não há dinheiro que pague dois anos letivos com interrupções nos processos de aprendizagem”.

Durante 15 dias ficou suspensa a atividade letiva em todos os níveis de ensino e as escolas e creches vão continuar encerradas não se sabe por quanto tempo mais. O objetivo é tentar travar os contágios pelo novo coronavírus, atendendo às suas variadas estirpes de cujo comportamento não se têm certezas, sabendo-se, apenas, que os números de infetados, internados, tratados em cuidados intensivos e mortos sobem galopantemente.
A medida entrou em vigor a 22 de janeiro, quando muitas autarquias acusavam a pressão do aumento de casos e pediam ao Governo autorização para fechar escolas.

E as escolas fecharam ao abrigo do “princípio de precaução”, face ao aumento do número de casos da variante mais contagiosa do SARS-CoV-2, como explicou então o Primeiro-Ministro, sendo os primeiros 15 dias de interrupção compensados noutro período de férias e havendo medidas de apoio às famílias semelhantes às que vigoraram durante o confinamento de 2020.

Na comunicação que então fez ao país, António Costa garantia que as escolas não contribuíram para o descontrolo da situação pandémica. Até elogiou os professores, as direções das escolas e os pais pelos esforços que fizeram na preparação do novo ano letivo, em setembro. Falou “na frustração” de ter de encerrar os estabelecimentos de ensino e assumiu que a decisão teria “custos” que não poderiam ser compensados. A este respeito, foi muito claro ao observar:

A interrupção da atividade letiva não é suscetível de compensação, ao contrário do que acontece com a atividade económica. Não há dinheiro que pague dois anos letivos com interrupções nos processos de aprendizagem.

Antes desta decisão, já o Primeiro-Ministro tinha assumido em Bruxelas que, se a prevalência da estirpe inglesa fosse relevante, teriam de ser tomadas “medidas perante uma nova realidade”, tal como tinha alertado para os custos sociais do encerramento das escolas. Assim, avisou:

Convém não esquecer que todos sabemos hoje qual foi o custo social e no processo de aprendizagem para as crianças do encerramento das escolas no ano passado. E aqui não se trata de compensar as perdas económicas de uma empresa, porque essas são mais ou menos compensáveis – podemos não compensar tudo, e não temos dinheiro infelizmente para compensar a dimensão das perdas que estão a ter –, estamos a falar da formação de uma geração, e este é um dano cujo preço a pagar não é de hoje, é um preço que pagaremos longamente ao longo dos próximos anos. Portanto, é preciso ter muita serenidade, ter muita calma, recolher informação e tomar as decisões.”.

No primeiro debate sobre política geral do ano, na AR, Costa garantia que das 5.400 escolas em Portugal apenas 13 estavam encerradas por causa de surtos de SARS-CoV-2 e que mais de 39 mil alunos estavam em regime de aulas não presencial. Respondia à deputada Catarina Martins, coordenadora do BE, que o interpelava sobre a razão pela qual o regime misto não estava a ser aplicado em muitas escolas, pois havia tantos alunos em confinamento e, de momento, sem resposta alguma.

A deputada bloquista, visto que o ME “tinha preparado”, no início do ano letivo, a possibilidade de passar ao regime de ensino misto, questionava porque não tinha sido aplicado tal regime. E o Primeiro-Ministro respondeu que “esta tipologia só se aplica a turmas” e não há turmas em regime misto, pois o que tem acontecido é o isolamento de casos na turma, tendo “a escola a responsabilidade de continuar a oferta educativa dos demais alunos dessa turma”.

A realidade concelhia refletia a situação do país. Muitas autarquias tinham começado a avaliar a possibilidade de passar as escolas dos concelhos para o regime de ensino à distância.

Em Viana do Alentejo, a Proteção Civil tinha proposto a passagem ao regime de aulas não presencial para todas as turmas do 3.º ciclo e do ensino secundário do concelho – situação espoletada quando apenas uma turma do 3.º ano de escolaridade da Escola Básica e Secundária Dr. Isidoro de Sousa, na sede de concelho, estava em isolamento e, segundo informações do agrupamento de escolas, havia cerca de 30 alunos com contactos de alto risco em isolamento e havia alunos que não frequentavam as aulas desde o início do 2.º período.

A Câmara Municipal de Pinhel também tinha pedido a suspensão das aulas presenciais em todos os ciclos de ensino, por considerar que o vírus circulava “descontroladamente”. Ora, autorizar a realização das aulas em regime não presencial, desde a educação pré-escolar ao ensino secundário, determinaria o confinamento obrigatório de 731 alunos, 129 professores e 65 assistentes operacionais do Agrupamento de Escolas de Pinhel, números a que acresceram mais 99 crianças e 21 funcionários da educação pré-escolar da Santa Casa da Misericórdia de Pinhel, tendo as atividades letivas presenciais em Pinhel sido suspensas entre 4 e 18 de janeiro.

Também o presidente da Câmara Municipal da Guarda apelava ao Governo a que encerrasse as escolas do concelho. O município contabilizava “12 turmas em isolamento profilático, de todos os níveis escolares, desde o 1.º ciclo do ensino básico ao secundário”, afetando mais de 200 alunos. O autarca defendia a suspensão imediata das atividades letivas e a “recalendarização do ano escolar”, sugerindo que, se o ano escolar termina em meados de junho, interrompendo já as aulas, quando a evolução fosse positiva, poderia ser retomado e estendido até ao 31 de julho.

A Câmara Municipal de Setúbal foi outra autarquia que solicitara ao Governo que decretasse o fecho imediato das escolas para quebrar as cadeias de transmissão da pandemia. E afirmava que muitas escolas do concelho estavam com problemas organizativos, porque as aulas (devido aos sucessivos casos de infeção de professores, pessoal auxiliar e alunos) funcionavam de forma intermitente.

Com 10,4% dos alunos já em casa, em virtude da pandemia, o presidente da Câmara de Leiria pedia o encerramento das escolas do concelho, pois 1456 alunos do município, de um total de 14 060, estavam em casa. Dito de outro modo: das 668 turmas do concelho, 31 estavam em casa. E o autarca salientava que estes eram indicadores “muito significativos de como a comunidade escolar nesta fase já tinha muita gente em casa e que, por isso, era urgente tomar medidas relativamente ao encerramento das escolas.

O presidente da Câmara de Ponte da Barca juntava-se às vozes de autarcas que tinham apelado ao encerramento das escolas, face ao agravamento da situação epidemiológica na comunidade escolar, com 20 novos casos de infeção pela covid-19 detetados em dois dias. Em declarações à Lusa, o autarca explicava que o agrupamento de escolas é composto por 1198 alunos, 137 professores e 86 auxiliares de ação educativa e que, no dia 19, dos 408 testes rápidos à covid-19 realizados aos alunos, dez tiveram resultado positivo. No dia 20, tinham sido realizados 201 despistes e sido detetados oito alunos e dois professores infetados. A estes acresciam os testes realizados, na semana passada, em 86 auxiliares de ação educativa, tendo sido detetados dois infetados. Mas a contabilidade não se ficava por ai. A estes números acrescentavam-se 250 estudantes que já não estavam a ir à escola por se encontrarem em confinamento obrigatório ou isolamento profilático.

A Câmara de Valpaços tinha também solicitado à Direção-Geral da Saúde o encerramento de todas as escolas do concelho. Em Boticas estavam já suspensas as aulas presenciais para os alunos do 3.º ciclo. O Agrupamento de Escolas de Valpaços acolhe cerca de 1200 alunos divididos entre a educação pré-escolar e o ensino secundário e 335 docentes e não docentes. Segundo a autarquia, o Centro Escolar, com um total de 276 crianças, integrado naquele agrupamento, inspirava maior preocupação, com 19 casos de covid-19 entre pessoal docente e não docente e duas turmas em isolamento num total de seis casos entre alunos. A Câmara de Valpaços alertava ainda para a “ausência imprevista de assistentes operacionais” que poderia “colocar em causa as condições de acompanhamento, vigilância e segurança dos alunos, bem como a garantia imprescindível de toda a logística inerente à higienização e desinfeção”.

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Entretanto, alunos e professores, diretores escolares, pais e encarregados de educação dispõem, no computador e no telemóvel, de todos os manuais escolares em formato digital – de todas as disciplinas, do 1.º ao 12.º ano, com conteúdos digitais complementares – acessíveis na Escola Virtual, plataforma de estudo da Porto Editora e que existe desde 2005. Assim, os docentes continuam a preparar e organizar aulas, propor exercícios e revisões, abordar diferentes conteúdos, trabalhar dificuldades específicas, realizar avaliações. Os alunos têm acesso aos seus manuais em formato digital e recursos associados, podendo manter a ligação aos professores através de ferramentas de comunicação e partilha. Tudo em ambiente seguro e exclusivo à comunidade educativa. E a proteção de dados está assegurada com todos os procedimentos concebidos em conformidade com o RGPD (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados).

Apesar do fecho das escolas, alunos e professores podem comunicar através da Escola Virtual, em turma ou individualmente, de modo fluído. Podem-se criar e gerir turmas e grupos, enviar tarefas, utilizar a comunicação síncrona e assíncrona, por mensagens ou por um mural da turma, partilhar materiais. É uma medida que beneficia cerca de 1,5 milhões de estudantes e famílias e mais de 100 mil professores, através da Escola Virtual e cujo objetivo é apoiar a comunidade educativa, que tem enfrentado vários constrangimentos provocados por uma pandemia que afeta o quotidiano dos professores, alunos e famílias.

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Enfim, vai-se resistindo e relevantando apesar das condições adversas. Audaces fortuna iuvat!   

2021.01.29 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Volta o ensino à distância e o condicionamento nas fronteiras

 

Ouvido o Governo, que se pronunciou em sentido favorável, o Presidente da República obteve da Assembleia da República (AR) autorização para, nos termos do decreto presidencial, decretar a renovação do estado de emergência por 15 dias, até 14 de fevereiro de 2021, permitindo que o Governo adote as medidas necessárias à contenção da propagação da covid-19.

Na verdade, como refere a Nota da Presidência da República, que inclui tanto a carta que o Presidente enviou à AR como o projeto de decreto presidencial, a situação de calamidade pública provocada pela pandemia de covid-19 continua a agravar-se, segundo os peritos, em consequência da falta de rigor no cumprimento das medidas restritivas, bem como de novas variantes do vírus SARS-CoV-2, que tornam mais difícil a contenção da sua disseminação.

Por outro lado, a capacidade hospitalar do País está posta à prova, apesar da mobilização de todos os meios do SNS (Serviço Nacional de Saúde), das Forças Armadas, do setor social e do privado, não havendo alternativa à redução de casos a montante, só possível com a diminuição drástica de contágios pela via do cumprimento rigoroso das regras sanitárias em vigor e pela aplicação de restrições de deslocação e contactos.

Acresce dizer que os peritos insistem em que “a intensidade e eficácia das medidas restritivas, em particular um confinamento mais rigoroso, é diretamente proporcional à eficácia e rapidez da desaceleração de novos casos”, evitando ao máximo os internamentos e sobretudo os óbitos.

Assim, mais uma (a 10.ª) renovação do estado de emergência permite ao Governo a tomada das medidas mais adequadas para continuar a combater esta fase da pandemia. Por isso, o Presidente da República, coerente com o que a anunciou na noite de 24 de janeiro sobre a atual prioridade do combate à pandemia, decretou “a renovação do estado de emergência”, com “a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 31 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 14 de fevereiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.

Obviamente, o diploma não passa dum conjunto de parâmetros de autorização a que o Governo tome as medidas mais adequadas sem lhas impor. E, nesse sentido, o decreto é pouco inovador, com exceção da autorização do encerramento de escolas, públicas e privadas (havia dúvidas sobre a legitimidade da imposição do Governo em relação às segundas), mas com a obrigação de organizarem o ensino à distância, poderem ser alterados os limites dos períodos letivos e poder proceder-se ao “ajustamento de métodos de avaliação” e à suspensão ou recalendarização de provas de exame”.

Por outro lado, o decreto autoriza o “tratamento de dados pessoais em caso de ensino não presencial e na medida do indispensável à realização das aprendizagens por meios telemáticos”. E, no respeitante à aplicação de contraordenações, estabelece: “quando haja lugar à aplicação de contraordenações, é permitida a cobrança imediata das coimas devidas pela violação das regras de confinamento” – o que o Governo já tinha em mente fazer.

Em conformidade com o decreto presidencial, de acordo com o respetivo comunicado deste dia 28 de janeiro, o Conselho de Ministros aprovou o decreto que procede a um conjunto de alterações atinente às medidas que regulamentam a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República com o horizonte temporal acima referido.

De acordo com o aludido comunicado e as intervenções dos membros do Governo presentes na conferência de imprensa subsequente à reunião do Conselho de Ministros, as grandes alterações introduzidas são: a suspensão das atividades educativas e letivas dos estabelecimentos de ensino públicos, particulares e cooperativos e do setor social e solidário, de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, que vigora até ao dia 5 de fevereiro de 2021, sendo retomadas estas atividades, a partir do dia 8 de fevereiro, em regime não presencial; a limitação às deslocações para fora do território continental, por parte de cidadãos portugueses, efetuadas por qualquer via, designadamente rodoviária, ferroviária, aérea, fluvial ou marítima, sem prejuízo das exceções previstas; a reposição do controlo de pessoas nas fronteiras terrestres, nos termos previstos; a possibilidade de suspensão de voos e de determinação de confinamento obrigatório de passageiros à chegada, quando a situação epidemiológica assim o justificar; e a possibilidade de os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do SNS poderem, excecionalmente, proceder à contratação a termo resolutivo, até ao limite de um ano, de titulares de graus académicos conferidos por instituição de ensino superior estrangeira nas áreas da medicina e da enfermagem, desde que preenchidos determinados requisitos.

Porém, o diploma determina que “a suspensão das referidas atividades e o regime não presencial não obstam à realização de provas ou exames de curricula internacionais”; e, além disso, “sempre que necessário, podem ser assegurados presencialmente os apoios terapêuticos prestados nos estabelecimentos de educação especial, nas escolas e, ainda, pelos centros de recursos para a inclusão, bem como o acolhimento nas unidades integradas nos centros de apoio à aprendizagem, para os alunos para quem foram mobilizadas medidas adicionais”.

Além do predito Decreto que regulamenta a prorrogação do estado de emergência, foi aprovado o Decreto-Lei que estabelece mecanismos excecionais de gestão de profissionais de saúde para realização de atividade assistencial, no âmbito da pandemia da covid-19, nos serviços e estabelecimentos de saúde do SNS. Determina-se que os mecanismos de gestão previstos só podem ser usados para fazer face ao aumento excecional e temporário das funções diretamente relacionadas com a pandemia da covid-19, incluindo o respetivo Plano de Vacinação, e enquanto se mantiver tal necessidade. É uma medida com que o Governo procura enquadrar o esforço adicional daqueles trabalhadores, especialmente dos prestadores diretos de cuidados, conferindo aos respetivos órgãos de administração mecanismos excecionais de gestão que, no atual contexto, reforcem a disponibilidade para a prestação de cuidados.

Mantendo-se todas as medidas restritivas em vigor até ao momento, basicamente, de novo, ressalta a proibição das viagens para o estrangeiro de cidadãos portugueses na próxima quinzena, por qualquer via, para evitar a propagação internacional da covid-19, sendo apenas permitidas as viagens essenciais (inadiáveis por motivo de trabalho ou saúde, razões humanitárias…). E, como referiu a Ministra da Presidência, é reposto o controlo de fronteiras, nomeadamente as terrestres, que estão limitadas a um conjunto de exceções.

No atinente à saúde, o Governo aprovou a possibilidade da contratação, por um período máximo de um ano, de médicos e enfermeiros formados no estrangeiro, no quadro das novas medidas para controlo da pandemia de covid-19. Quanto a médicos, estão em causa 160 que residem em Portugal e se sujeitam a três exames, podendo, por causa da pandemia, ter dispensa de um (ou seja, fazem a Prova de Comunicação Médica e a Prova Escrita, mas dispensados da Prova Oral).

Já, no âmbito da educação, o Governo determinou, por um lado, manter a suspensão das atividades letivas até dia 5 de fevereiro, nos estabelecimentos de educação e ensino e, por outro lado, retomar as atividades letivas em regime não presencial a partir do dia 8 de fevereiro.

E o Ministro da Educação esclareceu que a predita suspensão letiva “não proíbe interações” digitais das escolas com os alunos, nomeadamente para “apoios”, e que o atual período sem aulas – presenciais ou online – será compensado mais adiante, encurtando-se, por exemplo, as férias do verão ou as pausas letivas como as do Carnaval e da Páscoa.

O Ministro afirmou que o Estado já tem 100 mil computadores e que 335 mil “estão a caminho”. Porém, admitiu constrangimentos de ordem “logística” à chegada dos computadores, estando todos os países europeus com o problema. E rejeitou qualquer dicotomia entre ensino público e privado, dizendo que não há “nenhum ímpeto de ir contra o setor particular”, pelo que é ultraje dizer-se que o Ministro da Educação “queria proibir de aprender, queria nivelar por baixo”.

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Apesar de o combate à pandemia ser a 1.ª prioridade, não deve omitir-se que o Conselho de Ministros, neste dia 28, também aprovou o decreto-Lei que procede ao alargamento da prestação social para a inclusão a pessoas cuja incapacidade resulte de acidente ocorrido no âmbito de funções relacionadas com missões de proteção e socorro, para reforço da proteção das pessoas com deficiência, dando cumprimento ao compromisso assumido no OE 20. Estabelece-se a possibilidade de o pagamento da Prestação Social para a Inclusão ser feito a pessoa coletiva que comprove ter a seu cargo pessoa com deficiência. E o Subsídio de Apoio ao Cuidador Principal, previsto no Estatuto do Cuidador Informal, constará do elenco de prestações que são acumuláveis com a Prestação Social para a Inclusão.

Aprovou também a proposta de lei que estabelece a lei-quadro do estatuto de utilidade pública.

O diploma, a submeter à apreciação da AR, visa consolidar, num só ato legislativo, o regime jurídico aplicável às pessoas coletivas de utilidade pública, pondo fim à dispersão legislativa vigente e revogando vários atos legislativos. Com efeito, revogam-se todas as disposições legais avulsas constantes de atos legislativos que disciplinam tipos específicos de pessoas coletivas privadas, centralizando todas as referências ao estatuto de utilidade pública num só diploma. E valorizam-se as iniciativas filantrópicas ou de âmbito comunitário, reconhecendo o papel essencial que desempenham no nosso tecido social, reforçando a fiscalização da sua atividade.

Aprovou ainda o decreto-lei que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014 sobre identificação eletrónica e serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno; estabelece a repartição de responsabilidades entre organismos nacionais na supervisão e verificação de conformidade do Regulamento, designa as autoridades competentes, e define o quadro sancionatório aplicável em caso de infração; procede à consolidação da legislação sobre a validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos, e sobre o funcionamento do Sistema de Certificação Eletrónica do Estado – Infraestrutura de Chaves Públicas; e se aplica a documentos eletrónicos elaborados por particulares e pela Administração Pública e aos sistemas de identificação eletrónica notificados pelos Estados-Membros da UE, ao abrigo dos artigos 7.º e 9.º do Regulamento. Aprovou a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios (ELPRE), que prevê a criação de mecanismos de incentivo e apoio às ações de renovação do parque nacional edificado, atendendo aos seguintes objetivos: de neutralidade carbónica, a nível comunitário e nacional; da promoção da eficiência energética dos edifícios, públicos e privados. A ELPRE incentiva assim a criação de emprego e oportunidades de investimento. E decidiu submeter, para aprovação, à AR o Acordo-Quadro entre a UE e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Austrália, por outro, assinado em Manila a 7 de agosto de 2017 – acordo que visa contribuir para melhorar a parceria entre a UE e a Austrália, com base em princípios e valores comuns, designadamente o respeito pelos princípios democráticos, os direitos humanos e as liberdades fundamentais, o Estado de Direito e a paz e segurança internacionais, bem como o direito internacional e o respeito pelos princípios da Carta da Nações Unidas.

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Por fim, há que atender ao aviso do Presidente da República que afirmou, em declaração ao país, neste dia 28, ser esta é a “pior situação que vivemos desde março”, não valendo a pena “esconder a realidade e iludir”.

Marcelo avançou que o que se fizer até março deste ano determinará o que vai ser a primavera, verão e até o outono e precisou que se joga tudo nas próximas semanas, até março inclusive. Reconheceu que as medidas restritivas do estado de emergência têm um “custo brutal”, embora, “de longe, muito inferior” a uma destruição de vidas e do tecido económico”; e são necessárias “para que a vaga inglesa passe sem surgir outra vaga de outros continentes”.

O Presidente reeleito no passado dia 24 deixou ainda um aviso:

Temos de estar preparados para confinamento e ensino à distância mais duradouros do que se pensava antes desta escalada”.

Contra a notícia de que os responsáveis políticos vão ser vacinados com prioridade contra a covid-19, que gerou críticas e opiniões em todos os quadrantes, o Presidente referiu que “ninguém pensaria em passar à frente dos idosos”.

E não se escusou a deixar uma palavra de esperança ao assegurar que “ainda vamos a tempo”, mas que “este é o tempo de fazermos todos, poderes públicos e portugueses, mais e melhor”.

2021.01.28 – Louro de Carvalho