sábado, 23 de janeiro de 2021

“Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são”

 

É o tema do 55.º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que, este ano, se celebrará a 16 de maio, que o Papa Francisco escolheu nos termos da sua mensagem assinada e divulgada pela Sala de Imprensa da Santa Sé neste dia 23 de janeiro, véspera da Memória Litúrgica de São Francisco de Sales, padroeiro dos escritores e jornalistas.

É texto que todos os comunicadores (jornalistas, políticos, pregadores e publicitários) deveriam ler.

O Pontífice parte do repto de Filipe a Natanael “Vem e verás(Jo 1,46), ao dar conta de que o seu amigo estava cético (“De Nazaré pode vir alguma coisa boa?) sobre o encontro que Filipe lhe disse ter ocorrido com Jesus. E, como diz o Papa, Filipe não tentou convencer o amigo com a lógica dos raciocínios, mas com o apelo à curiosidade.

Com efeito, segundo Francisco, o convite de Jesus a “vir e ver”, lançado aos primeiros discípulos, constitui o método da autêntica comunicação humana, já que, para testemunhar a “a verdade da vida que se faz história”, é preciso ultrapassar a presunção do que já se sabe e ir para estar com as pessoas, vê-las, ouvi-las e colher as sugestões da realidade.

Por isso, a palavra de ordem pontifícia para este ano é “ir e ver”, como suporte da expressão comunicativa “transparente e honesta”, quer no jornal como na web, quer na pregação comum da Igreja como na comunicação política ou social. Na verdade “vir e ver” foi o modo de comunicação da fé cristã a partir dos encontros nas margens do Jordão e do lago da Galileia.

Depois, deixando a nu a crise editorial, o Papa Bergoglio aponta os ‘jornais fotocópia’ e os noticiários de televisão, rádio e websites, em que, em troca duma informação pré-fabricada e autorreferencial, a entrevista e a reportagem perdem espaço e qualidade. Assim, dificilmente se interceta “a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas”, não se individuam “os fenómenos sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade”. E facilmente se constrói uma informação “diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem ‘gastar a sola dos sapatos’, sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações”.

Ora, sem a abertura ao encontro, apesar das inovações tecnológicas, permaneceremos “espectadores externos”, pois os instrumentos só têm validade se nos levam a ver coisas que de outro modo não chegaríamos a saber.

Convicto de que o jornalismo, “como exposição da realidade, requer a capacidade de ir aonde mais ninguém vai: mover-se com desejo de ver”, o Papa assinala-lhe a curiosidade, a abertura, a paixão. E, em atitude de grato reconhecimento, salienta a vez e a voz que tantos profissionais (jornalistas, operadores de câmara, editores, cineastas, que trabalham muitas vezes sob grandes riscos) oferecem à “difícil condição das minorias perseguidas em várias partes do mundo”. Com efeito, seria uma grande perda para a informação, para a sociedade e para a democracia – e “um empobrecimento para a nossa humanidade” – a falta destas vozes que denunciam os “muitos abusos e injustiças contra os pobres e contra a criação” e noticiam “muitas guerras esquecidas”.

E o Sumo Pontífice adverte que, sobretudo neste tempo de pandemia, inúmeras realidades do planeta lançam ao mundo da comunicação o repto a “ir e ver”, pois corre-se o risco de fazer a narrativa das crises e, em especial, da pandemia só pelos olhos do mundo mais rico ou com uma dupla contabilidade. E exemplifica com as vacinas e os cuidados médicos em geral, em que se corre o risco de exclusão das pessoas mais indigentes. Na verdade, se a expectativa de cura não chegar às aldeias mais pobres da Ásia, América Latina e África, “o direito à saúde para todos, afirmado em linha de princípio, acaba esvaziado da sua valência real”. E, mesmo no mundo dos mais afortunados, fica oculto o drama das “famílias rapidamente decaídas na pobreza”, sucedendo que muitas pessoas vencem a vergonha e “fazem a fila à porta dos centros da Cáritas para receber uma ração de víveres”.

Falando da web, o Papa diz que a rede “pode multiplicar a capacidade de relato e partilha” pelo “fluxo contínuo de imagens e testemunhos”, já que a tecnologia digital, dando-nos “uma informação em primeira mão e rápida, por vezes muito útil”, torna-se “um instrumento formidável, que nos responsabiliza a todos como utentes e desfrutadores” e possibilita que todos possamos “ser testemunhas de acontecimentos que de contrário seriam negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais, oferecer a nossa contribuição civil, fazer ressaltar mais histórias, mesmo positivas”. A rede possibilita-nos contar o que vemos e partilhar testemunhos.

Não obstante, são evidentes “os riscos duma comunicação social não verificável”, pois as notícias e as imagens são facilmente manipuláveis, por motivos diversos, incluindo “um banal narcisismo”. Por isso, cumpre-nos, pela consciência crítica, não demonizar o instrumento, mas recorrer “a uma maior capacidade de discernimento e a um sentido de responsabilidade mais maduro”, tanto na difusão como na receção de conteúdos, pois, como sentencia o Papa, “todos somos responsáveis pela comunicação que fazemos, pelas informações que damos, pelo controlo que podemos conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as” e “todos estamos chamados a ser testemunhas da verdade: a ir, ver e partilhar”.

De facto, aos primeiros discípulos que O querem conhecer, Jesus, lança o desafio “Vinde e ver(Jo 1,39), apelando à permanência com Ele. E, mais de meio século depois, João, ao escrever o Evangelho, recorda detalhes reveladores da sua presença no local e do impacto que teve na sua vida aquela experiência: “era cerca da hora décima”; no dia seguinte Filipe informa Natanael do encontro com o Messias; Natanael mostra-se cético; Filipe diz-lhe: “vem e verás”; Natanael vai e vê, e a sua vida muda.

E insiste Francisco em que a fé começa e se comunica “com um conhecimento direto, nascido da experiência”. Assim, diziam as pessoas à Samaritana, depois de Jesus Se ter demorado na sua aldeia:Já não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos…(cf Jo 4,39-42).

Assim, se conclui, segundo o Papa, que “o método ‘vem e verás’ é o mais simples para se conhecer uma realidade, é a verificação mais honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer, é preciso encontrar” e “permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale” e “deixar que o seu testemunho chegue até mim”.

Nestes termos, é claro que, em comunicação, nada substitui o ver pessoalmente, pois “algumas coisas só se podem aprender, experimentando-as”, já que “não se comunica só com as palavras, mas também com os olhos, o tom da voz, os gestos”. Os discípulos de Jesus não só ouviam as suas palavras, mas vendo-O falar, sentiam o seu fascínio, porque, “n’Ele – Logos encarnado – a Palavra ganhou Rosto, o Deus invisível deixou-Se ver, ouvir e tocar, como escreve o próprio João” (cf 1Jo 1,1-3). Ora, porque “a palavra só é eficaz, se se ‘vê’, se te envolve numa experiência, num diálogo”, era e continua a ser essencial o ‘vem e verás’.

E contra a quantidade de eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas da vida pública, tanto no comércio como na política, Bergoglio cita as palavras se Shakespeare:

Fala muito, diz uma infinidade de nadas. As suas razões são dois grãos de trigo perdidos em dois feixes de palha. Têm-se de procurar o dia todo para os achar; e, quando se encontram, não valem a procura.” (W. Shakespeare, O mercador de Veneza, Ato I, Cena I).

Frisa que tais palavras se aplicam não só aos jornalistas, mas também a todos os comunicadores cristãos. Na verdade, como bem refere, “a boa nova do Evangelho difundiu-se pelo mundo, graças a encontros pessoa a pessoa, coração a coração: homens e mulheres que aceitaram o mesmo convite – ‘vem e verás’ –, conquistados por um ‘extra’ de humanidade que transparecia e brilhou no olhar, na palavra e nos gestos de pessoas que testemunhavam Jesus Cristo”.

E, na certeza de que “todos os instrumentos são importantes” aponta que o grande comunicador que foi Paulo de Tarso “ter-se-ia certamente servido do e-mail e das mensagens eletrónicas”. Não obstante, não deixa de vincar que foram a fé, a esperança e s caridade de Paulo “que impressionaram os contemporâneos que o ouviram pregar e tiveram a sorte de passar algum tempo com ele, de o ver durante uma assembleia ou numa conversa pessoal”. Com efeito, “ao vê-lo agir nos lugares onde se encontrava”, diz o Papa, “verificavam como era verdadeiro e frutuoso para a vida aquele anúncio da salvação de que ele era portador por graça de Deus”. E, nos lugares aonde Paulo não podia chegar, “o seu modo de viver em Cristo era testemunhado pelos discípulos que enviava” (cf 1Cor 4,17).

E, evocando as palavras de Santo Agostinho “nas nossas mãos, temos os livros; nos nossos olhos, os acontecimentos (Sermão 360/B, 20) e exortando a verificar na realidade o cumprimento das profecias da Sagrada Escritura, Francisco assegura que “o Evangelho volta a acontecer hoje, sempre que recebemos o testemunho transparente de pessoas cuja vida foi mudada pelo encontro com Jesus”, pois, “há mais de dois mil anos que uma corrente de encontros comunica o fascínio da aventura cristã” e conclui que o desafio é: “comunicar, encontrando as pessoas onde estão e como são”.

Por fim, em jeito de prece, Francisco compendia as exigências do comunicador, seja um jornalista, seja um político, seja um especialista em marketing, seja um anunciador do Evangelho: sair de nós mesmos; ir em busca da verdade; ver e ouvir, sem preconceitos e sem conclusões precipitadas; ir aonde ninguém vai; compreender; atender ao essencial; discernir entre verdade e aparência; ver os sinais de Deus; e contar com honestidade o que se viu.

 

Senhor, ensinai-nos a sair de nós mesmos e partir à procura da verdade.

Ensinai-nos a ir e ver, ensinai-nos a ouvir, a não cultivar preconceitos, a não tirar conclusões precipitadas.

Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém, a reservar tempo para compreender, a prestar atenção ao essencial, a não nos distrairmos com o supérfluo, a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.

Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo e a honestidade de contar o que vimos.

 

2021.01.23 – Louro de Carvalho

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