É o tema
do 55.º Dia Mundial das Comunicações
Sociais, que, este ano, se celebrará a 16 de maio, que o Papa Francisco
escolheu nos termos da sua mensagem assinada e divulgada pela Sala de Imprensa
da Santa Sé neste dia 23 de janeiro, véspera da Memória Litúrgica de São Francisco
de Sales, padroeiro dos escritores e jornalistas.
É texto que
todos os comunicadores (jornalistas, políticos, pregadores e publicitários)
deveriam ler.
O Pontífice
parte do repto de Filipe a Natanael “Vem e verás” (Jo 1,46),
ao dar conta de que o seu amigo
estava cético (“De Nazaré pode vir alguma coisa boa?) sobre o encontro que Filipe lhe disse ter ocorrido com Jesus. E, como diz o Papa,
Filipe não tentou convencer o amigo com a lógica dos raciocínios, mas com o
apelo à curiosidade.
Com efeito, segundo Francisco, o convite de
Jesus a “vir e ver”, lançado aos primeiros
discípulos, constitui o método da autêntica comunicação humana, já que, para
testemunhar a “a verdade da vida que se faz história”, é preciso ultrapassar a presunção
do que já se sabe e ir para estar com as pessoas, vê-las, ouvi-las e colher as
sugestões da realidade.
Por isso, a palavra
de ordem pontifícia para este ano é “ir e ver”, como suporte da expressão
comunicativa “transparente e honesta”, quer no jornal como na web, quer
na pregação comum da Igreja como na comunicação política ou social. Na verdade “vir
e ver” foi o modo de comunicação da fé cristã a partir dos encontros nas
margens do Jordão e do lago da Galileia.
Depois,
deixando a nu a crise editorial, o Papa Bergoglio aponta os ‘jornais fotocópia’
e os noticiários de televisão, rádio e websites, em que, em troca
duma informação pré-fabricada e autorreferencial, a entrevista e a reportagem perdem
espaço e qualidade. Assim, dificilmente se interceta “a verdade das coisas e a
vida concreta das pessoas”, não se individuam “os fenómenos sociais mais graves
nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade”. E facilmente se
constrói uma informação “diante do computador, nos terminais das agências, nas
redes sociais, sem nunca sair à rua, sem ‘gastar a sola dos sapatos’, sem
encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos
determinadas situações”.
Ora, sem a
abertura ao encontro, apesar das inovações tecnológicas, permaneceremos “espectadores
externos”, pois os instrumentos só têm validade se nos levam a ver coisas que
de outro modo não chegaríamos a saber.
Convicto de
que o jornalismo, “como exposição da realidade, requer a capacidade de ir aonde
mais ninguém vai: mover-se com desejo de ver”, o Papa assinala-lhe a
curiosidade, a abertura, a paixão. E, em atitude de grato reconhecimento,
salienta a vez e a voz que tantos profissionais (jornalistas, operadores de câmara,
editores, cineastas, que trabalham muitas vezes sob grandes riscos) oferecem à “difícil condição das minorias perseguidas
em várias partes do mundo”. Com efeito, seria uma grande perda para a
informação, para a sociedade e para a democracia – e “um empobrecimento para a
nossa humanidade” – a falta destas vozes que denunciam os “muitos abusos e
injustiças contra os pobres e contra a criação” e noticiam “muitas guerras esquecidas”.
E o Sumo Pontífice
adverte que, sobretudo neste tempo de pandemia, inúmeras realidades do planeta
lançam ao mundo da comunicação o repto a “ir e ver”, pois corre-se o risco de
fazer a narrativa das crises e, em especial, da pandemia só pelos olhos do
mundo mais rico ou com uma dupla contabilidade. E exemplifica com as vacinas e os cuidados
médicos em geral, em que se corre o risco de exclusão das pessoas mais
indigentes. Na verdade, se a expectativa de cura não chegar às aldeias mais
pobres da Ásia, América Latina e África, “o direito à saúde para todos,
afirmado em linha de princípio, acaba esvaziado da sua valência real”. E, mesmo
no mundo dos mais afortunados, fica oculto o drama das “famílias rapidamente decaídas
na pobreza”, sucedendo que muitas pessoas vencem a vergonha e “fazem a fila à
porta dos centros da Cáritas para receber uma ração de víveres”.
Falando da web, o Papa diz que a rede “pode
multiplicar a capacidade de relato e partilha” pelo “fluxo contínuo de imagens
e testemunhos”, já que a tecnologia digital, dando-nos “uma informação em
primeira mão e rápida, por vezes muito útil”, torna-se “um instrumento
formidável, que nos responsabiliza a todos como utentes e desfrutadores” e
possibilita que todos possamos “ser testemunhas de acontecimentos que de
contrário seriam negligenciados pelos meios de comunicação tradicionais,
oferecer a nossa contribuição civil, fazer ressaltar mais histórias, mesmo
positivas”. A rede possibilita-nos contar o que vemos e partilhar testemunhos.
Não obstante,
são evidentes “os riscos duma comunicação social não
verificável”, pois as notícias e as imagens são facilmente manipuláveis, por
motivos diversos, incluindo “um banal narcisismo”. Por isso, cumpre-nos, pela consciência
crítica, não demonizar o instrumento, mas recorrer “a uma maior capacidade de
discernimento e a um sentido de responsabilidade mais maduro”, tanto na difusão
como na receção de conteúdos, pois, como sentencia o Papa, “todos somos responsáveis pela comunicação
que fazemos, pelas informações que damos, pelo controlo que podemos
conjuntamente exercer sobre as notícias falsas, desmascarando-as” e “todos
estamos chamados a ser testemunhas da verdade: a ir, ver e partilhar”.
De facto,
aos primeiros discípulos que O querem conhecer, Jesus, lança o desafio “Vinde e ver” (Jo 1,39), apelando à permanência com Ele. E, mais de meio
século depois, João, ao escrever o Evangelho, recorda detalhes reveladores da
sua presença no local e do impacto que teve na sua vida aquela experiência: “era
cerca da hora décima”; no dia seguinte Filipe informa Natanael do
encontro com o Messias; Natanael mostra-se cético; Filipe diz-lhe: “vem e verás”; Natanael vai e vê, e a sua
vida muda.
E insiste
Francisco em que a fé começa e se comunica “com um conhecimento direto, nascido
da experiência”. Assim, diziam as pessoas à Samaritana, depois de Jesus Se
ter demorado na sua aldeia: “Já
não é pelas tuas palavras que acreditamos; nós próprios ouvimos…” (cf Jo 4,39-42).
Assim, se conclui,
segundo o Papa, que “o método ‘vem e
verás’ é o mais simples para se conhecer uma realidade, é a verificação
mais honesta de qualquer anúncio, porque, para conhecer, é preciso encontrar” e
“permitir à pessoa que tenho à minha frente que me fale” e “deixar que o seu
testemunho chegue até mim”.
Nestes termos,
é claro que, em comunicação, nada substitui o ver pessoalmente, pois “algumas
coisas só se podem aprender, experimentando-as”, já que “não se comunica só com as palavras, mas também com os
olhos, o tom da voz, os gestos”. Os discípulos de Jesus não só ouviam as suas
palavras, mas vendo-O falar, sentiam o seu fascínio, porque, “n’Ele – Logos encarnado
– a Palavra ganhou Rosto, o Deus invisível deixou-Se ver, ouvir e tocar, como
escreve o próprio João” (cf 1Jo 1,1-3). Ora, porque “a palavra só é eficaz, se se ‘vê’, se
te envolve numa experiência, num diálogo”, era e continua a ser essencial o ‘vem
e verás’.
E contra a
quantidade de eloquência vazia que abunda no nosso tempo, em todas as esferas
da vida pública, tanto no comércio como na política, Bergoglio cita as palavras
se Shakespeare:
“Fala muito, diz uma infinidade de nadas. As
suas razões são dois grãos de trigo perdidos em dois feixes de palha. Têm-se de
procurar o dia todo para os achar; e, quando se encontram, não valem a procura.”
(W. Shakespeare, O mercador de Veneza, Ato I, Cena I).
Frisa que
tais palavras se aplicam não só aos jornalistas, mas também a todos os comunicadores
cristãos. Na verdade, como bem refere, “a boa nova do Evangelho difundiu-se
pelo mundo, graças a encontros pessoa a pessoa, coração a coração: homens e
mulheres que aceitaram o mesmo convite – ‘vem e verás’ –, conquistados por um ‘extra’
de humanidade que transparecia e brilhou no olhar, na palavra e nos gestos de
pessoas que testemunhavam Jesus Cristo”.
E, na
certeza de que “todos os instrumentos são importantes” aponta que o grande
comunicador que foi Paulo de Tarso “ter-se-ia certamente servido do e-mail e
das mensagens eletrónicas”. Não obstante, não deixa de vincar que foram a fé, a
esperança e s caridade de Paulo “que impressionaram os contemporâneos que o
ouviram pregar e tiveram a sorte de passar algum tempo com ele, de o ver
durante uma assembleia ou numa conversa pessoal”. Com efeito, “ao vê-lo agir
nos lugares onde se encontrava”, diz o Papa, “verificavam como era verdadeiro e
frutuoso para a vida aquele anúncio da salvação de que ele era portador por
graça de Deus”. E, nos lugares aonde Paulo não podia chegar, “o seu modo de
viver em Cristo era testemunhado pelos discípulos que enviava” (cf 1Cor 4,17).
E, evocando
as palavras de Santo Agostinho “nas
nossas mãos, temos os livros; nos nossos olhos, os acontecimentos” (Sermão 360/B,
20) e exortando a verificar na
realidade o cumprimento das profecias da Sagrada Escritura, Francisco assegura
que “o Evangelho volta a acontecer hoje, sempre que recebemos o testemunho
transparente de pessoas cuja vida foi mudada pelo encontro com Jesus”, pois, “há
mais de dois mil anos que uma corrente de encontros comunica o fascínio da
aventura cristã” e conclui que o desafio é: “comunicar, encontrando as pessoas onde estão e como são”.
Por fim, em
jeito de prece, Francisco compendia as exigências do comunicador, seja um
jornalista, seja um político, seja um especialista em marketing, seja um
anunciador do Evangelho: sair de nós mesmos;
ir em busca da verdade; ver e ouvir, sem preconceitos e sem
conclusões precipitadas; ir aonde ninguém
vai; compreender; atender ao essencial; discernir entre verdade e aparência; ver os sinais de Deus; e contar com honestidade o que se viu.
Senhor, ensinai-nos a sair de nós mesmos e partir à procura da verdade.
Ensinai-nos a ir e ver, ensinai-nos a ouvir, a não cultivar
preconceitos, a não tirar conclusões precipitadas.
Ensinai-nos a ir aonde não vai ninguém, a reservar tempo para
compreender, a prestar atenção ao essencial, a não nos distrairmos com o
supérfluo, a distinguir entre a aparência enganadora e a verdade.
Concedei-nos a graça de reconhecer as vossas moradas no mundo e a
honestidade de contar o que vimos.
2021.01.23 – Louro de Carvalho
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