sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Não se justifica nem é eficaz confinamento igual ao de março de 2020

 

Os especialistas querem e o Governo admite um confinamento geral como o que foi decretado em 18 de março de 2020 para vigorar a partir do dia 19 e que se prolongou até 2 de maio.

Não só tal confinamento é pedido pelos especialistas como estranham que se espere pela reunião do próximo dia 12, visto que os númenos de infetados de covid-19, internados, sujeitos a cuidados intensivos e mortos estão em crescendo, mercê do deslaçamento de cuidados por ocasião do Natal e do Ano Novo e do frio com que este inverno nos mimoseia.

O Chefe de Estado, ouvido o Governo e obtida autorização do Parlamento, pelo Decreto do Presidente da República n.º 6-A/2021, de 6 de janeiro, renovou “a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública”, com “a duração de 8 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 8 de janeiro de 2021 e cessando às 23h59 do dia 15 de janeiro de 2021, sem prejuízo de eventuais renovações, nos termos da lei”.

E o Conselho de Ministros aprovou, a 7 de janeiro, o decreto que regulamenta a prorrogação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, em todo o território continental, para entre as 00h00 do dia 8 de janeiro de 2021 e as 23h59 do dia 15 de janeiro.

Trata-se do Decreto n.º 2-A/2021, de 7 de janeiro, semelhante aos congéneres anteriores (aliás, procede à 2.ª alteração ao Decreto n.º 11/2020, de 6 de dezembro, alterado pelo Decreto n.º 11-A/2020, de 21 de dezembro), o qual, “tendo por base a reavaliação da situação epidemiológica no país, atualizou a lista dos concelhos de risco e procedeu ao agravamento das medidas para o fim de semana de 9 e 10 de janeiro” e decidiu estender aos concelhos em risco elevado a proibição de circulação na via pública a partir das 13h00 no predito fim de semana, bem como aplicar a todo o território nacional continental a proibição de circulação entre concelhos entre as 23h00 do dia 8 de janeiro e as 05h00 do dia 11 de janeiro de 2021, salvo por motivos de saúde, de urgência imperiosa ou outros especificamente previstos.

Também a 7 de janeiro, o Conselho de Ministros aprovou o decreto-lei que prorroga o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial, já que, face à evolução da pandemia, o Governo assumiu a necessidade de atualizar para 2021 o quadro de apoios extraordinários à economia, ao emprego e às famílias. Logo, em conformidade com essa assunção: estabelece que “todos os trabalhadores que estejam abrangidos pelo lay-off simplificado, lay-off do Código do Trabalho (motivado pela pandemia da doença Covid-19 e que se inicie após 1 de janeiro de 2021) e apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade passem a auferir 100% da sua retribuição normal ilíquida até 3 vezes a Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG), não havendo lugar a esforço adicional dos empregadores”; cria “o apoio simplificado para microempresas em situação de crise empresarial, tendo em vista a manutenção de postos de trabalho”; prorroga “o apoio extraordinário à retoma progressiva de atividade em empresas em situação de crise empresarial até 30 de junho de 2021”; estende “ao elenco dos beneficiários do apoio à retoma os membros de órgãos estatutários que exerçam funções de gerência”; e mantém “a dispensa parcial de contribuições para a segurança social, a cargo da entidade empregadora, para as micro, pequenas e médias empresas”.

Foi, ainda, no âmbito da pandemia, aprovado o decreto-lei que prolonga até ao final do ano de 2021 a vigência das regras de atribuição de financiamento e compensações aos operadores de transportes essenciais, no âmbito da pandemia Covid-19.

Além disso, o Primeiro-Ministro, numa altura em que se aguarda para perceber o impacto real do Natal e do Ano Novo na evolução da pandemia, admitiu o regresso a normas semelhantes às que estiveram em vigor desde os idos de março, com exceção do encerramento das escolas. Disse-o após a reunião do Conselho de Ministros do predito dia 7. Isto significa que poderemos voltar a confinamento mais geral, com o encerramento de restaurantes e do comércio de bens não essenciais. Ora, se o número de casos continuar elevado, depois de ter sido superior aos dez mil no dia 6, António Costa assumiu:

O cenário que podemos ter como provável é voltarmos a ter um conjunto de medidas tipo o que tínhamos em março, mas com a ressalva de todos os especialistas nos indicarem que não se justifica afetar o normal funcionamento das escolas”.

Por seu turno, o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital admitiu, em declarações aos jornalistas, no final da reunião de Concertação Social deste dia 8 de janeiro, a possibilidade de encerramento da restauração e comércio não alimentar, no âmbito do novo confinamento geral do país em resposta ao agravamento da pandemia. Não obstante, como aconteceu na primavera, os estabelecimentos poderão funcionar em regime de take away e de entregas ao domicílio. E adiantou que o Governo se inclina para manter as aulas em regime presencial, considerando o “impacto social e económico” dum novo encerramento das escolas.

A reunião com peritos e especialistas, no Infarmed, a 12 de janeiro, servirá de base para a decisão do Governo de regressar, ou não, às medidas de março.

No quadro da declaração do primeiro estado de emergência no país, que trouxe o confinamento do país, impôs-se o dever geral de recolhimento domiciliário, sendo que as medidas aplicadas a todo o território, ao contrário de agora, que são aplicadas consoante os níveis de incidência.

As regras eram basicamente as seguintes:

- Confinamento obrigatório para os doentes de covid-19 e infetados, bem como para os cidadãos a quem a autoridade de saúde ou outros profissionais de saúde determinou a vigilância ativa;

- Dever especial de proteção para os maiores de 70 anos, os imunodeprimidos e os portadores de doença crónica que, segundo as orientações da autoridade de saúde, deviam ser considerados de risco e que só podiam circular com base numa lista mais limitada de razões;

- Dever geral de recolhimento domiciliário, só se podendo circular para algum destes fins: aquisição de bens e serviços; atividades profissionais ou equiparadas; procura de trabalho ou resposta a oferta de trabalho; saúde, designadamente para obtenção de cuidados de saúde e transporte de pessoas a quem deviam ser administrados tais cuidados ou dádiva de sangue; acolhimento de emergência de vítimas de violência doméstica ou tráfico de seres humanos, bem como de crianças e jovens em risco, por aplicação de medida decretada por autoridade judicial ou Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, em casa de acolhimento residencial ou familiar; assistência de pessoas vulneráveis, pessoas com deficiência, filhos, progenitores, idosos ou dependentes; acompanhamento de menores: fruição, de curta duração, de momentos ao ar livre; frequência dos estabelecimentos escolares, ao abrigo do n.º 1 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (acolhimento dos filhos ou outros dependentes a cargo dos profissionais de saúde, das forças e serviços de segurança e de socorro, das forças armadas, dos trabalhadores dos serviços públicos essenciais, de gestão e manutenção de infraestruturas essenciais, bem como outros serviços essenciais); atividade física de curta duração, sendo proibido o exercício de atividade física coletiva; participação em ações de voluntariado social; outras razões familiares imperativas, como o cumprimento de partilha de responsabilidades parentais, como determinado por acordo entre os titulares das mesmas ou pelo tribunal competente; visitas, quando autorizadas, ou entrega de bens essenciais a pessoas incapacitadas ou privadas de liberdade de circulação; participação em atos processuais junto das entidades judiciárias; ida a estação e posto de correio, agência bancária e agência de corretores de seguros ou seguradoras; passeio, de curta duração, dos animais de companhia e alimentação de animais; deslocações de médicos-veterinários, de detentores de animais para assistência médico-veterinária, de cuidadores de colónias reconhecidas pelos municípios, de voluntários de associações zoófilas com animais a cargo que necessitem de se deslocar aos abrigos de animais e de equipas de resgate de animais; deslocação de pessoas portadoras de livre-trânsito, emitido nos termos legais, no exercício das respetivas funções ou por causa delas; deslocação de pessoal das missões diplomáticas, consulares e das organizações internacionais localizadas em Portugal, desde que relacionadas com o desempenho de funções oficiais; satisfação do exercício da liberdade de imprensa; retorno ao domicílio pessoal; e outras atividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, devidamente justificados;

- Possibilidade de veículos particulares circularem na via pública para realizar as atividades já mencionadas ou para reabastecimento em postos de combustível;

- Teletrabalho obrigatório, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitissem;

- Encerramento dos estabelecimentos de atividades recreativas, de lazer e diversão, como discotecas, de atividades culturais e artísticas, como cinemas, teatros e salas de concertos, de atividades desportivas, salvo as destinadas à atividade dos atletas de alto rendimento, espaços de jogos e apostas, termas e SPA;

- Manutenção da atividade dos restaurantes, se os seus titulares assim o decidirem, para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio, diretamente ou através de intermediário;

- Suspensão das atividades de comércio a retalho, com exceção das que disponibilizassem bens de primeira necessidade ou outros bens considerados essenciais na presente conjuntura, ficando também de fora os estabelecimentos de comércio por grosso e os estabelecimentos que pretendessem manter a respetiva atividade exclusivamente para entrega ao domicílio ou disponibilização dos bens à porta do estabelecimento ou ao postigo, estando neste caso interdito o acesso ao interior do estabelecimento pelo público;

- Encerramento das lojas de cidadão (mantendo-se o atendimento presencial mediante marcação);

- Proibição da realização de celebrações de cariz religioso e de outros eventos de culto que implicassem uma aglomeração de pessoas;

- Encerramento de parques de lazer, recintos de jogos e outros espaços públicos;

- Proibição de ajuntamentos de pessoas em lugares públicos e proibição de consumo de bebidas alcoólicas na rua;

- Possibilidade de realização de feiras e mercados de levante a critério da respetiva autarquia;

- Condicionamento da realização de funerais à adoção de medidas organizacionais a determinar pela autarquia local que exercesse os poderes de gestão do respetivo cemitério, incluindo a limitação do número de participantes; e

- Não invocação do encerramento de instalações e estabelecimentos como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos de arrendamento não habitacional ou de outras formas contratuais de exploração de imóveis, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis em que os mesmos se encontrassem instalados.

***

O confinamento de março/abril só se justificou: pelo desconhecimento das caraterísticas do SARS-CoV-2, designadamente periculosidade, capacidade de mutação e formas de contágio; pela ausência ou insuficiência de instrumentos de proteção individual; impreparação das instalações das entidades prestadoras de cuidados de saúde – públicas ou privadas – em termos de equipamentos, apetrechos e técnicas de isolamento para cuidar com eficácia dos doentes de covid-19 e impedir que outros doentes fossem contaminados. Enfim, foram a insuficiência científica e a incapacidade do sistema de saúde e subsistemas que levaram ao confinamento.

Por seu turno, os cidadãos movidos pelo medo e/ou pelo sentido de obediência às leis e impelidos pelo imperativo do dever para si para os outros, em geral, cumpriram estoicamente.

Porém, houve excessos e medidas erradamente indiscriminatórias, como; quase clandestinidade dos funerais, com o afastamento dos familiares (sem possibilidade de luto conveniente) e quase “mumização” dos defuntos; proibição absoluta de atos de culto; acumulação de agregados familiares em habitações exíguas; severidade para com alguns infratores idosos, que não foram presentes a julgamento; cancelamento da efetiva prestação de cuidados de saúde primários e da atenção a outras doenças também graves; não distribuição atempada de equipamentos de proteção individual; não atenção aos lares de idosos…

Agora, a necessidade de confinamento é injustificável, a não ser pelo facto de o SNS (Serviço Nacional de Saúde) estar incapacitado de dar resposta e o plano de vacinação ser de si moroso.

Porém, as autoridades, que diligenciaram, em tempo, alojamento, tendas, hospitais de campanha e concitaram o apoio de autarquias, Igrejas e associações, desmantelaram tudo. O Estado, por falta de vontade política, não reforçou o SNS nem requisitou suficientemente os serviços do setor privado e do social, preferindo o regime de contrato, moroso de si.

Hoje não se justifica o encerramento de clínicas médicas privadas, clínicas dentárias, hospitais, postos de colheita de análises, serviços privados de TAC, imagiologia, radiologia, cardiologia e congéneres e mesmo barbearias, polidesportivos, cabeleireiros, ginásios e restaurantes. Com efeito, tais instalações estão suficientemente preparadas para servir sem perigo de contágio, a menos que as autoridades de saúde não tenham instado e acautelado as regras sanitárias.

E o confinamento hoje não será eficaz. Recorde-se que março e abril eram meses primaveris, ao passo que agora estamos no pico do inverno, já complicado por si. A obrigação de permanecer em casa, para muitos, implica sobrelotação potenciando o contágio e leva a maior consumo de água e calor, o que não sucederá a contento pelo excessivo custo de água, gás e eletricidade. Na maior parte dos casos, estar em casa potencia a falta de exercício, a obesidade e a depressão, malefícios herdados do confinamento de março/abril e mais suscetíveis de alojar o vírus. Por sua vez, o teletrabalho a partir de casa com crianças (que não vão à escola se ela tiver surtos) torna-se fatigante, excessivo em conteúdos, sem horário e supervigiado; e, mesmo em regime solitário, muitas vezes torna-se insuficiente para responder às necessidades profissionais.

Em suma, o confinamento urge porque a primavera, o verão e o outono, em vez de levarem o Estado a prover a preparação das estruturas para o inverno, desmantelou o que havia e cingiu-se à contabilidade dos casos e à repetição da dose da calamidade com ou sem emergência.

2021.01.08 – Louro de Carvalho

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