É verdade
que atualmente uma presidência rotativa semestral do Conselho da União Europeia
não tem o mesmo significado que dantes, já que agora o Conselho tem um
presidente em regime de permanência. Porém, como quem toma as decisões
setoriais é o Conselho de Ministros da respetiva área e as grandes decisões são
tomadas nas cimeiras de chefes de Estado e de Governo, os grandes temas passam
pela presidência rotativa semestral. Por consequência, os olhos estão postos no
que Portugal poderá fazer dos princípios de janeiro ao dia 30 de junho.
Uns dizem
que dos vários objetivos que Portugal tem em agenda alguns são ambiciosos e mesmo
demasiado idealistas, ao passo que outros colocam muita esperança no desempenho
português, dada a importância dos temas e tendo em conta as três presidências
portuguesas anteriores, embora alguns dossiês melindrosos já tenham ido resolvidos
pela presidência alemã, competindo a Portugal concretizá-los.
Assim, os líderes europeus já acordaram no QFP 2021-2027 (Quadro Financeiro Plurianual 2021-2027) e no #PróximaGeraçãoEU
(fundo de recuperação europeu); a Comissão Europeia chegou a acordo com o Reino Unido sobre
a relação futura com a UE; e arrancou oficialmente o processo de vacinação
contra a covid-19 nos Estados-membros.
A partir de agora, Portugal tem de coordenar com a Comissão os
próximos passos, desde logo, a aprovação do PRR nacional em cada Estado-membro (que Bruxelas avaliará) – para, depois, se desembolsar a primeira tranche dos apoios
(cerca de 10% do total da subvenção nacional); e a Comissão há de concluir o processo para ir
aos mercados financeiros endividar-se em nome da UE.
No quadro da política externa da UE, Portugal
protagonizará: a amarração, em Sines, dum grande cabo submarino (EllaLink) a ligar a Europa às Américas através de Fortaleza, no
Brasil; a ligação da UE à Índia, com vista à cooperação entre a UE
e a Índia no desenvolvimento de inteligência artificial ou da ciência de dados;
o encontro dos líderes europeus com a União Africana; a conclusão dos acordos de
comércio com a Austrália e a Nova Zelândia; a abertura do primeiro acordo
comercial da UE com Marrocos; e a retoma das boas relações entre a UE e os EUA
com a nova presidência Biden.
Não obstante, o Governo de Costa quer deixar a sua “marca” ao priorizar a
implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, a cuja vastidão e complexidade já tive ocasião de me
referir, quando esmiucei as três grandes categorias em que se agrupam os 20
princípios que enformam tal pilar, sendo de realçar o investimento em prol do
bem comum, de modo que ninguém fique para trás e, a par disto e em função disto,
a minimização das alterações climáticas e a transição digital, na linha da cultura
do cuidado.
E é nesta linha de ambição que têm vindo a lume alguns
testemunhos de entidades ligadas à Igreja católica. De facto, os cristãos não são
do mundo, mas estão no mundo.
Assim, Pedro Vaz Patto, presidente
da CNJP (Comissão Nacional de Justiça e Paz), acredita que a Presidência
portuguesa da UE – pela ligação do país a Moçambique – dará mais visibilidade
ao problema de Cabo Delgado e será mais determinante na procura de soluções. E,
convicto de que “isso é providencial”, supõe que será uma grande oportunidade,
pois os deputados portugueses no PE (Parlamento
Europeu), de todos os partidos, “têm demonstrado uma sensibilidade
por esta questão que não existe noutros países, especialmente pelos laços
culturais e históricos que temos com Moçambique”. Porém, assinalando que, em
África, também em países que não são de língua portuguesa, há situações que
justificam maior atenção da comunidade internacional, exemplifica com algumas
epidemias, mais mortíferas que a da covid, que, não tendo a mesma dimensão
mundial, causam males muito graves, às vezes até desconhecidos dos europeus. Portanto, a relação da UE com África pode abrir mais
largas perspetivas.
Por seu turno, a COMECE
(Comissão
dos Episcopados Católicos da Comunidade Europeia) saudou, em nota enviada à agência Ecclesia, o programa “ambicioso” de
Portugal para a sua presidência rotativa do Conselho da UE, que se iniciou
neste mês de janeiro com o lema ‘Tempo de
agir: por uma recuperação justa, verde e digital’ e com o objetivo de não
deixar ninguém para trás, “nestes tempos difíceis para indivíduos e famílias por
causa da pandemia de covid-19, em particular aqueles que se encontram em
situações mais vulneráveis”.
E a nota deste organismo que congrega
os bispos católicos da UE, sublinha a implementação de instrumentos políticos e
objetivos que “conduzam a um melhor cuidado da Criação”, considera que “os
esforços da União Europeia devem prosseguir nesse sentido” e sustenta que “a
liderança global da União Europeia proposta pela presidência portuguesa é um
forte impulso”.
Frisa a COMECE que “qualquer verdadeiro progresso digital e
tecnológico deve basear-se na proteção e promoção da dignidade humana e do bem
comum” e que a proposta de reforço dos direitos
fundamentais no contexto digital é um passo positivo que merece apoio”.
E, observando que a Europa deve assumir um papel de liderança
“na promoção de uma ordem internacional regulada, baseada numa cooperação de confiança
e em parcerias justas”, a COMECE elogia as prioridades da presidência
portuguesa e as propostas de ação “alinhadas com esses objetivos, de forma a
criar relações pacíficas, justas e prósperas entre os Estados”. Na verdade, a
este respeito, como refere o texto da aludida nota, “assume particular
importância o trabalho da presidência portuguesa no sentido de se conseguir,
finalmente, uma abordagem europeia conjunta da migração e do asilo, tendo em
conta as diversas realidades e sensibilidades”.
Em relação à situação provocada pelo ‘Brexit’, esta comissão
dos episcopados católicos deseja uma “relação estreita e amigável entre a União
Europeia e o Reino Unido”, contando com “a experiência e o bom trabalho da
presidência portuguesa para iniciar este caminho”.
Ademais, sabe-se que, a 18
de janeiro, se reunirá uma delegação da COMECE e da Conferência Europeia das
Igrejas Cristãs com a representação permanente portuguesa, em Bruxelas.
Também José Pedro Frazão, jornalista da Rádio Renascença, disse à Ecclesia
que a presidência portuguesa tem como desafios as migrações e desigualdades
sociais – “um processo que tem marcado passo e gerado grandes divisões na
Europa, sendo talvez por isso que, na sua ótica, “não está na primeira linha
dos grandes objetivos desta presidência”.
O jornalista, falando do impacto da pandemia, com a urgência
da recuperação económica e do plano de vacinação, refere que será muito
importante “tentar perceber se a Europa vai conseguir vacinar de forma
substancial os europeus, durante o primeiro semestre”, uma vez que “há
processos que aguardam ratificação e burocracias a ultrapassar que são
essenciais para que o dinheiro chegue aos Estados-membros para que a tal bazuca
se torne realidade”.
Comentando o ‘Brexit’, Frazão
reconhece o desafio de Portugal assumir uma Europa com menos um país, mas
entende que a saída do Reino Unido pode até facilitar alguns processos. E,
apesar de enaltecer “o exemplo da aposta verde, um esforço ecológico que se vai
começar a concretizar em 2021 e que pode ficar mais facilitado”, identifica
outras vertentes mais complexas como a aposta no digital e adianta que “a Comissão
Europeia vai dar tópicos quanto aos impostos a cobrar aos gigantes tecnológicos
e este parece ser um tema difícil de gerar consensos”. Porém lamenta que as
relações com África permaneçam afastadas das ações imediatas da UE e adverte
que “não podemos esquecer que este é um tema ligado às migrações, mas também à
recuperação económica”.
Por fim, é de registar que, já a 4 de janeiro, o Padre
Hermínio Rico, jesuíta que reside em Bruxelas, sócio do presidente da
Conferência Europeia de Provinciais da Companhia de Jesus, com sede na capital
belga, e antigo diretor da revista ‘Brotéria
– Cristianismo e Cultura’, dizia à Ecclesia
que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia pode ajudar a mudar
perspetivas e a recuperar os “sonhos” do projeto comunitário, podendo ser até “uma
boa oportunidade para nós, portugueses, evoluirmos um bocadinho na forma como
olhamos para a União Europeia”. Com efeito, para o religioso, “não são ‘eles’,
que nos dão coisas, a União Europeia é algo de que fazemos parte”.
O Padre Rico fala dum ano especial em contexto da pandemia,
com consequências na saúde e na vida social, e da saída do Reino Unido da União
Europeia.
Questionado sobre o lema
da presidência portuguesa, “Tempo de
agir: por uma recuperação justa, verde e digital”, declarou que “o
importante é promover uma Europa, toda ela, que flua dos valores que levaram à
constituição da Comunidade Europeia, primeiro, e depois da União Europeia”. Na verdade,
a seu ver, estão em causa os valores de paz, após guerras “fratricidas”, e a
possibilidade “de união e progresso em comum”, que se alargou ao Leste, após a
queda do Muro de Berlim, além do modelo económico europeu, que procura
“continuar a equilibrar o aspeto da justiça social com o desenvolvimento”.
Refere que a consciência ecológica se tornou “uma urgência”,
graças à ajuda do Papa Francisco e da sua encíclica ‘Laudato Si’ (2015).
O Padre Rico convida a
fazer reviver o “espírito inicial da União Europeia”, os seus “ideais e
sonhos”, como recordava a mensagem que o Papa assinou no 50.º
aniversário das relações diplomáticas entre a Santa Sé e a UE: “Uma Europa solidária, uma Europa acolhedora,
uma Europa que promova a dignidade de todas as pessoas”.
Nesta Europa, segundo o antigo
diretor da revista ‘Brotéria –
Cristianismo e Cultura’, os cidadãos são chamados a reconhecer um fundo
comum e de capacidade de diálogo, sem que ninguém tenha de prescindir “daquilo
que é”, pois “a Europa constrói-se, sobretudo, através do encontro entre
europeus”, sendo esta consciência particularmente viva nas novas gerações.
Ora, é preciso que a presidência portuguesa atinja os objetivos,
cabendo ao Governo conduzir o processo, agarrar os grandes temas, não se perdendo
em erros, contradições e favoritismos, e incumbindo aos outros órgãos de soberania
e a todas as entidades públicas e privadas a sincera cooperação sem tempo para separatismos
e minudências, embora sem renúncia à crítica democrática, que deve ser
orientada para o burilamento dos grandes temas.
2021.01.07
– Louro de Carvalho
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