terça-feira, 26 de janeiro de 2021

De incertezas a medidas drásticas

 

Não é novidade para ninguém que a pandemia de covid-19 trouxe uma nova necessidade: o uso da máscara. E o início do boom aconteceu a 16 de abril, quando o Citeve (Centro Tecnológico Têxtil e Vestuário), localizado em Vila Nova de Famalicão, e a DGS (Direção-Geral da Saúde) publicaram as fichas técnicas para a produção das máscaras comunitárias.

Desde então, começaram a passar diariamente dezenas ou até centenas de empresários pelo Citeve, onde a corrida à aprovação tem sido uma constante: até 20 de maio já tinham sido deixadas mais de 5.500 amostras de produtos, sendo que a larga maioria era de modelos de máscaras. E, como então referiu Braz Costa, diretor-geral do Citeve, quando foram publicadas as especificações para as máscaras comunitárias, foi o fim do mundo, tinham mais gente em fila que o centro de testes à covid-19, ali mesmo ao lado.

Segundo Braz Costa, a partir do momento em que as especificações foram publicadas, todo um universo diferente se abriu às empresas portuguesas, nomeadamente as do setor têxtil, que passaram a ter a possibilidade produzir máscaras, constituindo um modo de escapar à crise que se adivinhava como iminente. E o Citeve, onde estão envolvidas mais de cem pessoas, lutou por que fosse possível criar um referencial para as empresas portuguesas produzirem e não estarem dependentes da China, tendo certificado, em fins de maio, mais de 840 produtos de proteção individual. Porém, há modelos de máscara que não obtiveram aprovação à primeira tentativa por falta de calibragem da permeabilidade 

As empresas adaptaram as linhas de produção e trabalham para o para o mercado nacional e para o mercado internacional. De facto, os portugueses são conhecidos por serem um povo de fácil adaptação, facto de que as máscaras sociais são prova, pois as empresas têm vindo a aprender e a reposicionar-se.

Considerando que, a princípio, ninguém estava preparado, pois nada se sabia sobre máscaras e não havia formas de testar, Braz Costa assegurava ao ECO, a 20 de maio, que a fase voluntarista deu lugar à fase do desenvolvimento de competências e, no dia 15 de maio, a taxa de aprovação foi de 46%”, mas garantia que, para se chegar àquele ponto, “foram precisas horas a fio de investigação”. Assim, Portugal estava a ser visto como um exemplo nesta pandemia, quer pelo espírito de entreajuda, quer pelas competências que estava a adquirir.  

E o diretor-geral do Citeve referia que a França pedira ajuda a Portugal na questão das certificações e que o Citeve iria partilhar informação com a direção-geral do armamento francesa, porque a França demorava cerca de três meses para certificar as máscaras sociais.

Sobre as caraterísticas que a máscara social certificada deve ter, diz Braz Costa que a máscara tem de proteger o indivíduo e a comunidade, pelo que tem que obedecer a uma série de critérios: reutilizabilidade; capacidade de retenção de partículas no mínimo a 70%; respirabilidade que permita uma passagem de ar de 8 litros por metro quadrado por minuto; e garantia, no mínimo, de um ciclo de cinco lavagens, após as quais tem que resistir na perfeição à permeabilidade ao ar, à retenção de partículas e à própria forma da máscara. Todavia, há máscaras certificadas para 25 lavagens, número que na ótica de Braz Costa, “chegará ainda mais longe”.

Braz Costa alerta para a diferença ente a máscara comunitária e o respirador, que têm efeitos completamente diferentes, e sustenta que o porte de respirador com válvula na rua devia ser proibido, porque esse respirador não filtra o ar à saída, só o filtram à entrada. E acrescenta que “a função comunitária das FFP2 com válvula é zero e não está de todo assegurada”.

Por outro lado, o diretor-geral do Citeve ponta que, dentro das máscaras, há lacunas a colmatar. Há que explorar a possibilidade de produzir máscaras para pessoas com problemas auditivos, máscaras adequadas para desportistas, para frequentadores de ginásios, para doentes ecológicos, asmáticos…

No Citeve, a covid-19 teve duas fases completamente distintas: numa primeira fase, a onda de solidariedade; na segunda, a perspetiva de negócio. Em fevereiro, o Citeve esteve ao lado de empresas que, em atitude voluntarista, queriam fazer algo para resolver a falta de equipamento de proteção individual entre nós, pelo que esteve algum tempo a ajudar as empresas a encontrar combinações de materiais que servissem para máscaras e outros equipamentos de proteção individual. Depois, olhou-se para tais equipamentos como um negócio. Ou seja, após a fase de voluntarismo, as empresas passaram a ter a oportunidade; e a UE iria ter de se questionar sobre a dependência relativamente a mercados externos, sendo Portugal dos poucos países que tem boa capacidade de confeção dentro da Europa. Na verdade, face ao engenho e às competências, Portugal tem capacidade para produzir milhões de máscaras por semana.

Nestes termos, abriu-se o caminho para a exportação. Efetivamente, face à crescente procura e à escassez de máscaras a nível mundial, exportar máscaras sociais era o caminho a seguir e as empresas portuguesas focaram-se na exportação, sobretudo para os países da Europa e os EUA.

E Braz Costa considera que, embora as máscaras não sejam um negócio de futuro para Portugal, resolveram em parte a dependência que Portugal tem da China e permitiu que muitas empresas não entrassem em lay-off. Neste sentido, declarava a 20 de maio:

“Podemos afirmar-nos como gente que entende o que está a acontecer, que entende o que vai ser o futuro da moda, num contexto de pandemia, mas sobretudo num contexto de uma ameaça latente de outras pandemias o que é que o nosso setor pode fazer para estar na vanguarda do desenvolvimento de soluções que enderecem as preocupações e os desejos dos consumidores”.

Para o diretor-geral do Citeve, as máscaras vão fazer parte das coleções das marcas. E, para lá das máscaras, as marcas já começam a reinventar-se e a apostar até em linhas de roupa antiviral, na convicção de que, nos próximos 5 anos, este tipo de proteções vai ter muita importância, pois, como anota Braz Costa, “temos de nos preocupar com a forma como nos protegemos com a roupa e repensar os têxteis-lar”.

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Entretanto, tudo pode cair por terra. Os epidemiologistas, virologistas, internistas e intensivistas não têm certezas e têm dificuldade em pôr-se de acordo sobre as formas de prevenir, combater e tratar a covid-19, nas diversas estirpes do SARS CoV-2 e estancar a pandemia. E os decisores políticos, navegando na incerteza, acabam por chegar à imposição incontestável de medidas – umas tardias, outras demasiado cedo, outras excessivas, outras suaves. Por exemplo, da suposta ineficácia das máscaras, chegou-se ao seu uso obrigatório em espaços fechados, tendo ou não como alternativa a viseira, e, depois, nas ruas se for difícil observar a distância de segurança entre as pessoas. Não se sabe se as escolas são ou não espaço propício a focos de infeção, bem como os lugares de trabalho, ou se a infeção provém do amontoado de pessoas na rua, em festas ou nos transportes públicos. Todavia, encerram-se escolas, mas não se cuida do não amontoado de alunos ao portão; proíbem-se festas e ajuntamentos, mas sem força para fiscalizar e impedir; encerram-se uns espaços de trabalho, mas não outros, e impõe-se o teletrabalho e o tele-ensino; proíbe-se a acumulação de pessoas, mas deixam-se circular autocarros sem aumentar a oferta; mandam-se as pessoas para casa, mas pede-se-lhe que vão votar, porque não houve vontade política de dispor legalmente do adiamento das eleições e/ou da diversificação da modalidade de votação. Até se chegou a impor funerais quase clandestinos sem a presença de familiares.       

E, quanto a máscaras, sabe-se que, seguindo o exemplo da Baviera, a chanceler alemã, Angela Merkel, e os chefes dos 16 estados federais do país discutiram o projeto de imposição das máscaras FFP2 e proibição das máscaras comunitárias, bem como o recolher obrigatório noturno e novos requisitos de teletrabalho. De facto, utilizadas corretamente, as máscaras FFP2 têm a capacidade de filtrar, pelo menos, 94% das partículas, mas são mais caras do que as máscaras comunitárias. Porém, há virologistas a avisar que a medida pode ser contraproducente, já que “as máscaras FFP2 serão ineficazes se não forem profissionalmente ajustadas”. Com efeito, como explicou ao jornal britânico The Guardian Jonas Schmidt-Chanasit, virologista e professor alemão, “em teoria, a mudança para máscaras mais profissionais é bem-vinda”, mas sem o ajuste certo, “as pessoas acabarão por respirar através do intervalo entre a máscara e o rosto, em vez de o fazerem através do filtro designado”.

Seja como for, depois de a medida ter sido tomada na Baviera (região alemã onde se situa Munique) e na Áustria, a Alemanha e a França tornaram obrigatório o uso máscaras FFP1 ou FFP2 em locais públicos e proibiram o uso de máscaras comunitárias – decisão que, para o Citeve, terá impacto negativo no setor têxtil português, principalmente no atinente às exportações, tendo em conta que a indústria viu neste produto uma de tábua de salvação. E pior: a medida pode alastrar à generalidade dos países europeus, o que redobrará o prejuízo do nosso setor têxtil.

Braz Costa diz que “temos vindo a exportar muitas máscaras para países que fizeram agora esta alteração, como França e Alemanha”, sendo este um mercado que irá fechar portas às exportações, entre elas, as portuguesas”.

Para o diretor-geral do Citeve, esta obrigatoriedade na Europa prende-se com a falta de controlo de qualidade das máscaras. A Alemanha e a França, países que não produzem, só importam, concluíram que estariam a importar um mau produto. E, na dúvida, optaram por impor as FFP1 e as FFP2Se não houvesse dúvidas sobre a qualidade das máscaras comunitárias que circulam no mercado, não haveria razão para impor a obrigatoriedade do uso de FFP1 ou FFP2. Na verdade, quando utilizadas corretamente, as máscaras FFP2 têm capacidade para filtrar, pelo menos, 94% das partículas. Para Braz Costa, “não há evidência de que o nível de filtração de 70% ou 95% seja diferente no tipo de utilização que se faz das máscaras comunitárias. Com efeito, há máscaras de nível 2 com níveis de filtração de 90%, pelo que, não havendo nenhuma deriva de qualidade, não se vê razão para não usar as máscaras comunitárias certificadas.

E Braz Costa admite que “é possível fazer uma máscara que seja reutilizável e que responda a este nível de filtração com materiais têxteis” e, dizendo que há “vários exemplos desses no nosso país”, sustenta que o que está em causa “é o nível de proteção e não a tipologia da máscara”, cabendo às autoridades de saúde decidir se devemos passar para um nível de filtração de 90% ou mais ou se devemos continuar a admitir as máscaras com 70% de filtração. Ao mesmo tempo, adiantou que o Citeve já está em processo de certificação das máscaras FFP2, mas que é “um processo caro, moroso e difícil de arranjar quem faça”. E diz que Portugal tem capacidade para produzir máscaras FFP2, embora reste a dúvida se será autossuficiente.

Apesar de o setor têxtil e vestuário continuar castigado pela pandemia, as  máscaras de proteção foram encaradas como tábua de salvação para o setor, pois, desde o início, o Citeve já certificou cerca de 3.300 modelos de máscaras e está a certificar agora cerca de 200 máscaras.

Contudo, o diretor-geral do Citeve apela a um maior controlo de qualidade nas máscaras que circulam no mercado, pois a falta de controlo convida a que apareça no mercado “tudo e mais alguma coisa, máscaras que não cumprem sequer os mínimos de qualidade”. E isto pode suceder com as mascaras cirúrgicas e com as FFP2.

A ASAE (Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) já apreendeu pouco mais de 1,4 milhões de máscaras por não cumprirem a devida certificação. E Braz Costa, admitindo que a ASAE faz o seu trabalho, destaca que é “importante que seja conhecido o controlo que está a ser feito”, pois “uma deriva na qualidade das máscaras pode, de facto, levar a perigos desnecessários nesta situação pandémica que estamos a viver”.

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Em novembro, a indústria têxtil e de vestuário voltou a ter uma quebra das exportações, mas a venda, para o estrangeiro, de produtos como as máscaras de proteção registou uma subida percentual de dois dígitos.

Numa nota de imprensa, a ATP (Associação Têxtil e Vestuário de Portugal) informava que os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) dão conta duma quebra de cerca de 7% das exportações do setor em novembro de 2020, comparativamente com o mesmo mês do ano anterior. As exportações de vestuário foram as mais castigadas, com uma quebra homóloga de 14%, e as exportações de matérias-primas caíram nesse mês, na ordem de 1,4%.

Porém, o cenário é diferente nas exportações de têxteis confecionados, categoria que, segundo a ATP, inclui “as máscaras”, bem como as exportações de têxtil-lar, que registaram uma subida de 14% em novembro. Dentro destes, destacam-se duas categorias de produtos: os artefactos ou têxteis confecionados (onde se incluem as máscaras têxteis)bem como os moldes para vestuário com um crescimento de 207% (acréscimo de 7,4 milhões e euros); e as roupas de cama, mesa, toucador ou cozinha, com um crescimento de 7% (acréscimo de 3,5 milhões de euros). Além destas, “as exportações de pastas, feltros e artigos de cordoaria aumentaram 12% (acréscimo de dois milhões de euros) e as de tecidos impregnados, revestidos, recobertos ou estratificados cresceram 13% (mais três milhões de euros), segundo a ATP.

Quanto aos principais clientes, destaca-se o Reino Unido, para onde as exportações aumentaram 10%, o que representa um acréscimo de 3,4 milhões de euros, enquanto as vendas para os EUA aumentaram 10,5% (mais três milhões de euros). E, para a República Checa, Portugal exportou mais 43% (acréscimo de 1,6 milhões). Ao invés, o setor vendeu menos para Espanha, que lidera “a tabela dos destinos que mais caem” – uma redução de 23% (menos 30 milhões de euros). Segue-se a Itália (-16% e a queda de 5,4 milhões) e a França (-5% e a queda de 3 milhões).

Já as importações encolheram em 16%. Assim, “em termos acumulados, até novembro, o setor exportou 4,3 mil milhões de euros, com a quebra de cerca de 12% face ao mesmo período de 2019”, e a queda das importações foi de cerca de 15% (um total de 3,5 mil milhões de euros).

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Enfim, em vez de investigar e corrigir, corta-se. Não é fácil acertar as medidas económicas com as regras sanitárias. E, quando tudo parece ir de vento em popa, é de advertir que não há bem que sempre dure!  

2021.01.26 – Louro de Carvalho

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