sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

Ano Novo, Vida Nova plena de esperança e em fraternidade

 

É certo que transita do ano anterior a pandemia de covid-19 e o combate que os povos lhe fazem através do dinamismo do cuidado, de medidas restritivas e da campanha da vacinação universal e gratuita. É certo que as desigualdades sociais cresceram e que uma economia altamente enfraquecida continua a albergar pessoas e famílias marcadas pelas carências. Todavia, os Estados, a sociedade civil e as confissões religiosas estão com a devida atenção às necessidades das populações por via do dever de Estado ou por via da generosidade solidária.

Por seu turno, o Papa Francisco, apesar de impossibilitado de presidir pessoalmente à Missa da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus, na Basílica Vaticana, na homilia que o Cardeal Secretário de Estado leu, destacou os três verbos que se realizam na Mãe de Deus: abençoar, nascer e encontrar.

Quanto a “abençoar”, o Pontífice quer que, à maneira do livro dos Números (vd Nm 6,22-24), que prescrevia que os ministros sagrados abençoassem o povo, hoje os pastores e também todos os crentes sejam portadores da bênção. Com efeito, abençoar é dizer bem, declarar boa cada coisa e muito boa cada pessoa, o que implica um dinamismo de pedir o bem para todos e cada um, desejá-lo e fazê-lo. Quem bendiz (benedicit), quer bem (benevult) e faz bem (benefacit).

Em Jesus, o bendito do Pai, recebemos o cúmulo das bênçãos divinas. E, como Ele vem até nós através de sua Mãe, a bendita por graça, é por Ela que nos chega a bênção de Deus, pelo que temos de A acolher como Isabel e fazê-La entrar em nossa casa, pois onde Ela está, está Jesus. Por isso, como Isabel, nós A saudamos e clamamos: “Bendita Tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre(Lc 1,42: Eulogêménê sy en gynaixín, kaì eulogêménos ho karppòs tês koilías sou).

Sobre o verbo “nascer”, é de atentar em que Paulo sublinha o facto de o Filho de Deus ter “nascido de uma mulher” (Gl 4,4: genómenon ek gynaikós), ou seja, nasceu como nós, tendo-se deixado tecer na humanidade no ventre materno durante um eneaménio. “Desde então, Maria une-nos a Deus, porque, n’Ela, Deus ligou-Se à nossa carne e nunca mais a deixou” diz o Papa, que chama a Maria, não apenas a ponte entre nós e Deus, mas sobretudo “o caminho que Deus percorreu para chegar até nós” e “o caminho que nós devemos percorrer para chegar até Ele”, que é ternura e intimidade e que Se tornou carne. E, Francisco, de olhos postos na Mãe de Deus, clama que “não estamos no mundo para morrer, mas para gerar vida” e que Ela nos ensina que “o primeiro passo para dar vida ao que nos rodeia é amá-Lo dentro de nós”. Assim, como Maria, que “guardava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração” (Lc 2,19: pánta tà rhêmata taûta symbállousa en têi kardía autês), temos de educar “o coração para o cuidado, para cuidar das pessoas e das coisas”. E, tal como somos capazes de ministrar a vacina para o corpo, assim devemos encontrar e ministrar a vacina pra o coração, a vacina do cuidado: fazer como Nossa Senhora fez com Jesus e faz connosco.

No atinente ao verbo “encontrar, é de registar que os pastores “encontraram Maria, José e o menino” (Lc 2,16: aneûron tên te Mariàm kaì tòn Iôseph kaì tò bréphon), uma simples família. E ali encontraram Deus, que “é imensidão na pequenez, fortaleza na ternura”. Contudo, é de anotar que os pastores encontraram este sinal de simplicidade, porque souberam escutar o mensageiro de Deus. Assim, como os pastores e sabendo que só encontraremos Deus porque chamados pela graça, temos de estar sempre na atitude ativa de procura, movimento. Na verdade, eles foram apressadamente, encontraram, referiram e voltaram glorificando e louvando a Deus (cf Lc 2,16-17.20). E nós, pela graça, encontramos o Deus que nasce de mulher e revoluciona a história com a ternura”; e, descobrindo que “o seu perdão faz renascer, que a sua consolação acende a esperança e a sua presença nos dá uma alegria irreprimível”, não devemos perdê-Lo de vista. E a grande forma de nos sentirmos com Ele é “encontrar tempo para alguém”, a saber, “para Deus e para o próximo: para quem está só, para quem sofre, para quem precisa de escuta e atenção”.

Na sua alocução aquando da recitação do Angelus a partir da Biblioteca do Palácio Apostólico, Francisco assinalou a retoma do nosso caminho pelas veredas do tempo, confiando as nossas angústias e  tormentos Àquela que pode fazer tudo e que nos olha com ternura materna, tal como olhava para Jesus. E, reparando que no presépio daquela sala Jesus não está no berço, mas no colo de Maria, porque supostamente Ela terá dito que A deixassem segurar o filho um pouco no colo, o Papa garante que Ela quer segurar-nos em seus braços para nos proteger como protegeu e amou o seu Filho Jesus.

Segundo o Pontífice, o olhar assegurador e consolador da Virgem é um encorajamento para fazer de modo que este tempo, dado pelo Senhor, seja tempo gasto para o nosso crescimento humano e espiritual, para remover os ódios e as divisões, para sentir que somos todos mais irmãos e irmãs, para construir e não para destruir, cuidando uns dos outros e da criação, para fazer crescer, enfim, “tempo de paz”. E acrescentou:

Os dolorosos acontecimentos que marcaram o caminho da humanidade no ano transcorrido, especialmente a pandemia, ensinam-nos como é necessário interessar-se pelos problemas dos outros e compartilhar as suas preocupações. Esta atitude representa o caminho que leva à paz, pois favorece a construção de uma sociedade fundada em relações fraternais. Cada um de nós, homens e mulheres de nosso tempo, é chamado a realizar a paz: cada um de nós (…), estendendo a mão ao irmão que precisa de uma palavra de conforto, de um gesto de ternura, de uma ajuda solidária.”.

Frisando que “a paz pode ser construída se começarmos a estar em paz connosco, em paz por dentro, no coração, connosco, e com aqueles que estão ao nosso redor”, o Pontífice advoga o desenvolvimento da mentalidade e da cultura do “cuidar” a fim de “derrotar a indiferença, vencer o descarte e a rivalidade, indiferença, descarte e rivalidade que infelizmente prevalecem”. Com efeito, como assegura, “a paz está na vida: não é apenas a ausência de guerra, mas numa vida rica em sentido, empostada e vivida na realização pessoal e na partilha fraterna com os outros”. 

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Neste dia 1 de janeiro, Portugal assumiu a presidência rotativa, por um semestre, do Conselho da União Europeia. E David Sassoli, presidente do Parlamento Europeu, desejou ao Primeiro-Ministro sucesso, manifestando disponibilidade para “trabalhar em conjunto” na recuperação europeia, “uma recuperação social, justa, verde e digital”.

É a quarta presidência de Portugal depois das de 1992, 2000 e 2007, nas quais concluiu importantes acordos europeus e contribuiu para abrir a Europa a África. Esta, que se estende pelo 1.º semestre de 2021, terá como prioridades o orçamento da UE para 2021-2027, o Fundo de Recuperação pós-pandemia e o ‘Brexit’, e realiza-se com novas regras, definidas pelo Tratado de Lisboa, em vigor desde 2009. E, tendo como grandes temas o Ambiente, a Transição Digital, a Dimensão Social, a Resiliência e a Europa Global, o foco desta presidência vai ser a Europa Social e, na vertente externa, a realização da Cimeira UE-Índia e, como “tópico fundamental”, a relação entre a UE e África.

Alice Cunha, investigadora do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais) da FCSH (da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) da Universidade Nova de Lisboa, não crê que a pandemia domine a presidência portuguesa, mas pensa que irá condicionar os trabalhos.

Destacando ao DN a “maturidade” de Portugal, garante que o país se “vai sair bem”, sobretudo porque foi selecionada como grande prioridade a agenda social. Foram diferentes os contextos das três anteriores presidências portuguesas da UE. Esta, para lá da pandemia, que influenciará o decorrer dos trabalhos, embora sem os dominar, será realizada no contexto da saída do primeiro Estado membro da UE e do início de nova administração norte-americana.

Comparando com a presidência de 2007 e com a de 2000, em que houve dois grandes marcos distintivos – em 2000, a aprovação da Estratégia de Lisboa e, em 2007, a assinatura do Tratado de Lisboa –, agora não haverá, segundo a investigadora, um marco comparável àqueles dois. Não obstante, haverá a distinção portuguesa, já que o Governo “está a apostar muito na agenda social”, na cimeira social que se realizará em maio e, sobretudo, “na promoção da implementação do pilar europeu dos Direitos Sociais”, podendo este ser o “produto distintivo” porque os restantes eixos (resiliência europeia, Europa Verde, Europa Digital, Europa Global) também estão alinhados com a agenda e as prioridades políticas da UE no contexto alargado do programa para 18 meses do “trio de presidências”. E esta presidência será “um exercício diplomático e político exigente”, pois está em causa “a magnitude da tarefa” e “a visibilidade do país”, que tem “um grau de maturidade elevado no que diz respeito às questões europeias, ao conhecimento dos dossiês e às dinâmicas que se operam dentro do enquadramento institucional da UE”.

Comparativamente com a anterior presidência, a alemã, a investigadora antecipa uma diferença sobretudo de estilo. Tendo primado pela discrição, a Alemanha cumpriu o programa, sobretudo conseguindo a aprovação do Quadro Financeiro Plurianual e do Pacote de Recuperação Económica e de Resiliência, dossiês que Portugal retoma numa “presidência de gestão, de acompanhamento dos dossiês”, já que os temas da Europa Verde e da Europa Digital “são projetos a médio/longo prazo”, a que Portugal dará o seu contributo na sequência da presidência alemã e passará à presidência eslovena, que irá continuar a trabalhá-los, pois, na UE, nada se faz de um momento para o outro.

Questionada sobre se a questão do Estado de direito ficou resolvida depois do avanço do orçamento plurianual e o pacote de recuperação, apesar das ameaças de veto da Hungria e da Polónia, Alice Cunha esclarece:

O que estava em jogo, sobretudo em relação ao Quadro Financeiro Plurianual para os próximos sete anos, era em que medida a aprovação e a distribuição dos fundos estava vinculada a uma condicionalidade democrática. O que os chefes de Estado e de governo acordaram foi que não será tão linear e será uma segunda solução.”.

Assim, mantém-se o teor do art.º 7.º segundo o qual, se um Estado-membro infringir os valores fundamentais da UE, como constam do art.º 2.º, podem ser acionadas sanções ou procedimentos contra esse Estado, que tem o direito de defesa. Assim, na última cimeira, “todos ganharam”, pois “foi aprovado o orçamento comunitário e o plano de recuperação”, mas tal aprovação não ficou “linearmente relacionada com o mecanismo de condicionalidade”. Prevalece o art.º 7.º como mecanismo complementar, pois, ao aderir à UE, um Estado compromete-se a observar os critérios de Copenhaga, nomeadamente o do Estado de direito. A UE é um projeto de liberdade, democracia, respeito pelas minorias, pela liberdade de expressão, pela independência dos tribunais; e, havendo indícios de algum Estado estar em falta, haverá que acionar o art.º 7.º.

No respeitante à cimeira UE-Índia como uma das bandeiras da presidência portuguesa, Alice Cunha tem dificuldade em considerá-la “uma forma de contrabalançar a influência da China”, pois as duas “não são mutuamente exclusivas”. E explica:

Quando Portugal aderiu à UE em 1986, uma das mais-valias era o bom relacionamento com os países africanos, da América Latina, do Extremo Oriente. Nas presidências anteriores tivemos a primeira cimeira UE-África, cimeiras UE-Brasil, UE-Índia, com a China também. (…) Desde a aprovação do Tratado de Lisboa, as competências que as presidências rotativas do Conselho têm estão mais limitadas neste campo, porque temos a figura do alto-representante para a política externa da UE. Mas Portugal quer continuar com a aposta na dimensão global. Possivelmente também teremos a cimeira UE-África que se devia ter realizado em outubro, mas foi adiada.”.

E, a propósito de os EUA terem novo presidente a partir de 20 de janeiro, refere que, apesar de a política externa de Portugal estar, de momento, muito centrada no vetor europeu, com a tomada de posse de Biden, esperam-se “relações mais favoráveis, mais amistosas, que vão mais ao encontro da agenda da UE – nomeadamente a aposta no multilateralismo, no combate às alterações climáticas, a nível comercial também” – com a expectativa de Portugal dar “o pontapé de partida nesse reatar de relações mais fortes”.

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A acompanhar a onda de esperança cristã inspirada nos apelativos discursos papais de hoje e estribado na boa perspetiva acolhida pelos analistas sobre a presidência europeia portuguesa, António Costa, na sua mensagem de Ano Novo acabada de publicar no JN, salienta o programa de vacinação e o arranque do Programa de Recuperação e Resiliência, e os respetivos planos nacionais, incluindo o de Portugal.

Sobre a campanha da vacinação, o Primeiro-Ministro diz:

Se as vacinas que estão em desenvolvimento tiverem sucesso, se as que já estão em aprovação forem aprovadas, se nenhum percalço ocorrer com a produção da vacina que já está a ser administrada, tudo continuará a correr como o previsto e no final do verão é possível que alcancemos a ansiada imunidade de grupo”.

No tocante à presidência da UE, apontou:

O nosso plano responde à urgência de reanimar a economia, mas não esquece nem sacrifica os grandes desafios estratégicos que enfrentamos. (...) É um plano para oportunidades únicas, (até porque) a crise provocada por esta pandemia gerou situações dramáticas de pobreza e desigualdade.”.

Segundo o Chefe do Governo, a recuperação económica implicará “um pacote robusto e transversal de apoios às empresas”. E, neste âmbito, revelou:

Somámos, entre março e dezembro, mais de 21 mil milhões de euros de apoios à economia e ao emprego. Em 2021, prorrogamos o Apoio à Retoma Progressiva, alargamos e flexibilizamos o Programa Apoiar, que permite cobrir parte dos custos fixos das empresas mais afetadas pela crise, e lançamos novos mecanismos de apoio às rendas comerciais.”.

Falando em “hercúlea tarefa”, o Primeiro-Ministro apela à prossecução da extraordinária mobilização dos portugueses, “agora orientada para a reconstrução” neste que “é um momento de viragem, que será determinante para Portugal”.

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Ora, a esperança, quer em termos cristãos, quer em termos cívico-políticos, não se compadece com uma atitude passiva, como se alguém viesse resolver-nos as questões vitais; implica, antes, uma atitude proativa e confiante, de cabeça erguida e sem esmorecimento. Isto, se queremos uma Europa de valores, não exclusivamente nem predominantemente económicos, mas de cidadania ativa e solidária, e se queremos mitigar as desigualdades, como exorta o Presidente da República na sua mensagem gravada para a RTP África.  

Só “alcança quem cansa” – é o ex-libris de Mestre Aquilino Ribeiro. E os cristãos, tendo descoberto que Jesus tem duas naturezas – a humana e a divina –, mas numa só pessoa, podem confortar-se a contemplar Maria como verdadeira Mãe de Deus e Mãe de todos os filhos de Deus, o irmão universal, e contribuir com a mais-valia da ternura maternal para a força anímica da fraternidade entre todos os seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus e tornados em Cristo, filhos no Filho.

2021.01.01 – Louro de Carvalho

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