sábado, 2 de janeiro de 2021

Direitos sociais serão a “marca” portuguesa da presidência da UE

 

Angela Merkel, chanceler alemã, no dia 30 de dezembro, desejou a António Costa, Primeiro-Ministro português, “muito sucesso” na presidência do Conselho da União Europeia (UE) – órgão que, em representação dos Estados-membros, coordena e negoceia as políticas da UE –, assegurando que a Alemanha “fará tudo o que estiver ao seu alcance” para apoiar Portugal.

Num balanço da presidência alemã, Merkel afirmou que “o desafio central foi, sem dúvida, a pandemia do coronavírus” e reforçou a importância da unidade dos 27 neste desafio.

Convicta de que “juntos seremos mais fortes que o vírus”, apontou o facto de, em conjunto, a Europa estar “a promover, adquirir e distribuir vacinas”, deixando um agradecimento à Comissão Europeia e assegurando que a UE está empenhada “em assegurar que as vacinas estão disponíveis em todos os países, porque a pandemia não conhece fronteiras”.

Confiante na capacidade de que “juntos também seremos capazes de enfrentar as consequências para as nossas economias e para os postos de trabalho dos nossos cidadãos”, antecipou que o orçamento plurianual da UE e o fundo de recuperação ajudarão “a superar este momento de crise excecional”, especificando que a Europa, com o fundo de recuperação, está a “investir no futuro comum”, ao privilegiar o “apoio à proteção do clima e à digitalização”, e que a definição da meta de redução de 55% das emissões de CO2 até 2030 mostra como os europeus querem “continuar na primeira linha do combate às alterações climáticas à escala global”.

***

Portugal assumiu efetivamente a presidência rotativa do Conselho da União Europeia entre janeiro e junho deste ano estando em agenda vários temas quentes. Porém, o principal desafio passa pela implementação do fundo de recuperação.

É verdade que a presidência alemã, que terminou em dezembro, fechou os dossiês do ‘Brexit’ e do fundo de recuperação europeu. Contudo, apesar de os acordos estarem selados, há muito trabalho pela frente, que incumbirá à coordenação do Governo português durante os próximos seis meses, sendo o arranque dos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) nos Estados-membros um dos principais desafios.

Nestes termos, “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital” é o lema da presidência portuguesa, que arranca numa fase da pandemia em que já se vê “a luz ao fundo do túnel” com a vacinação a ocorrer em toda a UE. E, tendo começado oficialmente a 1 de janeiro, o primeiro ato efetivo será a visita do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a Lisboa, no dia 5 de janeiro, cuja preparação já decorre há meses. E a primeira prova de fogo será a visita do Colégio de Comissários (presidente da Comissão Europeia e respetivos comissários) nos dias 14 e 15 de janeiro, arrancando na semana seguinte as reuniões ministeriais setoriais e realizando-se o primeiro Eurogrupo de 2021 no dia 18.

A este respeito, o Primeiro-Ministro disse, no dia 30, em declarações à Lusa:

Temos a presidência muito bem planeada, já muito bem rodada, será a terceira presidência que o Ministro Augusto Santos Silva vai fazer, a secretária de Estado de Assuntos Europeus já interveio em várias presidências, a nossa diplomacia é excelente e a nossa equipa da REPER em Bruxelas é ótima”.

O mês de dezembro foi crucial para o futuro da UE: a 10 de dezembro, os líderes europeus chegaram a acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e o fundo de recuperação europeu (#PróximaGeraçãoEU); a 24 de dezembro, a Comissão Europeia chegou a acordo com o Reino Unido sobre a relação futura; e, a 27 de dezembro, arrancou oficialmente o processo de vacinação nos Estados-membros.  

Todavia, estes três temas, apesar de terem ficado bem encaminhados, não param por aqui. A presidência portuguesa terá de abrir um novo ciclo em que a sua principal responsabilidade será a de pôr no terreno os instrumentos disponíveis para colocar um fim à pandemia e recuperar a economia europeia. Assim, no âmbito do QFP 2021-2027, tem o desafio de chegar a junho com todos os regulamentos aprovados entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu e lançados os programas comunitários. Ou seja, trata-se de ter o orçamento “normal” da UE no terreno.  

Excecional, mas conjunturalmente muito necessário, é o fundo de recuperação europeu de 750 mil milhões de euros que foi criado especificamente por causa da crise pandémica. O acordo mais difícil, nomeadamente para convencer a Hungria e a Polónia, foi fechado pela presidência alemã, tendo Portugal de coordenar com a Comissão Europeia os próximos passos, desde logo, a aprovação do PRR nacional em cada um dos 27 Estados-membros – que será avaliado por Bruxelas – para se desembolsar, depois, a primeira tranche dos apoios (cerca de 10% do total da subvenção nacional)Entretanto, a Comissão terá de concluir as preparações legais para ir aos mercados financeiros endividar-se em nome da UE.

No quadro da pandemia, o grande desafio será o efetivo controlo o vírus no pico do inverno e a aceleração do processo de vacinação que se iniciou a meio gás no final de dezembro. Embora a administração da vacina se estenda para lá de junho, é expectável que os grupos mais vulneráveis à covid-19 sejam vacinados no 1.º semestre, o que faz deste um período essencial, podendo levar a uma retirada gradual das restrições e a uma maior recuperação económica.

Trata-se de tarefas inevitáveis, que teriam de ser levadas a cabo independentemente de quem estivesse ao leme da UE. Todavia, o Governo de António Costa quer deixar a sua “marca” ao dar prioridade à implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. 

Ora, para que nada fique por esclarecer ou o essencial não fique remetido para o campo das generalidades, importa especificar o âmbito do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cujo objetivo é conferir aos cidadãos novos direitos, mais eficazes e que se baseia em 20 princípios fundamentais estruturados em torno de três categorias: igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho; condições de trabalho justas; e proteção e inclusão sociais.

No quadro da igualdade de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho, temos: a universalidade da educação, formação e aprendizagem ao longo da vida; a igualdade entre homens e mulheres em todos os domínios, nomeadamente no atinente à participação no mercado de trabalho, às condições de trabalho e à progressão na carreira; a igualdade de oportunidades, independentemente das diferenças e promovendo oportunidades para os grupos sub-representados; e o apoio ativo ao emprego, que implica também a proteção em situação de desemprego e inatividade por doença ou velhice.

No quadro das condições de trabalho justas, temos; o emprego seguro e adaptável (segundo a condição de cada um); os salários justos, que garantam um nível de vida decente; as informações sobre as condições de emprego e proteção em caso de despedimento; o diálogo social e participação dos trabalhadores; o equilíbrio entre a vida profissional e a vida privada; e o ambiente de trabalho são, seguro e bem adaptado e proteção de dados.

E, no quadro da proteção e inclusão sociais, são de considerar: o acolhimento e apoio a crianças; a proteção social, independentemente do tipo, duração e relação de trabalho; as prestações por desemprego por tempo razoável e sem desincentivarem o regresso rápido ao trabalho; o rendimento mínimo, sempre com vista à reintegração no mercado de trabalho; as prestações e pensões de velhice decentes e que garantam às pessoas reformadas um rendimento adequado; os cuidados de saúde universais e acessíveis em tempo útil; a inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, segundo as suas condições, e no acesso a rendimento condigno; os cuidados de longa duração, acessíveis a todos, e prestados em serviços de proximidade e mesmo ao domicílio; a habitação e assistência para os sem-abrigo, com especial atenção às pessoas mais vulneráveis e com vista à integração; e o acesso universal aos serviços essenciais de qualidade, designadamente água, saneamento, energia, transportes, serviços financeiros e comunicações digitais, sendo que as pessoas realmente necessitadas devem beneficiar de apoios ao acesso a tais serviços.

O momento mais visível do esforço em matéria concernente ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais será a “Cimeira Social”, marcada para os dias 7 e 8 de maio no Porto. Os temas em cima da mesa são a diretiva sobre o quadro europeu do salário mínimo, avanços no domínio da UE para a Saúde e questões sobre a infância, os jovens e o envelhecimento.

***

Em termos da política externa, Portugal protagonizará um momento simbólico: a amarração, em Sines, de um grande cabo submarino (EllaLink) a ligar o continente europeu ao americano através de Fortaleza, no Brasil. O momento contará com a presença da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

O outro tema “acarinhado” pelo Governo português é a ligação da União Europeia à Índia. Tudo está preparado para que, nos dias em que os líderes europeus estarão no Porto, haja um encontro com Narendra Modi, Primeiro-Ministro indiano, momento que será a “joia da coroa” da presidência portuguesa, nas palavras de António Costa. O foco será a cooperação entre a UE e a Índia no desenvolvimento de inteligência artificial ou da ciência de dados.

Não obstante, haverá mais eventos de política externa. Aliás, a agenda deverá ser bem preenchida no 1.º semestre. António Costa pretende concretizar um encontro dos líderes europeus com a União Africana, concluir os acordos comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia e abrir o primeiro acordo comercial da UE com Marrocos.

Porém, em termos de importância para o futuro, o mais marcante será o “reatar” de relações entre a UE e os EUA com a nova presidência Biden, que arranca a 20 de janeiro. Voltarão a ser “aliados e não adversários”, nas palavras de Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros, que indicou, em entrevista à TVI24, que deverá haver um encontro entre Joe Biden e os líderes europeus durante o 1.º semestre, faltando saber se será na cimeira da NATO, se no G7.

***

A quarta presidência portuguesa do Conselho da UE terminará a 30 de junho, passando o testemunho à Eslovénia para o 2.º semestre. E, no final de 2021, encerra o ciclo do trio de presidências (Alemanha/Portugal/Eslovénia) iniciado pelo Governo alemão em julho de 2020. As anteriores presidências portuguesas realizaram-se em 1992, 2000 e 2007.

Oxalá o Governo trate bem os diversos dossiês e leve a bom porto todas as iniciativas em agenda. No entanto, duvido de que fique fechado ou minimamente satisfeito o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A matéria é tão basta e necessária, mas tão melindrosa, e conflitua com tantos interesses instalados e tantas resistências que, tendo pano para mangas, há de constituir a batalha de todos os dias. Mas o pouco que a presidência conseguir neste âmbito é de saudar.

2021.01.02 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário