Angela Merkel, chanceler alemã, no dia 30 de dezembro, desejou a António
Costa, Primeiro-Ministro português, “muito sucesso” na presidência do Conselho
da União Europeia (UE) – órgão que,
em representação dos Estados-membros, coordena e negoceia as políticas da UE –,
assegurando que a Alemanha “fará tudo o que estiver ao seu
alcance” para apoiar Portugal.
Num balanço da presidência alemã, Merkel afirmou que “o desafio central foi, sem dúvida, a pandemia do coronavírus”
e reforçou a importância da unidade dos 27 neste desafio.
Convicta de que “juntos seremos mais fortes que o vírus”, apontou o facto
de, em conjunto, a Europa estar “a promover, adquirir e distribuir vacinas”,
deixando um agradecimento à Comissão Europeia e assegurando que a UE está empenhada “em assegurar que as vacinas estão disponíveis
em todos os países, porque a pandemia não conhece fronteiras”.
Confiante na capacidade de que “juntos também seremos capazes de enfrentar
as consequências para as nossas economias e para os postos de trabalho dos
nossos cidadãos”, antecipou que o orçamento plurianual da UE e o fundo de
recuperação ajudarão “a superar este momento de crise excecional”,
especificando que a Europa, com o fundo de recuperação, está a “investir no
futuro comum”, ao privilegiar o “apoio à proteção do clima e à
digitalização”, e que a definição da meta de redução de 55% das emissões
de CO2 até 2030 mostra como os europeus querem “continuar na
primeira linha do combate às alterações climáticas à escala global”.
***
Portugal assumiu efetivamente a presidência
rotativa do Conselho da União Europeia entre janeiro e junho deste ano estando
em agenda vários temas quentes. Porém, o principal desafio passa pela
implementação do fundo de recuperação.
É verdade que a presidência alemã, que terminou em dezembro, fechou
os dossiês do ‘Brexit’
e do fundo de recuperação europeu. Contudo, apesar de os acordos estarem
selados, há muito trabalho pela frente, que incumbirá à coordenação do
Governo português durante os próximos seis meses, sendo o arranque dos Planos
de Recuperação e Resiliência (PRR) nos Estados-membros um dos principais desafios.
Nestes termos, “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”
é o lema da presidência portuguesa, que arranca numa fase da pandemia em que já
se vê “a luz ao fundo do túnel” com a vacinação a ocorrer em toda a UE. E,
tendo começado oficialmente a 1 de janeiro, o primeiro ato efetivo será a
visita do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a Lisboa, no dia 5 de
janeiro, cuja preparação já decorre há meses. E a primeira prova de fogo será a
visita do Colégio de Comissários (presidente da Comissão Europeia e
respetivos comissários) nos dias 14
e 15 de janeiro, arrancando na semana seguinte as reuniões ministeriais setoriais
e realizando-se o primeiro Eurogrupo de 2021 no dia 18.
A este respeito, o Primeiro-Ministro disse, no dia 30, em declarações à Lusa:
“Temos a presidência muito bem
planeada, já muito bem rodada, será a terceira presidência que o Ministro
Augusto Santos Silva vai fazer, a secretária de Estado de Assuntos Europeus já
interveio em várias presidências, a nossa diplomacia é excelente e a nossa
equipa da REPER em Bruxelas é ótima”.
O mês de dezembro foi crucial para o futuro da UE: a 10 de dezembro,
os líderes europeus chegaram a acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e o fundo de recuperação europeu (#PróximaGeraçãoEU); a 24 de
dezembro, a Comissão Europeia chegou a acordo com o Reino Unido sobre a relação
futura; e, a 27 de dezembro, arrancou oficialmente o processo de vacinação nos
Estados-membros.
Todavia, estes três temas, apesar de terem ficado bem encaminhados, não param
por aqui. A presidência portuguesa terá de abrir um novo ciclo em que a sua
principal responsabilidade será a de pôr no terreno os instrumentos disponíveis
para colocar um fim à pandemia e recuperar a economia europeia. Assim, no
âmbito do QFP 2021-2027, tem o
desafio de chegar a junho com todos os regulamentos aprovados entre o Conselho Europeu
e o Parlamento Europeu e lançados os programas comunitários. Ou seja, trata-se
de ter o orçamento “normal” da UE no terreno.
Excecional, mas conjunturalmente muito necessário, é o fundo de recuperação
europeu de 750 mil milhões de euros que foi criado especificamente por causa da
crise pandémica. O acordo mais difícil, nomeadamente para convencer a Hungria e
a Polónia, foi fechado pela presidência alemã, tendo Portugal de coordenar
com a Comissão Europeia os próximos passos, desde logo, a aprovação do PRR nacional em cada um dos 27
Estados-membros – que será avaliado por Bruxelas – para se desembolsar, depois,
a primeira tranche dos apoios (cerca de 10% do total da subvenção nacional). Entretanto, a Comissão terá de
concluir as preparações legais para ir aos mercados financeiros endividar-se em
nome da UE.
No quadro da pandemia, o grande desafio será o efetivo
controlo o vírus no pico do inverno e a aceleração do processo de vacinação que
se iniciou a meio gás no final de dezembro. Embora a administração da vacina se
estenda para lá de junho, é expectável que os grupos mais vulneráveis à covid-19
sejam vacinados no 1.º semestre, o que faz deste um período essencial, podendo levar
a uma retirada gradual das restrições e a uma maior recuperação económica.
Trata-se de tarefas inevitáveis,
que teriam de ser levadas a cabo independentemente de quem estivesse ao leme da
UE. Todavia, o Governo de António Costa quer deixar a sua “marca” ao dar
prioridade à implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais.
Ora, para que nada fique por esclarecer ou o essencial não fique remetido
para o campo das generalidades, importa especificar o âmbito do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, cujo objetivo é conferir aos cidadãos novos direitos, mais
eficazes e que se baseia em 20 princípios fundamentais estruturados em
torno de três categorias: igualdade
de oportunidades e acesso ao mercado de trabalho; condições de trabalho justas; e proteção e inclusão sociais.
No quadro da igualdade de oportunidades e acesso ao
mercado de trabalho, temos: a universalidade da educação, formação e aprendizagem ao longo da vida; a igualdade entre
homens e mulheres em todos os domínios, nomeadamente no atinente à
participação no mercado de trabalho, às condições de trabalho e à progressão na
carreira; a igualdade de
oportunidades, independentemente das diferenças e promovendo oportunidades para
os grupos sub-representados; e o apoio ativo ao emprego,
que implica também a proteção em situação de desemprego e inatividade por
doença ou velhice.
No quadro das condições de trabalho
justas, temos; o emprego seguro e
adaptável (segundo a condição de cada
um); os salários
justos, que garantam um nível de
vida decente; as informações
sobre as condições de emprego e proteção em caso de despedimento; o diálogo social e participação dos
trabalhadores; o equilíbrio
entre a vida profissional e a vida privada; e o ambiente de trabalho são, seguro e bem adaptado e proteção de dados.
E, no quadro da proteção e inclusão sociais, são de
considerar: o acolhimento e apoio a
crianças; a proteção social, independentemente do tipo, duração e
relação de trabalho; as prestações por desemprego por tempo razoável e sem desincentivarem
o regresso rápido ao trabalho; o rendimento
mínimo, sempre com vista à reintegração no mercado de trabalho; as prestações
e pensões de velhice decentes e que garantam às pessoas reformadas um rendimento
adequado; os cuidados de saúde universais e acessíveis em tempo útil; a inclusão
das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, segundo as suas condições,
e no acesso a rendimento condigno; os cuidados de longa duração, acessíveis a
todos, e prestados em serviços de proximidade e mesmo ao domicílio; a habitação
e assistência para os sem-abrigo, com especial atenção às pessoas mais vulneráveis
e com vista à integração; e o acesso universal aos serviços essenciais
de qualidade, designadamente água, saneamento, energia, transportes,
serviços financeiros e comunicações digitais, sendo que as pessoas realmente necessitadas
devem beneficiar de apoios ao acesso a tais serviços.
O momento mais visível do esforço em matéria concernente ao Pilar Europeu dos Direitos Sociais será a “Cimeira Social”,
marcada para os dias 7 e 8 de maio no Porto. Os temas em cima da mesa são a
diretiva sobre o quadro europeu do salário mínimo, avanços no domínio da UE para
a Saúde e questões sobre a infância, os jovens e o envelhecimento.
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Em termos da política externa, Portugal protagonizará um momento simbólico:
a amarração, em Sines, de um grande cabo submarino (EllaLink) a ligar o continente europeu ao americano através de
Fortaleza, no Brasil. O momento contará com a presença da presidente da
Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.
O outro tema “acarinhado” pelo Governo português é a
ligação da União Europeia à Índia. Tudo está
preparado para que, nos dias em que os líderes europeus estarão no Porto, haja um
encontro com Narendra Modi, Primeiro-Ministro indiano, momento que será a “joia da
coroa” da presidência portuguesa, nas palavras de António Costa. O
foco será a cooperação entre a UE e a Índia no desenvolvimento de inteligência
artificial ou da ciência de dados.
Não obstante, haverá mais eventos de política externa. Aliás, a agenda
deverá ser bem preenchida no 1.º semestre. António Costa pretende concretizar
um encontro dos líderes europeus com a União Africana, concluir os acordos
comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia e abrir o primeiro acordo
comercial da UE com Marrocos.
Porém, em termos de importância para o futuro, o mais
marcante será o “reatar” de relações entre a UE e os EUA com a nova presidência
Biden, que arranca a 20 de janeiro. Voltarão a ser “aliados e não
adversários”, nas palavras de Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros,
que indicou, em entrevista à TVI24, que deverá haver um
encontro entre Joe Biden e os líderes europeus durante o 1.º semestre, faltando
saber se será na cimeira da NATO, se no G7.
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A quarta presidência portuguesa do Conselho da UE terminará a 30 de junho,
passando o testemunho à Eslovénia para o 2.º semestre. E, no final de 2021,
encerra o ciclo do trio de presidências (Alemanha/Portugal/Eslovénia) iniciado pelo Governo alemão em julho de 2020. As
anteriores presidências portuguesas realizaram-se em 1992, 2000 e 2007.
Oxalá o Governo trate bem os diversos dossiês e leve a bom porto todas as
iniciativas em agenda. No entanto, duvido de que fique fechado ou minimamente satisfeito
o Pilar Europeu dos Direitos Sociais. A matéria é tão basta e
necessária, mas tão melindrosa, e conflitua com tantos interesses instalados e
tantas resistências que, tendo pano para mangas, há de constituir a batalha de
todos os dias. Mas o pouco que a presidência conseguir neste âmbito é de
saudar.
2021.01.02 –
Louro de Carvalho
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