É a opinião de Dom
Nuno Brás, Bispo do Funchal e delegado da Conferência
Episcopal na comissão dos Bispos católicos da União Europeia (COMECE), veiculada em entrevista, do passado dia 10 de
janeiro, à Renascença e à Ecclesia, em que, no quadro da presidência
rotativa da UE, aflora os desafios sociais, as questões levantadas pela
pandemia e os valores que enformam o projeto comunitário europeu e a relação
Igreja-UE.
Considerando que, no rol das
prioridades desta presidência, se inscrevem a recuperação económica, o pilar
europeu dos direitos sociais e o reforço da autonomia de uma Europa aberta ao
mundo, o prelado funchalense opina que, sendo necessário “apontar para o mais alto”, é de afirmar que “aquilo a
que Portugal se propõe é, de facto, ambicioso, mas isso é importante”. Não
espera que todas as questões fiquem resolvidas, mas julga muito importante o
contributo que Portugal dará ao contabilizar vários passos concretos “para a
resolução destes problemas”. E a ajuizar pelas anteriores presidências
portuguesas, acredita que Portugal dará esse contributo.
Espera que, num país
periférico, que é Portugal, e com muito acentuada divida pública, se dê maior
atenção às questões sociais e se ouçam as instituições da Igreja Católica,
tendo em conta por exemplo, que para maio está marcada a Cimeira Social. Com
efeito, a COMECE funciona há 40 anos com o escopo de acompanhar “os processos legislativos em Bruxelas”, bem como “as
várias iniciativas” da UE, em que é relevante a questão social, pelo que a
presidência portuguesa e todo o trabalho feito junto das instâncias de decisão
criarão “uma boa oportunidade para que as propostas do Papa Francisco sejam
tomadas a sério.
Sobre a ligação da questão social à preocupação
com a pandemia e a eventual
articulação da Europa no combate à covid-19, o Bispo entende que houve, no início, “uma certa
desorientação” e “o risco de os próprios cidadãos europeus dizerem e se
interrogarem: afinal de contas para que serve uma União Europeia que não ajuda
e que não é esta plataforma solidária em que todos possam ajudar a todos”. Contudo,
houve depois a “presença unificadora” e de “apoio aos Estados”, espelhada na “compra
e distribuição da vacina” e nos “instrumentos económicos e financeiros” que
ajudarão “a uma recuperação que esperamos seja o mais breve possível”, pois, quanto
mais ela demorar, “mais dificuldades as pessoas irão passar”.
Quanto aos sinais de perturbação em concretizar o pacote financeiro para fazer face à
crise, o prelado madeirense adverte para o facto de a UE não ser propriamente
um Estado, pelo que se exige o acordo entre 27 países, acordo que “traz sempre
consigo alguma demora”, com que não se compadece “o ritmo das decisões no mundo
contemporâneo”, que postula “resposta imediata”. Porém, agora que se conseguiu
o acordo, é de esperar que a resposta seja eficaz e que “possa chegar a todos…
verdadeiramente a todos”. Dito de outro modo, Nuno Brás não quer e, em certa
medida, receia que haja meia dúzia de pessoas ou instituições que fiquem com
todas as ajudas e todos os outros tenham de se desenrascar porque não lhes
chegou nada. E explicita:
“Quando há todo
este montante de dinheiros que estão envolvidos, há sempre obviamente este
receio que é justificado até por algumas outras situações do passado. Mas,
obviamente, queremos acreditar que desta vez não irá acontecer e que
verdadeiramente este apoio irá chegar a todos de uma forma particular àqueles
que de facto mais necessitam.”.
No atinente à gestão do
processo de vacinação, com todos os Estados Membros a terem acesso à Vacina ao
mesmo tempo em número proporcional à sua população, o delegado português na
COMECE reconhece que, apesar de nos custar que muitos sejamos vacinados
bastante tardiamente, circunstância que nos limita os movimentos, o que está a
acontecer com as vacinas “será
também o que irá acontecer com a ajuda económica”. Logo, “não temos neste
momento nenhum motivo para não ter esperança”.
Assentindo em que este é “um
bom exemplo do reforço do papel” da UE, questiona-se sobre o que seríamos os
europeus sem a União Europeia, apesar dos defeitos e demoras que tem.
Tendo a pandemia colocado em
segundo plano vários assuntos, entre os quais a questão das migrações, os
entrevistadores interpelaram o Bispo sobre a esperança que a Obra Católica
Portuguesa das Migrações deposita na presidência portuguesa como uma possível influência
positiva para implementar uma abordagem europeia conjunta da
migração.
A isto, Dom Nuno frisa que “a Comissão Europeia tem em mãos uma nova
proposta, mais favorável, para o acordo encontrado em Dublin” e que a COMECE
entende que esta proposta “era mais favorável ao próprio acolhimento dos
migrantes e, portanto, iria no bom caminho”. Por outro lado, pensa que a
presidência portuguesa, visto que Portugal tem manifestado “maior sensibilidade
ao tema dos migrantes”, fará com que todo o processo de revisão do Acordo de
Dublin aconteça de “forma mais rápida” e se chegue a “um novo acordo”, acordo “que
respeite a pessoa, enquanto tal, em primeiro lugar”. E, se é verdade que “os
migrantes causam dificuldades”, “também não podemos deixar de reconhecer que,
antes de tudo isso, antes de qualquer problema, são pessoas” a pedir a nossa
ajuda, que nós não podemos deixar de oferecer, acolhendo-os “como pessoas que
são”.
Questionado se os maiores
óbices a estes acordos poderão resultar dos países onde, nesta altura, governam
partidos de caráter mais nacionalista”, o entrevistado replica:
“É uma questão
verdadeiramente europeia. Por muito que seja difícil, por muito que seja se
demore a chegar a um entendimento real – que olhe para as pessoas como pessoas –,
creio que havemos de chegar lá. (…) E mesmo algum país que ponha mais entraves
– e é natural que algum o faça – não deixará de ir cedendo a esta evidência:
cada migrante é, antes de mais nada, uma pessoa, e é como pessoa que o havemos
de tratar.”.
Sobre a mensagem do Papa de
outubro passado para assinalar o 50.º aniversário das relações
diplomáticas entre a Santa Sé e a UE, apelando a uma resposta comum face à
pandemia e à preservação dos valores fundamentais do projeto comunitário, Dom
Nuno Brás assinala que “a Europa de
hoje” se orgulha das marcas cristãs, “em termos culturais, de arte, de construção,
de pintura, de música”, mas que “o povo que vive na Europa já tem muito pouco a
ver com aqueles que construíram todos esses monumentos”. Porém, o prelado crê que
“esta raiz cristã, que está na raiz da própria construção, da integração
europeia, não só é qualquer coisa a ser recuperada, mas também está de facto
ainda presente”.
Do diálogo institucional
entre a COMECE e as instituições comunitárias, diz que “é muito bom”. E
assinala que, no encontro de outubro, o
vice-presidente da Comissão teria estado presente, se a reunião tivesse
acontecido presencialmente, tal como o Cardeal Pietro Parolin, Secretário de
Estado do Vaticano. Enfim, a “cordialidade” é “a palavra que marca as relações
da COMECE com a União Europeia”. Não obstante, nalgumas questões éticas e de
relacionamento (por exemplo, na relação com África), a Igreja
está claramente contra as posições oficiais da UE e não pode deixar de dizer o
que pensa. Assim, tanto a COMECE como o núncio apostólico junto da UE dizem o
que pensam e pressionam para que as opções comunitárias vão noutro sentido.
Tendo em conta que a
Madeira é uma das regiões ultraperiféricas, o seu Pastor é questionado sobre a
importância do projeto europeu para este tipo de regiões. E ele não se escusa a
responder, salientando que a Madeira vive do turismo e do turismo europeu. E,
como “uma boa fatia vem da Inglaterra”, a saída do Reino
Unido da UE causa alguns problemas. No entanto, é de considerar que “a Madeira
tem muito turismo alemão, polaco, italiano e francês”, pelo que podermos estar
na UE “facilita muito que todo este conjunto de pessoas visite habitualmente a
Madeira, constituindo a grande fonte de riqueza da população das ilhas”.
Ora, como “a falta de turistas e as dificuldades na circulação de pessoas
fazem as pessoas passar um mau bocado”, urge “ultrapassar toda esta situação
sanitária e regressar o mais depressa possível a um fluxo possível que faça
entrar receitas económicas na ilha, porque efetivamente, de uma forma direta ou
indireta, 80% da população vive do turismo europeu”.
Por fim, compara a
diferença entre a 1.ª vaga de pandemia, em que a Madeira como que passou por
entre os pingos de chuva, e esta segunda, em que a situação é dramática.
Segundo o prelado, na
primeira parte, as autoridades
sanitárias conseguiram “fazer com que a Madeira fosse um destino turístico com
quase zero casos de covid”. Agora, que a situação é mais alarmante, “o Governo
Regional tomou algumas iniciativas no sentido de minorar esses problemas, fez
um confinamento de fim de semana”. São medidas que trazem problemas aos
cristãos das ilhas, mas, como “visam a saúde de todos”, não podemos deixar de
contribuir. Com efeito, são necessárias “medidas drásticas” para que “a Madeira possa ser
considerada como um lugar onde toda a gente pode vir sem o medo de infeções”.
***
Também a presidente da Comissão Europeia, que está
em Lisboa, no dia 15 de janeiro, com mais oito comissários (incluindo a portuguesa Elisa Ferreira, que tem
a pasta da Coesão e Reformas, os três vice-presidentes executivos da Comissão
europeia e o alto representante para a política externa, Josep Borrell), para uma
ronda de reuniões com o Governo, que conduz a presidência portuguesa da União, se congratula com o facto de a
presidência portuguesa “deixar claro que o ângulo social é importante”,
referindo-se à Cimeira Social que decorre em maio, no Porto.
Remetendo a polémica do Procurador Europeu para o
Conselho, aduzindo que a Comissão não se envolve no processo de seleção dos
procuradores europeus e que essa é responsabilidade dos governos dos 27, diz esperar que a nova Procuradoria
Europeia fique “operacional tão depressa quanto possível”, de preferência ainda
no 1.º trimestre deste ano.
Considerando essencial a viagem a Lisboa
apesar da pandemia, Ursula von der Leyen, em entrevista aos correspondentes
portugueses, diz que a situação pandémica é grave e que é preciso ser-se
“disciplinado”. Quanto à vacinação contra a covid 19, contabiliza “dez milhões
de doses” distribuídas até ao final da semana.
A
presidente da Comissão alinha com a ideia da criação dum certificado de
vacinação contra a covid19 reconhecido em todos os Estados Membros – uma
espécie de passaporte. A questão está em aberto porque falta definir para quê,
que impacto teria nas movimentações e no turismo dentro da UE e quais as
consequências para quem não se vacinar.
A
ideia de Kyriakos Mitsotakis é facilitar a liberdade de circulação dos que tenham
sido vacinados contra a covid19, mas a presidente do executivo comunitário não
vai tão longe, aduzindo que primeiro é necessário discutir o assunto a nível
político e jurídico. O que para já lhe parece importante é que haja “uma
obrigação médica ter um certificado de que a vacina foi administrada”.
A
ideia de passaporte de vacinação contra a covid19 começa a ser discutida em
vários países, levantando várias questões. Em países como Portugal (ou mesmo a Grécia) a vacina não é obrigatória, o que
coloca dúvidas sobre o que sucede a quem escolher não a tomar. As perguntas
surgem, mas ainda há tempo para se decidir, até porque a campanha de vacinação
está a começar e as doses disponíveis estão muito longe de garantir a imunidade
de grupo.
Entretanto,
Von der Leyen adianta que, “até ao fim da semana, os
primeiros dez milhões de doses terão sido distribuídos”. O número redondo tem em conta as
doses distribuídas pela Moderna, que tem, com a Pfizer-BioNTech, autorização
para distribuir a vacina na UE.
“Com
estas duas vacinas, já temos doses suficientes para vacinar 80% da população
europeia”,
repete. No entanto, para se chegar a esse número (que já confere imunidade de grupo) será preciso esperar pelos últimos
meses de 2021, pois as remessas não serão feitas todas ao mesmo tempo, mas
espaçadas ao longo do ano. Entretanto, a Comissão espera que “até ao fim do
mês” seja aprovada a vacina da Astra Zeneca, que, no dia 13, se candidatou à
autorização para o mercado europeu.
Von der Leyen sublinhou ainda a importância de
implementar “o grande pacote de recuperação de 750 mil milhões de euros”,
garantindo que “apoia a recuperação da economia europeia, mas também a sua
modernização”.
Quanto
à atual situação epidemiológica, em Portugal e na Europa, não tem dúvidas de
que “é séria”, apontando para o aumento do número de infeções “na sequência das
férias do Natal” e face ao “possível impacto” de novas variantes. Por isso,
defende que é precisa “muita disciplina”, enquanto não chega a “luz ao fundo do
túnel”, a vacinação de toda a UE. “Temos de permanecer vigilantes, fazer boa sequenciação (rastreio)
e ser muito disciplinados”, afirma.
Numa
altura em que muitos europeus estão em confinamento e as medidas restritivas
apertam na Europa, Ursula von der Leyen considera que a deslocação a Lisboa, no
âmbito da presidência portuguesa da UE, é “essencial”. Trata-se da viagem que o
colégio de comissários faz sempre em janeiro e julho ao país que tem a
presidência rotativa do Conselho da UE.
Questionada
sobre se é sensato fazê-lo no contexto atual e quando todos, incluindo a
Comissão, aconselham os europeus a evitar viagens desnecessárias, Von der Leyen
argumenta que sim.
“A
nossa visita a Lisboa é uma viagem essencial e penso que é de enorme
importância começar a presidência portuguesa com um diálogo muito próximo com a
Comissão”, diz, justificando que viajará com “um grupo pequeno” e que tomará
“todas as precauções necessárias e as medidas para evitar infeções”.
A
última vez que esteve em Lisboa, para participar numa reunião do Conselho de
Estado, valeu-lhe um pequeno susto, uma vez que dias depois viria a saber que
um dos conselheiros que estava no encontro, Lobo Xavier, tinha testado positivo
para a covid19.
Na
agenda está um encontro entre a Presidente e o Primeiro-Ministro, vários
encontros bilaterais entre comissários e membros do Governo e ainda uma reunião
plenária.
Segundo
um comunicado do executivo comunitário está também previsto um encontro com Marcelo Rebelo de
Sousa e um jantar de trabalho com António Costa. Durante o dia, vão discutir as
diferentes prioridades do programa da Presidência.
***
Enfim,
será a UE capaz de proteger os cidadãos e as
liberdades, de desenvolver uma base económica forte e dinâmica, de construir
uma Europa com impacto neutro no clima, verde, justa e social e de promover os interesses e valores europeus na cena
mundial?
2021.01.14 – Louro de
Carvalho
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