sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Reformulação do serviço de estrangeiros em fase adiantada de estudo

 

Não se trata de extinguir o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), nem mesmo de proceder a uma fusão de serviços ou polícias, mas de reformular a área do serviço de estrangeiros abrangendo todo os aspetos a ela atinentes. 

Tal reformulação consta do Programa do XXII Governo, o atual, e é admissível que tenha contribuído para a aceleração do processo o assassinato, em março de 2020, de Ihor, o cidadão ucraniano que estava sob custódia do Estado português, através do SEF, no aeroporto de Lisboa, em resultado do qual há três inspetores acusados de homicídio e mais 9 inspetores com processos disciplinares.

Não se trata de fundir o atual SEF com a Polícia de Segurança Pública (PSP), como anunciava o diretor nacional desta força de segurança, quando foi recebido por Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, pois, fosse opinião pessoal, fosse veículo de transmissão do pensamento do Presidente da República, não fazia sentido deixar de fora a GNR (Guarda Nacional Republicana) e a PJ (Polícia Judiciária), aliás como não era curial que uma reforma dum setor relevante do Estado fosse anunciada por um diretor nacional duma polícia parecendo considerar as outras polícias como satélites e antepondo-se aquele dirigente ao Governo a quem incumbe a definição da política geral do país e a superintendência da administração pública.  

Embora contactados pela TSF, o Ministério da Administração Interna (MAI) não comentou, a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFICPJ) não vai, por agora, prestar declarações sobre o assunto e a GNR diz que não cabe à Guarda fazer qualquer comentário.

Contudo, o Ministro da Administração Interna apresentou, no dia 14, no Palácio da Ajuda, o respetivo plano na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI), plano a que o DN (Diário de Notícias) teve acesso e nos termos do qual Eduardo Cabrita (que preside a este conselho superior) frisara a criação dum novo organismo, na tutela do MAI, denominado Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA).

Assim, como refere o DN, a investigação criminal atualmente conduzida pelo SEF passará para as mãos da PJ, ficando esta com toda a investigação criminal relacionada com a imigração ilegal e tráfico de seres humanos; o novo organismo ficará com as funções administrativas conexas com passaportes, vistos, autorizações de residência e refugiados, enquanto renovação dos vistos de residência ficará a cargo do Instituto e Registos e Notariado (IRN), na tutela do Ministério da Justiça; e as restantes funções são distribuídas pelas várias polícias, ficando a PSP responsável pelas fronteiras portuárias e aeroportuárias e pela expulsão do território nacional de estrangeiros em situação ilegal ou que tenham sido condenados judicialmente em Portugal, e a GNR com o controlo de fronteiras terrestres e marítimas, bem como com a participação nas operações conjuntas de controlos móveis na fronteira com as autoridades espanholas.

Como referido acima, o DN teve acesso às principais linhas de reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras depois de terem sido apresentadas pelo Ministro da Administração Interna na reunião do CSSI, onde, além de todos os comandantes e diretores máximos das polícias, forças armadas e secretas, estiveram vários membros do Governo: os ministros da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, e da Economia, Pedro Siza Vieira, e as ministras da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e da Justiça, Francisca Van Dunem.

O plano, que foi mostrado, primeiro, em powerpoint e, depois, distribuído em papel por todos os participantes, confirma o que o DN já tinha antecipado a 15 de dezembro passado, quanto à inevitabilidade de toda a investigação criminal do SEF (imigração ilegal e tráfico de seres humanos) passar para a PJ, já que este corpo superior de polícia tem, nas suas competências, esta criminalidade e a transferência evitará a alteração à LOIC (Lei de Organização e Investigação Criminal).

Não houve qualquer objeção por parte dos presentes ao projeto partilhado por Cabrita no CSSI, o qual reflete, de facto, o que estava previsto no programa de governo: a separação das funções policiais das funções administrativas de autorização e de documentação de imigrantes.

Os únicos comentários vieram da parte dos dois deputados parlamentares com assento naquele órgão superior de consulta do Primeiro-ministro: Fernando Anastácio, do PS, em apoio, e André Coelho de Lima, do PSD, para assinalar a coincidência desta reforma com facto de o caso Ihor ter começado a marcar a agenda mediática e, em sua opinião, refletir um reconhecimento de que tal conduta não configura apenas um caso pontual no SEF.

Estas mudanças implicam que os cerca de 1800 trabalhadores do SEF serão redistribuídos: mil estão na carreira de fiscalização e inspeção, 600 no regime geral e os restantes estão nas chefias ou noutras carreiras. Nos aeroportos está colocado o número mais elevado de funcionários (mais de 400), seguido da investigação criminal, que conta com cerca de oito dezenas de inspetores. Porém, o Governo quer dar aos trabalhadores a hipótese de escolherem o seu destino. Assim, quem está na carreira de investigação pode ir para a PJ, para a PSP ou ficar no novo SEA e quem trata da parte documental pode escolher permanecer no SEA ou mudar para o INR.

O novo SEA, segundo o que foi distribuído no CSSI por Cabrita, herdará todo o processamento dos pedidos de asilo e de nacionalidade, os pareceres sobre os vistos consulares, e as autorizações de residência, com exceção, como se disse, da renovação dos vistos de residência. 

O DN escreve que o Governo pretende aprovar já no próximo dia 21 de janeiro uma resolução no Conselho de Ministros com as principais orientações para a reorganização do SEF para que todas as transferências de funções e pessoal estejam concluídas até ao final do 1.º semestre.

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Reagindo a isto, o Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras dos investigadores (SCIJ/SEF) diz temer pela segurança dos países da União Europeia (UE) e pela eficácia do combate às redes transnacionais de tráfico de seres humanos, ou seja, considera que retirar a investigação criminal ao serviço, como pretende o Governo, põe em causa a segurança dos países da UE e o combate às redes transnacionais de tráfico de seres humanos. E disse, a este respeito, à Lusa, neste dia 15 de janeiro, o presidente do SCIF/SEF, numa reação à notícia do DN sobre a extinção do SEF e a passagem da investigação para a PJ:

Há uma coisa que tem de ficar clara: A única polícia que tem competência, know how e reconhecimento internacional no controlo de fronteiras, no combate ao tráfico internacional de seres humanos, redes de criminalidade transnacional e na proteção de vítimas de tráfico de seres humanos é o SEF..

Havendo um plano, já apresentado ao CSSI, que transfere a investigação criminal do SEF para a PJ e as restantes funções policiais para a GNR e PSP, passando o SEF a chamar-se Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA) com a responsabilidade da parte burocrática dos pedidos de asilo e de nacionalidade, dos pareceres sobre os vistos consulares e as autorizações de residência, o sindicato sustenta que tal restruturação coloca em causa a segurança dos países da UE, o combate às redes transnacionais de tráfico de seres humanos e a proteção das vítimas, pelo que decidiu contactar os principais partidos da oposição “para os mobilizar para o crime de lesa-Estado que António Costa está a preparar: contra o Plano de extinguir o SEF”. Com efeito, segundo o SCIF, “desmembrar o SEF é contra a tendência europeia de especialização de polícias”, estando o Governo a “ceder ao facilitismo e a querer deitar fora a estrutura que em Portugal melhor assegura a segurança do país e dos Estados da União Europeia”. E o SCIF vinca:

O tempo de hoje é de serviços e de forças de segurança mais reduzidos, com melhores competências, com mais tecnologia, com melhor gestão dos seus agentes ou inspetores pelas respetivas hierarquias.

O sindicato acusa o Primeiro-Ministro de uma “fuga para a frente”, após o “acontecimento dramático, mas isolado”, da morte do ucraniano Ihor Homeniuk, em março de 2020, no aeroporto de Lisboa, quando estava sob custódia do SEF que levou à acusação de três inspetores de homicídio qualificado, com a eventual cumplicidade ou encobrimento de outros 9 inspetores, estando o início do julgamento marcado para o dia 20 deste mês.

Em dezembro de 2020 e após a polémica que envolveu a atitude do Governo perante a morte do cidadão ucraniano e que levou à demissão da diretora do SEF, foi nomeado o ex-comandante-Geral da GNR Luís Francisco Botelho Miguel como diretor do serviço.

Na altura, o Ministro da Administração Interna anunciou no Parlamento que a legislação sobre a restruturação do SEF seria conhecida em janeiro.

Esse processo esteve no centro de outra polémica, entre o diretor nacional da PSP, Magina da Silva, e Eduardo Cabrita, quando o responsável daquela força policial admitiu que estava a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF, no final de um encontro com o Presidente da República. O Ministro respondeu que a reforma do serviço seria anunciada “de forma adequada” pelo Governo “e não por um diretor de Polícia”.

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Não se pode dizer que o assassinato do predito cidadão ucraniano tenha sido um caso isolado. Com efeito, outros comportamentos indesejáveis foram denunciados, como a resposta a casos que vão surgindo tem andado a passo de caracol. Não foi por acaso que o Governo inscreveu esta reforma no seu programa. E, se antes do mês de março transato o plano já estava a ser gizado, não se pode dizer que tenha agora sido elaborado sobre o joelho ou ad casum. De resto, é útil que se pense na reforma dos serviços – este ou outros – segundo o que a experiência e o decurso do tempo aconselharem e, sobretudo, que termine duma vez por todas a guerra de competências entre as diversas polícias.

2021.01.15 – Louro de Carvalho   

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