Não se trata de extinguir o SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras), nem mesmo de proceder a uma fusão de serviços ou polícias, mas de
reformular a área do serviço de estrangeiros abrangendo todo os aspetos a ela
atinentes.
Tal reformulação consta do Programa do XXII Governo, o atual, e é
admissível que tenha contribuído para a aceleração do processo o assassinato,
em março de 2020, de Ihor, o cidadão ucraniano que estava sob custódia do
Estado português, através do SEF, no aeroporto de Lisboa, em resultado do qual há três
inspetores acusados de homicídio e mais 9 inspetores com processos
disciplinares.
Não se trata de fundir o atual SEF com a Polícia de Segurança Pública (PSP), como anunciava
o diretor nacional desta força de segurança, quando foi recebido por Marcelo
Rebelo de Sousa no Palácio de Belém, pois, fosse opinião pessoal, fosse veículo
de transmissão do pensamento do Presidente da República, não fazia sentido
deixar de fora a GNR (Guarda Nacional Republicana) e a PJ (Polícia Judiciária), aliás como não era curial que uma reforma dum setor relevante do Estado
fosse anunciada por um diretor nacional duma polícia parecendo considerar as
outras polícias como satélites e antepondo-se aquele dirigente ao Governo a
quem incumbe a definição da política geral do país e a superintendência da
administração pública.
Embora contactados pela TSF, o Ministério da Administração Interna (MAI) não comentou, a Associação Sindical dos Funcionários
de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFICPJ) não vai, por agora, prestar declarações sobre o
assunto e a GNR diz que não cabe à Guarda fazer qualquer comentário.
Contudo, o Ministro
da Administração Interna apresentou, no dia 14, no Palácio da Ajuda, o respetivo
plano na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna (CSSI), plano a que o DN
(Diário de Notícias) teve acesso e nos termos do qual Eduardo Cabrita (que preside
a este conselho superior) frisara a
criação dum novo organismo, na tutela do MAI, denominado Serviço de
Estrangeiros e Asilo (SEA).
Assim, como
refere o DN, a investigação criminal atualmente
conduzida pelo SEF passará para as mãos da PJ, ficando esta com toda a
investigação criminal relacionada com a imigração ilegal e tráfico de seres
humanos; o novo organismo ficará com as funções administrativas conexas com
passaportes, vistos, autorizações de residência e refugiados, enquanto a renovação dos vistos de
residência ficará a cargo do Instituto e Registos e
Notariado (IRN), na tutela
do Ministério da Justiça; e as
restantes funções são distribuídas pelas várias polícias, ficando a PSP
responsável pelas fronteiras portuárias e aeroportuárias e pela expulsão do
território nacional de
estrangeiros em situação ilegal ou que tenham sido condenados judicialmente em
Portugal, e a GNR com o controlo de fronteiras terrestres e marítimas, bem como
com a participação nas operações conjuntas de controlos móveis na fronteira com
as autoridades espanholas.
Como
referido acima, o DN teve acesso às
principais linhas de reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
depois de terem sido apresentadas pelo Ministro da Administração Interna na
reunião do CSSI, onde, além de todos os comandantes e diretores máximos das
polícias, forças armadas e secretas, estiveram vários membros do Governo: os ministros
da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, e da Economia, Pedro Siza Vieira, e as ministras da
Presidência, Mariana Vieira da Silva, e da Justiça, Francisca Van Dunem.
O plano, que foi mostrado, primeiro, em powerpoint e,
depois, distribuído em papel por todos os participantes, confirma o que o DN já tinha antecipado a 15 de dezembro
passado, quanto à inevitabilidade de toda a investigação criminal do SEF (imigração ilegal e tráfico de seres humanos) passar para a PJ, já que este
corpo superior de polícia tem, nas suas competências, esta criminalidade e a
transferência evitará a alteração à LOIC (Lei de Organização e
Investigação Criminal).
Não houve qualquer objeção por parte dos presentes ao projeto
partilhado por Cabrita no CSSI, o qual reflete, de facto, o que estava
previsto no programa de governo: a separação das funções policiais
das funções administrativas de autorização e de documentação de imigrantes.
Os únicos comentários vieram da parte dos dois deputados parlamentares
com assento naquele órgão superior de consulta do Primeiro-ministro: Fernando
Anastácio, do PS, em apoio, e André Coelho de Lima, do PSD, para
assinalar a coincidência desta reforma com facto de o caso Ihor ter começado
a marcar a agenda mediática e, em sua opinião, refletir um reconhecimento de
que tal conduta não configura apenas um caso pontual no SEF.
Estas
mudanças implicam que os cerca de 1800 trabalhadores do SEF serão
redistribuídos: mil estão na carreira de fiscalização e inspeção, 600 no regime
geral e os restantes estão nas chefias ou noutras carreiras. Nos aeroportos está colocado o número mais
elevado de funcionários (mais de 400), seguido da investigação criminal, que
conta com cerca de oito dezenas de inspetores. Porém, o Governo quer dar aos trabalhadores a hipótese
de escolherem o seu destino. Assim, quem está na carreira de investigação pode
ir para a PJ, para a PSP ou ficar no novo SEA e quem trata da parte documental
pode escolher permanecer no SEA ou mudar para o INR.
O novo SEA, segundo o
que foi distribuído no CSSI por Cabrita, herdará todo o processamento dos pedidos de asilo e de
nacionalidade, os pareceres sobre os vistos consulares,
e as autorizações
de residência, com exceção, como se disse, da renovação dos vistos de residência.
O DN escreve que o Governo pretende
aprovar já no próximo dia 21 de janeiro uma resolução no Conselho de Ministros
com as principais orientações para a reorganização do SEF para que todas as
transferências de funções e pessoal estejam concluídas até ao final do 1.º
semestre.
***
Reagindo a isto,
o Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras dos investigadores (SCIJ/SEF) diz temer pela segurança dos países da
União Europeia (UE) e pela eficácia do combate às redes transnacionais de tráfico de seres
humanos, ou seja, considera que retirar a investigação criminal ao
serviço, como pretende o Governo, põe em causa a segurança dos países da UE e o
combate às redes transnacionais de tráfico de seres humanos. E disse, a este
respeito, à Lusa, neste dia 15 de
janeiro, o presidente do SCIF/SEF, numa reação à notícia do DN sobre a extinção do SEF e a
passagem da investigação para a PJ:
“Há uma coisa que tem de ficar
clara: A única polícia que tem competência, know how e reconhecimento
internacional no controlo de fronteiras, no combate ao tráfico internacional de
seres humanos, redes de criminalidade transnacional e na proteção de vítimas de
tráfico de seres humanos é o SEF.”.
Havendo um plano, já apresentado ao CSSI, que transfere a investigação
criminal do SEF para a PJ e as restantes funções policiais para a GNR e PSP,
passando o SEF a chamar-se Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA) com a
responsabilidade da parte burocrática dos pedidos de asilo e de nacionalidade, dos
pareceres sobre os vistos consulares e as autorizações de residência, o
sindicato sustenta que tal restruturação coloca em causa a segurança dos países
da UE, o combate às redes transnacionais de tráfico de seres humanos e a
proteção das vítimas, pelo que decidiu contactar os principais partidos da
oposição “para os mobilizar para o crime de lesa-Estado que António Costa está
a preparar: contra o Plano de extinguir o SEF”. Com efeito, segundo o SCIF, “desmembrar o SEF é contra
a tendência europeia de especialização de polícias”, estando o Governo a “ceder
ao facilitismo e a querer deitar fora a estrutura que em Portugal melhor
assegura a segurança do país e dos Estados da União Europeia”.
E o SCIF vinca:
“O tempo de hoje é de serviços e
de forças de segurança mais reduzidos, com melhores competências, com mais
tecnologia, com melhor gestão dos seus agentes ou inspetores pelas respetivas
hierarquias”.
O sindicato acusa o Primeiro-Ministro de uma “fuga para a frente”, após
o “acontecimento dramático, mas isolado”, da morte do ucraniano Ihor Homeniuk,
em março de 2020, no aeroporto de Lisboa, quando estava sob custódia do SEF que
levou à acusação de três inspetores de homicídio qualificado, com a eventual
cumplicidade ou encobrimento de outros 9 inspetores, estando o início do
julgamento marcado para o dia 20 deste mês.
Em dezembro de 2020 e após a polémica que envolveu a atitude do Governo
perante a morte do cidadão ucraniano e que levou à demissão da diretora do SEF,
foi nomeado o ex-comandante-Geral da GNR Luís Francisco Botelho Miguel como
diretor do serviço.
Na altura, o Ministro da Administração Interna anunciou no Parlamento
que a legislação sobre a restruturação do SEF seria conhecida em janeiro.
Esse processo esteve no centro de outra polémica, entre o diretor
nacional da PSP, Magina da Silva, e Eduardo Cabrita, quando o responsável daquela
força policial admitiu que estava a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF, no
final de um encontro com o Presidente da República. O Ministro respondeu que a
reforma do serviço seria anunciada “de forma adequada” pelo Governo “e não por
um diretor de Polícia”.
***
Não se pode dizer que o assassinato do predito cidadão ucraniano tenha
sido um caso isolado. Com efeito, outros comportamentos indesejáveis foram denunciados,
como a resposta a casos que vão surgindo tem andado a passo de caracol. Não foi
por acaso que o Governo inscreveu esta reforma no seu programa. E, se antes do mês
de março transato o plano já estava a ser gizado, não se pode dizer que tenha
agora sido elaborado sobre o joelho ou ad
casum. De resto, é útil que se pense na reforma dos serviços – este ou
outros – segundo o que a experiência e o decurso do tempo aconselharem e,
sobretudo, que termine duma vez por todas a guerra de competências entre as
diversas polícias.
2021.01.15
– Louro de Carvalho
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