sábado, 30 de novembro de 2019

No fim de novembro, um “até à próxima” a este mês outonal


Este é o 11.º mês do ano no calendário gregoriano. A designação de “novembro” resulta do facto de ser o nono mês do ano em Roma, quando o ano começava em março sob a égide de Marte, o deus da guerra e guardião da agricultura.
Num país em que não queremos a guerra, mas onde a agricultura está pelas ruas da amargura – excetuando alguns exemplos de agricultura mecanizada e em extensão, o abandono dos campos está mais que generalizado e a floresta desordenada oferece à onda e fúrias incendiárias o flanco, o ventre e o costado – pouco mais resta, nesta ocasião, do que as castanhas e o vinho.
A acompanhar a penúria na agricultura e o desbaste da floresta desordenada e anárquica, regista-se a bastante disseminada falta de valores éticos que gera e mantém uma sociedade degradada, impante de direitos para uns e sem a assunção de deveres, deixando ficar muitos outros na margem do caminho ou atirando-lhe o piparote do espezinhamento ou o do descarte.
Apesar de a Igreja Católica dedicar o mês à oração em sufrágio pelas almas do Purgatório e, nalgumas terras, os populares passarem pelas ruas a cantar o clamor pelas almas e a paróquia promover o jubileu das almas (com serviço de Confissões, Ofício de Defuntos, Missa e Sermão), muita gente vive alheada do imperativo religioso curtindo a vida na tasca, café, bar, discoteca ou, em casa, a ver telenovelas. As almas são lembradas por muitos apenas aquando da morte de familiares e amigos e, não raro, para responder a um imperativo de cariz social.
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Não obstante a penúria horto-agrícola, que já nem dá para subsistir ou para empobrecer alegremente, os entendidos consideram que, no mês de novembro, no pomar, devem ser estrumadas as árvores de fruto no crescente, podadas no minguante e protegidas das geadas; que se plantam cerejeiras, pessegueiros, pereiras e macieiras, etc., no crescente; e que, na horta, se pode semear agrião, alface, cenoura, couves, com exceção da couve-flor e brócolos. Pode, segundo os mesmos entendidos, plantar-se batata, mas em zonas secas e protegidas das geadas, alho, couve temporã, tremoço. Também pode semear-se fava, ervilha, nabiça, nabo, rabanete, beterraba e, em camas quentes, alface, cebola, e tomate. É ainda altura de semear aveia, cevada, trigo e centeio. No jardim, podem estercar-se as covas para, na primavera, se plantarem árvores e arbustos. Devem colocar-se estacas para proteger as plantas do vento. E é a altura para plantar bolbos de flores e para podar e plantar roseiras.
Do ponto de vista religioso cristão, todos nos lembramos de que celebrámos em grande a Solenidade de Todos os Santos (no dia 1); fizemos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos (no dia 2), celebrámos as memórias litúrgicas de São Martinho de Porres, Religioso (no dia 3), de São Carlos Borromeu, Bispo (no dia 4), de São Nuno de Santa Maria, Militar e Religioso (no dia 6), de São Leão Magno, Papa e Doutor da Igreja (no dia 10), de São Martinho de Tours, Bispo (no dia 11), de São Josafat, Bispo e Mártir (no dia 12), de Santo Alberto Magno, Bispo e Doutor da Igreja (no dia 15), de Santa Margarida da Escócia, Mãe e Rainha, ou de Santa Gertrudes, Virgem (no dia 16), de Santa Isabel da Hungria, Mãe e Rainha (no dia 17), da Apresentação da Virgem Santa Maria (no dia 21), de Santa Cecília, Virgem e Mártir (no dia 22), de São Clemente I, Papa e Mártir, ou de São Columbano, Abade (no dia 23), de Santo André Dung-Lac, Presbítero, e Companheiros, Mártires (no dia 24) e de Santa Catarina de Alexandria, Virgem e Mártir (no dia 25); celebrámos as festas da dedicação da Basílica de Latrão (no dia 9) e das Basílicas de São Pedro e de São Paulo, Apóstolos (no dia 18); a diocese de Lamego celebrou a festa da Dedicação da sua Sé Catedral (no dia 9); Celebrámos hoje, dia 30, a festa de Santo André, Apostolo; e a, 10 de novembro, celebrou-se em ação de graças a canonização de São Bartolomeu dos Mártires, Religioso da Ordem dos Pregadores e Arcebispo de Braga.
Tantas e tão belas efemérides do calendário litúrgico constituirão um apelo ao compromisso sócio-cristão, num mês cheio de chuva, por vezes intensa, em que o Sol espreitou timidamente só alguns dias, deixando-nos muitíssimas horas disponíveis para a leitura, reflexão e escrita.
Os magustos pelo São Martinho (o de Tours) e a prova do vinho novo animaram o povo, mesmo em tempo que não deixou que, este ano, desfrutássemos do verão de São Martinho.
Para mim, o mês de novembro tem marcas de tristeza e saudade pelo falecimento de minha mãe, no dia 29, no ano de 1989 (há 30 anos), e de meu pai, no dia 10, no ano de 2002 (há 17 anos). Mas também oferece marcas de realização pessoal e profissional. No dia 4, no ano de 1975, apresentei-me como professor de Religião e Moral Católicas (era assim a designação da atual EMRC) na Escola Preparatória do Dr. Francisco Campos Henriques, Vila Nova de Foz Coa; no dia 12, no ano de 1976, apresentei-me na Escola Secundária de Vila Nova de Paiva; no dia 7, no ano de 1977, apresentei-me na Escola Preparatória de Aquilino Ribeiro, Vila Nova de Paiva; e, no dia 1, em 1979, apresentei-me e tomei posse como pároco de Vila da Ponte, Granjal e Freixinho, sem que, tal como me preveniram, qualquer eclesiástico me fosse acompanhar. Mas não me inibi e gostei das pessoas. Freixinho já a servia há uns meses e, nas outras, um colega, o Lemos, levou-me a passar por lá e a entrar discretamente nas igrejas enquanto as pessoas estavam a rezar, mas sem eu me dar a conhecer.
Num adeus a novembro, até à próxima – porque novembro voltará –, em pleno outono de folhas caídas, ventos fustigantes, paisagens sombrias, mas de trechos paisagísticos lindíssimos, como as encostas do Vale do Chile, em Sernancelhe e mesmo em toda a Beira-Távora, pedindo a intercessão da Virgem Maria e de todos os Santos, tentando honrar a memória dos antepassados e esperando na benevolência do Pai misericordioso, entramos no mês do NATAL: o Natal é o primeiro passo de Deus visível no mundo para a nossa redenção. É a encarnação redentora ou a redenção encarnada!
2019.11.30 – Louro de Carvalho


sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O estado da Educação e a análise de uma década


É o tema e o trabalho de análise espelhados no “Estado da Educação 2018”, relatório do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do ME (Ministério da Educação), que traça o retrato do país nesta matéria e analisa a evolução na última década, passando a pente fino todos os ciclos de educação e ensino e concluindo que há menos alunos (só o Ensino Básico perdeu mais de 150 mil alunos em 10 anos), menos retenções e reprovações, menos abandono escolar e muitas horas nas amas, creches e infantários.
Na introdução ao predito relatório, Maria Emília Brederode Santos, presidente do CNE, vinca:
Nesta mudança de era que vivemos, todos parecemos andar à procura de sinais de futuro para nos adaptarmos a ele. Mas a educação por essência constrói o futuro, não se limita a inventariar os futuros possíveis. Sem ignorar os saberes acumulados, uma dimensão de desejo e, portanto, de utopia está, assim, presente nestes esforços.”.
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As crianças com menos de 3 anos passam quase 40 horas por semana com as amas, nos infantários ou creches. É um dos tempos mais elevados da Europa, cuja média é cerca de 10 horas semanais ou menos. Uma média de 39,1 horas em creches e 38,5 horas em jardins de infância em Portugal, quando a média na União Europeia é de 27,4 horas e 29,5 horas, respetivamente. E a Ordem dos Psicólogos considera que o tempo que as crianças passam nas creches portuguesas é desadequado para o seu desenvolvimento e alerta para o perigo de estes espaços se transformarem num mero “depósito de crianças”.
Os bebés até aos 2 anos deveriam passar apenas as manhãs na creche. O resto do dia deveria ser passado com a família (com os pais ou com os avós). Porém, a realidade é outra. Os bebés e crianças passam nas creches e infantários o tempo equivalente a um dia de trabalho dum adulto.
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Que o sistema de ensino tem vindo a perder estudantes é facto indesmentível. Em 10 anos, o sistema de ensino perdeu 18% dos alunos. Menos nascimentos, famílias mais pequenas, menos alunos nas escolas. Em 2008/2009, havia 2 435 665 crianças, jovens e adultos a frequentar o sistema educativo. Dez anos depois, em 2017/2018, há menos 429 186 matriculados, uma quebra de 18%. Todos os níveis de ensino apresentam uma variação negativa, mas que se torna mais relevante nos ensinos Básico e Secundário com quebras de frequência de -23% e -19,5% de alunos, respetivamente, e na educação pré-escolar com -12,5% de crianças.
A taxa de pré-escolarização de crianças entre os 3 e os 5 anos, aumentou 7,8 pontos percentuais, situando-se nos 90,1% em 2017/2018. As maiores subidas ocorrem aos 3 e 4 anos de idade dos mais pequenos. A Área Metropolitana de Lisboa permanece como a região do país onde se observam os valores mais baixos da taxa de pré-escolarização (aos três, quatro e cinco anos - 70,7%, 85,0% e 89,2%, respetivamente). No Algarve e nos Açores, 99% das crianças de 5 anos frequentam a educação pré-escolar.
Em 2017/2018, o sistema público de educação era frequentado por 81% dos matriculados em todos os níveis de ensino. O setor privado assumia maior expressão na educação pré-escolar com 47% das crianças inscritas. A maioria das crianças, jovens e adultos, ou seja, 85% dos que se encontravam no sistema educativo concentravam-se em três regiões: Norte com 33,6%, Área Metropolitana de Lisboa com 31,3% e Centro com 20,2%.
O Ensino Básico perdeu mais de 150 mil alunos em 10 anos, desde o ano letivo 2008/2009 até ao de 2017/2018. O 1.º Ciclo é o mais atingido com uma diminuição de 18% do número de alunos, seguindo-se o 2.º Ciclo com 17% e o 3.º Ciclo com menos 9,6%.
No ano letivo 2017/2018, houve 107 066 jovens a concluir o Ensino Básico: 97 777 o ensino regular e 9 289 outras modalidades para jovens: 7 486 em cursos de educação e formação, 1 294 em percursos curriculares alternativos, 399 em cursos artísticos especializados em regime integrado e 10 em cursos profissionais. Em relação aos resultados do Ensino Básico, em 2017/2018, nas disciplinas sujeitas a prova final, verificou-se uma maior concentração nas classificações positivas em Português e uma maior proporção no nível 3, com 61,5% na classificação de frequência, 42,1% na classificação da prova final e 61,7% na classificação interna final. A Matemática registou-se uma maior proporção no nível 3 na classificação de frequência e na classificação interna final, com 37,1% e 36,6%, respetivamente. Em relação à classificação da prova final, a maior percentagem observa-se no nível 2 com 30,9%.
O número de jovens a frequentar o Ensino Secundário cresceu de forma contínua até 2014, ano em que alcançou o valor máximo da década, com 363 245 alunos. Depois começou a baixar. Ao longo da década, verifica-se que os jovens continuam a optar sobretudo por cursos científico-humanísticos, oferta educativa vocacionada para o prosseguimento de estudos de nível superior: 58,3% em 2018 comparativamente com os 59,3% de 2009.
As retenções no Ensino Básico continuam a baixar, o 3.º e o 8.º anos de escolaridade são a exceção, em todos os outros anos e níveis de ensino houve menos retenções/reprovações registadas. Contudo, o número de alunos com dois ou mais anos de desfasamento permanece elevado. São 10 527 no 1.º Ciclo, 18 224 no 2.º e 37 253 no 3.º. E realça a Presidente do CNE:
Atingimos, em 2018, as taxas de retenção mais baixas da década – o que só pode constituir um motivo de regozijo. Mas, apesar disso e dada a ineficácia desta medida para melhorar as aprendizagens e os seus efeitos nocivos na reprodução das desigualdades sociais e na manutenção de uma ‘cultura de escola’ que tende a desresponsabilizá-la face aos resultados, muito resta a fazer neste domínio para o qual se requerem investigações, apoios e liberdade para ousar outras estratégias.”.
No Ensino Secundário, a taxa de retenção e desistência é de 15,7%. No entanto, quando se analisa por anos de escolaridade, o valor não é uniforme: 13,8% no 10.º ano, 8,2% no 11.º ano e 25,6% no 12.º ano. Há mais chumbos no último ano do Secundário. Em 2017/2018, concluíram o Secundário 78 901 jovens: 47 312 em cursos científico-humanísticos, 26 931 em cursos profissionais, 2010 em cursos de aprendizagem, 1 154 em cursos tecnológicos, 734 em artístico especializado em regime integrado, 515 em cursos vocacionais e 245 em cursos de educação e formação. No nosso país e pela primeira vez, a idade média dos diplomados no Secundário é de 19,8 anos no ensino geral, acima da média da União Europeia e da OCDE (18,5 anos), e de 20,1 anos no ensino vocacional, abaixo da média europeia e da OCDE (20,6 e 21,3 anos, respetivamente).
Nesta década, há um acréscimo de 5 540 dos alunos inscritos no Ensino Superior e um decréscimo de 5 789 no ensino politécnico. O ano letivo 2010/2011 foi o que registou o maior número de inscritos, 396 268 ao todo. Nos anos seguintes, verifica-se uma diminuição contínua e em 2014/2015 assinala-se o valor mais baixo (349 658). A partir daí, tem-se verificado um aumento progressivo de inscritos. Em 2017/2018, mantém-se a tendência de uma maior representatividade dos alunos do sexo feminino com 53,8%.
O número de inscritos em estabelecimentos de Ensino Superior público supera os matriculados no privado. A variação de inscritos entre 2009 e 2018, tanto no ensino universitário como no ensino politécnico, é positiva no caso do ensino público (19 734 e 6317, respetivamente) e negativa, em ambos os subsistemas, no caso do ensino privado (-14 194 e -12 106, respetivamente).
Quanto aos adultos matriculados em ofertas formativas de nível básico, entre 2009 e 2018, constata-se um decréscimo global de cerca de 80%. O ano de 2014 é o que regista menos adultos inscritos. A partir de 2015, inverte-se a tendência, mas pouco expressivamente. Em 2017/2018, as modalidades formativas com mais adultos inscritos são os cursos de educação e formação de adultos com 58%, seguidos dos processos de reconhecimento e validação de competências com 38,5%.
Portugal aproxima-se das metas estabelecidas para frequência da educação pré-escolar e à taxa de escolarização no Ensino Básico. E a frequência do Ensino Secundário e do Ensino Superior, apesar de registar progressos (e sem esquecer os enormes avanços conseguidos), requererá atenção e esforço suplementares, sobretudo na avaliação das condições de acesso ao Ensino Superior.
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O retrato do corpo docente (professores muito qualificados) confirma o envelhecimento da classe, questão para a qual o CNE tem alertado. As escolas portuguesas e italianas são as que têm menos docentes jovens. Quase 46,9% dos nossos professores têm 50 ou mais anos de idade, apenas 1,3% estão abaixo da faixa etária dos 30 anos. Na última década, o sistema perdeu mais de 30 mil docentes e os indicadores recentes não são animadores, entre os quais está a diminuição de candidatos nos cursos ligados à educação e ao ensino.
O CNE adverte, a este propósito, que é “necessário planear a vaga de aposentações que se aproxima e a baixa procura de cursos de formação de professores”. A maioria dos professores ao serviço está concentrada nos primeiros 4 escalões da carreira, apenas 0,02% estão no topo (têm em média 61,4 anos de idade e 39 anos de tempo de serviço), e o 3.º escalão é o que tem mais professores (têm em média 22,6 anos de serviço e mais de 48 anos de idade). As estimativas indicam que 57,8% dos professores do quadro estará aposentada por idade em 2030. A presidente do CNE considera que “a situação dos professores (com o planeamento para a vaga de aposentações que se aproxima e a baixa procura de cursos de formação de professores) é questão especialmente importante para a escola.
O tempo para chegar ao topo da carreira é longo e a diferença entre a remuneração no topo de carreira e no início é muito significativa, quando comparado com outros países europeus.
O congelamento prolongado das carreiras e a não recuperação da totalidade do tempo de serviço são as razões apontadas pelo CNE para esta situação e a contagem integral do tempo de serviço é uma grande reivindicação dos sindicatos, que têm prometido não a deixar morrer, após terem provocado uma crise política na anterior legislatura, mas sem o resultado obtido pelos docentes.
Em 2017/2018, havia menos de 150 mil professores do ensino obrigatório (uma redução de mais de 30 mil numa década). E o decréscimo aconteceu em todos os níveis e ciclos de educação e ensino.
Na década 2008-2018, aumentou a proporção de docentes do ensino superior com 50 ou mais anos (mais 15,1%) e diminuiu os que têm menos de 30 anos de idade (menos 3,1%).
Como se disse, os docentes estão mais velhos e a grande maioria é “muito qualificada”: mais de 80% dos professores do ensino obrigatório têm licenciatura ou equiparado e, no ensino superior, 71% dos professores universitários são doutorados assim como 42,1% nos politécnicos (dados de 2017/2018). Por outro lado, nos últimos anos, são cada vez menos os jovens que sonham ser professores. Os cursos da área Educação têm vindo a registar perdas importantes, atingindo em 2018 o valor mais baixo de inscritos desde 2009, com apenas 13.084 alunos.
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O Presidente da República, em declarações prestadas à margem da receção ao hoquista do Sporting e da Seleção Nacional Ângelo Girão, no âmbito do programa ‘Desportistas no Palácio de Belém’, defendeu que o relatório ‘Estado da Educação 2018’ apresenta “mais aspetos positivos do que negativos”, embora persistam metas para 2020 nas quais Portugal está aquém do previsto.
O Chefe de Estado – destacando, entre os fatores positivos, a frequência da educação pré-escolar, (praticamente no valor que é a meta para 2020), o emprego (entre os 20 e os 34 anos), a circulação na Europa, mais alunos no ensino superior, a diversidade no ensino e um menor número de reprovações – disse que estamos em algumas metas muito próximos do que está previsto para o final do ano que vem e que, noutras metas, estamos longe do que é a meta de 2020”. E elencou como fatores negativos o abandono (acima da meta para o ano que vem), e a população adulta que se forma, “no qual Portugal está muito longe”, apresentando só 9,8% (face à estimativa inicial de 15%).
Paralelamente, lamentou o tempo excessivo que as crianças mais pequenas passam nas creches e que, em média, se situa nas 39,1 horas por semana. E, a concluir, disse:
[A educação pré-escolar] arrancou atrasada em relação à Europa, apenas com António Guterres, portanto, estamos a falar de uma realidade com cerca de 20 anos. Houve passos muito rápidos, mas há ainda um buraco entre um e três anos, em que precisamos de ir mais longe e ao nível do que se passa na Europa. Ao mesmo tempo, os pais precisam de ter condições de trabalho para poderem acompanhar as crianças.”.
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O insucesso escolar e as dificuldades económicas e financeiras ainda caminham lado a lado. A percentagem de alunos do básico e secundário que beneficia de ASE (ação social escolar) diminuiu na última década, mas o CNE alerta para o facto de a escola pública ainda ter vencido o determinismo social no insucesso.
Segundo o relatório, “a maior percentagem de alunos que beneficiavam de ASE, no ano 2017/2018, frequentava percursos curriculares alternativos dos 2.º e 3.º CEB [ciclo(s) do ensino básico], os cursos de educação formação do 3.º CEB, e os cursos vocacionais e profissionais do ensino secundário, o que parece indiciar uma relação entre os problemas financeiros e as dificuldades de aprendizagem, por um lado, e o determinismo social, por outro. Os dados recolhidos pelo CNE indicam que a percentagem de beneficiários de ASE nas escolas públicas em 2017/2018 foi a mais baixa na última década, com 36,1% de alunos, contra os 43,1% de 2010-2011, o valor mais alto. E o relatório explica:
Quando se comparam as proporções de alunos com ASE nos diversos níveis de educação e ciclos de ensino, por modalidades, constata-se que existe uma aproximação entre as percentagens de alunos que beneficiam do escalão A [aplicável aos alunos com maiores dificuldades financeiras] e do escalão B, no ensino secundário, ao nível do ensino regular. Nas outras ofertas existe um maior desfasamento entre os dois escalões, sendo maior a percentagem dos alunos do escalão A, que abrange os alunos mais carenciados.”.
Numa análise por modalidades escolares, são os percursos curriculares alternativos e os cursos de vertente profissionalizante ou vocacional que apresentam maiores percentagens de beneficiários de ASE, sobretudo do escalão A de apoio. No Ensino Superior, o total de beneficiários de ASE baixou em 2017-2018 em poucas centenas face ao ano letivo anterior, com mais de 74 mil estudantes apoiados, a quase totalidade em instituições públicas. E, sobre o alojamento para estudantes universitários, um dos maiores problemas atualmente na garantia de acesso ao ensino superior, o CNE aponta o crescimento do número de camas disponíveis nos últimos anos em residências, com mais 823 camas em 2017 do que em 2015 e um crescimento de 4% em 2018, consequência do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior.
Há, pois, muito a fazer, muitas medidas eficazes a tomar, sem trabalhar para as estatísticas!
2019.11.29 – Louro de Carvalho

Finanças vaticanas, pena capital e relações com os países



Foram, além das questões da energia nuclear e da paz, temas abordados na conferência de imprensa no voo de regresso da 32.ª Viagem Apostólica do pontificado de Francisco de 19 a 26 de novembro deste ano de 2019 (Tailândia e Japão). 
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Cristiana Caricato, da TV 2000, apontou o caso da compra de imóveis pela Santa Sé no centro de Londres, no valor de milhões, envolvendo o Óbolo de São Pedro, e confrontou o Pontífice com reiteradas declarações suas de que não se deve ganhar dinheiro com dinheiro, a denunciar o uso sem escrúpulo das finanças.
Em resposta, o Papa falou em boa administração, que não sucederia se, ao chegar a coleta para o Óbolo de São Pedro, a mandasse aferrolhar. Assim, a Santa Sé procura investir e, quando é preciso doar ou quando há uma necessidade, usa-se desse capital, que não se desvaloriza, se mantém ou cresce um pouco. (É de anotar que agora, para socorro das vítimas do terramoto da Albânia e restante parte da costa adriática, já foi enviado um primeiro donativo de 100 mil euros). Diz o Papa que também se pode comprar uma propriedade, alugá-la e depois vendê-la, mas com segurança, com todas as seguranças para o bem das pessoas e do Óbolo, e explica:
Esta é uma boa administração. A administração da gaveta é má. Mas é preciso buscar uma boa administração, um bom investimento. Está claro? Um investimento como dizemos, ‘das viúvas’, como fazem as viúvas: dois ovos aqui, três ali, cinco acolá. Se um cai, há outro, não se arruína. Sempre seguro e moral. Se se faz um investimento do Óbolo de São Pedro na fábrica de armamentos, o Óbolo não será Óbolo ali. Se se faz um investimento e durante anos não se mexe no capital, não é bom. O Óbolo de São Pedro deve ser gasto num ano, um ano e meio, até que chegue a outra coleta que se faz mundialmente. Isso é boa administração: com segurança.”.
Admite que se fizeram coisas que “não pareciam limpas”, mas que a denúncia não veio de fora”. Com efeito, a reforma da metodologia económica começou com Bento XVI e foi o Revisor das contas internas que denunciou a situação a Francisco, o qual remeteu para a justiça vaticana, mandando que fizesse a denúncia ao Promotor de Justiça. Agora, a administração vaticana tem recursos para esclarecer as coisas ruins que aconteceram. Não se sabe ainda se o caso tem a ver com o imóvel de Londres, mas sabe-se que houve corrupção. E Francisco explanou:
O Promotor de Justiça estudou a questão, fez consultorias e viu que havia um desequilíbrio no orçamento. Depois, pediu-me permissão para fazer as investigações: há um pressuposto de corrupção e disse-me que ele tinha que fazer investigação nesta, naquela e naqueloutra repartição. Eu assinei a autorização. A investigação foi realizada em cinco escritórios e hoje, embora exista a suposição de inocência, existem capitais que não são bem administrados, também com a corrupção.”.
Em menos de um mês terão início os interrogatórios das 5 pessoas que foram bloqueadas por indícios de corrupção. Não se sabe, de momento, se são corruptas, pois a presunção de inocência é uma garantia, um direito humano. Mas há corrupção. As investigações dirão se são culpadas ou não. Não é bonito ter isto ocorrido no Vaticano, mas é esclarecido pelos mecanismos que funcionam, mostrando o que o Papa Bento tinha começado a fazer e com razão. Assim, Francisco agradece a Deus, não por haver corrupção, mas por o sistema de controlo vaticano funcionar. 
Philip Pullella, da Reuters, falou na guerra interna sobre quem deve controlar o dinheiro, dizendo que a maior parte dos membros do conselho de administração da AIF (Autoridade de Informação Financeira) se demitiu, que Egmont, o grupo das autoridades financeiras, suspendeu o Vaticano das comunicações seguras após o ataque de 1 de outubro, que o diretor da AIF foi suspenso e que ainda não há um revisor geral. Por isso, perguntou pelo que o Pontífice pode fazer ou dizer para garantir à comunidade financeira internacional e aos fiéis chamados a contribuir para o Óbolo que o Vaticano não voltará a ser um pária a excluir, em quem não se possa confiar, e que as reformas continuarão, não se voltando a hábitos passados.
Respondendo, Francisco salientou progressos na administração vaticana, especificando:
O IOR hoje é aceite por todos os bancos e pode agir como os bancos italianos, algo que, há um ano, não existia, houve progressos. Depois, (…) o grupo Egmont (…) é um grupo de membros da AIF, e o controlo internacional não depende do grupo Egmont, que é um grupo privado, embora tenha o seu peso. Monyeval fará a inspeção programada para os primeiros meses do ano próximo (…). O diretor da AIF foi suspenso porque havia suspeitas de uma gestão não eficiente. O presidente da AIF esforçou-se com o grupo Egmont para recuperar a documentação.”.
Perante os factos, foi consultado um magistrado italiano e concluiu-se que a justiça face a uma acusação de corrupção é soberana, não podendo ninguém interferir. Assim, devem ser estudados os documentos que fazem emergir o que parece má administração no sentido de controlo mal feito e esperar o que as provas ditarem. Entretanto, há a presunção de inocência.
Quanto ao presidente da AIF, que não foi eficaz no controlo, foi informado da sua exoneração e já foi encontrado o seu sucessor (o especialista italiano Carmelo Barbagallo), um magistrado de altíssimo nível jurídico e económico nacional e internacional.
Seria um contrassenso que a autoridade de controlo fosse soberana acima do Estado. O que prejudicou um pouco foi o grupo Egmont, um grupo privado que ajuda muito, mas não é a autoridade de controlo de Moneyval (Comité de Peritos em Avaliação de Medidas contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo). Moneyval estudará os números, os procedimentos, estudará como agiu o promotor de justiça e como o juiz e os juízes determinaram as coisas.
E Francisco sublinhou:
É a primeira vez no Vaticano que a panela é destampada a partir de dentro, não de fora. De fora tantas vezes [isso aconteceu]. Isso foi-nos dito tantas vezes e nós com tanta vergonha... Mas o Papa Bento foi sábio, começou um processo que amadureceu, amadureceu e agora existem as instituições. Que o revisor tenha tido a coragem de fazer uma denúncia escrita contra cinco pessoas está a funcionar... Realmente, não quero ofender o grupo Egmont, porque promove tanto bem, ajuda, mas, neste caso, a soberania do Estado é a justiça, que é mais soberana que o poder executivo.”.
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E, a 27 de novembro, o Papa nomeou, após o regresso do Japão, como prometera, o especialista italiano Carmelo Barbagallo como o novo presidente da AIF, a instituição da Santa Sé para a luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. O nomeado vem do Banco de Itália, onde desempenhava funções na área de supervisão bancária e financeira e nas relações com o Mecanismo Único de Supervisão – Single Supervisory Mechanism.
Em declarações ao portal de notícias do Vaticano, Barbagallo agradeceu a confiança do Papa e manifestou a intenção de “trazer toda a experiência acumulada em 40 anos de trabalho no Banco da Itália, como inspetor, como chefe de supervisão do sistema bancário e financeiro italiano e no sistema europeu de supervisão bancária”. E confessou:
Estou certo de que a AIF poderá dar a sua contribuição, como autoridade supervisora, para que continuem a ser afirmados e reconhecidos os valores fundamentais da correção e transparência de todos os movimentos financeiros em que a Santa Sé está envolvida”.
O presidente da AIF quis “tranquilizar o sistema internacional de informações financeiras”, assumindo o objetivo de prestar a colaboração necessária “em absoluta conformidade com os melhores padrões internacionais”.
A respeito desta nomeação, o Banco da Itália refere, em comunicado, que “Carmelo Barbagallo, na sua longa carreira, adquiriu uma vasta experiência no campo da supervisão bancária”, manifestando-lhe a sua “profunda gratidão”.
A AIF desempenha as funções de informação e supervisão financeira, tanto para fins de prevenção quanto para o combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo; foi estabelecida por Bento XVI em 2010 e consolidou o seu mandato institucional em 2013, quando Francisco lhe atribuiu mandato para realizar supervisão prudencial.
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Elisabeth Zunica, do Kyoto News, falou de Akamada Iwao, um japonês condenado à morte e à espera da revisão do processo, que esteve na missa na Tóquio Dome, mas que não teve como falar com o Papa. E, frisando que a pena de morte é um tema muito discutido no Japão e que, pouco antes da reforma do Catecismo sobre este tema, foram executadas 13 condenações à morte, anotou que nos discursos papais não houve uma referência a esta questão, pelo que perguntou se houve conversa sobre o tema como com o premier Shinto Abe. E o Papa vincou:
Sobre aquele caso de pena de morte, eu fiquei sabendo depois, não sabia daquela pessoa. Falei com o Primeiro-Ministro sobre muitos problemas, sobre processos, condenações eternas que jamais acabam, quer com a morte, quer sem ela. Mas falei de problemas gerais, que existem também em outros países: os cárceres superlotados, as pessoas que aguardam com uma prisão preventiva sem presunção de inocência.”.
Todavia, frisou que, ainda há 15 dias, fizera um pronunciamento para o Simpósio Internacional de Direito Penal e falou sobre este tema, reiterando que “não se pode utilizar a pena de morte (não é moral) e que isso deve ser unido ao desenvolvimento progressivo da consciência. E relevou que alguns países não abolem a pena de morte por problemas políticos, mas “fazem uma suspensão que é um modo de dar a prisão perpétua sem a declarar”. No entanto, Francisco insiste que a condenação deve ser para a reinserção, pois “uma condenação sem janelas de horizonte não é humana”. Mesmo na prisão perpétua deve pensar-se sobre algum modo como o recluso se possa reinserir (dentro ou fora). É certo que há condenados por um problema de loucura, doença, incorrigibilidade genética. Então, é preciso buscar o modo de desempenharem atividades que os façam sentir-se pessoas. E o Pontífice, denunciando o que se passa em muitos lugares – cárceres superlotados, que são depósitos de carne humana, que, ao invés de crescer de modo salutar, se corrompe –, diz:  
Devemos lutar contra a pena de morte lenta. Existem casos que me dão alegria porque há países que dizem: nós paramos por aqui. Um governador de um Estado no ano passado, antes de deixar o encargo, fez a suspensão quase definitiva: são passos de uma consciência humana. Mas alguns países ainda não conseguiram incorporar-se nessa linha de humanidade.”.
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Passando a outra questão, Roland Juchem, do CIC, apontou que o Papa, no voo de Bangcoc a Tóquio, enviou um telegrama a Carrie Lam, de Hong Kong, pelo que o questionou sobre o que acha da situação ali, com manifestações e eleições municipais, e sobre quando irá a Pequim.
E Francisco respondeu que os telegramas aos Chefes de Estado” são uma saudação e uma forma educada de pedir permissão para sobrevoar o seu território, não significando condenação ou apoio. Todos os aviões, quando tecnicamente entram num espaço aéreo de outro país, avisam as autoridades de que o estão a fazer; e os Chefes de Estado fazem-no por cortesia.
Sobre a situação em Hong Kong, o Papa disse que a acompanha com atenção, tal como o faz em relação ao Chile ou à democrática França (um ano de coletes amarelos), à Nicarágua e a outros países latino-americanos que têm problemas do género e também em alguns países europeus. Ora, a Santa Sé apela ao diálogo, à paz. E o Pontífice respeita a paz e pede paz para todos estes países que têm problemas, incluindo a Espanha. Por fim, confessa que gostaria de ir a Pequim, pois ama a China.
Por seu turno, Valentina Alazraki, da Televisa, falou da América Latina em chamas, referindo que “vimos depois da Venezuela e do Chile imagens que não pensávamos ver depois de Pinochet” ou a situação na Bolívia, na Nicarágua e em outros países: revoltas, violência nas ruas, mortes, feridos, igrejas até queimadas, violadas. Por isso, pediu a análise do Papa sobre estes acontecimentos e quis saber o que a Igreja e o Pontífice latino-americano estão a fazer. Ao que Bergoglio tentou responder:
Alguém me disse isto: é preciso fazer uma análise. A situação hoje na América Latina parece-se com a de 1974-1980, no Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Paraguai com Strössner e, creio, também na Bolívia... Eles tinham a Operação Condor naquele momento... Uma situação em chamas, mas eu não sei se é o problema que parece ou se é outro. Realmente neste momento eu não sou capaz de fazer a análise disso. É verdade que não existem precisamente declarações de paz. O que está a ocorrer no Chile assusta-me, porque o Chile está a sair dum problema de abusos que causou tanto sofrimento e agora um problema deste tipo que não compreendemos bem. Mas (…) temos de procurar o diálogo e a análise. Ainda não encontrei uma análise bem feita da situação na América Latina. E também há governos fracos, muito fracos, que não conseguiram colocar ordem e paz, e é por isso que chegamos a essa situação.”.
A mesma Valentina Alazraki levantou o problema da mediação solicitada por Evo Morales. E Francisco referiu que efetivamente a Venezuela pediu mediação e a Santa Sé sempre se mostrou disponível. Depois, salientou a boa relação com estes países, sendo que a Santa Sé está presente para ajudar quando é necessário. Já a Bolívia fez um pedido às Nações Unidas, que enviaram delegados, e até a alguém das nações europeias. O Papa disse não saber se o Chile fez algum pedido de mediação internacional, que o Brasil não o fez e que ali também há problemas. 
Por fim, aproveitou a pergunta de Valentina Alazraki para observar que os jornalistas falaram pouco sobre a Tailândia, que é algo diferente do Japão, uma cultura de transcendência, uma cultura também de beleza, mas diferente da beleza do Japão. E frisou: “uma cultura, tanta pobreza e tantas riquezas espirituais”, mas com um problema que faz mal aos nossos corações, fazendo-nos pensar na Grécia e noutros países. Enalteceu a mestria desta jornalista no problema da exploração, que estudou bem e que publicou em livro que fez tanto bem. E expôs:
E na Tailândia, alguns lugares na Tailândia são difíceis por isso. Mas há a Tailândia do sul, e há também a bela Tailândia do norte, aonde eu não pude ir, que é tribal e tem toda uma outra cultura. Recebi cerca de 20 pessoas daquela região, primeiros cristãos, primeiros batizados, que vieram a Roma, com outra cultura, diferente, as culturas tribais. E Bangcoc, como vimos, é uma cidade forte, muito moderna, mas tem problemas diferentes dos do Japão e tem riquezas diferentes das do Japão.”.
Não deixou de dizer que sublinhou o problema da exploração para agradecer à jornalista pelo seu livro, tal como gostaria de agradecer o livro “verde” de Franca Giansoldati: “duas mulheres que estão no avião e que fizeram um livro”, abordando cada uma os problemas de hoje – “o problema ecológico e o problema da destruição da mãe terra, do meio ambiente; e o problema da exploração humana”. E sublinhou que as mulheres trabalham mais que os homens (não sei se os cavalheiros gostaram da asserção, mas Francisco tem razão: quando se aplicam, as mulheres não brincam em serviço) e são capazes, não se esquecendo da camisa de Rocio, a camisa de uma mexicana assassinada, que Valentina doou ao Papa durante uma entrevista em vídeo há poucos meses.
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Em suma, o Papa Francisco não foge às questões. Algumas respostas são certeiras e categóricas, ao passo que outras são de pré-abordagem firmada em opinião pessoal, ainda sem análise consistente, mas sempre a abrir caminhos e a antever um estudo com vista a uma posição consolidada.  
2019.11.28 – Louro de Carvalho

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Francisco quer o não ao uso e posse de armas atómicas no Catecismo


No diálogo com os jornalistas durante voo Tóquio-Roma, no dia 26, o Papa respondeu a muitas perguntas dos jornalistas, sobressaindo a reiterada condenação pronunciada em Hiroxima:
O uso das armas nucleares é imoral, por isso deve ser introduzido no Catecismo da Igreja Católica (CIC), e não somente o uso, mas também a posse, porque um acidente, ou a loucura de algum governante, a loucura de um pode destruir a humanidade”.
Além disso, exprime dúvidas sobre as centrais nucleares até que haja segurança total.
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O Padre Makoto Yamamoto, do Catholic Shimbum, questionou o Pontífice sobre a visita a Nagasaki e Hiroxima e se a sociedade e a Igreja ocidentais têm algo a aprender da sociedade e da Igreja orientais. Em resposta, tendo em mente o dito lux ex Oriente, ex Occidente luxus”, o Santo Padre, disse que “a luz vem do Oriente”, enquanto “o luxo, o consumismo vem do Ocidente”. E, porque a sabedoria oriental não é “apenas de conhecimento, mas de tempos, de contemplação”, ajuda muito a sociedade ocidental (sempre às pressas) “a aprender a contemplação, a deter-se e olhar as coisas também poeticamente”. Talvez falte “ao Ocidente um pouco de poesia a mais”, enquanto o Oriente vê as coisas “com olhos que vão além”, com “poesia, gratuitidade, busca da própria perfeição no jejum, nas penitências, na leitura da sabedoria dos sábios orientais”. Por isso, “fará bem a nós ocidentais parar um pouco e dar tempo à sabedoria”.
Quanto a Nagasaki e Hiroxima, o Papa anota a semelhança no sofrimento da bomba atómica, mas evidencia uma diferença: Nagasaki não teve só a bomba; também teve os cristãos. De facto, Nagasaki tem raízes cristãs antigas; e, quando havia perseguição aos cristãos em todo o Japão, em Nagasaki ela foi muito forte. O secretário da Nunciatura ofereceu ao Sumo Pontífice um fac-símile em madeira onde está escrito o “wanted” daquele tempo:
Procuram-se cristãos! Se encontrares um, denuncia-o e serás bem compensado; se encontrares um sacerdote, denuncia-o e serás bem compensado.”.
Depois de considerar que foram séculos de perseguições, Francisco revelou que desejou ir a ambas a cidades, pois nelas houve o desastre atómico, e fez a seguinte apreciação:
Hiroxima foi uma verdadeira catequese humana sobre a crueldade, não pude ver o museu de Hiroxima por motivos de tempo, porque foi um dia difícil, mas dizem que é terrível: cartas dos Chefes de Estado, dos generais que explicavam como se podia fazer um desastre maior. Para mim foi uma experiência muito mais comovente.”.
Por conseguinte, mencionando o dito de Einstein ‘A quarta guerra mundial será combatida com paus e pedras’, ali reiterou que “o uso das armas nucleares é imoral, pelo que deve ser introduzido no Catecismo da Igreja Católica, e não apenas o uso, mas também a posse, porque um acidente, ou a loucura de algum governante, a loucura de um pode destruir a humanidade”.
A Shinichi Kawarada, do The Asahi Shimbum, que referiu ser o Japão um produtor de energia nuclear e ter a proteção nuclear dos EUA e que perguntou se “as centrais nucleares deveriam ser desativadas”, por comportarem “grande risco como aconteceu em Fukushima, o Papa frisou que pode sempre ocorrer um acidente, como o tríplice desastre (o terramoto, o tsunami e o desastre nuclear da central de Fukushima em 2011). Entende que “o nuclear é o limite” porque ainda não se alcançou uma segurança total e que devemos abandonar as armas porque elas são destruição. E à objeção de que também “com a energia elétrica se pode provocar um desastre por uma insegurança”, respondeu que “seria um pequeno desastre”, ao passo que “o desastre duma central nuclear será um grande desastre”. A título de opinião pessoal, diz que não se deve usar a energia nuclear “enquanto não houver uma segurança total sobre a sua utilização”, não alinhando com os que a querem suspensa por a considerarem “um risco para a custódia da criação”. Insistindo na questão da insegurança, lembrou que tem havido um acidente a cada dez anos no mundo e com reflexos na criação e nas pessoas. E, mencionando o da Ucrânia (em Chernobyl, 1986), vincou:
Devemos pesquisar sobre a segurança, quer para evitar acidentes, quer para as consequências sobre o ambiente. Sobre o ambiente creio que fomos além do limite, na agricultura com os pesticidas, na criação de frangos com os médicos que orientam as mães a não dar às crianças para comer aqueles frangos de criação porque são criados com as hormonas e fazem mal à saúde. Muitas doenças raras que hoje existem devido ao mau uso do ambiente. A custódia do ambiente é uma coisa que ou se faz hoje ou nunca mais. Mas voltando à energia nuclear: construção, segurança e custódia da criação.”.
Porque o tema das armas nucleares levanta a questão da paz, Jean-Marie Guénois, do Le Figaro, deu azo a que Francisco falasse da legítima defesa, da hipótese da guerra justa e da não violência. Há projetos que estão na gaveta – diz – um sobre a paz está a amadurecer e verá a luz quando for o momento. Diz que o bullying é um problema de violência, de que falou aos jovens japoneses, e que “é um problema que estamos a tentar resolver com muitos programas educacionais”. Não obstante, entende que uma encíclica sobre a não-violência ainda não a vê amadurecida, pelo que deve “rezar muito” e “buscar o caminho”. Pode suceder que tenha de ser um sucessor a assumir essa tarefa.
Mencionando o dito romano “Si vis pacem para bellum”, disse que ainda não fomos maduros, “as organizações internacionais não conseguem fazer a paz sem armas”. Releva que as Nações Unidas não conseguem evitar as guerras, mas fazem muitas mediações meritórias e países como a Noruega estão sempre dispostos a mediar, o que é bom, mas é preciso mais. E faz reparo:
Pense no Conselho de Segurança da ONU, se há um problema com as armas e todos estão de acordo para resolver aquele problema para evitar um incidente bélico, todos votam ‘sim’, um com direito de veto vota ‘não’ e tudo se bloqueia. (…) Talvez as Nações Unidas devessem dar um passo avante renunciando no Conselho de Segurança ao direito de veto que algumas nações têm. (…) Tudo aquilo que se pode fazer para deter a produção das armas, para favorecer a negociação, com a ajuda dos facilitadores, isso deve fazer-se sempre, e dá resultados.”.
Depois, denunciou a hipocrisia ‘armamentista’ de países cristãos, países europeus, que falam de paz e vivem das armas. E apontou que Jesus fala sobre isso no capítulo 23 de Mateus – o capítulo das invectivas aos doutores da Lei e fariseus hipócritas – e disse que é preciso acabar com essa hipocrisia, assumindo a coragem de dizer: ‘Não posso falar de paz, porque a minha economia lucra muito com as armas’. Com efeito, às vezes, fala-se de fraternidade insultando e maculando pessoas e países – o que tem de acabar. E Francisco evocou o seguinte episódio:
Num determinado porto, chegou dum país uma embarcação que deveria passar as armas a outra embarcação para ir para o Iémen, e os trabalhadores do porto disseram ‘não’. Fizeram bem e a embarcação voltou para o seu lugar de partida. É um caso, mas ensina-nos como se deve seguir nessa direção. Hoje a paz é muito frágil, mas não se deve desencorajar.”.
E, quanto à legítima defesa, referiu que é uma hipótese sempre a considerar, pois na teologia moral é contemplada, mas como último recurso. E entende que a legítima defesa deve ser feita com a diplomacia, com as mediações… e com as armas só em “último recurso”.
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É uma postura lúcida e corajosa a assumida pelo Papa em relação à energia nuclear e armas nucleares. Não considera a energia nuclear, em si, um atentado à criação, mas sugere a sua suspensão enquanto não houver garantias de segurança, porque aí, sim, ao surgir um acidente, o que não é raro, o desastre humano e ecológico é indesmentível e indisfarçável. Já quanto à posse e uso de armas nucleares considera-os de todo imorais e quer a introdução deste enunciado no Catecismo da Igreja Católica. É uma questão de coerência.
É pena que Francisco, às vezes, se escude em opinião pessoal (como se vê na entrevista): revela humildade, mas também falta de assessoria, necessária em razão da magnitude destas matérias!      
2019.11.28 – Louro de Carvalho

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Do debate sobre o combate à pobreza para as questões orçamentais


António Costa enunciou o combate à pobreza como tema do 2.º debate parlamentar quinzenal com o Primeiro-Ministro nesta XIV Legislatura. Porém, os deputados não se mostraram muito interessados no tema e desviaram-se para o Orçamento do Estado a pouco mais de 15 dias de ser entregue na Assembleia da República, ficando assim aberto o mercado das reivindicações.
Quiseram debater o que ainda não está em debate. Não concordo, mas são estes os deputados que nós escolhemos para nos representarem. Provavelmente não sabem como combater a pobreza ou não o querem fazer, mas sabem como enriquecer e talvez o queiram fazer; ou então pretendem deixar o Governo no faz-de-conta do combate à pobreza. Lá dizia o Padre António Vieira, num dos seus sermões: Os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os seus bens com o pão alheio”.
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Foram várias as tentativas de colocar o Primeiro-Ministro a assumir compromissos, com cada partido a usar a mesma estratégia: acusar o Governo de ter uma intenção heterodoxa no sentido de cada um dos itens apontados. E o Primeiro-Ministro foi tentando dissuadir os opositores à linha que se pressupõe ser a do Governo.
Assim, quanto ao englobamento obrigatório de todos os rendimentos na declaração de IRS, Costa disse a Rui Rio que “não vale a pena criar papões”. E acabou por dizer que esta medida inscrita no Programa do Governo ainda não aparecerá neste Orçamento do Estado. Ou seja, o Governo ainda não quer no próximo Orçamento do Estado taxar todos os rendimentos no IRS (consoante o escalão onde está o contribuinte em vez de aplicar uma taxa de 28% a rendimentos específicos, como os prediais ou os de capital). António Costa deixou-o claro: “Tenho quase por certo que não teremos essa discussão no Orçamento para 2020”.
Rio insistia em acusar o Executivo de prejudicar estes grupos com esta medida. Costa, porém, colocou-a fora do próximo caderno de encargos orçamental, garantindo que “em caso algum haverá qualquer medida de englobamento que prejudique a poupança, que prejudique o mercado de arrendamento, ou que prejudique a capacidade de investimento nas empresas”.
Em relação ao tema da redução do IVA da eletricidade, trazida ao debate por Jerónimo de Sousa, quando a bandeira é do BE (que ignorou o tema na sua intervenção), o Chefe do Executivo teve muita dificuldade em afastar o papão da esquerda e anuir a uma proposta que nunca aceitou nos orçamentos negociados com estes parceiros. Contornou a questão argumentando com o impacto da medida nas receitas do IVA. Contudo, admitiu estudar a redução do preço da energia, preferindo fazê-lo, mas através da redução dos custos do sistema, da redução da tarifa, por exemplo. E disse: “Se reduzirmos o custo da tarifa, reduzimos também o IVA que cada português paga”. Costa sabe efetivamente que este é um tema que pode vir a resultar numa coligação negativa no Parlamento, pois o PSD também tem uma proposta no mesmo sentido das defendidas pelos partidos da esquerda.
O Bloco de Esquerda e os Verdes apontaram os problemas da ferrovia, nomeadamente quanto à falta de material circulante e obras paradas e /ou adiadas em muitos troços das diversas linhas férreas. O Primeiro-Ministro tranquilizou ambos os partidos vincando que os processos de aquisição levam o seu tempo, o que deu azo a que a Coordenadora do BE tenha observado que “nunca nenhum de nós viu um stand para comprar comboios” e o Primeiro-Ministro tenha assumido que existem atrasos, mas negando ter havido cancelamento do investimento e alegando: “São vicissitudes dos processos de contratação”.
Outra questão vinda a terreiro pela mão do líder do PSD foi a relativa ao imposto sucessório, que acabou em 2004 com o Governo de Durão Barroso. A isto António Costa alertou Rui Rio para o facto de estar a perder tempo com questões extemporâneas, pois “não consta qualquer hipótese de imposto sucessório” nem no programa de Governo nem no programa eleitoral.
No atinente ao alegado caos da saúde, tema abordado por praticamente todas as bancadas parlamentares, a grande preocupação de todos, e, perante a mãe de todas as preocupações, Costa sacou do trunfo que tinha na manga e disse: “Daqui a algum tempo terá uma agradável surpresa”. Disse-o referindo-se à estratégia para acabar gradualmente com a suborçamentação no SNS e respondendo a Catarina Martins, que desferira a crítica mais dura, sobretudo ao afirmar que o “barato sai caro” e que o principal adversário do SNS é Mário Centeno.
Catarina, considerando que “o SNS não pode contratar”, mas que “não fecha as portas a ninguém”, concluía que “vai ficando enfraquecido, endividado e não tem a estrutura robusta que precisava de ter”. Assim “o barato sai caro: não se deixa gastar, mas depois gasta-se mais”.
E Jerónimo de Sousa focou-se sobretudo nos tempos de espera para consultas e cirurgias, tal como o fizeram, a seu tempo, André Silva e Cecília Meireles. Esta até corporizou um conflito com o Primeiro-Ministro sobre os minutos de espera previstos no Hospital Padre Américo, tendo Costa acabado por dizer que os tempos de espera estão a “estabilizar”. E a líder parlamentar centrista ironizou perguntando se o “tempo de espera de 1482 minutos é estável”.
André Silva, do PAN, acusou o Governo de ter falhado o prazo de 6 meses para regulamentação da lei que acaba com os animais selvagens no circo, o que “significa continuar a explorar e manter encarcerados em prisão perpétua animais que não cometeram nenhum crime”. E, o Primeiro-Ministro, dando-lhe “toda a razão” justificou-se com o verão e a campanha eleitoral.
Por fim, André Ventura, depois de ter feito um número político na semana passada a acusar Costa de ter “mentido” há 15 dias, quando disse que os polícias não estavam a ser obrigados a comprar equipamento com dinheiro próprio, voltou agora à carga a exigir um pedido de desculpas. Porém, o Primeiro-Ministro alegou que “não disse o que anda a dizer que eu disse” e explanou o seu desmentido, concitando fortes aplausos na bancada do PS:
A pergunta que me fez foi de que as pessoas eram obrigadas a pagar o seu próprio material. Eu não disse que as pessoas não compraram, efetivamente houve pessoas a comprar. O que eu disse foi que as pessoas não foram obrigadas a comprar. Mas uma força de segurança tem um comando próprio, não é uma organização anárquica, e cada comando estabelece qual é o material necessário para cada posto e cada agente.”.
E, tendo pedido mais tempo ao Presidente do Parlamento por haver matérias que não podem ficar sem resposta”, o deputado do Chega perguntou a Costa se “tem ou não precários no seu Governo”. E o Primeiro-Ministro respondeu que o mais precário é ele próprio, pois o seu contrato é de 4 anos, e deu uma explicação mais detalhada sobre os funcionários públicos que trabalham em São Bento e que não devem ser confundidos com funcionários de gabinete, que são escolhidos em função da confiança política dos titulares das pastas.
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Enfim, é de lamentar que a Casa da Democracia não tenha feito um debate sério sobre o combate à pobreza e o Primeiro-Ministro se tenha embrulhado por arrastamento em questões orçamentais, sem adiantar nada de jeito. Por exemplo, ficamos sem saber para que inscreveu o englobamento no Programa do Governo, se não é para o inscrever no Orçamento do Estado; quando e como promoverá a descida do valor da fatura de eletricidade; porque é que se levantou a questão da reinserção do imposto sucessório, se não consta em programa nenhum de interesse; quando avançam as obras na ferrovia e a aquisição do necessário material circulante; e que investimento teremos no SNS para este sair da fossa em que o lançaram os inúmeros problemas de que sofre (com médicos do SNS a serem avaliados no SIADAP em termos economicistas, designadamente pela poupança em medicamentos e exames a doentes crónicos).
Confesso que não estou preocupado com os animais selvagens no circo não lhes atribuindo a condição de presos perpétuos (Os animais não cometem crimes, não têm direitos nem deveres. Devem ser estimados e adestrados para utilidade e gáudio das pessoas). Nesse caso, deveríamos condenar a existência de jardins zoológicos em que os animais estão ali para gozo dos visitantes.
Critico o facto de o Chefe do Governo não pensar melhor antes de falar. Se o fizesse, não teria de vir a tentar reescrever o que disse num determinado momento e que beliscou a opinião pública. Os polícias não podem estar a comprar o material de que precisam para o seu eficaz desempenho, como não o devem fazer os militares das forças armadas e da GNR, os médicos e enfermeiros no SNS ou os professores na escola pública (E os professores fazem-no!).
Por outro lado, parece que a habilidade de Costa a desviar as respostas para o sentido que mais lhe interessa já não convence. O que o deputado do Chega queria saber era quantos precários há em trabalho na administração pública. Obviamente que todos sabemos que os membros do Governo e os membros dos gabinetes estão a prazo e que podem cessar funções a qualquer momento. Mesmo o Primeiro-Ministro que tem um contrato de 4 anos, o tempo de duração da Legislatura, pode sair por iniciativa própria, por aprovação, no Parlamento, de moção de censura ou de moção de confiança, bem como por dissolução parlamentar ou por exoneração por parte da Presidente da República, se isso for condição para garantir o regular funcionamento das instituições democráticas.
Por isso, os debates parlamentares têm de ser sérios e nunca descentrados dos temas que interessam. Nada deve ficar por debater. E cada coisa deve ser debatida em seu tempo e não por substituição.
2019.11.27 – Louro de Carvalho

terça-feira, 26 de novembro de 2019

As águas correm turvas lá pelas bandas do Livre


O partido não teve dificuldades na instalação no hemiciclo de São Bento, a não ser no atinente à distribuição dos deputados pelas filas e bancadas, feita pela Conferência de Líderes, sem que os partidos que não formam grupo parlamentar tivessem sido ouvidos, circunstância em que estão em pé de igualdade com a Iniciativa Liberal e o Chega, tal como na conhecida tentativa de silenciamento nos debates parlamentares quinzenais com o Primeiro-Ministro e na decisão de lhes conceder o uso da palavra, em regime transitório, até à aprovação das alterações ao Regimento da Assembleia da República.  
Nos últimos dias, o Livre esteve nas pantalhas da comunicação social porque a sua deputada, ao arrepio da orientação da direção do partido, absteve-se na votação num voto contra as agressões israelitas na Faixa de Gaza. Disse ter votado contra si própria e alega falta de comunicação entre a direção do partido e o seu gabinete no Parlamento.
Porém, a direção do Livre assegurou que não foi pedido pelo gabinete de Joacine Katar Moreira qualquer apoio específico no voto sobre a Palestina. Em declarações à Lusa, Pedro Nunes Rodrigues, membro do Grupo de Contacto do Livre, reagiu ao comunicado da deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, que garantiu que a abstenção no voto sobre a Palestina não se deveu a “um descaso desta grave situação”, mas “à dificuldade de comunicação” com a direção, mostrando-se surpreendida com a posição do partido, que, antes de lhe renovar a confiança política, a criticou fortemente. Disse o dirigente partidário, contrapondo:
A dificuldade de comunicação passa também por ela, para o gabinete dela, uma vez que nunca se dirigiu aos restantes membros da direção a pedir uma ajuda naquele voto específico. Foi-nos enviado o guião de votações, como nos é enviado todas as semanas, mas na semana passada nós também não nos pronunciámos sobre todas as votações e, no entanto, não houve nenhuma situação destas de haver uma falha de comunicação.”.
Joacine chegou a dizer que foi eleita sozinha e que a direção do Livre nunca a apoiou. Quem acredita nisso? E hoje, dia 26, acusou o partido de lançar um “autêntico golpe” contra ela. O mal-estar é crescente e o Conselho de Jurisdição promete decidir “rapidamente” a polémica.
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Hoje, dia 26, Joacine está na berra por causa do projeto de lei do partido sobre a nacionalidade, que não deu entrada na Assembleia da República dentro do prazo estabelecido pelo Regimento para ser discutido com os demais projetos partidários no próximo dia 11 de dezembro. A deputada eleita pelo Livre ainda tentou entregar na mesa da Assembleia da República, fora do prazo, o projeto do partido sobre a Lei da Nacionalidade, mas não houve consenso dos grupos parlamentares para o permitir.
A alteração desta lei era uma das prioridades do Livre, mas o partido falhou o prazo para entrar na discussão que ficou agendada, em Conferência de Líderes, para dia 11 de dezembro. Depois de ter sido noticiada a falha, Joacine Katar Moreira requereu à mesa da Assembleia da República  (que organiza a agenda dos trabalhos parlamentares) que o seu projeto sobre a matéria pudesse ser entregue para que fosse debatido juntamente com os que já foram entregues pelo BE, PCP e PAN. CDS e BE não se opuseram, mas os outros partidos não concordaram.
A decisão de aceitar esta entrada tardia de um projeto teria de ser tomada por consenso dos grupos parlamentares, o que não aconteceu. Apesar de terem sido feitos os contactos, não houve assentimento por parte de todos os outros partidos.
O PCP, por exemplo, entende que “as regras são para cumprir”. Na mesma linha, posiciona-se o PS para quem esta é “uma não questão”.  O partido aduz que “existem regras bem estabelecidas para agendamentos e que devem [ser] e são respeitadas por todos”. Mais diz que “nada impede o Livre de apresentar a iniciativa quando quiser ao longo desta ou de outra sessão legislativa”.
O PSD não chegou a ter de se pronunciar porque, diz um deputado do partido, a Secretária da Mesa, Maria da Luz Rosinha, foi quem consultou este grupo parlamentar e disse que o PCP “mandava aplicar as regras”. A partir daí,  “não havia mais consenso, questão arrumada”.
Todavia, os sociais-democratas estranham o procedimento da deputada Joacine Katar Moreira, chegando mesmo a considerá-lo “insólito”, pois, como refere o PSD, “quando se pretendem ganhar consensos, deve ser o próprio deputado ou o grupo parlamentar a atuar”. E, aqui, estranhamente “a deputada meteu intermediários a tratar” do seu assunto.
O CDS e o BE foram os dois partidos que não levantaram objeções à pretensão da deputada do Livre. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, anunciou-o mesmo através do Twitter:
O Livre pediu hoje para agendar uma iniciativa legislativa no debate marcado pelo Bloco de Esquerda sobre a Lei da Nacionalidade. Apesar de a iniciativa do Livre ainda não ter dado entrada nos serviços da Parlamento, o Bloco de Esquerda mostrou abertura para esse agendamento.”.
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Até 22 de novembro teriam de entrar projetos de lei dos partidos para a discussão da lei que é uma das prioridades do Livre. Por se tratar duma prioridade do partido, ninguém estava à espera deste falhanço e que o Livre não contasse com a frieza das regras que determinam os procedimentos. Tanto assim é que, no dia 23, a deputada única do partido dizia estar “para breve” a apresentação do projeto de lei. E fonte parlamentar garantia à agência Lusa que o projeto iria dar entrada na Assembleia da República esta terça-feira, embora já depois do prazo para entrar na discussão que ficou agendada, em Conferência de Líderes, para dia 11 de dezembro, como avançavam o Público e o Diário de Notícias.
A discussão ficou agendada depois do Bloco de Esquerda ter entregado o projeto do partido logo no primeiro dia de trabalhos desta legislatura, a 25 de outubro. A conferência de líderes do dia 19, que fixou os agendamentos do Parlamento até início de fevereiro, decidiu que o projeto do BE seria discutido dia 11 de dezembro, sendo possível arrastar outros projetos de lei dos partidos que se quisessem somar à discussão, sob a condição de serem entregues até dia 22 de novembro. PAN e PCP entregaram os respetivos projetos no último dia do prazo, contribuindo assim para que a 11 de dezembro sejam discutidos os projetos do BE, PAN e PCP.
O Livre, que fez da lei da nacionalidade uma das bandeiras do partido durante a campanha eleitoral e que a colocava como uma das prioridades já para este primeiro ano de legislatura, poderá tentar o agendamento da discussão da sua proposta para outra data ou ainda usar da prerrogativa de fazer o agendamento potestativo do projeto de lei do partido.
Rafael Esteves Martins, assessor de Joacine informou que a deputada estaria “ocupada a trabalhar e, portanto, indisponível para responder” às questões que lhe queriam colocar.
O Livre não pode agora desculpar-se com a gaguez da deputada (que diz não ser descartável), nem com a hipótese de o assessor se ter enredado na saia plissada (O assessor, que deveria ser discreto na sus condição de assessor fez aquela fita toda aquando da posse! Para quê?). E, sabendo que não conta com o beneplácito dos grandes (os pequenos devem ser respeitados, mas não se podem sobrepor aos outros), deve cumprir as regras estabelecidas. É certo que os outros partidos poderiam condescender, mas ninguém os obriga à complacência. Em caso de situações conflituais, mandam o bom senso e a prudência cumprir regras e prazos e não levantar ondas quando não se tem razão.
2019.11.26 – Louro de Carvalho    

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A 5 de maio celebra-se o Dia Mundial da Língua Portuguesa


Foi ratificada, em Paris, neste dia 25 de novembro, pela sua Assembleia Geral, a decisão do Conselho Executivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) do passado dia 17 de outubro, que proclama o dia 5 de maio como o Dia Mundial da Língua Portuguesa, pelo que Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na UNESCO, espera repercussões a nível internacional.
Portugal esteve representado na cerimónia por uma comitiva que incluiu o Primeiro-Ministro, António Costa, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, a Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes e o Embaixador de Portugal na UNESCO, Sampaio da Nóvoa.
O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa já manifestou a sua congratulação pelo reconhecimento da língua portuguesa no mundo, não esquecendo o papel da diplomacia portuguesa e em particular de António Sampaio da Nóvoa. Eis o teor da nota da Presidência da República sobre a tomada de decisão daquele organismo da ONU:
A Conferência Geral da UNESCO acaba de ratificar a decisão de estabelecer o dia 5 de Maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa. É a primeira vez que uma língua não oficial daquela instituição recebe esta consagração, e todos esperamos que seja um primeiro passo para que se torne também língua de trabalho.
“Língua internacional, falada em todos os continentes, e em progressão, sobretudo no hemisfério Sul, o Português deve ser protegido e apoiado antes de mais pelos países da CPLP onde é idioma oficial; Também as organizações internacionais, os Estados onde se fale e estude o Português, universidades ou instituições da sociedade civil de países não lusófonos têm um papel muito importante a desempenhar, porque permitem, no círculos de emigração e para além deles, que a nossa língua (nossa de todos os falantes, independentemente da sua nacionalidade) continue viva e em expansão. Constitui um elo central de ligação entre o território físico de Portugal e a dimensão multinacional da nossa Diáspora.
“Congratulo-me com esta decisão, saudando também o empenho do nosso Embaixador junto da UNESCO, Prof. Doutor Sampaio da Nóvoa, e esperando que, mais do que um gesto simbólico, seja um impulso decisivo.”.
E aos jornalistas, declarando-se “muito feliz” com a proclamação pela UNESCO do dia 5 de maio como Dia Mundial da Língua Portuguesa e agradecendo a Sampaio da Nóvoa o seu contributo para esta decisão, assegurou:
É o reconhecimento de uma grande língua no mundo, uma das maiores línguas do mundo, de que nos orgulhamos nós, portugueses, e todos os que falam essa língua”.
O Chefe de Estado, que falava aos jornalistas à saída do Espaço Júlia – Resposta Integrada de Apoio à Vítima, em Lisboa, assinalou a “feliz coincidência” de o Primeiro-Ministro, António Costa, “se encontrar precisamente em Paris no momento em que há essa decisão formal” da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura.
Em seguida, o Presidente da República quis “prestar homenagem e agradecer o contributo” de António Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na UNESCO, considerando que “foi um batalhador, um militante por essa conquista”. Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “o facto de a UNESCO, que é uma organização mundial, reconhecer o papel da língua portuguesa deve-se à diplomacia portuguesa em geral, deve-se ao valor da língua portuguesa, mas deve-se muito ao contributo do senhor embaixador António Sampaio da Nóvoa”.
O Primeiro-Ministro manifestou-se em sintonia com o Presidente e o país, dizendo à RTP, que “este é um passo muito importante para os 260 milhões de pessoas que têm o Português com língua oficial e que é hoje a língua mais falada no hemisfério Sul”. E acrescentou que se prevê um enorme crescimento do idioma que, estima-se, tenha “até ao final do século 500 milhões” de falantes – uma “língua cada vez mais global” e, por isso, uma “prioridade fundamental na nossa política externa”.
António Costa – que se deslocou a Paris também para homenagear o artista Manuel Cargaleiro, que recebeu a Ordem de Mérito Cultural e da Câmara Municipal de Paris, a medalha Grand Vermeil (a maior distinção que a cidade pode atribuir e que já foi recebida por outros portugueses como Manoel de Oliveira) – respondeu ainda a perguntas sobre o acordo ortográfico, escudando-se na couraça da prudência:
Essa é uma questão [do acordo ortográfico] que os Estados têm debatido: as línguas não são só escritas, têm também uma dimensão falada. O português tem uma caraterística importante, tem-se sabido adaptar a diferentes territórios onde tem evoluído. […] Hoje é uma língua que pertence a muito mais pessoas no Mundo do que só a nós portugueses e isso traduz-se em formas diversas de escrever.”.
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Esta é a primeira vez que uma língua não oficial da organização é distinguida com um dia mundial. A proposta foi trabalhada e apresentada por todos os países lusófonos em outubro e foi apoiada por mais 24 países como Argentina, Chile, Geórgia, Luxemburgo ou Uruguai, o que resultou numa aprovação por unanimidade no Executivo da UNESCO a 17 de outubro e agendada, a 12 de novembro para ratificação na Assembleia Geral. O argumento que concitou a unanimidade foi que o português é a língua mais falada e difundida no hemisfério sul e tem no mundo 265 milhões de falantes, tendo sido o idioma da primeira vaga da globalização, deixando palavras e marcas noutras línguas no mundo.
De acordo com o que o embaixador português na UNESCO declarou à Lusa em outubro, este será um dia celebrado em grande nos corredores da sede da organização com iniciativas musicais e literárias, mas que espera ter impacto internacional, pois “entra nos calendários internacionais, o que significa que ganha projeção do ponto de vista internacional e que pode ter consequências nos mais variados planos”, esperando-se até ao final do ano o avanço de propostas na UNESCO sobre o ensino e formação de professores de português em África.
Recorde-se que, já em 2009, o Conselho de Ministros da CPLP, reunido na Cidade da Praia, Cabo Verde, aprovou uma resolução pela qual instituiu o 5 de maio como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, fundado no facto de o português constituir “um vínculo histórico e um património comum resultantes de uma convivência multissecular que deve ser valorizada” entre os povos da comunidade.
As comemorações – que têm sido promovidas e apoiadas em 54 países pelas Embaixadas e Consulados Portugueses e pela Rede do Camões, I.P. (Coordenações de Ensino, Centros de Língua, Cátedras, Leitorados e Centros Culturais Portugueses), por vezes em associação com representantes culturais e/ou diplomáticos dos países da CPLP – passam a ter lugar nos corredores e areópagos da comunidade mundial. E o dia será oficialmente assinalado na sede da UNESCO com apresentações musicais, literatura e exposições (previsivelmente durante 15 dias), ficando a organização a cargo dos países que têm o português como língua oficial.
Esta medida vai também ajudar os esforços dos países lusófonos na promoção da língua, segundo Luís Faro Ramos, presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua de Portugal, que assistiu à cerimónia e que disse:
No Instituto Camões já apoiamos a celebração do Dia da Língua Portuguesa, mas este reconhecimento vai ajudar-nos a dar mais força às celebrações e o próximo ano será de comemoração renovada e ainda mais forte porque vai despertar consciências.
Para Sampaio da Nóvoa, este é “um passo” para que a língua portuguesa se torne língua de trabalho na Organização das Nações Unidas, a par das atuais línguas de trabalho desta organização mundial: inglês, francês, chinês, espanhol, árabe e russo. Disse o embaixador:
Temos de ir dando pequenos passos, são passos de aproximação em que nós vamos chamando a atenção para a importância da língua. São movimentos no sentido do reconhecimento do português como língua da cooperação internacional”.
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É um bom trunfo para a língua portuguesa e uma vitória da lusofonia, mas também um desafio aos países da CPLP para que devolvam políticas da língua coerentes e mostrem ao mundo a força das suas culturas tão diversas como ricas. Por outro lado, os cidadãos têm aqui um apelo a que falem e escrevam, em português, comunicação, literatura, ciências, arte, economia, política, história, geografia, filosofia, teologia, etc., sem se refugiarem envergonhada e servilmente numa qualquer língua estrangeira em nome de modas ou falas supremacias. O português, que deixou as suas marcas em praticamente todas as línguas e culturas, é tão válido e capaz como qualquer outra língua e capaz de responder a todos os desafios e incorporar todas as competências inerentes à atividade humana.  
2019.11.25 – Louro de Carvalho