sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Finanças vaticanas, pena capital e relações com os países



Foram, além das questões da energia nuclear e da paz, temas abordados na conferência de imprensa no voo de regresso da 32.ª Viagem Apostólica do pontificado de Francisco de 19 a 26 de novembro deste ano de 2019 (Tailândia e Japão). 
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Cristiana Caricato, da TV 2000, apontou o caso da compra de imóveis pela Santa Sé no centro de Londres, no valor de milhões, envolvendo o Óbolo de São Pedro, e confrontou o Pontífice com reiteradas declarações suas de que não se deve ganhar dinheiro com dinheiro, a denunciar o uso sem escrúpulo das finanças.
Em resposta, o Papa falou em boa administração, que não sucederia se, ao chegar a coleta para o Óbolo de São Pedro, a mandasse aferrolhar. Assim, a Santa Sé procura investir e, quando é preciso doar ou quando há uma necessidade, usa-se desse capital, que não se desvaloriza, se mantém ou cresce um pouco. (É de anotar que agora, para socorro das vítimas do terramoto da Albânia e restante parte da costa adriática, já foi enviado um primeiro donativo de 100 mil euros). Diz o Papa que também se pode comprar uma propriedade, alugá-la e depois vendê-la, mas com segurança, com todas as seguranças para o bem das pessoas e do Óbolo, e explica:
Esta é uma boa administração. A administração da gaveta é má. Mas é preciso buscar uma boa administração, um bom investimento. Está claro? Um investimento como dizemos, ‘das viúvas’, como fazem as viúvas: dois ovos aqui, três ali, cinco acolá. Se um cai, há outro, não se arruína. Sempre seguro e moral. Se se faz um investimento do Óbolo de São Pedro na fábrica de armamentos, o Óbolo não será Óbolo ali. Se se faz um investimento e durante anos não se mexe no capital, não é bom. O Óbolo de São Pedro deve ser gasto num ano, um ano e meio, até que chegue a outra coleta que se faz mundialmente. Isso é boa administração: com segurança.”.
Admite que se fizeram coisas que “não pareciam limpas”, mas que a denúncia não veio de fora”. Com efeito, a reforma da metodologia económica começou com Bento XVI e foi o Revisor das contas internas que denunciou a situação a Francisco, o qual remeteu para a justiça vaticana, mandando que fizesse a denúncia ao Promotor de Justiça. Agora, a administração vaticana tem recursos para esclarecer as coisas ruins que aconteceram. Não se sabe ainda se o caso tem a ver com o imóvel de Londres, mas sabe-se que houve corrupção. E Francisco explanou:
O Promotor de Justiça estudou a questão, fez consultorias e viu que havia um desequilíbrio no orçamento. Depois, pediu-me permissão para fazer as investigações: há um pressuposto de corrupção e disse-me que ele tinha que fazer investigação nesta, naquela e naqueloutra repartição. Eu assinei a autorização. A investigação foi realizada em cinco escritórios e hoje, embora exista a suposição de inocência, existem capitais que não são bem administrados, também com a corrupção.”.
Em menos de um mês terão início os interrogatórios das 5 pessoas que foram bloqueadas por indícios de corrupção. Não se sabe, de momento, se são corruptas, pois a presunção de inocência é uma garantia, um direito humano. Mas há corrupção. As investigações dirão se são culpadas ou não. Não é bonito ter isto ocorrido no Vaticano, mas é esclarecido pelos mecanismos que funcionam, mostrando o que o Papa Bento tinha começado a fazer e com razão. Assim, Francisco agradece a Deus, não por haver corrupção, mas por o sistema de controlo vaticano funcionar. 
Philip Pullella, da Reuters, falou na guerra interna sobre quem deve controlar o dinheiro, dizendo que a maior parte dos membros do conselho de administração da AIF (Autoridade de Informação Financeira) se demitiu, que Egmont, o grupo das autoridades financeiras, suspendeu o Vaticano das comunicações seguras após o ataque de 1 de outubro, que o diretor da AIF foi suspenso e que ainda não há um revisor geral. Por isso, perguntou pelo que o Pontífice pode fazer ou dizer para garantir à comunidade financeira internacional e aos fiéis chamados a contribuir para o Óbolo que o Vaticano não voltará a ser um pária a excluir, em quem não se possa confiar, e que as reformas continuarão, não se voltando a hábitos passados.
Respondendo, Francisco salientou progressos na administração vaticana, especificando:
O IOR hoje é aceite por todos os bancos e pode agir como os bancos italianos, algo que, há um ano, não existia, houve progressos. Depois, (…) o grupo Egmont (…) é um grupo de membros da AIF, e o controlo internacional não depende do grupo Egmont, que é um grupo privado, embora tenha o seu peso. Monyeval fará a inspeção programada para os primeiros meses do ano próximo (…). O diretor da AIF foi suspenso porque havia suspeitas de uma gestão não eficiente. O presidente da AIF esforçou-se com o grupo Egmont para recuperar a documentação.”.
Perante os factos, foi consultado um magistrado italiano e concluiu-se que a justiça face a uma acusação de corrupção é soberana, não podendo ninguém interferir. Assim, devem ser estudados os documentos que fazem emergir o que parece má administração no sentido de controlo mal feito e esperar o que as provas ditarem. Entretanto, há a presunção de inocência.
Quanto ao presidente da AIF, que não foi eficaz no controlo, foi informado da sua exoneração e já foi encontrado o seu sucessor (o especialista italiano Carmelo Barbagallo), um magistrado de altíssimo nível jurídico e económico nacional e internacional.
Seria um contrassenso que a autoridade de controlo fosse soberana acima do Estado. O que prejudicou um pouco foi o grupo Egmont, um grupo privado que ajuda muito, mas não é a autoridade de controlo de Moneyval (Comité de Peritos em Avaliação de Medidas contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo). Moneyval estudará os números, os procedimentos, estudará como agiu o promotor de justiça e como o juiz e os juízes determinaram as coisas.
E Francisco sublinhou:
É a primeira vez no Vaticano que a panela é destampada a partir de dentro, não de fora. De fora tantas vezes [isso aconteceu]. Isso foi-nos dito tantas vezes e nós com tanta vergonha... Mas o Papa Bento foi sábio, começou um processo que amadureceu, amadureceu e agora existem as instituições. Que o revisor tenha tido a coragem de fazer uma denúncia escrita contra cinco pessoas está a funcionar... Realmente, não quero ofender o grupo Egmont, porque promove tanto bem, ajuda, mas, neste caso, a soberania do Estado é a justiça, que é mais soberana que o poder executivo.”.
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E, a 27 de novembro, o Papa nomeou, após o regresso do Japão, como prometera, o especialista italiano Carmelo Barbagallo como o novo presidente da AIF, a instituição da Santa Sé para a luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. O nomeado vem do Banco de Itália, onde desempenhava funções na área de supervisão bancária e financeira e nas relações com o Mecanismo Único de Supervisão – Single Supervisory Mechanism.
Em declarações ao portal de notícias do Vaticano, Barbagallo agradeceu a confiança do Papa e manifestou a intenção de “trazer toda a experiência acumulada em 40 anos de trabalho no Banco da Itália, como inspetor, como chefe de supervisão do sistema bancário e financeiro italiano e no sistema europeu de supervisão bancária”. E confessou:
Estou certo de que a AIF poderá dar a sua contribuição, como autoridade supervisora, para que continuem a ser afirmados e reconhecidos os valores fundamentais da correção e transparência de todos os movimentos financeiros em que a Santa Sé está envolvida”.
O presidente da AIF quis “tranquilizar o sistema internacional de informações financeiras”, assumindo o objetivo de prestar a colaboração necessária “em absoluta conformidade com os melhores padrões internacionais”.
A respeito desta nomeação, o Banco da Itália refere, em comunicado, que “Carmelo Barbagallo, na sua longa carreira, adquiriu uma vasta experiência no campo da supervisão bancária”, manifestando-lhe a sua “profunda gratidão”.
A AIF desempenha as funções de informação e supervisão financeira, tanto para fins de prevenção quanto para o combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo; foi estabelecida por Bento XVI em 2010 e consolidou o seu mandato institucional em 2013, quando Francisco lhe atribuiu mandato para realizar supervisão prudencial.
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Elisabeth Zunica, do Kyoto News, falou de Akamada Iwao, um japonês condenado à morte e à espera da revisão do processo, que esteve na missa na Tóquio Dome, mas que não teve como falar com o Papa. E, frisando que a pena de morte é um tema muito discutido no Japão e que, pouco antes da reforma do Catecismo sobre este tema, foram executadas 13 condenações à morte, anotou que nos discursos papais não houve uma referência a esta questão, pelo que perguntou se houve conversa sobre o tema como com o premier Shinto Abe. E o Papa vincou:
Sobre aquele caso de pena de morte, eu fiquei sabendo depois, não sabia daquela pessoa. Falei com o Primeiro-Ministro sobre muitos problemas, sobre processos, condenações eternas que jamais acabam, quer com a morte, quer sem ela. Mas falei de problemas gerais, que existem também em outros países: os cárceres superlotados, as pessoas que aguardam com uma prisão preventiva sem presunção de inocência.”.
Todavia, frisou que, ainda há 15 dias, fizera um pronunciamento para o Simpósio Internacional de Direito Penal e falou sobre este tema, reiterando que “não se pode utilizar a pena de morte (não é moral) e que isso deve ser unido ao desenvolvimento progressivo da consciência. E relevou que alguns países não abolem a pena de morte por problemas políticos, mas “fazem uma suspensão que é um modo de dar a prisão perpétua sem a declarar”. No entanto, Francisco insiste que a condenação deve ser para a reinserção, pois “uma condenação sem janelas de horizonte não é humana”. Mesmo na prisão perpétua deve pensar-se sobre algum modo como o recluso se possa reinserir (dentro ou fora). É certo que há condenados por um problema de loucura, doença, incorrigibilidade genética. Então, é preciso buscar o modo de desempenharem atividades que os façam sentir-se pessoas. E o Pontífice, denunciando o que se passa em muitos lugares – cárceres superlotados, que são depósitos de carne humana, que, ao invés de crescer de modo salutar, se corrompe –, diz:  
Devemos lutar contra a pena de morte lenta. Existem casos que me dão alegria porque há países que dizem: nós paramos por aqui. Um governador de um Estado no ano passado, antes de deixar o encargo, fez a suspensão quase definitiva: são passos de uma consciência humana. Mas alguns países ainda não conseguiram incorporar-se nessa linha de humanidade.”.
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Passando a outra questão, Roland Juchem, do CIC, apontou que o Papa, no voo de Bangcoc a Tóquio, enviou um telegrama a Carrie Lam, de Hong Kong, pelo que o questionou sobre o que acha da situação ali, com manifestações e eleições municipais, e sobre quando irá a Pequim.
E Francisco respondeu que os telegramas aos Chefes de Estado” são uma saudação e uma forma educada de pedir permissão para sobrevoar o seu território, não significando condenação ou apoio. Todos os aviões, quando tecnicamente entram num espaço aéreo de outro país, avisam as autoridades de que o estão a fazer; e os Chefes de Estado fazem-no por cortesia.
Sobre a situação em Hong Kong, o Papa disse que a acompanha com atenção, tal como o faz em relação ao Chile ou à democrática França (um ano de coletes amarelos), à Nicarágua e a outros países latino-americanos que têm problemas do género e também em alguns países europeus. Ora, a Santa Sé apela ao diálogo, à paz. E o Pontífice respeita a paz e pede paz para todos estes países que têm problemas, incluindo a Espanha. Por fim, confessa que gostaria de ir a Pequim, pois ama a China.
Por seu turno, Valentina Alazraki, da Televisa, falou da América Latina em chamas, referindo que “vimos depois da Venezuela e do Chile imagens que não pensávamos ver depois de Pinochet” ou a situação na Bolívia, na Nicarágua e em outros países: revoltas, violência nas ruas, mortes, feridos, igrejas até queimadas, violadas. Por isso, pediu a análise do Papa sobre estes acontecimentos e quis saber o que a Igreja e o Pontífice latino-americano estão a fazer. Ao que Bergoglio tentou responder:
Alguém me disse isto: é preciso fazer uma análise. A situação hoje na América Latina parece-se com a de 1974-1980, no Chile, Argentina, Uruguai, Brasil, Paraguai com Strössner e, creio, também na Bolívia... Eles tinham a Operação Condor naquele momento... Uma situação em chamas, mas eu não sei se é o problema que parece ou se é outro. Realmente neste momento eu não sou capaz de fazer a análise disso. É verdade que não existem precisamente declarações de paz. O que está a ocorrer no Chile assusta-me, porque o Chile está a sair dum problema de abusos que causou tanto sofrimento e agora um problema deste tipo que não compreendemos bem. Mas (…) temos de procurar o diálogo e a análise. Ainda não encontrei uma análise bem feita da situação na América Latina. E também há governos fracos, muito fracos, que não conseguiram colocar ordem e paz, e é por isso que chegamos a essa situação.”.
A mesma Valentina Alazraki levantou o problema da mediação solicitada por Evo Morales. E Francisco referiu que efetivamente a Venezuela pediu mediação e a Santa Sé sempre se mostrou disponível. Depois, salientou a boa relação com estes países, sendo que a Santa Sé está presente para ajudar quando é necessário. Já a Bolívia fez um pedido às Nações Unidas, que enviaram delegados, e até a alguém das nações europeias. O Papa disse não saber se o Chile fez algum pedido de mediação internacional, que o Brasil não o fez e que ali também há problemas. 
Por fim, aproveitou a pergunta de Valentina Alazraki para observar que os jornalistas falaram pouco sobre a Tailândia, que é algo diferente do Japão, uma cultura de transcendência, uma cultura também de beleza, mas diferente da beleza do Japão. E frisou: “uma cultura, tanta pobreza e tantas riquezas espirituais”, mas com um problema que faz mal aos nossos corações, fazendo-nos pensar na Grécia e noutros países. Enalteceu a mestria desta jornalista no problema da exploração, que estudou bem e que publicou em livro que fez tanto bem. E expôs:
E na Tailândia, alguns lugares na Tailândia são difíceis por isso. Mas há a Tailândia do sul, e há também a bela Tailândia do norte, aonde eu não pude ir, que é tribal e tem toda uma outra cultura. Recebi cerca de 20 pessoas daquela região, primeiros cristãos, primeiros batizados, que vieram a Roma, com outra cultura, diferente, as culturas tribais. E Bangcoc, como vimos, é uma cidade forte, muito moderna, mas tem problemas diferentes dos do Japão e tem riquezas diferentes das do Japão.”.
Não deixou de dizer que sublinhou o problema da exploração para agradecer à jornalista pelo seu livro, tal como gostaria de agradecer o livro “verde” de Franca Giansoldati: “duas mulheres que estão no avião e que fizeram um livro”, abordando cada uma os problemas de hoje – “o problema ecológico e o problema da destruição da mãe terra, do meio ambiente; e o problema da exploração humana”. E sublinhou que as mulheres trabalham mais que os homens (não sei se os cavalheiros gostaram da asserção, mas Francisco tem razão: quando se aplicam, as mulheres não brincam em serviço) e são capazes, não se esquecendo da camisa de Rocio, a camisa de uma mexicana assassinada, que Valentina doou ao Papa durante uma entrevista em vídeo há poucos meses.
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Em suma, o Papa Francisco não foge às questões. Algumas respostas são certeiras e categóricas, ao passo que outras são de pré-abordagem firmada em opinião pessoal, ainda sem análise consistente, mas sempre a abrir caminhos e a antever um estudo com vista a uma posição consolidada.  
2019.11.28 – Louro de Carvalho

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