Foram, além das questões da energia nuclear e da paz, temas abordados na
conferência de imprensa no voo de regresso da 32.ª Viagem Apostólica do pontificado
de Francisco de 19 a 26 de novembro deste ano de 2019 (Tailândia e Japão).
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Cristiana Caricato, da TV 2000,
apontou o caso da compra de imóveis pela Santa Sé no centro de Londres, no
valor de milhões, envolvendo o Óbolo de São Pedro, e confrontou o Pontífice com
reiteradas declarações suas de que não se deve ganhar dinheiro com dinheiro, a
denunciar o uso sem escrúpulo das finanças.
Em resposta, o Papa falou em boa administração, que não sucederia se, ao
chegar a coleta para o Óbolo de São
Pedro, a mandasse aferrolhar. Assim, a Santa Sé procura investir e, quando é
preciso doar ou quando há uma necessidade, usa-se desse capital, que não se
desvaloriza, se mantém ou cresce um pouco. (É de anotar que agora, para socorro
das vítimas do terramoto da Albânia e restante parte da costa adriática, já foi
enviado um primeiro donativo de 100 mil euros). Diz o Papa que também se pode comprar uma propriedade, alugá-la e depois
vendê-la, mas com segurança, com todas as seguranças para o bem das pessoas e do
Óbolo, e explica:
“Esta é uma boa administração. A administração da gaveta é má. Mas é
preciso buscar uma boa administração, um bom investimento. Está claro? Um
investimento como dizemos, ‘das viúvas’, como fazem as viúvas: dois ovos aqui,
três ali, cinco acolá. Se um cai, há outro, não se arruína. Sempre seguro e
moral. Se se faz um investimento do Óbolo de São Pedro na fábrica de
armamentos, o Óbolo não será Óbolo ali. Se se faz um investimento e durante
anos não se mexe no capital, não é bom. O Óbolo de São Pedro deve ser gasto num
ano, um ano e meio, até que chegue a outra coleta que se faz mundialmente. Isso
é boa administração: com segurança.”.
Admite que
se fizeram coisas que “não pareciam limpas”, mas que a denúncia não veio de
fora”. Com efeito, a reforma da metodologia económica começou com Bento XVI e
foi o Revisor das contas internas que denunciou a situação a Francisco, o qual
remeteu para a justiça vaticana, mandando que fizesse a denúncia ao Promotor de
Justiça. Agora, a administração vaticana tem recursos para esclarecer as coisas
ruins que aconteceram. Não se sabe ainda se o caso tem a ver com o imóvel de
Londres, mas sabe-se que houve corrupção. E Francisco explanou:
“O Promotor de Justiça estudou a questão, fez consultorias e viu que havia
um desequilíbrio no orçamento. Depois, pediu-me permissão para fazer as
investigações: há um pressuposto de corrupção e disse-me que ele tinha que
fazer investigação nesta, naquela e naqueloutra repartição. Eu assinei a
autorização. A investigação foi realizada em cinco escritórios e hoje, embora
exista a suposição de inocência, existem capitais que não são bem
administrados, também com a corrupção.”.
Em menos de
um mês terão início os interrogatórios das 5 pessoas que foram bloqueadas por indícios
de corrupção. Não se sabe, de momento, se são corruptas, pois a presunção de
inocência é uma garantia, um direito humano. Mas há corrupção. As investigações
dirão se são culpadas ou não. Não é bonito ter isto ocorrido no Vaticano, mas é
esclarecido pelos mecanismos que funcionam, mostrando o que o Papa Bento tinha
começado a fazer e com razão. Assim, Francisco agradece a Deus, não por haver
corrupção, mas por o sistema de controlo vaticano funcionar.
Philip Pullella, da Reuters,
falou na guerra interna sobre quem deve controlar o dinheiro, dizendo que a
maior parte dos membros do conselho de administração da AIF (Autoridade de Informação Financeira) se demitiu, que Egmont, o grupo das autoridades financeiras, suspendeu
o Vaticano das comunicações seguras após o ataque de 1 de outubro, que o
diretor da AIF foi suspenso e que ainda não há um revisor geral. Por isso, perguntou
pelo que o Pontífice pode fazer ou dizer para garantir à comunidade financeira
internacional e aos fiéis chamados a contribuir para o Óbolo que o Vaticano não
voltará a ser um pária a excluir, em quem não se possa confiar,
e que as reformas continuarão, não se voltando a hábitos passados.
Respondendo,
Francisco salientou progressos na administração vaticana, especificando:
“O IOR hoje é aceite por todos os bancos e pode agir como os bancos
italianos, algo que, há um ano, não existia, houve progressos. Depois, (…) o
grupo Egmont (…) é um grupo de membros da AIF, e o controlo internacional não
depende do grupo Egmont, que é um grupo privado, embora tenha o seu peso.
Monyeval fará a inspeção programada para os primeiros meses do ano próximo (…).
O diretor da AIF foi suspenso porque havia suspeitas de uma gestão não
eficiente. O presidente da AIF esforçou-se com o grupo Egmont para recuperar a
documentação.”.
Perante os
factos, foi consultado um magistrado italiano e concluiu-se que a justiça face
a uma acusação de corrupção é soberana, não podendo ninguém interferir. Assim,
devem ser estudados os documentos que fazem emergir o que parece má
administração no sentido de controlo mal feito e esperar o que as provas
ditarem. Entretanto, há a presunção de inocência.
Quanto ao
presidente da AIF, que não foi eficaz no controlo, foi informado da sua
exoneração e já foi encontrado o seu sucessor (o especialista
italiano Carmelo Barbagallo), um
magistrado de altíssimo nível jurídico e económico nacional e internacional.
Seria um
contrassenso que a autoridade de controlo fosse soberana acima do Estado. O que
prejudicou um pouco foi o grupo Egmont, um grupo privado que ajuda muito, mas
não é a autoridade de controlo de Moneyval (Comité
de Peritos em Avaliação de Medidas contra a Lavagem de Dinheiro e o
Financiamento do Terrorismo). Moneyval
estudará os números, os procedimentos, estudará como agiu o promotor de justiça
e como o juiz e os juízes determinaram as coisas.
E Francisco
sublinhou:
“É a primeira vez no Vaticano que a panela é destampada a partir de
dentro, não de fora. De fora tantas vezes [isso aconteceu]. Isso foi-nos dito
tantas vezes e nós com tanta vergonha... Mas o Papa Bento foi sábio, começou um
processo que amadureceu, amadureceu e agora existem as instituições. Que o
revisor tenha tido a coragem de fazer uma denúncia escrita contra cinco pessoas
está a funcionar... Realmente, não quero ofender o grupo Egmont, porque promove
tanto bem, ajuda, mas, neste caso, a soberania do Estado é a justiça, que é
mais soberana que o poder executivo.”.
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E, a 27 de novembro, o Papa nomeou, após o regresso do Japão,
como prometera, o especialista italiano Carmelo Barbagallo como o novo
presidente da AIF, a instituição da Santa Sé para a luta contra a lavagem de
dinheiro e o financiamento do terrorismo. O nomeado vem do Banco de Itália,
onde desempenhava funções na área de supervisão bancária e financeira e nas
relações com o Mecanismo Único de Supervisão – Single Supervisory Mechanism.
Em declarações ao portal de notícias do Vaticano, Barbagallo
agradeceu a confiança do Papa e manifestou a intenção de “trazer toda a experiência
acumulada em 40 anos de trabalho no Banco da Itália, como inspetor, como chefe
de supervisão do sistema bancário e financeiro italiano e no sistema europeu de
supervisão bancária”. E confessou:
“Estou certo de que a AIF poderá dar a sua
contribuição, como autoridade supervisora, para que continuem a ser afirmados e
reconhecidos os valores fundamentais da correção e transparência de todos os
movimentos financeiros em que a Santa Sé está envolvida”.
O presidente da AIF quis “tranquilizar o sistema internacional
de informações financeiras”, assumindo o objetivo de prestar a colaboração
necessária “em absoluta conformidade com os melhores padrões internacionais”.
A respeito desta nomeação, o Banco da Itália refere, em
comunicado, que “Carmelo Barbagallo, na sua longa carreira, adquiriu uma vasta
experiência no campo da supervisão bancária”, manifestando-lhe a sua “profunda
gratidão”.
A AIF desempenha as funções de informação e supervisão
financeira, tanto para fins de prevenção quanto para o combate à lavagem de
dinheiro e financiamento ao terrorismo; foi estabelecida por Bento XVI em 2010
e consolidou o seu mandato institucional em 2013, quando Francisco
lhe atribuiu mandato para realizar supervisão prudencial.
***
Elisabeth Zunica, do Kyoto News, falou de Akamada Iwao,
um japonês condenado à morte e à espera da revisão do processo, que esteve na
missa na Tóquio Dome, mas que não teve como falar com o Papa. E, frisando que a
pena de morte é um tema muito discutido no Japão e que, pouco antes da reforma
do Catecismo sobre este tema, foram executadas 13 condenações à morte, anotou
que nos discursos papais não houve uma referência a esta questão, pelo que
perguntou se houve conversa sobre o tema como com o premier Shinto Abe. E o Papa vincou:
“Sobre aquele caso de pena de morte, eu fiquei sabendo depois, não sabia
daquela pessoa. Falei com o Primeiro-Ministro sobre muitos problemas, sobre
processos, condenações eternas que jamais acabam, quer com a morte, quer sem
ela. Mas falei de problemas gerais, que existem também em outros países: os
cárceres superlotados, as pessoas que aguardam com uma prisão preventiva sem
presunção de inocência.”.
Todavia,
frisou que, ainda há 15 dias, fizera um pronunciamento para o Simpósio Internacional
de Direito Penal e falou sobre este tema, reiterando que “não se pode utilizar
a pena de morte (não é moral) e que isso deve ser unido ao desenvolvimento
progressivo da consciência. E relevou que alguns países não abolem a pena de
morte por problemas políticos, mas “fazem uma suspensão que é um modo de dar a
prisão perpétua sem a declarar”. No entanto, Francisco insiste que a condenação
deve ser para a reinserção, pois “uma condenação sem janelas de horizonte não é
humana”. Mesmo na prisão perpétua deve pensar-se sobre algum modo como o
recluso se possa reinserir (dentro ou fora). É certo
que há condenados por um problema de loucura, doença, incorrigibilidade
genética. Então, é preciso buscar o modo de desempenharem atividades que os
façam sentir-se pessoas. E o Pontífice, denunciando o que se passa em muitos lugares
– cárceres superlotados, que são depósitos de carne humana, que, ao invés de
crescer de modo salutar, se corrompe –, diz:
“Devemos lutar contra a pena de morte lenta. Existem casos que me dão
alegria porque há países que dizem: nós paramos por aqui. Um governador de um
Estado no ano passado, antes de deixar o encargo, fez a suspensão quase
definitiva: são passos de uma consciência humana. Mas alguns países ainda não
conseguiram incorporar-se nessa linha de humanidade.”.
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Passando a outra questão, Roland Juchem, do CIC, apontou que o Papa, no voo de Bangcoc a Tóquio, enviou um
telegrama a Carrie Lam, de Hong Kong, pelo que o questionou sobre o que acha da
situação ali, com manifestações e eleições municipais, e sobre quando irá a
Pequim.
E Francisco
respondeu que os telegramas aos Chefes de Estado” são uma saudação e uma forma
educada de pedir permissão para sobrevoar o seu território, não significando
condenação ou apoio. Todos os aviões, quando tecnicamente entram num espaço
aéreo de outro país, avisam as autoridades de que o estão a fazer; e os Chefes
de Estado fazem-no por cortesia.
Sobre a
situação em Hong Kong, o Papa disse que a acompanha com atenção, tal como o faz
em relação ao Chile ou à democrática França (um ano de coletes amarelos), à Nicarágua e a outros países latino-americanos que
têm problemas do género e também em alguns países europeus. Ora, a Santa Sé apela
ao diálogo, à paz. E o Pontífice respeita a paz e pede paz para todos estes
países que têm problemas, incluindo a Espanha. Por fim, confessa que gostaria
de ir a Pequim, pois ama a China.
Por seu turno, Valentina Alazraki, da Televisa,
falou da América Latina em chamas, referindo que “vimos depois da Venezuela e
do Chile imagens que não pensávamos ver depois de Pinochet” ou a situação na Bolívia,
na Nicarágua e em outros países: revoltas, violência nas ruas, mortes, feridos,
igrejas até queimadas, violadas. Por isso, pediu a análise do Papa sobre estes
acontecimentos e quis saber o que a Igreja e o Pontífice latino-americano estão
a fazer. Ao que Bergoglio tentou responder:
“Alguém me disse isto: é preciso fazer uma análise. A situação hoje na
América Latina parece-se com a de 1974-1980, no Chile, Argentina, Uruguai,
Brasil, Paraguai com Strössner e, creio, também na Bolívia... Eles tinham a
Operação Condor naquele momento... Uma situação em chamas, mas eu não sei se é
o problema que parece ou se é outro. Realmente neste momento eu não sou capaz
de fazer a análise disso. É verdade que não existem precisamente declarações de
paz. O que está a ocorrer no Chile assusta-me, porque o Chile está a sair dum
problema de abusos que causou tanto sofrimento e agora um problema deste tipo
que não compreendemos bem. Mas (…) temos de procurar o diálogo e a análise.
Ainda não encontrei uma análise bem feita da situação na América Latina. E
também há governos fracos, muito fracos, que não conseguiram colocar ordem e
paz, e é por isso que chegamos a essa situação.”.
A mesma Valentina Alazraki levantou o problema da mediação solicitada por
Evo Morales. E Francisco referiu que efetivamente a Venezuela pediu mediação e a Santa Sé sempre se mostrou
disponível. Depois, salientou a boa relação com estes países, sendo que a Santa
Sé está presente para ajudar quando é necessário. Já a Bolívia fez um pedido às
Nações Unidas, que enviaram delegados, e até a alguém das nações europeias. O
Papa disse não saber se o Chile fez algum pedido de mediação internacional, que
o Brasil não o fez e que ali também há problemas.
Por fim, aproveitou
a pergunta de Valentina Alazraki para
observar que os jornalistas falaram pouco sobre a Tailândia, que é algo
diferente do Japão, uma cultura de transcendência, uma cultura também de beleza,
mas diferente da beleza do Japão. E frisou: “uma cultura, tanta pobreza e
tantas riquezas espirituais”, mas com um problema que faz mal aos nossos
corações, fazendo-nos pensar na Grécia e noutros países. Enalteceu a mestria
desta jornalista no problema da exploração, que estudou bem e que publicou em
livro que fez tanto bem. E expôs:
“E na Tailândia, alguns lugares na Tailândia são difíceis por isso. Mas
há a Tailândia do sul, e há também a bela Tailândia do norte, aonde eu não pude
ir, que é tribal e tem toda uma outra cultura. Recebi cerca de 20 pessoas
daquela região, primeiros cristãos, primeiros batizados, que vieram a Roma, com
outra cultura, diferente, as culturas tribais. E Bangcoc, como vimos, é uma
cidade forte, muito moderna, mas tem problemas diferentes dos do Japão e tem
riquezas diferentes das do Japão.”.
Não deixou
de dizer que sublinhou o problema da exploração para agradecer à jornalista pelo
seu livro, tal como gostaria de agradecer o livro “verde” de Franca
Giansoldati: “duas mulheres que estão no
avião e que fizeram um livro”, abordando cada uma os problemas de hoje – “o problema ecológico e o problema da
destruição da mãe terra, do meio ambiente; e o problema da exploração humana”.
E sublinhou que as mulheres trabalham mais que os homens (não sei se
os cavalheiros gostaram da asserção, mas Francisco tem razão: quando se aplicam,
as mulheres não brincam em serviço) e são
capazes, não se esquecendo da camisa de Rocio, a camisa de uma mexicana
assassinada, que Valentina doou ao Papa durante uma entrevista em vídeo há
poucos meses.
***
Em suma, o
Papa Francisco não foge às questões. Algumas respostas são certeiras e
categóricas, ao passo que outras são de pré-abordagem firmada em opinião
pessoal, ainda sem análise consistente, mas sempre a abrir caminhos e a antever
um estudo com vista a uma posição consolidada.
2019.11.28 –
Louro de Carvalho
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