Decorreu hoje, dia 13, o primeiro debate
parlamentar com o Primeiro-Ministro na XIV Legislatura. E, se é verdade que
António Costa esteve à vontade no discurso inicial, deixou coisas por explicar
ou mal explicadas nas réplicas aos deputados. Neste aspeto sobressaem questões
como a sugestão de professores emigrarem e o plano de não retenção no ensino
básico.
Neste
primeiro debate quinzenal da legislatura, o Governo apareceu só pela metade na
bancada do Governo, ao invés do que sucedia nas legislaturas anteriores, onde habitualmente
todos os ministros tomavam os seus lugares. A isto o gabinete do Primeiro-Ministro
esclareceu o critério: só os ministros
coordenadores dos 4 eixos temáticos do Programa de Governo e os ministros das
áreas em debate é que se sentarão na bancada do Governo nos debates quinzenais,
isto é:
“Além do Primeiro-Ministro (e seus secretários de Estado), os ministros
de Estado, os ministros Coordenadores dos 4 Eixos temáticos do Programa do
Governo (que são, na maioria, coincidentes com os ministros de Estado) e os
ministros ou secretários de Estado dos temas do debate (quando escolhidos pelo
Governo) ou os que o Governo considere necessários para os temas escolhidos
pela oposição”.
Pelos vistos,
a prática é comum e também no primeiro debate quinzenal da anterior legislatura
só compareceram 8 ministros. E a explicação é:
“Quando os debates quinzenais são
inaugurados pela intervenção inicial do Primeiro-Ministro, o único membro do
Governo que pode responder aos deputados é o próprio Primeiro-Ministro. Assim,
o Executivo faz-se representar apenas pelos ministérios que tutelam as áreas
escolhidas para o discurso.”.
***
Na abertura
do debate quinzenal, Costa destacou o que julga ser “um dos resultados mais
importantes da mudança de política económica” do último Governo: “redução para metade da taxa de desemprego”
– apoiado nos números do INE, divulgados na semana passada, que deram conta duma
taxa de desemprego de 6,1%, “o valor mais baixo dos últimos 17 anos”. E, sobre
este dado, o Chefe do Governo apontou outros dois: 95% dos postos de trabalho
líquidos criados na legislatura anterior “consistiram em contratos sem termo”;
o rendimento salarial médio “melhorou em 9%”. Não obstante, diz que “ainda há muito caminho a percorrer”.
No tocante à
política de rendimentos – e no dia em que o Governo anunciou querer salário
mínimo de 635 euros no próximo ano – o Primeiro-Ministro apontou as prioridades
nesta área para a legislatura. Afirmou a necessidade de “garantir um horizonte
de vida estável e previsível para quem trabalha”; prometeu “maior capacidade de
fiscalização” dos contratos a prazo; colocou a promoção de uma “maior
conciliação entre a vida pessoal e familiar e a atividade profissional”; e disse
esperar concluir “em breve” na concertação social” o acordo nesta matéria. Por
outro lado, disse que não se trata de dar atenção apenas à “componente
salarial”, mas também à fiscalidade sobre o trabalho, às transferências não
monetárias no acesso aos serviços públicos de qualidade e a outros rendimentos
como as prestações ou pensões. E acabou por verbalizar a necessidade de
“melhorar os rendimentos de quem trabalho”, desafiando para um “movimento
generalizado de subida dos salários” e para o qual chama sindicatos e
patronato.
Enfim, o Governo
quer um “pacto para o crescimento, com mais investimento, melhor conhecimento e
maior rendimento”, onde se inclui a questão dos jovens qualificados, “a geração
mais bem preparada de sempre”, mas que “ainda não tem a remuneração mais justa
de sempre”. E quer fixar um referencial, na contratação coletiva, dum “prémio de
qualificação aplicável a quem tem uma licenciatura e quem frequentou um curso
técnico e profissional”.
Quanto ao
salário mínimo nacional, o Primeiro-Ministro recusou que o seu aumento seja
feito com base na inflação, argumentando que isso faria com que crescesse
“apenas 12% até 2032, atingindo os 672 euros”. Isto quando o objetivo deste
Governo é, no final da legislatura, de 750 euros. No momento de resposta à
deputada do Livre que dizia que era uma questão de amor e o queria em 900 euros
e já, Costa clamou que não é uma questão de amor, mas de justiça. Porém, não
explicou a diferença nem porque não passava a ambicionar a meta dos 900 euros e
para já.
Disse apenas
que este aumento vai “ainda mais longe” do que aquele que se fez na legislatura
anterior: “Se nos últimos quatro anos o
salário mínimo aumentou 95 euros, nos próximos quatro aumentará 150 euros”.
E anunciou no plenário o que já tinha sido anunciado de manhã: vai
aprovar no Conselho de Ministros o valor do salário mínimo de 635 euros para o
próximo ano – valor que, na ótica do Governo, é “adequado à situação económica
e social e perfeitamente compatível com o objetivo de legislatura” – quod erat demonstrandum.
Entretanto,
Tiago Barbosa Ribeiro, do PS anotou que há “um consenso parlamentar” sobre um
política salarial “digna”, registando “com agrado” que “algumas destas forças
políticas achavam impossível conciliar o crescimento da economia e a melhoria
das condições de vida dos cidadãos”. O deputado socialista disse que a ambição
é “ir mais além”, nesta matéria, do que o Governo fez na última legislatura.
***
João Cotrim
Figueiredo, da Iniciativa Liberal, questionou António Costa sobre o
englobamento de rendimentos em sede de IRS prevista pelo Governo, eliminando as
diferenças entre taxas. E deu um exemplo: “Uma
portuguesa com um salário mensal de 630 euros com uma renda de 50 euros por mês
tem um aumento de IRS de 60%. Para o
PS, faz parte dos ricos”. E questionou o Primeiro-Ministro sobre se “pode
confirmar que não vai haver aumentos globais de impostos nesta legislatura”.
Costa
respondeu que o Programa do Governo “prevê que haja um progressivo englobamento
de rendimentos”, mas que não está em lado nenhum que acontecerá já no próximo
ano e também diz que “qualquer especulação ou exercício de figuração que aqui
fez não assenta em mais nada do que pura imaginação”. Aliás, diz mesmo ser “patético”
este exercício porque “o englobamento pode isentar a tal senhora” ou “pode ser
apenas para rendas de valores mais elevados”: “É tão patético o exercício feito pelas consultorias como o exemplo que
aqui deu”. Costa devia ter explicado em vez de fazer juízos de valor sobre
o questionamento feito. Porém, foi mais longe. Com efeito, quando Cotrim passou
à questão sobre a assiduidade na função pública ser premiada, pressupondo-se
que a assiduidade é um dever do trabalhador, o Chefe do Executivo intrigou-se e
defendeu que o “bom desempenho deve ser incentivado”. E atirou: fixista
“Acho estranho que erga a sua voz para defender uma visão fixista dos
recursos humanos da Administração Pública. Começo a arrepender-me de ter dito
que tínhamos um liberal na Assembleia da República, pelos vistos mais depressa
se apanha um falso liberal do que alguém que quer fugir”.
***
Esqueceu o
Chefe de Governo que os liberais querem pouco Estado e com menos funcionários,
mas quer que estes sejam bem pagos e assíduos para que o Estado possa ser bom
árbitro.
A críticas
do PCP e PEV sobre a atenção que o Governo deve dar a setores chave como a
saúde e a educação, com destaque para a falta de funcionários nas escolas e o
grande número de alunos sem aulas, António Costa respondeu com a agilização das
contratações e substituições e com a desculpa da descentralização ou com o
recorrente pressuposto de que a saúde está melhor, com o Bloco de Esquerda a
acusar a irresponsabilidade de chutar as falhas da administração central para
as autarquias.
Contudo, o
que fez aquecer o debate foram as questões da emigração para suprir a falta de
emprego em Portugal, veiculadas por André Ventura, do Chega, e o plano de não
retenção dos alunos do ensino básico, apontada pelo PSD e pelo CDS.
O deputado
do Chega afirmou que António Costa “disse que os professores de Português que
não tivessem colocação poderiam emigrar“. Costa abanou a cabeça como sendo
negativo e a bancada do PS protestou. Mas Ventura insistiu: “Disse,
disse, disse, senhor Primeiro-Ministro”. Na resposta, Costa remeteu
para uma declaração de Passos Coelho em 2011, que lhe ficaria colada à pele
durante todo o mandato como sendo o Primeiro-Ministro que sugeriu que os jovens
portugueses emigrassem. E atirou:
“Creio que se confundiu com o
primeiro-ministro que fez essa sugestão”.
André
Ventura ainda lembrou a Costa, que a sugestão estava plasmada nas notícias da
altura que davam conta disso mesmo. De facto, Costa fez uma declaração em que
sugeria a professores portugueses que podiam procurar colocação em França: A 12
de junho de 2016, em Paris, visitou uma exposição de Amadeo de Souza-Cardoso no
Grand Palais e, fazendo o balanço da visita de três dias à capital francesa,
sublinhava o “compromisso” do Presidente francês de “investir na educação do
português nas escolas francesas, não só para as comunidades de origem
portuguesa, mas para todos os estudantes em geral, reconhecendo nos portugueses
uma das grandes línguas globais”. E o Primeiro-Ministro disse:
“É muito importante para a difusão da nossa
língua. É também uma oportunidade de trabalho para muitos professores de português que, por via das alterações
demográficas, não têm trabalho em Portugal e podem encontrar trabalho aqui em
França.”.
Ora, como
lembrou André Ventura, os jornais fizeram
essa leitura, como se pode ver em notícias de órgãos de comunicação diversos
como o Expresso, a SIC Notícias, a Rádio Renascença e o Observador,
que se deram ao cuidado de comparar as declarações de Passos Coelho e de
António Costa, que eram, de facto similares.
A oposição
aproveitou a onda e era incoerente ao considerar as declarações de Costa como
um apelo à emigração, mas insistindo que as de Passos Coelho não eram um apelo.
Costa, desde essa altura, desdobrou-se em esforços para negar que tinha
incentivado à emigração. Acusava os jornais e a oposição de confundir o
inconfundível:
“A estrada da Beira e a beira da
estrada não são a mesma coisa, pois não? Pois… Eu também não apelei à
emigração!”.
Também Pedro
Passos Coelho sempre negou ter apelado à emigração, mas fez de facto uma
sugestão muito similar à de Costa, quando disse a 18 de dezembro de 2011, numa
entrevista ao Correio da Manhã, na
linha do que haviam sugerido publicamente corifeus do seu partido:
“Estamos com uma demografia decrescente, como todos sabem, e portanto
nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue
nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo
manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua
portuguesa e encontrar aí uma alternativa”.
Pedro Passos
Coelho sugeriu, de facto, que os
professores portugueses saíssem da “zona de conforto” e pudessem
encontrar alternativa no mercado da língua portuguesa (países da
Comunidade Países de Língua Portuguesa). E Costa
também sugeriu que os professores de
Português pudessem emigrar para França, tendo classificado mesmo essa
emigração como “oportunidade”. Costa quis dizer que Ventura estava a
confundi-lo com as declarações de Passos Coelho em 2011, o que é errado.
Ventura referia-se mesmo às declarações de Costa em junho de 2016. Não
obstante, há diferença: Passos Coelho encaminhava os professores portugueses e
Costa encaminhava os professores de Português a responder aos propósitos do
Presidente francês de incremento do ensino da nossa língua. Mas, se pensasse
nas consequências das declarações antes de falar, teria omitido a razão da
eventual falta de emprego, bem como a oportunidade para a colmatar. Bastava-lhe
ter dito que eram lá necessários professores de Português.
***
Sobre
o plano do Governo de não retenção no ensino básico, Rui Rio questionou o Primeiro-Ministro
se o plano que está em marcha é para facilitar as “passagens administrativas”
dos alunos, mesmo dos que não estão preparados para passar de ano, ou seja, se
tem em vista acabar com as retenções e reprovações até aos 14 anos, independentemente
de o aluno saber ou não saber as matérias. E, quando António Costa começou a
explicar-se, as bancadas do PSD e do CDS faziam-se ouvir no hemiciclo em
apartes: “Passa ou não passa?”.
E
Rio continuou o ataque questionando “a caminho do quê” vai o aluno que “passa
sem saber. Não tem futuro académico de certeza. É uma medida injusta e pode
dar-se o nome mais sofisticado, mas na prática corresponde às passagens
administrativas: se sabe, passa; e, se não sabe, passa também”. E conclui: “Nesta matéria temos visão contrária e esta é
mesmo estruturalmente diferente”.
Costa
aduziu as “recomendações” da OCDE e do CNE (Conselho Nacional de
Educação), segundo
as quais “a retenção não favorece a aprendizagem mas a multiplicação da
retenção”. E relevou:
“Aquilo que se prevê é que dentro do ciclo não haja retenção, mas sim
continuação do estudo”.
As
esquerdas aplaudiram e as direitas protestaram. Costa hesitou na resposta e
refugiou-se na ideia de que o Governo “não
se limita a chumbar e a desistir do aluno” em causa. Lindo!
Para
António Costa, “a taxa de retenção elevada não favorece o sucesso educativo, pelo
contrário até o compromete”. E até recordou que o parecer do CNE é do tempo da presidência
de David Justino, agora vice-presidente do PSD.
É
certo que David Justino era ao tempo presidente do CNE e que o parecer vinculava
o CNE e não propriamente Justino, como este chegou a esclarecer. Porém, Justino
veio mais tarde afirmar o seu alinhamento com o parecer.
Enfim,
Costa repetiu aquilo que é conhecido de todos, não explicou nada mais que
pudesse desmantelar a ideia do facilitismo e das passagens administrativas. Aliás
nem o Ministro da Educação, que devia estar assessorado por técnicos competentes
na matéria o tem explicado.
E,
como se tem dito, o problema do insucesso não se resolve verdadeiramente com o
tirar dos alunos da pressão dos testes e multiplicando as modalidades e
instrumentos de avaliação, como apontam os políticos da área educativa. A cultura
quase exclusiva do teste, que a escola já não tinha, foi imposta pela sociedade
a que o ME respondeu com os dados para rankings.
Por outro lado, criar novas disciplinas a gosto dos alunos e flexibilizar os programas
das disciplinas em consonância com os interesses dos alunos (não
digo com o nível etário e com as insuficiências socioeconómicas) é desviar a escola de um dos
seus maiores deveres – a produção e inculcação do conhecimento e dos saberes (saber,
saber ser, saber estar, saber relacionar-se, preparar o futuro).
Ora,
ninguém – nem Primeiro-Ministro, nem PS, nem partidos da oposição – esclareceu o
povo representado no hemiciclo de modo a espantar o fantasma do facilitismo.
Porquê?
E
terão os demais temas ficado esclarecidos, a não ser a não garantia de não haver
aumento dos impostos indiretos?
2019.11.13
– Louro de Carvalho
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