quarta-feira, 31 de maio de 2023

Economia cresce, mas a vida das famílias não melhora

 

 

Após o arranque de 2023, as projeções de crescimento para a economia portuguesa, têm vindo a ser revistas em alta. Por exemplo, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que apontavam para 1%, subiram esse número para 2,4% e 2,6%, respetivamente. E, apesar de tudo indicar um segundo trimestre mais fraco, parece que o produto interno bruto (PIB) avançará acima do que se esperava, embora abrandando, face aos 6,7%, de 2022.

Todavia, muitas famílias não sentem as suas condições de vida melhores. E culpa-se disso a inflação elevada, a queda do salário real, a subida do desemprego, até há pouco tempo, e o disparo dos juros, sobretudo no crédito à habitação, agravando as prestações mensais.

Na verdade, temos assistido a um aumento generalizado dos preços, a um crescimento insuficiente dos salários nominais e ao significativo aumento das taxas de juro. E o crescimento da economia não implica a inversão automática e imediata de nenhuma destas tendências. Ao invés, um bom desempenho da economia cria pressões adicionais sobre os preços e, se for comum ao conjunto da Zona Euro, leva o Banco Central Europeu (BCE) a elevar as taxas de juro. Por outro lado, o crescimento da economia, por si, não significa igualdade de benefícios para todos. Há sempre os que tanto beneficiam das situações de crise económica como nas de boa saúde da economia.

O fator das condições de vida das famílias tem duas faces: o rendimento e a despesa. Do lado da despesa, a inflação é o grande óbice. A escalada de preços atingiu níveis não vistos, há décadas, em Portugal e na Europa. A inflação começou a recuar, mas mantém-se elevada, sobretudo nos produtos alimentares. Em abril, os preços dos produtos alimentares não transformados subiram mais de 14%, em Portugal, em comparação com o mesmo mês de 2022.

Quem é mais afetado são as famílias de menores rendimentos, para as quais os bens essenciais têm maior peso no orçamento familiar. A situação é desigual entre as famílias, sentindo as mais carenciadas, de forma mais intensa, o efeito da inflação.

Além disso, a escalada da inflação levou o BCE a endurecer a sua política monetária, criando uma vítima colateral: muitas famílias portuguesas – mais de 1,3 milhões, segundo os dados do Banco de Portugal (BdP) – com crédito à habitação a taxa de juro variável, que viram a prestação mensal sofrer forte agravamento. A situação afeta, em particular, a classe média, já que, nos escalões mais baixos de rendimento, é reduzida a incidência de crédito à habitação.

O Instituto Nacional de Estatística (INE) revela que a prestação média, considerando todos os contratos de crédito à habitação, aumentou 33% (mais 84 euros) entre abril de 2022 e abril de 2023 (espaço de um ano). E, considerando só os contratos celebrados nos últimos três meses, onde os juros pesam mais na prestação, a subida foi de 52% (mais 203 euros).

Para muitas famílias, rendimento significa salário. Um crescimento robusto económico propicia o aumento da procura por trabalhadores e a pressiona os salários em alta, o que só acontece significativamente, se o desemprego é baixo e atinge vários segmentos do mercado de trabalho.

Os dados do INE, baseados nas remunerações declaradas à Segurança Social (SS) e na informação da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ou seja, nos setores privado e público, revelam que, apesar de a economia ter crescido 6,7%, em 2022, quem vive só do salário, em regra, perdeu poder de compra. O ténue aumento dos salários nominais não compensou a inflação, levando a uma perda do poder de compra de 4%. Assim, as pessoas não sentem a melhoria do nível de vida que a taxa de crescimento do PIB sugeriria.

Por conseguinte, tem-se assistido à descida da proporção da riqueza criada que remunera o trabalho, enquanto as empresas têm um aumento das margens, com preços que aumentaram mais do que os custos. Segundo o Eurostat, a fatia dos salários no PIB recuou em 2022, tanto em Portugal como na Zona Euro e na União Europeia (UE), esperando-se que a subida dos salários recupere durante 2023. Com efeito, os mercados de trabalho continuam com mínimos históricos, apesar de o desemprego ter subido um pouco no primeiro trimestre.

Quanto a Portugal, segundo o INE, a taxa de desemprego está a subir há três trimestres consecutivos e atingiu 7,2%, nos primeiros três meses de 2023. Excluindo o período da pandemia, é o valor mais alto desde 2018. Ao mesmo tempo, o salário médio real continuou a cair, embora a evolução seja heterogénea, designadamente, entre o setor público, onde a remuneração média real caiu (2,5%), e o privado, onde cresceu ligeiramente (0,3%), bem como entre diferentes atividades. Por exemplo, na eletricidade, no gás e na água, os lucros engordaram e a remuneração média real subiu 3,9%; no alojamento e na restauração, pela escassez de trabalhadores, o salário médio real subiu 1,9%; e, no setor financeiro, o salário médio real caiu 3,6%.

Assim, durante algum tempo, a economia crescerá, sem que melhorem as condições de vidas das pessoas, pois o crescimento está a ser alimentado por dois fatores externos: as exportações e o peso dos não residentes na atividade, que não se refletem imediata e diretamente no rendimento das famílias. Por outro lado, como dizem alguns economistas, as perspetivas de crescimento da economia para um horizonte próximo são baixas, pelo que as melhorias pontuais num trimestre não resultam, logo, em aumento de investimento, de emprego ou de rendimento permanente.

Não obstante, os governos dispõem de instrumentos para atenuar as dificuldades das pessoas – por exemplo, pela política de rendimentos (o governo fez o aumento salarial nominal da função pública em 1%) e pela via fiscal – sem incorrer em desequilíbrios orçamentais acentuados, o que é possível graças ao crescimento da economia.

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No atinente à inflação, segundo os dados do INE, publicados a 31 de maio, a inflação está a cair, há sete meses, estimando-se que, em maio, tenha ficado nos 4%, o que representará o sétimo abrandamento consecutivo.

Em abril, o índice de preços no consumidor, indicador que mede a inflação, tinha apresentado uma variação homóloga de 5,7%. E, de abril para maio houve um abrandamento de 1,7%. Esta desaceleração é, em parte, explicada pelo efeito de base resultante do aumento de preços da eletricidade, do gás e dos produtos alimentares, verificado em maio de 2022, e pela isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) num conjunto de bens alimentares essenciais.

Também abrandou, para 5,5% (6,6% em abril), o indicador de inflação subjacente, que mede a evolução do cabaz de bens e serviços com menos mudanças (exclui bens energéticos e produtos alimentares não transformados) e com oscilações de preço menos pronunciadas.

Por produto, os preços da energia voltaram a cair (-15,5%). Já os preços dos produtos alimentares não transformados aumentaram 8,9%, mas, apesar do aumento, houve grande desaceleração, face ao mês anterior (14,1%).

Assim, face a abril, a taxa de inflação terá sido negativa em 0,7%. A taxa de inflação média dos últimos 12 meses foi estimada nos 8,2% em maio, face a 8,6% em abril. E o INE estima que o índice harmonizado de preços no consumidor – o indicador usado para a comparação entre países da UE – se tenha fixado nos 5,4% (6,9% em abril).

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Já o desemprego desceu para 6,8% em abril, mas continua mais alto do que há um ano. A esta taxa corresponde uma população desempregada de 357 mil pessoas. É uma descida de 0,2 pontos percentuais (p.p.), face ao apurado no mês anterior, e um recuo de 0,3 p.p., comparativamente a janeiro. Em termos homólogos, contudo, o desemprego aumentou 0,9 p.p. 

Numa nota informativa divulgada anteriormente, o INE indicava que a taxa de desemprego estabilizara nos 6,9%, em março, mantendo-se inalterada, face a fevereiro. Porém, agora, refere que a taxa de desemprego em março terá sido de 7%. Em abril, o desemprego desceu para 6,8%, diminuindo em relação ao mês anterior e ao primeiro mês do ano, mas fazendo o movimento contrário em termos homólogos. Face a abril de 2022, a taxa de desemprego subiu 0,9 p.p.

Neste contexto, a população desempregada recuou 3,1% em abril, face a março, para 357 mil pessoas. Contudo, relativamente a igual período de 2022, houve um amento de 15,9% no número de pessoas desempregadas. E, quanto à população empregada, foi estimada em 4913200 pessoas, significando uma variação relativa negativa, comparativamente a março (0,1%), mas positiva, se comparada com há três meses (0,3%), e com os valores de há um ano (0,7%).

Mantiveram-se praticamente inalteradas, em relação ao mês anterior, a população ativa e a população inativa. Na população ativa, tal resultou do acréscimo da população empregada (4 mil, mais 0,1%) que compensou a diminuição da população desempregada (3800, mais 1,0%). Já́ na população inativa, a evolução resultou de o aumento do número de inativos disponíveis para trabalhar, mas que não procuraram emprego (1500, mais 1,3%), ter sido anulado pela diminuição do número de inativos que procuraram emprego, mas que não estavam disponíveis para trabalhar (1500, menos 4,9%), enquanto o número de outros inativos (os não disponíveis para trabalhar e que não procuraram emprego) se manteve praticamente inalterado.

Face ao período homólogo, também se verificou um aumento da população ativa (88900, mais 1,7%), justificável pelo acréscimo da população desempregada (62 mil, mais 20,2%) e da (27 mil, mais 0,6%). Já a população inativa diminuiu em 63900 pessoas (2,6%) “devido, maioritariamente, ao decréscimo do número de outros inativos (47500, menos 2,1%).

Em março de 2023, a subutilização do trabalho abrangeu 662500 pessoas, valor inferior ao do més anterior (4400, menos 0,6%), mas superior ao de um ano antes (53200, mail 8,7%). Assim, a taxa de subutilização do trabalho correspondente – estimada em 12,2% – diminuiu 0,1 p.p., em relação a março, tendo aumentado 0,8 p.p., por comparação com o período homólogo.

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Por fim, o INE lançou um alerta. Em vez de encolherem 13,8%, as pensões antecipadas poderão ser cortadas em 15,2% este ano; e a idade legal da reforma pode vir a subir para 66 anos e 6 meses, mais dois do que os previstos.

Com efeito, o INE reviu os dados sobre a esperança média de vida nos últimos 10 anos e alterou o fator de sustentabilidade que se aplica no cálculo da idade legal da reforma / aposentação, em cada ano, e no corte para quem se reformar antecipadamente.

Todos os anos, em novembro, o INE divulga números da esperança média de vida aos 65 anos. Esses valores, provisórios, servem para apurar o fator de sustentabilidade, sendo confirmados no final de maio do ano seguinte. Em regra, os valores coincidem e nada se altera, mas, em 2023, os números definitivos são bastante diferentes dos provisórios.

Em novembro, a esperança de vida aos 65 anos, no período 2020-2022, recuou para os 19,3 anos, fazendo recuar o fator de sustentabilidade para os 13,8%. Por isso, determinou-se que quem se reformar antecipadamente, em 2023, tem um corte na pensão de 13,8% (a somar aos 0,5% por cada mês) e que quem se reformar em 2024 pode fazê-lo com 66 anos e 4 meses, como em 2023.

Agora, o cenário altera-se. A esperança de vida subiu para os 19,61 anos, ditando um corte de 15,2% nas reformas antecipadas (por via do fator de sustentabilidade) e levando a idade legal da reforma, em 2023 e 2024, a subir para 66 anos e 6 meses (mais dois do que o esperado).

Porém, os valores do fator de sustentabilidade e da idade legal da reforma já foram oficializados pelo governo, em dezembro, através da Portaria 292/2022, de 9 de dezembro. E o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já esclareceu segundo o Dinheiro Vivo, que a idade legal da reforma será, em 2023 e em 2014, de 66 anos e 4 meses e o fator de sustentabilidade será de 13,8% (menos 0,24% do que em 2022), isto é, o índice de 0,8617.

É a vida, que parece andar para a frente, mas, às vezes, anda para trás!

      2023.05.31 – Louro de Carvalho

terça-feira, 30 de maio de 2023

Missão Shenzhou-16 leva primeiro astronauta civil da China ao espaço

 

Segundo a Agência Espacial Tripulada da China (CMSA), o cientista Gui Haichao, de 34 anos, professor de Aeronáutica e Astronáutica no principal instituto de investigação aeroespacial chinês (na Universidade Beihang), está a conduzir, durante cinco meses, uma variedade de experiências no laboratório orbital.

Na noite de 29 para 30 de maio, a República Popular da China (RPC) lançou a missão Shenzhou-16, o seu quinto voo tripulado à estação espacial Tiangong, desde 2021. Um foguete Long March 2F decolou do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, no deserto de Gobi, no Noroeste do país, pouco depois das 9h30 locais, levando três astronautas a bordo – entre eles, o primeiro cientista civil do país a ir para o espaço (até agora a China só punha militares no espaço).

De acordo com a Administração Espacial Nacional da China (CNSA), o comandante Jing Haipeng, de 56 anos, é o único veterano dos membros, tendo participado em outras três missões anteriores ao laboratório orbital.

“É uma grande honra, para mim, servir como comandante pela terceira vez. Desta vez, sou o principal responsável pela organização e coordenação, incluindo a comunicação espaço-Terra e o comando da missão”, disse o comandante em conferência de imprensa, na véspera do lançamento, quando a tripulação foi apresentada ao público. 

Além dele, estavam o engenheiro Zhu Yangzhu, que acompanha a missão, e o pesquisador Gui Haichao, professor de Aeronáutica e Astronáutica na Universidade Beihang e único taikonauta (designação para astronautas da China) que não integra o Exército Popular de Libertação, que lidera as operações espaciais (até há pouco tempo sem participação de civis).

De acordo com a universidade, Gui Haichao é de uma “família comum” da província de Yunnan (no Norte do país): “Sentiu interesse pelo setor aeroespacial, pela primeira vez ao ouvir, no rádio, as notícias sobre o primeiro chinês a viajar no espaço.”

Diz o diretor adjunto da CMSA, Lin Xiqiang, que Gui Haichao será responsável por liderar experiências de larga escala em órbita, a estudar novos fenómenos quânticos, sistemas espaciais de tempo-frequência de alta precisão, a verificação da relatividade geral e a origem da vida.

Entretanto, a RPC anunciou planos para colocar astronautas na Lua antes de 2030,medida que deverá acelerar a corrida espacial com os Estados Unidos da América (EUA), pretendendo a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) colocar astronautas americanos na superfície lunar até fins de 2025. Aliás, a viagem insere-se na estratégia de enviar um astronauta chinês à Lua até 2030 e enviar sondas para colher amostras de Marte e de Júpiter, um dos principais objetivos do programa espacial em que o país já investiu milhares de milhões de euros.

Representantes do programa espacial chinês garantiram que a mudança de requisitos se deve “à nova fase em que entrou a estação espacial de Tiangong, durante a qual vai albergar um grande número de experiências científicas”.

A estação irá acolher investigação sobre o cultivo de plantas, criação de peixes, testes de comportamento de fluidos em gravidade zero e estudos de células animais e vegetais, bem como a instalação do relógio atómico mais preciso de sempre.

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A jornada espacial da China começou há mais de 60 anos e enviou, agora, pela primeira vez, um civil ao espaço.

Em 1957, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) colocou em órbita o primeiro satélite fabricado pelo homem, o Sputnik. E o fundador da República Popular da China, Mao Tsé-Tung, garantiu aos seus concidadãos: “Nós também fabricaremos satélites!”

A primeira etapa foi concretizada em 1970 (ano de turbulências da Revolução Cultural), com o lançamento do seu primeiro satélite, Dongfanghong-1 (“O Leste é Vermelho-1”), nome de uma canção em homenagem a Mao, cuja melodia seria difundida por vários dias no espaço. O foguete que pôs o satélite em órbita chamou-se “Longa Marcha”, a evocar a caminhada do Exército Vermelho que levou Mao a afirmar-se como líder do Partido Comunista chinês.

Em 2003, este país asiático enviou o primeiro chinês ao espaço, o '’taikonauta’ Yang Liwei, que deu 14 voltas na Terra, num período de 21 horas. Com esse voo, a RPC tornou-se no terceiro país, depois da URSS e dos EUA, a enviar um ser humano ao espaço através dos próprios meios.

Após um pedido do governo dos EUA, a RPC foi excluída, deliberadamente, do programa da Estação Espacial Internacional, uma cooperação que envolve americanos, russos, europeus, japoneses e canadianos.

Com a medida, o país decidiu construir a sua própria estação. Para isso, lançou, primeiro, um pequeno módulo espacial, Tiangong-1 (“Palácio Celestial 1”), que foi colocado em órbita em setembro de 2011, para realizar o treino dos taikonautas e experiências médicas.

Em 2013, o pequeno robô “Coelho de Jade” chegou à Lua. É certo que enfrentou problemas técnicos, mas foi reativado e explorou a superfície lunar durante 31 meses.

O Tiangong-1 deixou de funcionar em março de 2016. O laboratório era considerado uma etapa preliminar para a construção de uma estação espacial.

Em 2016, a RPC lançou o seu segundo módulo espacial, Tiangong-2, onde os taikonautas realizaram acoplamentos técnicos.

Segundo a CMSA, o gigante asiático enviará astronautas à Lua, em 2030, e construirá uma base.

O programa espacial chinês sofreu um revés, em 2017, com o fracasso do lançamento do “Longa Marcha 5”, equipamento crucial que permitiria levar as pesadas cargas necessárias para algumas missões – contratempo de que resultou um atraso de três anos para a missão “Chang’e 5”.

Executada apenas em 2020, a missão permitiu que os Chineses enviassem para a Terra amostras da superfície lunar, algo que não acontecia há 40 anos, e hasteassem, na superfície lunar, uma bandeira chinesa, que era, propositalmente, maior do que as bandeiras anteriores dos EUA.

Porém, já em janeiro de 2019, a China obteve outro sucesso, com um feito inédito à escala mundial: a aterragem de um robô, o “Coelho de Jade 2”, na face oculta da Lua. E, em junho de 2020, lançou o último satélite para concluir o seu sistema de navegação Beidou, que compete com o sistema de posicionamento global (GPS) norte-americano.

Em julho de 2020, a RPC enviou a Marte a sonda “Tianwen-1”, que transportava um robô com rodas comandado remotamente chamado Zhurong, que pousou na superfície de Marte, em maio de 2021, o que levou os cientistas a sonhar o envio de pessoas para Marte num horizonte distante.

Em 2022, a RPC lançou, com sucesso, da sua estação espacial Tiangong, o último módulo, a “Shenzhou 14”. A base deve orbitar a entre 400 e 450 quilómetros de distância da superfície terrestre, por um período de 10 anos, com a ambição de manter a presença humana no espaço por um longo período. A Tiangong, tripulada sem interrupção, com missões rotativas de três pessoas, contém vários equipamentos científicos de vanguarda, incluindo, segundo a agência estatal de notícias Xinhua, “o primeiro sistema de relógio espacial atómico frio”.

A próxima missão para a Tiangong, a “Shenzhou-17”, está prevista para outubro deste ano.

O presidente Xi Jinping tem dado especial incremento aos programas aeroespaciais. E, nos últimos 10 anos, a RPC lançou mais de 200 foguetes.

Com o lançamento d a Shenzhou 14, a China já enviou 14 astronautas ao espaço, em comparação com 340 dos EUA e mais de 130 da URSS (agora Rússia).

Além do contratempo de 2017, já referido, em 2021, parte de um foguete chinês saiu de órbita e caiu no Oceano Atlântico; e dois lançamentos falharam em 2020.

Em princípio, a China não planeia usar a sua estação espacial para a cooperação internacional, mas as autoridades já disseram que estão abertas a colaborar com outros países.

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Está instalada a competição aeroespacial. À medida que a China se expande no espaço, vários outros países também pretendem chegar à Lua.

A NASA pretende retornar à Lua com astronautas dos EUA e de outros países a partir de 2025, tendo já implementado o seu novo foguete gigante, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), no Centro Espacial John F. Kennedy, na Flórida.

O Japão, a Coreia do Sul, a Rússia, a Índia e os Emirados Árabes Unidos (EAU) também estão a trabalhar nas suas próprias missões à Lua.

A Índia lançou a sua segunda grande missão lunar e quer ter a sua estação espacial até 2030.

Enquanto isso, a Agência Espacial Europeia (AEA), que está a trabalhar com a NASA em missões para a Lua, também está a planear uma rede de satélites lunares, para facilitar a comunicação dos astronautas com a Terra.

Esta competição aeroespacial está regulamentada por dois normativos da Organização das Nações Unidas (ONU): o Tratado do Espaço Sideral da ONU, de 1967, segundo o qual nenhum lugar no espaço pode ser reivindicado por qualquer nação; e o Acordo da Lua da ONU, de 1979, nos termos do qual o espaço não deve ser explorado comercialmente, mas que os EUA, a China e a Rússia na altura, URSS, se recusaram a assinar. E, presentemente, os EUA estão a promover o Acordo Artemis, explicando como as nações podem explorar os minerais da Lua de forma cooperativa, mas a Rússia e a RPC não o vão assinar, argumentando que os EUA não têm o direito de fazer as regras para o espaço.

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A RPC deseja desenvolver a sua tecnologia de satélite para telecomunicações, para gestão de tráfego aéreo, para previsão do tempo, para navegação e para muito mais. Contudo, muitos dos seus satélites também têm propósito militar: podem ajudar o país a espionar potências rivais e a guiar mísseis de longo alcance.

Lucinda King, gestora de projetos espaciais da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, diz que os Chineses não estão apenas a concentrar-se em missões espaciais de alto nível: “Eles são prolíficos em todos os aspetos do espaço. Têm a motivação política e os recursos para financiar os seus programas planeados.”

As missões da China à Lua são parcialmente motivadas pelas oportunidades de extrair metais de terras raras da sua superfície. No entanto, o professor Sa’id Mosteshar, diretor do Instituto de Política e Direito Espacial de Londres, da Universidade de Londres, no Reino Unido, afirma que, provavelmente, não compensaria, para a China, enviar repetidas missões de mineração à Lua. O programa espacial chinês é impulsionado mais pelo desejo de impressionar o resto do mundo.

“É uma projeção de poder e uma demonstração de avanço tecnológico”, diz o professor.

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Enfim, a RPC é uma grande potência mundial que se afirma em todas as frentes – também na guerra, se entender que isso lhe convirá – e que será temerário desvalorizar. Privilegia, de forma hábil, a diplomacia e a eficácia comerciais, mas agirá de outras maneiras, se isso lhe convier, aliás como os demais países de grande influência económica e militar.

2023.05.30 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Derrota do PSOE em eleições locais faz antecipar legislativas

 

O primeiro-ministro espanhol (PM), Pedro Sánchez, anunciou, a 29 de maio, que vai dissolver o Parlamento, no dia 30, e convocar eleições gerais para 23 de julho. A decisão ocorreu após derrota do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) nas eleições regionais e municipais que ocorreram no domingo, dia 28 de maio. 

A decisão de dissolver o Parlamento, num regime de monarquia parlamentarista, como é o de Espanha, cabe ao primeiro-ministro, que foi escolhido pelo próprio Parlamento e reconhecido pelo rei, que é o chefe de Estado, responsável pelo exército do país e por reconhecer o PM.

Em discurso no dia 29 de maio, o líder do PSOE e chefe do governo, disse que decidiu convocar novas eleições para que “o povo espanhol tome a palavra para decidir o rumo político do país”, decisão que já comunicou ao rei Felipe VI. E reconheceu a sua responsabilidade na derrota do partido que lidera: “Assumo, em primeira pessoa, esses resultados e acredito ser importante submeter o nosso mandato democrático à vontade popular.”

A seis meses das eleições legislativas nacionais (estavam prevista para o fins de dezembro), o partido do chefe de governo sofreu um revés. Num pacífico dia de eleições em todos os municípios e em 12 das 17 regiões autónomas, os espanhóis usaram do direito de voto para a escolha das lideranças locais e das lideranças referidas autonomias regionais.

O Partido Popular (PP), liderado por Alberto Núñez Feijóo, que havia feito destas eleições um plebiscito sobre Pedro Sánchez, conseguiu um dos seus principais objetivos. Por sua vez, o PSOE perdeu a prefeitura de Sevilha, maior cidade da Andaluzia (sul) e um dos seus redutos, em benefício do PP. O partido também fracassou na tentativa de recuperar a prefeitura de Barcelona, grande metrópole da Catalunha, que ocupou de 1979 a 2011, embora possa tentar um acordo com outros partidos de esquerda para governar em coligação.

A participação nas eleições municipais foi de 63,89%, menor do que nas eleições de 2019 (65,19%). E, embora os nomes de Pedro Sánchez e de Alberto Feijóo não estivessem em nenhum boletim, o que estava em jogo era importante para o futuro de ambos.

Estas eleições mostram que a vontade de mudança e esta alternativa (a do PP) é imparável, para as legislativas, como disse, em conferência de imprensa, Cuca Gamarra, porta-voz do PP,.

Chefe do governo desde 2018, Sánchez chegou a este ato eleitoral com desvantagens: o desgaste do poder, bem como a inflação elevada – embora inferior à da maioria dos países europeus – e a consequente queda do poder de compra. Além disso, a imagem do governo sofreu com os repetidos confrontos entre os parceiros de coligação: os socialistas e a esquerda radical do Podemos, que também sofreu um retrocesso, segundo os resultados parciais.

Sánchez fez campanha exaltando o seu governo, especialmente em matéria económica. Porém, surtiu mais efeito a campanha de Núñez Feijóo, sob a acusação a Sánchez de ser subordinado da esquerda radical e dos partidos separatistas do País Basco e da Catalunha, que costumam apoiar o governo para aprovar as suas reformas. E, se o objetivo do chefe do governo era resistir, o de Núñez Feijóo conseguir o maior número de votos, a nível nacional, nas municipais e tirar ao PSOE o maior número possível de regiões, para mostrar que o país já não quer o líder socialista.

O problema, para o líder da direita, é que precisa da extrema-direita do Vox, a terceira maior força no Parlamento nacional, para formar o governo em algumas regiões e, mesmo a nível nacional, nas eleições gerais. E Núñez Feijóo sabe que as eleições legislativas se vencem com um discurso mais de centro. Com efeito, o Vox fez grandes avanços, alcançando o terceiro lugar nas eleições municipais e entrando em vários parlamentos regionais, onde o seu apoio será absolutamente decisivo para que a direita derrube a esquerda, como vincou o líder, Santiago Abascal.

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Em 12 regiões que foram a votos (num total de 17), os socialistas (centro-esquerda) governavam nove e ficam apenas com três. E o poder dependerá de pactos com outros partidos. O PP (direita, a maior força da oposição) conquistou seis regiões, e os municípios de várias das principais cidades. Foi quase um maremoto. Quase todo o poder regional e parte do municipal do PSOE esfumaram-se, por vontade do eleitorado. O grande beneficiado foi o PP, que fez das eleições locais a primeira volta das legislativas, reforçando a figura do seu líder.

Os socialistas perderam seis das dez comunidades autónomas que governavam e as câmaras municipais de cidades emblemáticas como Sevilha. Em Madrid, o PP reforça-se com dupla maioria absoluta, no governo regional, chefiado por Isabel Díaz Ayuso, e na autarquia, de José Luis Martínez-Almeida. “É um resultado muito mau”, reconheceu a porta-voz do PSOE e ministra da Educação, Pilar Alegría, na sede madrilena da formação governante, à qual acorreram poucos militantes em ambiente funéreo. “Entendemos a mensagem de que temos de fazer as coisas melhor”, acrescentou, anunciando uma reunião do Comité Federal do PSOE, com a presença de Sánchez, que terá decidido a antecipação das legislativas, devendo as candidaturas ser apresentadas até 9 de junho.

Segundo os analistas, o desaire nasce do repúdio de muitos eleitores pela figura do chefe do governo, acusado de incumprir promessas, como a de não se aliar à esquerda radical (Unidas Podemos, parceiro de coligação) ou a de não procurar o apoio parlamentar de separatistas catalães e bascos, alguns destes ligados ao terrorismo da extinta Euskadi Ta Askatasuna (Euskadi Pátria e Liberdade), a organização separatista basca, mais conhecida pela sigla ETA. E, dentro de portas, também há críticas, mas não um movimento relevante que questione a permanência de Sánchez na liderança do partido.

Na sede do PP, o sentimento era eufórico. Centenas de simpatizantes com bandeiras espanholas aguardaram a comparência na varanda dos exultantes Feijóo, Ayuso e Almeida, que consolidaram a suas lideranças. “O meu momento chegará, se os espanhóis quiserem”, assegurou Feijóo, que confia na vitória nas legislativas. “Iniciámos a revogação do sanchismo”, afirmou.

Outro vencedor é Santiago Abascal, presidente do partido de extrema-direita Vox, que passa de 500 vereadores a mais de 1700 e de 49 deputados regionais a 119, e cuja presença se tornará imprescindível para formar governos estáveis na maioria das comunidades e nos municípios onde o PP venceu sem maioria absoluta. Exprimiu otimismo ilimitado: “Consolidámos o nosso projeto contra o socialismo, o comunismo e os seus sócios separatistas e terroristas.”

Abascal criticou o sistema de autonomias regionais: “Põe os espanhóis uns contra os outros, torna-nos desiguais, tira-nos liberdades e mina o projeto comum de Espanha”.

Dos cerca de 35 milhões de eleitores, e com participação ligeiramente abaixo da de 2019 (a abstenção cresceu um ponto percentual, para 36%: também foi de dia de chuva intensa), o PP obteve 31,5% dos sufrágios; o PSOE fica com 28,11% e o Vox 7,18%. A Unitat Popular (UP) sofre significativo desgaste e os conservadores liberais do Cidadãos (Cs) desaparecem do mapa.

O PP engole quase todos os 1,8 milhões de votos que o Cs obtivera em 2019. Já a fragmentação de forças à esquerda do PSOE prejudica este último. A desmobilização do eleitorado de esquerda tem de ser tida em conta. Pesarão muito os 12 milhões que não foram às urnas.

O diário progressista El País, em editorial do dia 29, comentava que “a grande novidade que o PP enfrenta são muitos municípios e todas as comunidades autónomas”, exceto Madrid, onde, para governar, terá de pactuar com uma formação de extrema-direita que questiona, claramente, alguns princípios da democracia. E advertia os socialistas: “O PSOE deve assumir o erro de uma campanha eleitoral que converteu em nacional, com o primeiro-ministro a anunciar, em comícios, as ações do governo, encaradas como promessas eleitorais.”

 “A divisão da esquerda em várias opções, por vezes enfrentadas, é demolidora num sistema eleitoral como o espanhol, sobretudo se os adversários de direita surgem agrupados em apenas duas formações, PP e Vox. A unidade da esquerda é a única opção de competir com alguma possibilidade de êxito com a vaga conservadora que assola a Europa”, considera José Damíán Recarte, professor de Teoria Política na Universidade de Castela La Mancha.

Das grandes comunidades autónomas que o PSOE governava, a sós ou em aliança com grupos de esquerda, sobram apenas Castela La Mancha, dirigida por Emiliano García Page, um dos maiores críticos internos de Sánchez, Astúrias (com apoio de esquerda) e Navarra (onde depende do Bildu, partido nacionalista radical basco herdeiro da Batasuna, braço político da ETA). E territórios como o da Comunidade Valenciana, o de Aragão, o da Extremadura ou o das Baleares passam para mãos conservadoras. A Cantábria, onde o PSOE estava coligado com o Partido Regionalista da Cantábria (PRC), será governada pelo PP.

A esquerda também perde nas grandes cidades, como Barcelona ou Valência. Na primeira, acaba a etapa de Ada Colau (do Em Comum Podemos, ramo catalão da UP), a favor do nacionalista conservador Xavier Trías (Juntos pela Catalunha), que foi presidente da câmara entre 2011 e 2015 (Trias venceu, mas não é certo que recupere a autarquia, depende dos pactos entre partidos, pois em Espanha não há, ao contrário de Portugal, garantia de o mais votado ser presidente da câmara.

Em Valência, o regionalista de esquerda Joan Ribó, do partido Compromisso, passará a pasta à feminista liberal María José Catalá, do PP. Sevilha, uma das esperanças socialistas na Andaluzia, outrora seu principal viveiro de votos, rendeu-se a José Luis Sanz, do PP, que venceu nas oito capitais de província andaluzas e governará na região com maioria absoluta. Em Valladolid, Óscar Puente, putativo sucessor de Sánchez, foi derrotado pelo PP. Já em Vigo, o ex-ministro socialista Abel Caballero foi reeleito para o quinto mandato à frente do município.

Fora da contenda PSOE-PP, sobressai o resultado do Euskal Herria Bildu (Unir o País Basco), da esquerda radical separatista, que, em muitos municípios do País Basco e em Navarra, supera o Partido Nacionalista Basco (PNV), moderado e conservador. A decisão do Bildu de apresentar 44 ex-terroristas da ETA como candidatos (sete dos quais condenados por assassínio) mobilizou votos bascos e navarros, embora tenha caído mal, a nível nacional, e justificado críticas a Sánchez por confiar no apoio parlamentar desta força política.

Ignacio Escolar, diretor do jornal digital Eldiario.es, assumidamente de esquerda, inquiria: “Está tudo perdido para as legislativas. Este resultado é antecâmara de um governo do PP e do Vox? Olhando para os resultados, é claro que Feijóo é favorito para ganhar, não só pela vitória em votos do bloco da direita, não só pela força do poder autonómico e municipal, que jogará a seu favor, mas pela atonia e a singeleza refletidas no arco político da esquerda.”

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A decisão de Pedro Sánchez é ousada, mas comporta um risco muito grande. Por um lado, dá pouco tempo aos opositores de planearem, com eficácia, um ato eleitoral em tão pouco tempo e pode descredibilizar o PP, devido à sua política de alianças à extrema-direita em ascensão; por outro lado, terá dificuldade em evitar a agudização do desgaste governo, não se livra da acusação de colagem a alguma esquerda radical e dificilmente concitará o interesse eleitoral dos abstencionistas de centro-esquerda, cada vez mais desiludidos. Além disso, o governo parece desvalorizar a força da extrema-direita em ascensão no Mundo, a que a Espanha não está imune.

Tanto assim é que o PP se congratula com a antecipação de eleições e com o novo ciclo.

Em todo o caso, Sánchez tem a ousadia de provocar a clarificação da vontade do eleitorado. Oxalá que das eleições legislativas antecipadas não resulte uma situação pantanosa!

2023.05.29 – Louro de Carvalho

domingo, 28 de maio de 2023

O Espírito Santo é a plenitude do dom de Deus

 

A Solenidade do Pentecostes celebra a efusão do Espírito Santo sobre a Igreja, oferecendo-lhe a plenitude do dom de Deus. Não pode mais a Igreja colocar-se a jeito, a ponto de Jesus a interpelar: “Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’…”.    

Podemos, numa linha de distração, pensar que o Espírito Santo desceu sobre os doze apóstolos e sobre Maria, a mãe de Jesus e a rainha dos apóstolos, esquecendo que a Igreja nascente, a que se refere o livro dos Atos dos Apóstolos, estava reunida em oração no Cenáculo, que o corpo apostólico estava restabelecido com a eleição de Matias para a vaga deixada por Judas Iscariotes, que estavam a participar outras mulheres e outros discípulos. Só que as línguas de fogo apenas de visualizaram em Maria e nos Doze. Não obstante, Pedro, no seu discurso alarga o fenómeno a todos os filhos e filhas de Deus, em conformidade com a profecia de Joel.

Razão tinha, por isso, o sacerdote que, neste dia, na Igreja da Misericórdia de Santa Maria da Feira, clamava que o Espírito Santo não é propriedade do Papa, dos Bispos ou dos sacerdotes e que ninguém pode ter a veleidade de fechar a portas do coração ao Espírito de Deus.

Efetivamente, o Pentecostes é a confirmação da Páscoa, é o selo de Deus sobre a paixão glorificadora do Filho, é a confirmação de toda a caminhada da aprendizagem pascal por parte dos novos discípulos, que somos todos nós. Sobre todos os discípulos derramam-se os sete dons do Espírito Santo (sapiência, entendimento, conselho, fortaleza, ciência, piedade e temor de Deus), a terceira Pessoa da Santíssima Trindade, que nos santifica – que mais não são do que a plenitude (“plêroma”) ou a totalidade do dom de Deus – todo e em todos os crentes.           

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O Evangelho, neste Ano A (Jo 20,19-23), apresenta-nos a comunidade cristã, reunida à volta do Ressuscitado. Esta comunidade, de pusilânime e tímida, passa a ser comunidade viva, recriada, nova, a partir do dom do Espírito, que leva superar o medo e as limitações e a dar testemunho, no Mundo, do amor que Jesus viveu até às últimas consequências.

O trecho em referência, já proclamado no segundo domingo da Páscoa situa-nos no cenáculo, no dia da ressurreição. A comunidade ainda não se tinha encontrado com Cristo ressuscitado e não tomara consciência das implicações da ressurreição. Era comunidade fechada, insegura. Precisava de fazer a experiência do Espírito, para, depois, assumir a sua missão no Mundo e dar testemunho do plano libertador de Deus, em Jesus.

Enquanto Lucas, nos Atos dos Apóstolos, narra a descida do Espírito sobre os discípulos no dia do Pentecostes, 50 dias após a Páscoa (por razões teológicas e a fazer coincidir a descida do Espírito com a festa judaica do dom da Lei e da constituição do Povo de Deus), João situa-nos no fim da tarde da Páscoa, para contemplarmos a receção do Espírito pelos discípulos, ainda sem reflexos no exterior. No Pentecostes, a Igreja sai para a praça! Põe-se em marcha!  

João releva a situação da comunidade. O “anoitecer”, as “portas fechadas”, o “medo” são o quadro que espelha a situação da comunidade desamparada em ambiente hostil e, portanto, desorientada. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar. Porém, Jesus aparece “no meio deles”.

Os discípulos, experienciando o encontro com Jesus ressuscitado, redescobrem o seu centro, a coordenada fundamental à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade, pois a comunidade cristã só existe, se está centrada em Jesus ressuscitado. Jesus saúda-os, desejando-lhes a paz (“shalom”, em hebraico), um dom messiânico. E, aqui significa a transmissão da serenidade e da confiança que permitem aos discípulos vencer a insegurança.

Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”, sinais que evocam a entrega de Jesus, o amor total expresso na cruz. É nestes sinais que os discípulos reconhecem Jesus, o mesmo de sempre. O facto de esses sinais permanecerem no Ressuscitado, indica que Jesus é, de forma permanente, o Messias cujo amor se derrama sobre os discípulos e cuja entrega alimenta a comunidade.

O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus ao comunicar a vida ao homem de argila (João utiliza o mesmo verbo do texto grego de Gn 2,7). Com o sopro de Deus, o homem tornou-se um ser vivente; com este sopro, os discípulos adquirem a vida nova e nascem como homens novos. Possuindo a vida em plenitude, estão capacitados – como Jesus – para fazerem da vida dom de amor aos homens. Assim, de discípulos Jesus faz apóstolos: “Como o Pai Me enviou, assim Eu vos envio.” E, animados pelo Espírito (“pneûma”), formam a nova comunidade da aliança e são chamados a testemunhar, em gestos e em palavras, o amor de Jesus.

Por fim, Jesus explicita a missão dos discípulos: a eliminação do pecado. As palavras de Jesus não significam que os discípulos possam ou não – conforme os seus interesses ou a sua disposição – perdoar os pecados, mas são chamados a testemunhar no mundo a vida que o Pai oferece a todos os homens. O perdão dos pecados é o objetivo de Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do Mundo, como será o objetivo da Igreja, que deve semear o perdão e não anatematizar.

Paz, serenidade, vida nova, Espírito Santo, apostolado, perdão são cambiantes do dom ou fruto da Páscoa em Jesus e no Espírito Santo (“pneuma hágion”). Quem aceitar este dom será integrado na comunidade de Jesus; quem não o aceitar, continuará em rotas de egoísmo e de morte. A comunidade, animada pelo Espírito, será a mediadora (não a dona) desta oferta de salvação.

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A 1.ª leitura (At 2,1-11) sugere que o Espírito é a lei nova que orienta a caminhada dos crentes, que gera o novo Povo de Deus e faz com que os homens sejam capazes de ultrapassar as diferenças e de comunicar, unindo os povos de todas as etnias e culturas na comunidade de amor.

A apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas, que é preciso descodificar para chegarmos à interpelação essencial do que esta catequese nos deixa. Uma interpretação literal desta narrativa far-nos-ia reparar na roupagem exterior e ignorar o fundamental. Ora, o interesse fundamental de Lucas é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e chamada a testemunhar aos homens o projeto libertador.

Lucas situa a experiência do Espírito no dia de Pentecostes, festa judaica celebrada 50 dias após a Páscoa. Originariamente, era a festa agrícola em que se agradecia a Deus a colheita da cevada e do trigo; mas, no século I, tornou-se a festa histórica que celebrava a aliança, o dom da Lei no Sinai e a constituição do Povo de Deus. Ao situar neste dia o dom do Espírito, Lucas sugere que o Espírito é a lei da nova aliança – pois Ele, no tempo da Igreja, dinamiza a vida dos crentes – e que, por Ele, se constitui a nova comunidade do Povo de Deus, a comunidade messiânica, que viverá da lei inscrita, pelo Espírito, no coração de cada discípulo (cf Ez 36,26-28).

Na narrativa da manifestação do Espírito, o Espírito Santo é apresentado como “a força de Deus”, através de dois símbolos: o vento de tempestade e o fogo – símbolos da revelação de Deus no Sinai, quando Deus deu ao Povo a Lei e constituiu Israel como Povo de Deus. Estes símbolos evocam a força irresistível de Deus, que vem ao encontro do homem, comunica com o homem e que, dando ao homem o Espírito, constitui a comunidade de Deus.

A força de Deus é apresentada como língua de fogo. A língua é a expressão da identidade cultural de um grupo humano e a sua maneira de comunicar, estabelecendo laços duradouros entre as pessoas, criando comunidade. Temos, aqui, o reverso de Babel (cf Gn 11,1-9): lá, os homens escolheram a ambição desmedida que gerou a dispersão e o desentendimento; aqui, regressa-se à unidade, à relação, à construção da comunidade capaz do diálogo. Surge a Humanidade unida pela partilha da mesma experiência, fonte de liberdade, de comunhão. A comunidade messiânica é a comunidade onde a ação de Deus, pelo Espírito, transforma as relações humanas, levando à partilha, à relação, ao amor.

É neste enquadramento que devemos entender os efeitos da manifestação do Espírito: todos “os ouviam proclamar, na sua própria língua, as maravilhas de Deus”. O elenco dos povos convocados e unidos pelo Espírito atinge representantes de todo o mundo antigo. A todos deve chegar a proposta de Jesus, que faz de todos os povos uma comunidade de amor e de partilha.

Ouvir na própria língua as maravilhas de Deus outra coisa não é do que a comunicação do Evangelho, que gera a comunidade universal. Sem deixarem a sua cultura e as suas diferenças, todos os povos escutarão Jesus e podem integrar a comunidade da salvação, onde se fala a mesma língua e onde todos podem experimentar o amor e a comunhão, que tornam irmãos povos tão diferentes. O essencial é a experiência do amor que, no respeito pela liberdade e pelas diferenças, deve unir todas as nações da terra.

O Pentecostes dos Atos dos Apóstolos é a página programática da Igreja e anuncia o que será o resultado da ação das testemunhas de Jesus: a humanidade nova, a antiBabel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema e fonte de amor e de liberdade.

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Na segunda leitura (1Cor 12,3b-7.12-13), Paulo avisa que é o Espírito, a fonte de onde brota a vida da comunidade cristã, quem concede os dons que a enriquecem a comunidade e fomenta a unidade de todos os membros.

Por isso, os dons não podem ser usados para benefício pessoal, mas postos ao serviço de todos.

A comunidade cristã de Corinto era viva, mas não exemplar no atinente à vivência do amor e da fraternidade: as divisões, as contendas e as rivalidades, perturbadoras da comunhão, constituíam contratestemunho. A polémica dos carismas (dons concedidos pelo Espírito a algumas pessoas ou grupos para proveito de todos) agudizava-se: os supostos detentores desses dons consideravam-se os eleitos de Deus, apresentavam-se como iluminados e assumiam atitudes de autoritarismo, que prejudicavam a fraternidade e a liberdade; e os que não tinham sido dotados destes dons eram desprezados e considerados como cristãos de segunda.

Na Primeira Carta aos Coríntios, Paulo corrige, admoesta, dá conselhos e mostra a incoerência destes comportamentos, incompatíveis com o Evangelho.

No trecho em referência, acha que é preciso saber ajuizar da validade dos dons carismáticos, para que não se fale em carismas a propósito de comportamentos que pretendem garantir os privilégios de certas figuras. O verdadeiro carisma é o que leva a confessar que “Jesus é o Senhor” (não há oposição entre Cristo e o Espírito) e que é útil para o bem da comunidade. Com efeito, é o Espírito quem nos move a rezar e a dizer: “Jesus é o Senhor”. E é preciso que os membros da comunidade tenham consciência de que, apesar da diversidade de dons, é o mesmo Espírito que atua em todos; apesar da diversidade de funções, é o mesmo Senhor Jesus que está presente em todos; apesar da diversidade de ações, é o mesmo Deus que age em todos. É o Espírito Santo, que habita em nós, quem edifica a unidade do corpo na diversidade de membros, de dons, de funções e de ações.

Não há cristãos de primeira e de segunda. O que é importa é que os dons resultem no bem de todos e sejam usados, não para melhorar a própria posição, mas para o bem de toda a comunidade.

E Paulo compara a comunidade cristã a um corpo com muitos membros. Apesar da diversidade de membros e de funções, o corpo é um só. Em todos os membros circula a mesma vida, pois todos foram batizados num só Espírito e “beberam” um único Espírito (alusão à agua viva que Jesus prometeu à Samaritana e que disponibilizou para todos os que acreditassem)

O Espírito é, pois, apresentado como Aquele que dá vida ao “corpo” de Cristo e o alimenta. E, assim, fomenta a coesão, dinamiza a fraternidade e é o responsável pela unidade desses diversos membros que formam a comunidade. Além disso, é Ele que, ao longo do tempo, inspira novas formas de oração, novos modos de pregação e novos movimentos na Igreja e até novos modos do ser e do agir da Igreja. Há que fazer sempre o côngruo discernimento, antes de uma rejeição.

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Este, sem deixar de ser o tempo do Pai e do Filho, é, por excelência o tempo do Espírito Santo, com o qual a Igreja deve viver em parceria, na referência ativa ao Senhor Jesus.  

Mais do que encerrar o Tempo Pascal, o Pentecostes leva a Páscoa ao quotidiano da vida!

2023.05.28 – Louro de Carvalho

Proteção de cabos submarinos é crítica para Portugal e para aliados

 

Portugal guarda um nó de infraestruturas submarinas sensíveis. Os pormenores são reservados e as informações são das mais sensíveis que o Estado protege.

A segurança dos 12 cabos submarinos de telecomunicações que atravessam o território marítimo sob jurisdição portuguesa ou que amarram em Portugal é preocupação do governo português e de várias embaixadas de aliados em Lisboa.

A capacidade do Estado para assegurar a proteção destas infraestruturas tem sido tema de debate em chancelarias de países da União Europeia (UE) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), que tentam perceber se a Armada Portuguesa (AP) tem capacidade para prevenir o risco de tentativa de sabotagem dos cabos que asseguram 97% das comunicações de dados e de Internet. E é uma preocupação partilhada a nível governamental.

Entretanto, os setores da energia, do transporte e das infraestruturas digitais, foram identificados como críticos numa diretiva europeia, de 14 dezembro de 2022, onde se incluem os cabos submarinos. Porém, apesar das limitações operacionais, a AP tem-se focado no seguimento dos navios russos que atravessam o espaço português: desde a invasão da Ucrânia foram monitorizados quase 60 navios russos – militares e científicos – em navegação por território de responsabilidade nacional, e cerca de metade foram acompanhados por navios da AP, que reporta as operações ao Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA).

A proteção dos cabos submarinos que amarram em Portugal, em cinco lugares (Sines, Carcavelos, Seixal, Sesimbra e Sagres) esteve subjacente a dois escândalos públicos recentes: o motim de 13 marinheiros no navio “Mondego”, que inviabilizou o seguimento de um navio científico russo na Madeira; e a recuperação do computador do ex-adjunto de João Galamba. O chefe do Estado-maior da Armada (CEMA) foi duro para com a guarnição do patrulheiro. E o primeiro-ministro usou, por várias vezes, uma expressão precisa no recente debate parlamentar, ao ser questionado sobre a intervenção do Serviço de Informações de Segurança (SIS) no resgate do computador do ex-adjunto de João Galamba. Ou seja, mencionou o “quadro presente da avaliação de ameaças relevantes”, adiantando não poder dizer mais por razões de segurança. Uma das ameaças tem a ver com a proteção dos cabos submarinos que os russos estarão a tentar mapear.

A sensibilidade da informação foi a justificação dada ao primeiro-ministro pela embaixadora Graça Mira Gomes, secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), para o SIS decidir agir na noite da confusão no gabinete de João Galamba. Como não foi dito ao SIS que os documentos classificados eram unicamente sobre a TAP, tratando-se de computador do Ministério das Infraestruturas, os oficiais das informações temeram que estivesse em causa material sensível conexo com os cabos submarinos.

O capitão-tenente António Ramos Carvalho escreveu, no artigo “Cabos submarinos – Portugal (novamente) no epicentro da globalização”, na Revista da Armada (n.º 42, pgs. 22-24), de abril, que Portugal é “um ator nevrálgico no panorama da rede internacional” dos cabos submarinos e o “único país do Mundo com ligações diretas estabelecidas com todos os continentes, à exceção da Antártida”. Com a ameaça russa, a segurança das comunicações é essencial: daqui a 10 anos, 10% a 15% de todos os cabos marítimos do planeta atravessarão águas portuguesas. E o oficial sustenta que o aumento dos casos suspeitos e o envolvimento da Marinha russa “em ações de ciberespionagem e de sabotagem a cabos submarinos ligados a países aliados” se intensificaram desde o início da guerra. E menciona um caso em particular. A 19 de outubro, ocorreu, no Sul de França, “um dos últimos incidentes reportados deste tipo: três cabos submarinos de fibra ótica foram cortados, sabotando os links de Internet” entre Marselha e Lyon, Milão e Barcelona. E suspeita-se que o incidente tenha sido provocado por um submersível russo.

O acompanhamento da AP e da Força Aérea a navios militares e científicos russos tem vários objetivos. Um deles é recolher informações: se metem cabos, sensores e drones na água em zonas onde há cabos submarinos; e outro é fazer um seguimento ou “assédio” a esses meios, perturbando eventuais manobras.

João Fonseca Ribeiro, antigo oficial da AP e sócio da consultora Blue Geo Light House, que fez trabalhos nesta área, frisa que eventual sabotagem provoca “uma interrupção da comunicação de dados, Internet e voz”, mesmo que empresas como a Google assegurem redundâncias de modo que “o transporte dos dados seja assegurado por três vias diferentes”. Os russos têm “capacidade para afetar estas infraestruturas críticas” e, nesta “primeira fase da guerra”, o “mapeamento” destas comunicações pode ser vital para, se quiserem, escalar de alguma forma o conflito.

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Os cabos submarinos podem ser metálicos, coaxiais ou óticos, sendo este último tipo o mais utilizado atualmente. Com efeito, é preciso ter redes de cabos submarinos de fibra ótica para nos comunicarmos com velocidade usando a Internet.

Embora haja divergências quanto às datas, o primeiro cabo submarino de que se tem notícia foi um cabo telegráfico lançado, em 1851, no Canal Inglês de Dover.

Os cabos submarinos são conexões submersas nos oceanos, entre estações terrestres de rede, para transmitir sinais de telecomunicações. São milhares de quilómetros de cabos e de repetidores que atravessam mares, a nível do fundo, e conectam o planeta. E o mar reservou-lhes toda sorte de infortúnios: dos dentes dos tubarões aos barcos e suas âncoras.

Os cabos submarinos surgiram na década de 1850, entre a América do Norte e a Europa), poucos anos após a invenção do telégrafo, na década de 1830. Desde então, usam-se redes de cabos para telegrafia, telefonia e, obviamente, para a Internet. A tecnologia foi refinada, mas a aparência de um deles ainda é similar.

De acordo com o site TeleGeography.com, no início de 2018, eram aproximadamente 448 cabos submarinos em serviço no Mundo. Mas o total está em constante mudança, conforme novos operadores entram e os cabos mais antigos são desativados por questões como o termo do prazo de validade, o rompimento e outros acidentes. O total em quilómetros de cabos em serviço já ultrapassa 1,2 milhão. Alguns são curtos, como o cabo CeltixConnect, de 131 quilómetros, entre a Irlanda e o Reino Unido, mas outros são enormes, como o Asia America Gateway, de 20 mil.

O grupo mantém um mapa interativo atualizado com a rota dos cabos submarinos, mas avisa que o traçado é adaptado e não reflete o caminho real da conexão. Visa-se facilitar a visualização de diferentes cabos e identificar as suas estações de conexão terrestres. Os cabos que cruzam uma mesma área de um oceano tomam caminhos semelhantes, que podiam sobrepor-se no desenho. Essas rotas são escolhidas após pesquisas marítimas para evitar condições perigosas e danos.

Os cabos submarinos modernos usam tecnologia de fibra ótica. Lasers de uma extremidade disparam dados, a velocidades extremamente rápidas, em fibras de vidro muito finas, para recetores na outra extremidade do cabo. As fibras são envoltas em muitas camadas de plástico e de metais para sobreviverem ao fundo do mar. Isso não quer dizer que o cabo seja espesso como tronco de árvore. Costuma ser tão largo como a mangueira de jardim. Os filamentos dentro dele são extremamente finos, com aproximadamente o diâmetro de um fio de cabelo humano. À medida que se aproximam da costa, ganham camadas extras de proteção nas extremidades.

O canal “Whats Inside” do YouTube conseguiu um pedaço de cabo com uma turma da Google, do canal Nat and Friends. Cortaram ao meio e mostraram como é por dentro.

Os cabos precisam ir até ao fim, mergulhados até ao fundo. Por isso, não se vê o cabo a sair na areia da praia. Perto da costa, também está bem enterrado.

Um projeto de um único cabo costuma custar centenas de milhões de dólares e são feitos por meio de parcerias entre gigantes. O sistema mostrado em vídeo envolveu empresas como a Antel, a Algar Telecom, a Angola Cables e a Google. O cuidado com um projeto milionário é enorme: a rota tem de evitar falhas geológicas, zonas de pescas e ancoragem; tem de suportar profundidade em água salgada de alta pressão; e o cabo deve estar pronto para mudanças geológicas.

Tradicionalmente, cabos submarinos são propriedade de operadoras de telecomunicações, que formam um consórcio de partes interessadas em usar o cabo. Mas, no final dos anos 90, empresas empreendedoras construíram muitos cabos privados. Provedores de conteúdo como a Google, o Facebook, a Microsoft e a Amazon são, atualmente, os grandes investidores. Ante a perspetiva do crescimento da demanda em largura de banda, faz sentido, para essas empresas, a propriedade de cabos submarinos.

As capacidades dos cabos submarinos variam. Normalmente, os mais novos são capazes de transportar mais dados do que os de 15 ou 20 anos. Os recentes são capazes de transportar totais até 250 terabits (Tbps) de informação (26,2 Tbps por segundo), número que representa a capacidade total possível, se o proprietário instalasse todos os equipamentos possíveis. O comum é os responsáveis atualizarem os cabos gradualmente, conforme a demanda do cliente.

Quanto a acidentes, é de referir que até os tubarões já tentaram “mastigar a Internet”. Começaram a surgir, em 1987, evidências de que os animais morderam cabos no fundo do mar. Há vídeos no YouTube com cenas de tubarões a tentar degustar a conexão. No entanto, os cabos têm proteção contra “shark attacks”. Assim, a mordedura de peixes (categoria que inclui tubarões) foi responsável por um total de zero falhas em cabos, entre 2007 e 2014. A mordedura não resultou em nada. A maioria dos danos vem da atividade humana, principalmente da pesca e da ancoragem.

Acidentes com os cabos são comuns. Em média, mais de 100 por ano. Barcos de pesca e navios arrastando âncoras enormes são responsáveis por dois terços dos problemas. Fatores ambientais como terremotos também contribuem. Menos comum é algum componente submerso falhar. E a sabotagem deliberada é muito rara.

Os cabos submarinos têm vida útil de 25 anos, mas são, em regra, substituídos mais cedo, porque se tornam economicamente obsoletos. Não fornecem tanta capacidade como os mais novos, a um custo comparável e torna-se cara para a sua manutenção.

De acordo com o TeleGeography, os satélites são ótimos para determinadas aplicações e fazem trabalho maravilhoso a alcançar áreas que ainda não estão conectadas com fibras. São úteis para distribuir conteúdo de uma fonte para vários locais. No entanto, os cabos podem transportar mais dados e a custo muito menor. Estatísticas da U.S. Federal Communications Commission indicam que os satélites representam apenas 0,37% de toda a capacidade internacional norte-americana.

É verdade que o Facebook e a Google estão a investir em projetos como o Aquila, a Athena ou o Loon, para levar o acesso a lugares em que mal há Internet. Mas não estão a procurar usar satélites de qualquer tipo como forma de substituir o uso de cabos submarinos.

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Enfim, é matéria sensível que poderia ter estado presente no caso do Ministério das Infraestruturas, que a cacofonia política desvalorizou, lançando o anátema contra a suposta ilegalidade da atuação do SIS, cuja principal missão é de ordem preventiva, tendo agido (bem, em minha opinião), na circunstância, devido a um alerta (ainda que sine fundamento in re, como se apurou mais tarde). 

2023.05.27 – Louro de Carvalho