terça-feira, 30 de maio de 2023

Missão Shenzhou-16 leva primeiro astronauta civil da China ao espaço

 

Segundo a Agência Espacial Tripulada da China (CMSA), o cientista Gui Haichao, de 34 anos, professor de Aeronáutica e Astronáutica no principal instituto de investigação aeroespacial chinês (na Universidade Beihang), está a conduzir, durante cinco meses, uma variedade de experiências no laboratório orbital.

Na noite de 29 para 30 de maio, a República Popular da China (RPC) lançou a missão Shenzhou-16, o seu quinto voo tripulado à estação espacial Tiangong, desde 2021. Um foguete Long March 2F decolou do Centro de Lançamento de Satélites de Jiuquan, no deserto de Gobi, no Noroeste do país, pouco depois das 9h30 locais, levando três astronautas a bordo – entre eles, o primeiro cientista civil do país a ir para o espaço (até agora a China só punha militares no espaço).

De acordo com a Administração Espacial Nacional da China (CNSA), o comandante Jing Haipeng, de 56 anos, é o único veterano dos membros, tendo participado em outras três missões anteriores ao laboratório orbital.

“É uma grande honra, para mim, servir como comandante pela terceira vez. Desta vez, sou o principal responsável pela organização e coordenação, incluindo a comunicação espaço-Terra e o comando da missão”, disse o comandante em conferência de imprensa, na véspera do lançamento, quando a tripulação foi apresentada ao público. 

Além dele, estavam o engenheiro Zhu Yangzhu, que acompanha a missão, e o pesquisador Gui Haichao, professor de Aeronáutica e Astronáutica na Universidade Beihang e único taikonauta (designação para astronautas da China) que não integra o Exército Popular de Libertação, que lidera as operações espaciais (até há pouco tempo sem participação de civis).

De acordo com a universidade, Gui Haichao é de uma “família comum” da província de Yunnan (no Norte do país): “Sentiu interesse pelo setor aeroespacial, pela primeira vez ao ouvir, no rádio, as notícias sobre o primeiro chinês a viajar no espaço.”

Diz o diretor adjunto da CMSA, Lin Xiqiang, que Gui Haichao será responsável por liderar experiências de larga escala em órbita, a estudar novos fenómenos quânticos, sistemas espaciais de tempo-frequência de alta precisão, a verificação da relatividade geral e a origem da vida.

Entretanto, a RPC anunciou planos para colocar astronautas na Lua antes de 2030,medida que deverá acelerar a corrida espacial com os Estados Unidos da América (EUA), pretendendo a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA) colocar astronautas americanos na superfície lunar até fins de 2025. Aliás, a viagem insere-se na estratégia de enviar um astronauta chinês à Lua até 2030 e enviar sondas para colher amostras de Marte e de Júpiter, um dos principais objetivos do programa espacial em que o país já investiu milhares de milhões de euros.

Representantes do programa espacial chinês garantiram que a mudança de requisitos se deve “à nova fase em que entrou a estação espacial de Tiangong, durante a qual vai albergar um grande número de experiências científicas”.

A estação irá acolher investigação sobre o cultivo de plantas, criação de peixes, testes de comportamento de fluidos em gravidade zero e estudos de células animais e vegetais, bem como a instalação do relógio atómico mais preciso de sempre.

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A jornada espacial da China começou há mais de 60 anos e enviou, agora, pela primeira vez, um civil ao espaço.

Em 1957, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) colocou em órbita o primeiro satélite fabricado pelo homem, o Sputnik. E o fundador da República Popular da China, Mao Tsé-Tung, garantiu aos seus concidadãos: “Nós também fabricaremos satélites!”

A primeira etapa foi concretizada em 1970 (ano de turbulências da Revolução Cultural), com o lançamento do seu primeiro satélite, Dongfanghong-1 (“O Leste é Vermelho-1”), nome de uma canção em homenagem a Mao, cuja melodia seria difundida por vários dias no espaço. O foguete que pôs o satélite em órbita chamou-se “Longa Marcha”, a evocar a caminhada do Exército Vermelho que levou Mao a afirmar-se como líder do Partido Comunista chinês.

Em 2003, este país asiático enviou o primeiro chinês ao espaço, o '’taikonauta’ Yang Liwei, que deu 14 voltas na Terra, num período de 21 horas. Com esse voo, a RPC tornou-se no terceiro país, depois da URSS e dos EUA, a enviar um ser humano ao espaço através dos próprios meios.

Após um pedido do governo dos EUA, a RPC foi excluída, deliberadamente, do programa da Estação Espacial Internacional, uma cooperação que envolve americanos, russos, europeus, japoneses e canadianos.

Com a medida, o país decidiu construir a sua própria estação. Para isso, lançou, primeiro, um pequeno módulo espacial, Tiangong-1 (“Palácio Celestial 1”), que foi colocado em órbita em setembro de 2011, para realizar o treino dos taikonautas e experiências médicas.

Em 2013, o pequeno robô “Coelho de Jade” chegou à Lua. É certo que enfrentou problemas técnicos, mas foi reativado e explorou a superfície lunar durante 31 meses.

O Tiangong-1 deixou de funcionar em março de 2016. O laboratório era considerado uma etapa preliminar para a construção de uma estação espacial.

Em 2016, a RPC lançou o seu segundo módulo espacial, Tiangong-2, onde os taikonautas realizaram acoplamentos técnicos.

Segundo a CMSA, o gigante asiático enviará astronautas à Lua, em 2030, e construirá uma base.

O programa espacial chinês sofreu um revés, em 2017, com o fracasso do lançamento do “Longa Marcha 5”, equipamento crucial que permitiria levar as pesadas cargas necessárias para algumas missões – contratempo de que resultou um atraso de três anos para a missão “Chang’e 5”.

Executada apenas em 2020, a missão permitiu que os Chineses enviassem para a Terra amostras da superfície lunar, algo que não acontecia há 40 anos, e hasteassem, na superfície lunar, uma bandeira chinesa, que era, propositalmente, maior do que as bandeiras anteriores dos EUA.

Porém, já em janeiro de 2019, a China obteve outro sucesso, com um feito inédito à escala mundial: a aterragem de um robô, o “Coelho de Jade 2”, na face oculta da Lua. E, em junho de 2020, lançou o último satélite para concluir o seu sistema de navegação Beidou, que compete com o sistema de posicionamento global (GPS) norte-americano.

Em julho de 2020, a RPC enviou a Marte a sonda “Tianwen-1”, que transportava um robô com rodas comandado remotamente chamado Zhurong, que pousou na superfície de Marte, em maio de 2021, o que levou os cientistas a sonhar o envio de pessoas para Marte num horizonte distante.

Em 2022, a RPC lançou, com sucesso, da sua estação espacial Tiangong, o último módulo, a “Shenzhou 14”. A base deve orbitar a entre 400 e 450 quilómetros de distância da superfície terrestre, por um período de 10 anos, com a ambição de manter a presença humana no espaço por um longo período. A Tiangong, tripulada sem interrupção, com missões rotativas de três pessoas, contém vários equipamentos científicos de vanguarda, incluindo, segundo a agência estatal de notícias Xinhua, “o primeiro sistema de relógio espacial atómico frio”.

A próxima missão para a Tiangong, a “Shenzhou-17”, está prevista para outubro deste ano.

O presidente Xi Jinping tem dado especial incremento aos programas aeroespaciais. E, nos últimos 10 anos, a RPC lançou mais de 200 foguetes.

Com o lançamento d a Shenzhou 14, a China já enviou 14 astronautas ao espaço, em comparação com 340 dos EUA e mais de 130 da URSS (agora Rússia).

Além do contratempo de 2017, já referido, em 2021, parte de um foguete chinês saiu de órbita e caiu no Oceano Atlântico; e dois lançamentos falharam em 2020.

Em princípio, a China não planeia usar a sua estação espacial para a cooperação internacional, mas as autoridades já disseram que estão abertas a colaborar com outros países.

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Está instalada a competição aeroespacial. À medida que a China se expande no espaço, vários outros países também pretendem chegar à Lua.

A NASA pretende retornar à Lua com astronautas dos EUA e de outros países a partir de 2025, tendo já implementado o seu novo foguete gigante, o Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês), no Centro Espacial John F. Kennedy, na Flórida.

O Japão, a Coreia do Sul, a Rússia, a Índia e os Emirados Árabes Unidos (EAU) também estão a trabalhar nas suas próprias missões à Lua.

A Índia lançou a sua segunda grande missão lunar e quer ter a sua estação espacial até 2030.

Enquanto isso, a Agência Espacial Europeia (AEA), que está a trabalhar com a NASA em missões para a Lua, também está a planear uma rede de satélites lunares, para facilitar a comunicação dos astronautas com a Terra.

Esta competição aeroespacial está regulamentada por dois normativos da Organização das Nações Unidas (ONU): o Tratado do Espaço Sideral da ONU, de 1967, segundo o qual nenhum lugar no espaço pode ser reivindicado por qualquer nação; e o Acordo da Lua da ONU, de 1979, nos termos do qual o espaço não deve ser explorado comercialmente, mas que os EUA, a China e a Rússia na altura, URSS, se recusaram a assinar. E, presentemente, os EUA estão a promover o Acordo Artemis, explicando como as nações podem explorar os minerais da Lua de forma cooperativa, mas a Rússia e a RPC não o vão assinar, argumentando que os EUA não têm o direito de fazer as regras para o espaço.

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A RPC deseja desenvolver a sua tecnologia de satélite para telecomunicações, para gestão de tráfego aéreo, para previsão do tempo, para navegação e para muito mais. Contudo, muitos dos seus satélites também têm propósito militar: podem ajudar o país a espionar potências rivais e a guiar mísseis de longo alcance.

Lucinda King, gestora de projetos espaciais da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, diz que os Chineses não estão apenas a concentrar-se em missões espaciais de alto nível: “Eles são prolíficos em todos os aspetos do espaço. Têm a motivação política e os recursos para financiar os seus programas planeados.”

As missões da China à Lua são parcialmente motivadas pelas oportunidades de extrair metais de terras raras da sua superfície. No entanto, o professor Sa’id Mosteshar, diretor do Instituto de Política e Direito Espacial de Londres, da Universidade de Londres, no Reino Unido, afirma que, provavelmente, não compensaria, para a China, enviar repetidas missões de mineração à Lua. O programa espacial chinês é impulsionado mais pelo desejo de impressionar o resto do mundo.

“É uma projeção de poder e uma demonstração de avanço tecnológico”, diz o professor.

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Enfim, a RPC é uma grande potência mundial que se afirma em todas as frentes – também na guerra, se entender que isso lhe convirá – e que será temerário desvalorizar. Privilegia, de forma hábil, a diplomacia e a eficácia comerciais, mas agirá de outras maneiras, se isso lhe convier, aliás como os demais países de grande influência económica e militar.

2023.05.30 – Louro de Carvalho

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