terça-feira, 9 de maio de 2023

Terminou a pandemia de covid-19, mas o vírus continua

 

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou, a 5 de maio, o fim da pandemia de covid-19, três anos e quatro meses depois de ter sido decretada, mais concretamente a 11 de março de 2020. Porém, o facto de já não ser uma emergência de saúde global, não significa que o SARS CoV-2 (vírus da covid-19) tenha deixado de ser “uma ameaça para a saúde”. Com efeito, ainda na semana anterior, “a covid-19 tirou uma vida a cada três minutos, e estas são apenas as mortes de que temos conhecimento”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.

A pandemia causou a morte de, pelo menos, 20 milhões de pessoas, no Mundo, quase três vezes mais do que a estimativa oficial. E foram ainda diagnosticados mais de 765 milhões de infeções.

Em conferência de imprensa, Tedros Ghebreyesus reforçou a ideia de que a doença não deve ser desvalorizada, após este anúncio, assegurando que ela continua a ser um risco para a saúde. “Este é o tempo de os países fazerem a transição do modo de emergência para a começarem a gerir a covid-19, juntamente com outras doenças infeciosas”, disse o diretor-geral da OMS, vincando que esta “não foi uma decisão precipitada”. Foi “uma decisão que foi ponderada com cuidado, durante algum tempo, planeada e tomada com base numa análise atenta dos dados”, esclareceu, garantindo que, se for necessário, não hesitará em “convocar outro comité de emergência, caso a covid-19 volte a colocar o nosso Mundo em perigo”.

Na reunião de 4 de maio, os peritos do comité de emergência da OMS avaliaram a situação da pandemia, à luz dos três critérios definidos na emergência de saúde pública global (PHEIC, na sigla em Inglês): se a covid-19 continuava a constituir um evento extraordinário, se se mantinha o risco de saúde pública para outros Estados, através da disseminação internacional, e se, potencialmente, requeria resposta internacional coordenada.

O comité considerou ser este o “momento certo de avançar” para a gestão da covid-19, que deixou de ser um “evento incomum e inesperado” que justifique um nível de alerta mais elevado, apesar de continuar a constituir um risco real, como a gripe.

Embora a PHEIC “tenha sido um instrumento valioso para apoiar a resposta global à covid-19, o comité concordou que é o momento certo para avançar para a gestão a longo prazo do SARS-CoV-2 como um problema de saúde contínuo”, adiantou a OMS em comunicado.

“Chegar ao ponto em que a covid-19 pode ser considerada como não constituindo mais uma PHEIC deve ser visto como um reconhecimento à coordenação internacional e ao compromisso com a saúde global”, destacaram ainda os especialistas.

Na sequência da decisão acabada de tomar, a OMS recomendou aos países que atualizem os planos de preparação para pandemias de agentes patógenos respiratórios, incorporando as aprendizagens da covid-19, e que restaurem os programas de saúde afetados pela pandemia. Além disso, devem integrar a vacinação contra a covid-19 nos programas de vacinação ao longo da vida e manter os esforços para aumentar a cobertura vacinal contra a covid-19 para todas as pessoas dos grupos de alta prioridade, bem como continuar a levantar as medidas de saúde relacionadas com viagens internacionais, com base em avaliações de risco, e a deixar de exigir comprovativos de vacinação como pré-requisito para essas deslocações.

A declaração de fim da pandemia, pela OMS, significa que este coronavírus é agora um vírus endémico, como a gripe.

No seu parecer à OMS, os membros do comité destacaram a tendência decrescente das mortes por covid-19, a diminuição das hospitalizações e dos internamentos em unidades de cuidados intensivos e os elevados níveis de imunidade da população mundial ao SARS-CoV-2.

Para o combate à propagação da doença, foi lançada a campanha de vacinação à escala global.

Segundo a OMS, a nível global, foram administradas cerca de 13,3 mil milhões de doses de vacinas contra a covid-19. Atualmente, 89% dos profissionais de saúde e 82% dos adultos com mais de 60 anos completaram a vacinação primária, embora a cobertura nesses grupos prioritários varie em diferentes regiões do Mundo.

Segundo Tedros Ghebreyesus, a covid-19 deixou – “e continua a deixar” – cicatrizes profundas no Mundo, as quais devem servir como lembrete permanente do potencial de surgimento de novos vírus, com consequências devastadoras. Com efeito, a longa covid (persistência de sintomas durante várias semanas a vários meses, após a infeção) é a grande herança da pandemia e Portugal já deve ter mais de 330 mil doentes.  

Em Portugal, os primeiros casos desta doença foram diagnosticados a 2 de março de 2020 e, duas semanas depois, o País entrava no seu primeiro estado de emergência. No total, Portugal contabilizou 26 mil mortos, sendo que mais de 5,5 milhões de pessoas contraíram o vírus. Porém, há mais de um ano, foram levantadas as restrições mais pesadas para o controlo da doença.

***

O novo coronavírus já não é ameaça para a saúde global, mas é preciso estar protegido. O reforço vacinal entre os mais jovens é inexistente ou muito baixo e é preciso que tomem, pelo menos, uma dose de reforço. E Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, explica o que e o porque do que se deve fazer doravante, em Portugal.

A doença já não é ameaça significativa para a saúde da população mundial, nem para os Serviços Nacionais de Saúde. Porém, continuará a ser um risco para os mais vulneráveis, como os doentes e os idosos. Por isso, devemos manter alguns cuidados e não negligenciar esta patologia.

Já não podemos lidar com a gripe, com as constipações e agora com a covid, como antigamente. Precisamos de ter cuidado para não as transmitirmos aos outros, para nos protegermos, pois não sabemos se a pessoa que está ao nosso lado contrairá uma forma grave da doença. Há que manter o uso de máscara e evitar o contacto físico com os outros, quando estivermos doentes, vacinar regularmente os vulneráveis, ventilar corretamente os espaços interiores e manter os cuidados de lavagem das mãos de forma adequada, bem como a etiqueta respiratória.

No atinente à adesão à vacina, segundo o relatório n.º 20 da Resposta Sazonal em Saúde, do Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA),  entre os 5 e os 11 anos, a cobertura com dose de reforço é inexistente; entre os 12 e os 17 anos, é de 1%; entre os 18 e os 24, é de 56%; e, entre os 25 e os 39, é de 62%. São coberturas baixas. Ora, todos os adultos e todos os doentes crónicos devem ter, pelo menos, uma dose vacinal de reforço, isto é, as duas doses iniciais e mais uma. Assim, os jovens que não tomaram a segunda dose não estão em maior risco. Mas os que não fizeram uma dose de reforço devem fazê-lo, para terem proteção mais significativa e diminuírem, ao máximo, a possibilidade de virem a desenvolver alguma forma de doença grave.

Quanto a óbitos, o mesmo relatório do INSA refere que, na quinzena de 10 a 23 de abril, foram verificados sete óbitos por milhão de habitantes, ou seja, cerca de 60 óbitos, em 14 dias, por covid. Já na semana entre 17 e 23 de abril, a taxa foi de três óbitos por milhão de habitantes, ou seja, cerca de 27 óbitos. Estes valores são inferiores ao limiar definido pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) (20 óbitos por milhão de habitantes), mas são números consideráveis. É importante não perder o foco nesta doença, em termos comportamentais, de diagnóstico e de tratamento, para se reduzir ainda mais este indicador.

Em síntese, o INSA aponta que, apesar de o vírus SARS-CoV-2 continuar a circular na população, já não é evento excecional ou inesperado, com impactos extraordinários na saúde da população e na organização dos serviços de saúde. Com efeito, a maioria da população teve algum tipo de imunidade contra o vírus (contacto com o vírus e/ou vacinação) e os sistemas de saúde têm mais capacidade de lidar com esta infeção. Assim, foi possível reduzir o nível de alerta em relação à covid-19, passando a pandemia de covid-19 para uma fase de transição.

Porém, como sucede com a gripe, a diminuição do nível de alerta não significa relaxar totalmente. Mantém-se a vigilância do SARS-CoV-2, por forma a identificar aumento da incidência, formas mais graves de infeção ou variantes mais agressivas, bem como o uso de medidas de prevenção específicas dirigidas às pessoas de maior risco, no caso, a vacinação de acordo com as orientações das autoridades de saúde. E mantêm-se medidas de prevenção não específicas, que se aplicam também a outras infeções respiratórias: uso de máscara por pessoas vulneráveis ou com sintomas respiratórios em ambientes fechados e com muitas pessoas, sobretudo em época de maior circulação de agentes respiratórios, medidas de higiene e etiqueta respiratória.

Também a Comissária Europeia da Saúde, Stella Kyriakides saudou o anúncio da OMS sobre a nova fase da covid-19, vincando a importância de não se perder de vista a necessidade de prosseguir com a vacinação, “principalmente nos países mais vulneráveis”. E focou a importância de os países estarem preparados para futuras ameaças à saúde, “mantendo contramedidas e sistemas de saúde adequados”.

***

Com o fim da pandemia, porque muitas vacinas tiveram de ser destruídas (por exemplo, Portugal já teve de destruir 3,5 milhões de doses de vacinas contra a covid-19), Bruxelas tenta renegociar contratos com farmacêuticas.

Por passarem do prazo de validade e por a adesão à vacinação contra a covid-19 ser cada vez mais escassa, vários Estados-membros veem-se obrigados a deitar vacinas ao lixo.

Soube-se isto num momento em que a Comissão Europeia está a tentar renegociar contratos com as farmacêuticas, devido à acumulação de doses de vacinas que não foram usadas e já passaram do (curto) prazo que apresentam para utilização.

Segundo o Ministério da Saúde – que saudou a decisão da OMS, anotou o contributo da ciência e elogiou os profissionais de saúde –, em território nacional, a taxa de inutilização é de 8,5% (uma das menores, a nível europeu), graças à “grande adesão dos portugueses à vacinação” e à eficácia da gestão do aprovisionamento. Entre 2020 e 2023, Portugal fechou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas, tendo sido entregues aproximadamente 40 milhões dos 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas. Desses 40 milhões, 28,5 milhões foram utilizados; 8,1 milhões foram doados; e Portugal revendeu 2,6 milhões a outros países.

Portugal esperava receber, neste ano, mais de 20 milhões de doses, mas espera agora reduzir, bem como alargar os prazos de entrega, já que decorre um processo de renegociação centralizado pela UE. O Financial Times adiantou que o acordo passará por alargar, até 2026, as entregas previstas até ao final deste ano.

Tal como em outros Estados-membros, em Portugal, a campanha para o segundo reforço – que corresponde, em geral, à quarta dose – já não obteve os resultados de adesão de outrora: esta ronda de vacinação levou 79% dos idosos a partir dos 80 anos a imunizarem-se, número que contrasta com os 97% do primeiro reforço. As pessoas com idades entre os 50 e os 59 anos mostraram adesão de 45%, contra os 87% do primeiro reforço. Assim, entre 17 e 23 de abril, foram administradas 187 doses de vacina por dia, na campanha de reforço.

Milhões de doses de vacinas já passaram do prazo de validade: a Alemanha sinalizou, em janeiro, que teria 36,6 milhões de doses a expirar, e a Áustria revelou que cerca de 18 milhões não foram usadas, por o seu prazo ter passado.

Enfim, é preciso continuar a proteção pessoal e a comunitária. Pelo bem-estar!

2023.05.09 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário