sexta-feira, 19 de maio de 2023

Há margem para aumentar salários em Portugal

 

Quem o afirmou não foi nenhum dirigente sindical, nem qualquer líder da oposição, mas o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, após uma reunião com o ministro das Finanças, Fernando Medina, a 19 de maio, em Lisboa, aonde chegou para participar na reunião do grupo Bilderberg, num hotel da capital, em curso até ao dia 21.

Em conferência de imprensa conjunta com o ministro das Finanças, o comissário europeu da Economia, observando que, “em alguns setores em que a procura foi especialmente forte e houve níveis extraordinários de lucros”, o setor privado e os sindicatos podem encontrar “margem de manobra para aumentar o poder de compra” dos trabalhadores, não contribuindo, nesse caso, os aumentos salariais para o aumento da inflação. E isso será benéfico para inverter a situação de perda do poder de compra dos trabalhadores.

O recém-divulgado Relatório do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 2022 refere que, no ano passado, houve empresas que beneficiaram da conjuntura de aumento dos preços e terão aumentado as suas “margens de lucro”. E o Banco Central Europeu (BCE) tem discutido o impacto das margens de lucro das empresas no surto inflacionista.

Questionado pelos jornalistas sobre se o ambiente de instabilidade política porá em causa as previsões económicas da Comissão Europeia (CE) para Portugal, Paolo Gentiloni afirmou que a consolidação orçamental e o crescimento económico denotam o bom trabalho das autoridades portuguesas. Na verdade, “cada país enfrenta os seus próprios problemas”, mas o caminho feito pelas autoridades portuguesas é “muito estável e coerente”.

O comissário destacou a queda da nossa dívida pública, face ao produto interno bruto (PIB), que foi de 113,9%, em 2022, e que Bruxelas prevê que desça para 106,2%, em 2023), bem como o nosso crescimento económico.

É de recordar que, recentemente, nas previsões económicas de primavera, a CE reviu em alta a projeção de crescimento da economia portuguesa deste ano para 2,4%, a terceira maior taxa da Zona Euro, ajudada pelo turismo, revelando-se mais otimista do que a do governo. Em 2022, a economia portuguesa cresceu 6,7%. Por outro lado, Bruxelas melhorou a projeção de crescimento do PIB português, para este ano, face aos 1%, previstos em fevereiro, e manteve a previsão de uma taxa de 1,8% para 2024. A previsão para este ano coloca Portugal no ‘top três’ dos países da Zona Euro com a maior taxa de crescimento deste ano, a par da Grécia, apenas ultrapassados pela Irlanda (5,5%) e por Malta (2,4%).

A 15 de maio, em Bruxelas, Paolo Gentiloni, destacou as “previsões positivas” apontadas, bem como a redução do défice em 2023 (de 0,4% do PIB em, 2022, para 0,1%, neste ano), apesar das “medidas significativas”, face à crise energética.

Desta vez, em Lisboa, questionado sobre as medidas temporárias de apoio na área da energia, afirmou que, segundo as estimativas de Bruxelas, tais medidas deverão progressivamente desaparecer: representaram 2% do PIB, em 2022, deverão representar 0,8% do PIB, neste ano, até serem eliminadas, em 2024.

O comissário europeu com a pasta da Economia frisou, a 15 de maio, que o saldo orçamental previsto para Portugal “é melhor do que o de outros Estados-membros”. Com efeito, o crescimento de 2,4%, projetado por Bruxelas para Portugal, é o dobro da média da União Europeia (UE) – um cenário positivo, portanto.

Também salientou que “o saldo orçamental é melhor do que o de outros Estados-membros”, apesar das medidas “com impacto orçamental significativo” tomadas para mitigar a subida dos preços da energia. Paolo Gentiloni lembra que, neste ano, “14 Estados-membros deverão ter um défice superior à famosa fasquia dos 3% do PIB”, mas contrapõe que “não é o caso de Portugal”.

Bruxelas prevê que o défice das contas públicas, neste ano, fique pelos 0,1% do PIB, uma previsão melhor do que a do governo, já que, no Programa de Estabilidade, apresentado em abril, a equipa do ministro das Finanças inscreveu um défice para, este ano, de 0,4% do PIB, em linha com o défice de 2022. Ainda, segundo as projeções de Bruxelas, só dois países da zona euro terão um saldo orçamental mais favorável do que Portugal este ano: Irlanda e Chipre, com excedentes de 1,7% e de 1,8% do PIB respetivamente.

Contudo, Bruxelas destaca o declínio do poder de compra das famílias nos últimos trimestres, penalizado pela inflação e pela subida das taxas de juro. É uma contradição com o cenário macroeconómico positivo traçado, mas, para Paolo Gentiloni, “a contradição está na realidade”. Com efeito, prevê-se um crescimento mais forte dos salários, em 2024, mas, neste ano, o “crescimento não foi suficiente para manter o poder de compra face à inflação”. Neste contexto, o comissário reconheceu que há uma dimensão social a ter em conta, mas deixou um aviso a Portugal: “É preciso evitar um crescimento dos salários que alimente uma espiral inflacionista.”

Lembrando que “vários países, incluindo Portugal, adotaram medidas para apoiar o poder de compra das famílias”, como a isenção do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) em bens essenciais e o aumento das pensões e dos salários da função pública, notou que, “nalguns setores onde se verificou forte procura, que tinha sido reprimida, havia espaço nas margens de lucro para acomodar um aumento dos salários”. Porém, como alertou, essa margem “pode estar a diminuir”.

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Por sua vez, o ministro das Finanças disse, na referida conferência de imprensa, que as novas regras orçamentais em discussão na UE não devem ser “fonte de problema”, agravando a crise em momentos negativos, pois, “aprendendo com as lições do passado”, as regras orçamentais têm um caráter cada vez mais anticíclico, pelo que não serão, como aconteceu no passado, “uma fonte de problema, do ponto de vista da gestão orçamental e financeira”.

É verdade que a CE apresentou, a 26 de abril, as propostas legislativas formais para rever o modelo de governação económica na UE, que se traduzirão numa flexibilização dos objetivos de endividamento dos Estados-membros. Estão em causa as regras orçamentais que os Estados-membros terão de cumprir e que vão manter os conhecidos tetos de 3% do PIB, para o défice orçamental, e de 60% do PIB, para a dívida – limites que vêm do Tratado de Maastrich. Contudo, é dado mais tempo e maior margem de manobra aos Estados-membros para reduzirem a dívida. Assim, cai a polémica regra de redução da dívida ao ritmo de 1/20 ao ano, para os países que estão acima da linha vermelha dos 60% do PIB (para a dívida que excede os 60%), ritmo irrealista que, praticamente, nenhum governo cumpria. Em alternativa, os países ganham flexibilidade e a possibilidade de desenharam os próprios planos de redução de dívida.

Com as regras orçamentais na UE ainda suspensas, no seguimento da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia, mas estando assente que voltam a vigorar em 2024, a CE está numa corrida contra o tempo, para rever o modelo de governação económica na UE. O objetivo é o consenso entre os Estados-membros e a aprovação da reforma antes do final do ano.

Reconhecendo que as regras atuais são muito complexas, que impõem exigências irrealistas no atinente à redução da dívida, sobretudo dos países mais endividados, e têm poucos incentivos ao investimento e ao desenvolvimento de reformas estruturais, Bruxelas aponta, agora, trajetórias de redução da dívida articuladas com os governos de cada país.

A despesa líquida será o indicador de referência a monitorizar por Bruxelas e as condições de ajustamento dependerão das condições específicas de cada país. Nesse sentido, um elemento central nas propostas de Bruxelas é que os países apresentem planos nacionais de médio prazo, que combinam política orçamental, reformas estruturais e investimentos prioritários, com um horizonte de quatro anos, período que pode, em certos casos, ser estendido em mais três anos.

Os planos são desenhados pelos países e propostos à Comissão, que os avalia, mas têm, depois, de ser aprovados pelos ministros das Finanças da UE.

Com base nesses planos, a Comissão fará uma análise à sustentabilidade da dívida, definindo limites anuais para a despesa líquida, que mantenham o défice abaixo dos 3% do PIB e a dívida numa trajetória descendente – o que terá de ser respeitado pelos países nos orçamentos nacionais.

Será esse o indicador operacional para monitorização pela CE e para a adoção de procedimentos corretivos, que são reforçados. É o caso do procedimento por défice excessivo (PDE) para os países que não cumprem a redução da dívida.

A Comissão nunca abriu um PDE para os países com dívida elevada e que não cumprem o critério da dívida (só abriu para os que não cumprem o défice). Porém, com as novas regras, torna-se mais claro e simples lançar um procedimento corretivo e aplicar sanções.

Além disso, aos países com défice acima dos 3% do PIB é exigida ainda uma redução de meio ponto ao ano, até alcançarem tal fasquia. E cai o indicador de evolução do saldo orçamental estrutural (que exclui os efeitos do ciclo económico e medidas extraordinárias) atualmente previsto nas regras.

A Comissão pretende que os países comecem a preparar o plano de redução da dívida para o próximo ano, para o período 2025-2028. Mas isto implica que os 27 cheguem a um consenso e aprovem as novas regras antes do final do ano, objetivo ambicioso, mas possível.

Para Fernando Medina, em nenhum caso, a proposta compromete a estratégia de crescimento da economia portuguesa, uma vez que o ponto mais forte da proposta é precisamente “procurar evitar que as regras tenham caráter pró-cíclico, que, em período de crise ou de crescimento baixo, as regras obriguem a esforços de consolidação orçamental que só agravam a situação”.

Medina voltou a dizer, tal como já tinha dito no final de um Eurogrupo informal, em fins de abril, que, mesmo com a retoma das regras da UE, em 2024, para dívida e défice, com ou sem trajetória mais flexível de redução, Portugal não terá problema em cumpri-las.

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Pelo contexto de tensões geopolíticas e perturbações nos mercados pela guerra da Ucrânia, a suspensão temporária das regras do Plano de Estabilidade manteve-se por mais um ano, até final de 2023, prevendo-se que as regras orçamentais sejam retomadas em 2024. Penso que, tal como Fernando Medina, ao comentar, a 15 de maio, as previsões da CE, se estribava na necessidade da prudência orçamental, Bruxelas deveria conter-se na manutenção da suspensão das regras orçamentais da UE até se definir o quadro da evolução da guerra.

Por outro lado o BCE, os bancos centrais dos Estados-membros e os governos deveriam exercer o seu poder de influência, a uma só voz, no sentido de os bancos se conterem na transferência da crise económico-financeira para os clientes. Os lucros da banca, a partir do aumento dos juros e do aumento das comissões, são obscenos, face às dificuldades das famílias e das pequenas e médias empresas, altamente oneradas pelo fisco, pelos custos de produção e pelo custo de vida.

É indecente que, em Portugal, com território a esvair-se e em inverno demográfico, em média os gestores aufiram 32 vezes mais do que o salário médio dos seus trabalhadores. O Jornal de Notícias, de 19 de maio, refere os presidentes das comissões executivas da Jerónimo Martins, da Mota-Engil, da Sonae e do BCP, com rendimentos, em 2022, respetivamente, 304,5 vezes mais, 78,5 vezes mais, 72,5 vezes mais e 45,8 vezes mais do que o rendimento médio dos seus trabalhadores. Isto, para não falar de vários oportunismos que pululam na sociedade e que a comunicação social vem denunciando. Entretanto, o funcionário público tem o aumento de 1%!      

2023.05.19 – Louro de Carvalho

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