quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

É preciso “entrar no horizonte do mundo e sujar as mãos e os pés”

Foi a nota mais desafiante que o Presidente do Conselho Pontifício para a Cultura deixou, nos dias 30 e 31, ao clero do sul no sentido de este prosseguir “o esforço de inculturação” – no quadro das jornadas de formação do clero do sul, promovidas pelo Instituto Superior de Teologia de Évora, sobre o tema “Desafios para uma Igreja Semper Renovanda’ Secularização, Diálogo, Discernimento”, que estão a decorrer em Albufeira, no Hotel “Alísios”.
O cardeal italiano Gianfranco Ravasi veio ao Algarve defender a “abertura ao diálogo” por parte da Igreja, advertindo ser preciso “entrar no horizonte do mundo e sujar as mãos e os pés” para dar vida à “Igreja em saída”, de que fala Francisco.
Aos bispos, presbíteros e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que realizam, em Albufeira, a sua formação anual, o orador frisou que este objetivo implica a “escuta e o respeito do outro” por contraposição ao “fundamentalismo”. E considerou que a relação entre o Cristianismo e a sociedade deve ser marcada pelo “otimismo”, precisando que o diálogo é o método para “entrar no mundo”.
O teólogo e biblista considerou que isso se inscreve na cultura do encontro e que esse “encontro” implica “conservar a própria identidade”, “conhecer a própria mensagem” e “guardar o próprio anúncio” por contraposição ao “sincretismo”.
Na conferência sobre o tema “Diálogo: a nova postura de uma Igreja em saída”, a primeira das que proferiu, o purpurado acentuou que “o Cristianismo não é uma religião de seita, que esteja protegida num oásis, fechada em si mesma”, embora tenha, por vezes, essa tentação. Antes aludiu ao “desencanto do mundo”, distinguindo três elementos na secularização – secularismo, indiferença e secularidade –, considerando os dois primeiros como negativos e o terceiro como positivo.
Começando por se focar no “conceito de verdade”, sustentou que “a verdade era objetiva”, mas que a têm vindo a tornar-se “refinadamente subjetiva”.
No contexto do “secularismo”, apontou a opção generalizada pelo “primado técnico-científico”, sendo que, por esta via, a verdade nos é dada “sob o ponto de vista científico”.
Por outro lado, observou que também uma das caraterísticas do mundo fortemente secularizado é “a ‘bulimia’ dos meios e a ‘anorexia’ dos fins”.
E, como último exemplo do secularismo indicou a “urbanização”, referindo-se ao “fenómeno das megalópoles”, onde se perde a “individualidade numa espécie de mundo cinzento onde se desintegram as tradições, a identidade”, lamentando que “o símbolo da casa da cidade” seja “a porta blindada, atrás da qual vivem pessoas que, quando morrem, só são descobertas 15 dias depois”, dada a obsessão da azáfama e a síndrome da indiferença.
No âmbito da “indiferença”, aquele responsável da Santa Sé criticou o “apateísmo”, que é “fruto da união da apatia e do ateísmo”, vindo a ser esta “uma das doenças mais graves do nosso tempo”. E aludiu ao “descarte” como “algo que rompe a harmonia da sociedade” e vota ao desdém as pessoas e as coisas tidas como já não necessárias ou inúteis ou indesejáveis.
Por último, nesta primeira conferência, Dom Gianfranco Ravasi abordou a secularidade, como “caraterística positiva do Cristianismo”, lembrando que, no quadro da secularidade ou laicidade positiva, “a Igreja deve respeitar as normas do Estado e as leis da economia, mas deve também ao mesmo tempo ser uma voz critica que defende os valores da pessoa”. Neste sentido, criticou a “estatolatria” que secundariza a fé promovendo a “redução da religião e da Igreja ao âmbito privado”.
Entre outros exemplos da “secularidade positiva”, apontou a “leitura histórico-crítica e não fundamentalista da Bíblia”.
***
No decurso da segunda conferência que produziu nas jornadas de formação do clero do sul, o Presidente do Conselho Pontifício para a Cultura apresentou uma segunda reflexão sobre o tema “A evangelização da Cultura: desafio e tarefa ingente”.
Foi nesta intervenção que Ravasi disse ser preciso prosseguir o esforço de “inculturação”, que, afinal, o Cristianismo “sempre fez”. E lembrou que “a Bíblia atravessou quantas culturas e assumiu-as”.
Aquele responsável da Santa Sé, que provocou a reflexão sobre o tema do desafio e tarefa da evangelização da Cultura, referiu, neste âmbito, três dimensões: “ciência e antropologia; infoesfera; e arte e fé”. E desafiou os cerca de cem participantes a assumir os desafios que estas áreas encerram, a “não ter medo” nem a “ficar de fora” deles, advertindo que “estamos a viver nesta época uma revolução e não podemos ficar de fora, agarrados ao passado, um passado tantas vezes usado somente por outros para condicionar o ontem de maneira fundamentalista”.
Chamando a atenção para a necessidade de “evangelizar e comunicar no mundo digital”, o teólogo e biblista considerou que a Igreja deve “purificar” e atualizar a sua linguagem. Referiu que “a nossa linguagem é demasiado eclesiástica”. É certo que “tem valores, mas é pouco compreensível no mundo de hoje”. E frisou que “acultura contemporânea não consegue entrar em sintonia com ela”, apelando ao “cuidado com a comunicação”.
Lamentando que “usamos ainda demasiada retórica”, defendeu o regresso a “um discurso mais incisivo”, particularmente na homilia. Advertindo que “a homilia é um género literário”, sustentou que, ainda assim, “não podemos continuar a pregar como se estivéssemos perante o público de há 50 anos, mesmo que sejam idosos”.
Assegurou que, neste âmbito, “a cultura contemporânea, pela sua própria natureza, está ligada à imagem”, que tem o papel principal, sobrepondo-se às palavras que “são só um suporte”, e exortou ao regresso à criação de “imagens comunicativas”. Aduziu que Jesus nos ensinou este método e este estilo, pois habitualmente “falava por parábolas”, e lembrou que o discurso do Papa Francisco se concretiza muito naquela modalidade de estilo.
Chamando à colação uma “nova categoria de “cultura” – o seu cariz antropológico – e uma “mudança” do seu próprio conceito, o conferencista apelou ao “diálogo entre a fé, a ciência e a arte”, considerando que “todos contêm algo de Deus”. Neste quadro da nova categoria de cultura, defendeu a “continuidade com a riqueza do passado na multiplicidade das expressões atuais”.
Ravasi abordou ainda as áreas da manipulação e da engenharia genéticas, da neurociência, da robotização e da inteligência artificial, designadamente ao nível da criação de máquinas que têm em vista não só “decidir como comportar-se”, mas inclusivamente chegar à “autoconsciência”. Observando que “a inteligência artificial é um campo que exige uma forte atenção cultural, ética e pastoral”, considerou ser “necessário voltar a uma visão do homem mais completa”, pois, segundo afirmou, “a ciência e a técnica de hoje são muito especializadas, mas ignoram muitos outros setores”.
Depois, o cardeal da Cúria Romana referiu-se à “infoesfera” – a segunda dimensão da evangelização da cultura – como o “desafio da comunicação atual”, considerando que hoje se assiste à “quarta revolução da época moderna”, a da “revolução informática”, “depois da revolução científica, social e psicanalítica”. E sustentou não de tratar de “uma questão de técnica”, de “uma revolução global, antropológica”.
O cardeal responsável eclesiástico pela Cultura disse ainda haver “um novo modelo humano de relação”. Com efeito, na sua ótica, “a comunicação hodierna é a passagem a uma nova condição humana; é um novo mundo”. E lembrou os nativos digitais e os “millennials”, termo utilizado para os nascidos depois do ano 2000.
Por fim, lembrou os “riscos” deste novo modelo como a “perda da capacidade crítica” ou a “incapacidade da verificação critica”. E, evidenciando que “este é um mundo, por excelência, virtual” e que “este virtual, na realidade, é também real”, exortou a comunidade cristã a “conservar, na virtualidade, o encontro concreto”, visto que “a pessoa humana precisa do encontro”.
***
Em suma, o Presidente do Conselho Pontifício da Cultura questionou as visões de futuro da humanidade baseadas exclusive na tecnologia, alertando para as questões inéditas levantadas pela evolução neste campo. E, a respeito da inteligência artificial, disse:
Chega-se ao ponto, que considero absurdo, de se introduzir na Europa o conceito de personalidade eletrónica. Estamos perante algo, em si, muito positivo, para o desenvolvimento social, técnico, da produção, mas que implica igualmente o surgimento de interrogações”.
Apontou limitações a propostas como as de Stephen Gould, no princípio designado como ‘NOMA’, ‘Non-overlapping magisteria’ (magistérios que não se sobrepõem), precisando:
Para explicar a pessoa humana, não basta o nível científico; são precisos mais magistérios. Gould dizia que não se sobrepunham, eram independentes, não conflituais, mas eu diria que isto não é completamente verdade. O sujeito é sempre o mesmo e o objeto é o mesmo, pelo que acontecem fenómenos em que [os magistérios] se enredam, confrontos entre a teologia e a ciência.”.
Sublinhando a importância do diálogo neste campo, propôs aos cientistas “uma visão mais completa, mais universal, mais humana” e defendeu:
Não basta responder à pergunta ‘como é que isto acontece?’, é preciso questionar: ‘porque é que eu faço isto’?”.
Este cultíssimo colaborador do Papa entende também que a Igreja não pode, “com base em receios”, pronunciar só “julgamentos negativos”, o que não é recomendável: não é este o caminho.
As intervenções sobre o ADN e a evolução das neurociências foram outros campos abordados pelo cardeal, para quem importa o discurso teológico de estar presente, “sem demonizar, porque há dados positivos”, mas fazendo notar a sua “defesa da figura humana”.
O líder do dicastério romano para a Cultura sustenta que a Igreja Católica deve procurar envolver-se com a sociedade, “não só teoricamente, mas também em concreto”, como na questão das migrações. E deixa um claro alerta contra fundamentalismos e populismos “verdadeiramente racistas”, que considera “anticristãos”. A via é a do respeito e do diálogo!
2018.01.31 – Louro de Carvalho

O PPE esteve prestes a engravidar pelos ouvidos ou pelos olhos

As notícias das buscas policiais no Ministério das Finanças português chegaram ao influente site europeu de notícias Politico.eu e terá sido isso que levou o alemão Manfred Weber, líder parlamentar do Partido Popular Europeu (PPE), a querer levar à conferência de presidentes a proposta de discussão do caso Centeno no Plenário do Parlamento Europeu.
Em causa está o facto de o Ministro das Finanças e agora Presidente do Eurogrupo ter pedido ao Benfica que o colocassem a ele e a um filho na tribuna de honra do clube da Luz, aduzindo razões de segurança, pelo que, há dias, as autoridades judiciais fizeram buscas no Ministério das Finanças, estando Centeno aparentemente sob suspeita de recebimento indevido de vantagem.
O PPE considera que há “esclarecimentos” a dar aos “cidadãos europeus”, no caso das buscas da PJ ao ministério das Finanças ao debate no Parlamento Europeu, por se tratar de um caso que alegadamente envolve “o presidente do Eurogrupo”. Por isso, pretende que o assunto seja levado a debate, na quinta-feira.
E, como avança o Expresso (acesso pago), o PPE terá enviado aos restantes grupos parlamentares um email com um pedido de debate sobre “alegações contra o Ministro das Finanças português e Presidente do Eurogrupo”.
O pedido do PPE deveria primeiro ser discutido na conferência de presidentes – que reúne os líderes dos vários grupos políticos no Parlamento Europeu. Havendo maioria entre os presidentes, o debate segue para plenário; caso contrário, não.
***
A este respeito, Carlos Zorrinho, eurodeputado do PS, na sua reação ao Expresso, classificou a “proposta de agendamento absurda, absolutamente extemporânea tendo em conta que não há absolutamente nenhum processo em curso, em relação ao ministro das Finanças português “, e acusou o PPE de querer “usar o Parlamento Europeu para denegrir Portugal”. E, declarando confiar que “a conferência de presidentes considerará este tema inadequado e sem substância para agendamento”, desvalorizou a possibilidade de o tema rumar ao Plenário do Parlamento Europeu, até porque, segundo este eurodeputado, “o Parlamento Europeu não é, certamente, o sitio adequado para qualquer discussão deste tipo”.
Sendo assim, conclui que “a intenção de quem fez esta proposta era claramente a de denegrir a imagem de um país que está a ter um enorme sucesso do ponto de vista económico, com uma receita que não é propriamente a do PPE”, e considera que a “tentativa” de atingir o Ministro não terá sucesso, “pois, a capacidade que ele tem demonstrado como ministro das Finanças português que vai demonstrar como presidente do Eurogrupo, está acima de tudo isso”.
Também o PSD, que integra a bancada do Partido Popular Europeu, já se demarcou da posição do grupo. A este propósito, o eurodeputado Paulo Rangel diz que “não existe motivo” – “nem faz sentido” – discutir o tema no Parlamento Europeu. Posições semelhantes tiveram o CDS, o PCP, o Bloco de Esquerda e o Partido da Terra.
Paulo Rangel garantiu esta manhã ao DN que o “caso Mário Centeno” não será discutido no Plenário do Parlamento Europeu – pode, quando muito, ser conversado amanhã numa conferência de líderes parlamentares.
Rangel explicou ao DN que protestou imediatamente junto de Manfred Weber – e o PSD e o CDS, integram o PPE – e a esses protestos juntaram-se socialistas, ecologistas e liberais.
O eurodeputado socialdemocrata classificou de “impertinente e absurda” a pretensão de Weber, argumentando que, pelo menos por ora, não há nada a discutir nem a esclarecer, pois a investigação criminal não tem arguidos e nem se sabe exatamente o que está a ser investigado.
O que o eurodeputado ainda não está em condições de garantir é que o assunto nem sequer seja abordado na conferência dos líderes parlamentares do Parlamento Europeu, que costuma decorrer geralmente às quintas-feiras de manhã.
Paulo Rangel, vice-presidente do PPE, relatou:
A mim o que me disseram é que se deveria fazer um agendamento para esclarecimento, tendo em conta que se trata do presidente do Eurogrupo e, naturalmente, os cidadãos europeus teriam direito a um esclarecimento, sobre a situação”.
Referindo que “alguns elementos” da sua própria família política europeia estão a fazer “uma tempestade num copo de água”, disse:
Sinceramente, o que lhes disse foi que não existe, sequer, nenhuma imputação a uma pessoa. Portanto, não faz sentido”.
E, esperando que o assunto seja encerrado, ajuizou:
Consideramos uma ideia que não tem sentido absolutamente nenhum. Se já era um assunto que, tal como apareceu na imprensa portuguesa, não tem qualquer cabimento no espaço nacional, acho que ele ainda tem menos cabimento no espaço europeu. […] Consideramos que não há nenhum motivo e nenhuma razão para que este tema seja agora sequer levado à conferência de presidentes. Isso não tem sentido absolutamente nenhum. Com a informação disponível é uma coisa totalmente impertinente. Não tem pertinência e é extemporânea.”.
***
Também Nuno Melo, eurodeputado do CDS, considerou que a ideia de colocar o assunto na agenda da sessão plenária que decorre em Estrasburgo entre segunda e quinta-feira da próxima semana “não faz nenhum sentido”. Disse este eurodeputado:
 “À política o que é da política, à justiça o que é da justiça, sendo que no caso, se é verdade que decorre uma investigação em Portugal, como é público, o Ministro Mário Centeno não foi sequer constituído arguido e, portanto, esta é uma audição que é absurda no tempo e inclusivamente nos seus pressupostos. E em relação a isso eu não tenho uma avaliação partidária, tenho uma posição que é de princípio.”.
Já Marisa Matias, do Bloco de Esquerda, e Marinho e Pinto acusam o PPE de “oportunismo político”. “Neste momento é prematuro fazer extrapolações políticas de um caso que não é aparentemente muito grave”, diz o eurodeputado.
“Isto é política interna e, nesta fase, não há nenhuma razão para meter isto no Parlamento Europeu”, afirma também o Eurodeputado do PCP Miguel Viegas.
***
Os eurodeputados referidos falavam minutos antes duma cerimónia de homenagem a Mário Soares pelo Parlamento Europeu, na qual participa o Primeiro-Ministro, António Costa, que, ainda no dia 29, renovava a confiança no Ministro das Finanças e frisava que Mário Centeno “não sairá do Governo em circunstância alguma” relacionada com investigações sobre alegados benefícios em troca de bilhetes de jogos de futebol.
O Primeiro-Ministro reagia às notícias de que Centeno poderia demitir-se na sequência das investigações sobre a oferta de bilhetes do Benfica declarando que mantém e manterá toda a confiança no Ministro das Finanças, Mário Centeno, mesmo que este venha a ser constituído arguido no caso dos bilhetes para ver o Benfica. Dizia-o aos jornalistas à margem das cerimónias fúnebres do histórico socialista Edmundo Pedro.
Embora fazendo questão de dizer que “ninguém está acima da lei”, sustentou: “Quem decide a composição do Governo sou eu e mantenho toda a confiança em Mário Centeno”. Com efeito, para Costa “o professor Mário Centeno é uma pessoa de enorme dignidade e seriedade que tem prestado serviços de grande relevância para o país”.
Entretanto, a Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmava a existência de diligências “para recolha documental”, num inquérito que “não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”.
Confrontado com os casos de Secretários de Estado que abandonaram o Governo por casos ligados à seleção nacional de futebol, António Costa adiantou que os mesmos o fizeram, “a seu pedido, para serem constituídos arguidos e gozarem da liberdade suficiente para exercerem os seus direitos”.
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             ***
Como quem me conhece compreende, não alinho simplisticamente na argumentação de Nuno Melo no sentido de deixar à justiça o que é da justiça e à política o que é da política, porquanto, do meu ponto de vista, a justiça, além de ser uma virtude totalizante no campo da ética, é a guia da ação política. Por outro lado, se dantes competia ao príncipe o exercício de todo o poder político na dimensão legislativa, executiva e judicial, agora o exercício do poder político – o poder político na sua máxima expressão, a soberania, reside no povo – está distribuído por confiança do povo, em separado e em interação, por diferentes órgãos: o Parlamento (que legisla e fiscaliza a execução das leis), o Governo (que executa as leis e as regulamente e superintende na Administração Pública) e os Tribunais (que administram a justiça aplicando a Lei). E junta-se ao papel de representante do Estado, atribuído ao Presidente da República, o papel moderador e de relação com os demais órgãos de soberania. Tanto assim e que a nossa Constituição reparte o poder político, na sua organização por quatro órgãos de soberania. E um deles são os tribunais.
Depois, sem me intrometer na neblina das intenções, alinho com as críticas ao PPE da parte dos diversos eurodeputados portugueses. Com efeito, embora seja plausível que um Parlamento discuta casos em investigação judicial ou sobre os quais recaiam suspeitas e dúvidas de ilegalidade, para o que se disponibilizam as adequadas comissões parlamentares de inquérito (sem que se venha clamar “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – e Nuno Melo desempenhou papel altamente relevante numa comissão de inquérito, creio que ao caso BPN), a pretensão do PPE é atrevida.
Em primeiro lugar, deveria ter esperado que as autoridades portuguesas chegassem a conclusões, pelo menos, preliminares ou que Centeno tirasse ilações políticas. Em segundo lugar, em vez de querer agendar, através da conferência de presidentes, a discussão do caso português, no Plenário do Parlamento Europeu, deveria ouvir, primeiro, os eurodeputados portugueses que integram essa família política europeia. E, somente depois, no caso de haver fundamento para duvidar do perfil de Centeno para a presidência do Eurogrupo, promover o agendamento do caso na conferência de presidentes e no Plenário do Parlamento Europeu.
No caso do futebol, Centeno estaria não ao arrepio da Lei, mas do código de conduta aplicável aos membros do Governo, membros dos seus gabinetes e gestores públicos (de teor discutível); e, no caso, da alegada isenção de IMI, trata-se de assunto da competência da respetiva assembleia municipal sob proposta da câmara. Dificilmente uma vereação inteira e umas dezenas de deputados municipais estariam permeáveis a um hipotético pedido ministerial.
Assim, enquanto o caso Centeno, em Portugal, bem pode ser a montanha que pariu um rato, para o PPE, se deu celeremente atenção ao “político.eu”, pode bem tratar-se de uma gravidez pelos ouvidos ou pelos olhos.
E pergunto-me se o Parlamento Europeu não terá mais nada que fazer.

2018.01.31 – Louro de Carvalho   

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Setúbal e Porto homenagearam o primeiro Bispo de Setúbal

Em Setúbal, o seu prelado emérito, recentemente falecido, foi homenageado pela e a partir da Escola Secundária de que é patrono o homenageado, sita naquela cidade, sede da diocese de que foi o primeiro Bispo.
Assim, a Escola Secundária Dom Manuel Martins assinalou a memória do nascimento do seu patrono com a homenagem intitulada “Olhares da sua Escola”. Do programa do tributo, que decorreu entre os dias 20 e 25 de janeiro, destacou-se, a rota solidária, a inauguração dum busto do primeiro prelado diocesano de Setúbal, um selo, uma exposição e uma sessão solene.
***
No dia 20 de janeiro, data em que se evoca a memória do nascimento do Bispo que faria então 91 anos, teve lugar, a partir das 9,30 foras, uma “Rota Cicloturística Solidária”, inspirada no gosto do prelado de andar de bicicleta pela cidade. A participação implicava a entrega, no local de concentração – parque de estacionamento da escola, de um bem alimentar não perecível, que reverteu a favor das famílias carenciadas daquela comunidade escolar
Para esta atividade, a Direção da Escola dirigiu uma carta-convite aos professores, funcionários, alunos, encarregados de educação e parceiros, apelando à participação, mediante inscrição prévia, dispondo de bicicleta e capacete, mas esclarecia que, se alguém não pudesse ou não quisesse participar na rota cicloturística, poderia igualmente contribuir com o donativo referenciado fazendo a sua entrega no lugar e hora dos participante na atividade ciclista.  
Considerando o sucesso da iniciativa, Clemência Funenga, diretora da Escola, afirmou “possível e desejável que todos os anos se faça, a 20 de janeiro, um evento desportivo em homenagem a Dom Manuel Martins, e solidário de apoio do Centro Social Paroquial Dom Manuel Martins, que tanto tem feito pelas pessoas com mais necessidades desta zona da cidade de Setúbal”.
De facto, aquela comunidade educativa sente que o prelado era “presença amiga e inspiradora” e tinha uma “visão clara e iluminada da realidade” sendo reconhecida a “dedicação pastoral aos mais necessitados”.
No dia 25, a homenagem constou da inauguração, pelas 10,30 horas, do busto do primeiro Bispo de Setúbal, obra do professor Amílcar Souza, no átrio da escola, a que se seguiu, na biblioteca, a o lançamento da emissão dum selo comemorativo de Dom Manuel Martins, espaço onde está patente uma exposição interativa de fotografias, obras e manuscritos do primeiro Bispo de Setúbal, subordinada ao tema “Quero Que Sejas Tu”. Depois, decorreu, no auditório da Escola, a sessão solene, com a presença um painel de debate intitulado “O Legado Social de D. Manuel Martins, sob a moderação de António Sousa Duarte, seu biógrafo.
Compunham o painel de convidados, além de João Costa, Secretário de Estado da Educação, Ricardo Oliveira, Vereador da Educação, Nuno Costa, Presidente da Junta de Freguesia de São Sebastião: Eugénio Fonseca, Presidente da Cáritas Portuguesa; Maria Odete Marques, professora aposentada, que colaborou com a Diocese de Setúbal na Pastoral Familiar; e o Padre Constantino Alves, pároco de Nossa Senhora da Conceição – personalidades para quem o prelado sadino fora um mestre e um pai. E o atual Bispo de Setúbal, Dom José Ornelas, encerrou o painel.
O Secretário de Estado da Educação abriu o painel congratulando-se pela comemoração dupla dos 35 anos da Escola Secundária Dom Manuel Martins, “que não trabalha para os rankings nem para as notas, mas para todos, sem discriminar ou segregar” e da homenagem ao falecido prelado emérito. Segundo este membro do executivo de António Costa, o então Bispo de Setúbal cumpre os requisitos do perfil do aluno, definido pelo Ministério da Educação como “aquele que sabe muitas coisas, mas é capaz de acolher esse conhecimento e pensar crítica e ativamente sobre o mundo, relevando-se um cidadão inquieto”.
Maria Odete Costa, por sua vez, frisou que teve o privilégio de trabalhar com o Bispo, na Pastoral da Família, nascendo a partir daí uma relação de amizade. E disse:
No Dom Manuel encontrei um pastor e um verdadeiro mestre. Ele sabia estar tão próximo da juventude a quem reconhecia o seu valor. O legado social de Dom Manuel Martins dá a sua atenção aos jovens, que dizia pertencerem a uma faixa etária ágil, mas muito frágil.”.
O Padre Constantino Alves iniciou a sua intervenção, relembrando o momento particular e delicado que se vivia quando aquele Bispo de Setúbal foi ordenado. O caldeirão revolucionário de 1975, seguido da grande depressão, os salários em atraso, a fome e as lutas sociais atiravam o distrito de Setúbal para as manchetes da comunicação social nacional, europeia e internacional pelas piores razões. Para o primeiro sacerdote ordenado pelo bispo emérito, no respeitante ao seu legado, “o mais importante é incorporar em nossas vidas as suas experiências, ensinamentos e os desafios que nos levantou e continua a levantar ainda hoje”. O sacerdote referiu ainda:
O Bispo exercia o carisma da profecia, acolhia trabalhadores, sindicatos e comissão de trabalhadores. Com uma voz forte anunciava a fome e a injustiça e exploração dos trabalhadores. Não tinha uma linguagem politicamente correta, embora dialogasse educadamente com as autarquias e com o poder.”.
E Eugénio Fonseca sustentou que “nasceu de novo” ao conhecer Dom Manuel, porque “a visão que tinha do meu compromisso cristão era muito normativa, intimista e não só pela palavra, mas pelas suas atitudes, percebi o que era ser cristão, que é muito mais exigente que ser católico”.
Dom José Ornelas, em breves palavras, ao encerrar o painel, sublinhou que a dignidade, liberdade e respeito, valores pelos quais o homenageado sempre pautou toda a sua vida, só foram possíveis porque era um homem verdadeiramente livre, com uma vida totalmente configurada com a vida de Jesus. E confessou:
Dom Manuel disse-me várias vezes: ‘de joelhos, só diante de Deus’. Foi assim que ele viveu toda a vida e assim trilhou um caminho de liberdade e coragem, denunciando as injustiças sociais.”.
A exposição interativa referenciada integra também a bicicleta que o primeiro Bispo de Setúbal usou até 2017 (gentileza da família), a par da campanha de recolha de bens alimentares para o Centro Social Paroquial Dom Manuel Martins.
Depois de inaugurar, em parceria com o Bispo de Setúbal Dom José Ornelas, o busto acima referido, obra de um professor da escola, a Diretora daquele estabelecimento de ensino, Clemência Funenga, disse que aquele busto pretende dar a conhecer o patrono e a sua obra a todos os que ali entrarem. E explicitou:
Esta obra era uma ambição da nossa comunidade educativa. Já há muito que o queríamos fazer, mas agora só foi possível, e com o apoio, desde a primeira hora, do Senhor Bispo de Setúbal, D. José Ornelas, a quem agradecemos. Esta é uma forma de manter viva a memória de D. Manuel Martins e continuar a dar a conhecer a sua vida e obra.”.
***
No Porto, no dia 20 de janeiro, a homenagem, que constou de uma sessão solene evocativa, foi promovida pela Fundação Spes, de que Dom Manuel foi o primeiro Presidente e decorreu na Paróquia de Cedofeita, comunidade onde o prelado foi pároco entre 1960 e 1969, e constituiu um tempo de memória e de testemunho sobre a personalidade e a ação pastoral deste Bispo que faleceu no dia 24 de setembro de 2017.
No painel que preencheu a sessão de homenagem, usaram da palavra: Dom Carlos Azevedo, Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura no Vaticano; o Dr. Silva Peneda, ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social e ex-Presidente do Conselho de Concertação Social; Luís Morgado, operário e sindicalista em Setúbal; o Padre José Aires Lobato, vigário geral da diocese de Setúbal; e Dom António Taipa, Administrador Diocesano do Porto.
Para este painel de oradores foi também convidado o General Ramalho Eanes, ex-Presidente da República que, por motivos de saúde, não pôde estar presente. No entanto, a esposa, Dra. Manuela Eanes, esteve presente testemunhando a profunda amizade que unia o casal Eanes ao falecido Bispo de Setúbal.
Em declarações à Voz Portucalense, José Ferreira Gomes, Presidente da Fundação Spes e anfitrião da homenagem, salientou a grandeza da personalidade de Dom Manuel tendo afirmado que o Bispo de Setúbal “tinha uma presença muito aguda na leitura dos acontecimentos do dia a dia” sempre muito preocupado com os “problemas dos mais fracos”.
O Bispo Dom Carlos Azevedo evocou o finado prelado sadino, salientando ter sido o “primeiro herdeiro do pensamento de Dom António Ferreira Gomes” na sua presidência da Fundação Spes. Dom Carlos, que sucedeu a Dom Manuel Martins como Presidente da Fundação Spes, assinalou ainda que “foi a trabalhar na Fundação” que conheceu mais de perto o homenageado, em que se revelou a “humanidade do seu trato, a capacidade de gerar comunhão nos colaboradores, de os incentivar a dar o seu melhor”. O Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura também revelou que o Bispo de Setúbal era sempre “a favor dos mais desfavorecidos da sociedade” tendo sido, por isso, um “praticante existencial” dos valores que defendeu Dom António Ferreira Gomes, que foi Bispo do Porto e figura inspiradora da Fundação Spes, instituição criada em abril de 1989. Testemunho dessa preocupação com os mais carenciados, eram as pessoas que o Bispo emérito recebia na Fundação “todas as sextas-feiras” e a quem ajudava. Isto, segundo Dom Carlos Azevedo, “fazia-o ter contacto com a realidade concreta das dificuldades das pessoas”.
Por sua vez, o Dr. Silva Peneda sublinhou que, no tempo em que Dom Manuel foi Bispo de Setúbal, “a fome era uma realidade” naquela região. O ex-Ministro do Emprego e da Segurança Social, que exerceu funções ministeriais entre 1987 e 1993, assinalou que o prelado teve uma “função política fundamental” na diocese de Setúbal. Era ação “política na verdadeira aceção da palavra”. Sustentando que “era um homem muito corajoso”, Silva Peneda realçou a importância da ação de Dom Manuel Martins na resolução do “drama social muito grande” por que passou o distrito de Setúbal nos anos 80 e 90.
Justamente, sobre os aspetos da ação de Dom Manuel na área social e na defesa dos trabalhadores, falou Luís Morgado, operário e sindicalista, salientando o apoio que o Bispo deu, em particular, com declarações à comunicação social, chamando, assim, a atenção da opinião pública para os problemas por que passavam os trabalhadores em Setúbal. Mas o prelado não foi apenas uma presença junto dos órgãos de informação; foi-o também junto dos que mais sofriam o flagelo dos salários em atraso em Setúbal. Segundo Luís Morgado, “a dinâmica gerada pela presença do Bispo não só ajudou à unidade de todos os trabalhadores, como ajudou a que se esbatesse a violência que se estava a desenhar”. E o sindicalista recordou mesmo a ação do prelado na resolução concreta de uma situação difícil numa empresa.
Por seu turno, o Padre José Aires Lobato destacou que Dom Manuel Martins foi tendo “um entrosamento progressivo com os diocesanos” e salientou que foi falando da doutrina social da Igreja que o Bispo de Setúbal revelou a sua perseverança na prática de “um cristianismo voltado para o outro”. E comparou o estilo pastoral do prelado sadino com a ação do Papa Francisco e recordou uma frase pronunciada em várias ocasiões pelo bispo de Setúbal: “a Igreja se não serve, não serve para nada”.
Por fim, o Bispo Dom António Taipa, Administrador Diocesano do Porto, concluiu esta sessão de homenagem e afirmou que o bispo de Setúbal se revelou “como um homem profundamente livre e profundamente pobre e particularmente atento às necessidades e carências”. Sublinhou a liberdade do homenageado, que “significava uma postura de esquecimento de si próprio por amor dos outros que ia encontrando”. Como ele dizia, “a sua fé em Jesus vivia-a na relação com os homens, nomeadamente com os homens que sofriam mais”. O Administrador Diocesano do Porto referiu que o primeiro Bispo de Setúbal era um homem de uma fé inabalável e confessou que via nele “um grande homem, um grande Bispo e um grande cristão, apaixonado por Jesus Cristo e que em Jesus Cristo encontrou a verdade que liberta”.
É ainda de destacar que, no âmbito desta homenagem no Porto, foi lançado o livro “Nascemos Livres”, da autoria de Dom Manuel Martins – uma edição da Fundação Spes, que recolhe textos do homenageado, escritos entre setembro de 2016 e setembro de 2017 e que foram publicados no ‘Jornal de Matosinhos’.
***
Os justos florescerão como a palmeira e crescerão como os cedros do Líbano (Sl 92,12).
Sim. A Palmeira adapta-se bem a qualquer ambiente: zona rural, urbana e interior. O seu tamanho varia de acordo com o seu aproveitamento e condições ambientais. Pode crescer até 10 metros ou mais. Desta árvore aproveita-se tudo e ela produz fibras, óleos, ceras, etc. São características marcantes da palmeira o crescimento, a adaptação e a estabilidade.
A resistência a ventos e tempestades é uma outra caraterística desta árvore. Balança, perde folhas, mas não cai facilmente. É muito trabalhoso arrancar uma palmeira adulta do solo. A palmeira destaca-se, é visível a longas distâncias.
Como ela é o servo de Deus: é notado pela sua maneira especial de ser. O seu amor e testemunho alcançam vidas, mesmo que estas estejam em lugares longínquos. Mais: sujeito a “ventos fortes e tempestades”, por vezes, fica machucado, mas a graça de Deus sustenta-o dando-lhe vida e vigor para amparar os mais fracos.
Por seu turno, o cedro do Líbano cresce devagar, mas chega a atingir a altura de até 40 metros. Nos primeiros três anos de vida, as raízes crescem até metro e meio de profundidade, enquanto a planta tem somente cerca de cinco centímetros. Só a partir do quarto ano é que a árvore começa a crescer. O cristão é como o cedro do Líbano, pois tem a promessa de crescer sem desfalecimento. Ainda que o seu crescimento seja lento conforme a experiência do cedro, crescerá e se tornará visível e útil a todos.
E quero considerar Dom Manuel Martins como a palmeira florescida e o cedro do Líbano crescido.

2018.01.30 – Louro de Carvalho

Desafios para uma Igreja Semper Renovanda

Desafios para uma Igreja ‘Semper Renovanda’ – Secularização, Diálogo, Discernimento” é o tema geral das jornadas de atualização do clero das dioceses do Sul – Évora, Setúbal, Beja e Algarve – com cerca de uma centena de participantes, que o Instituto Superior de Teologia de Évora (ISTE) está a organizar já em 11.ª edição anual (desde 2008), desta feita, em Albufeira, de 29 de janeiro a 1 de fevereiro.
Entre os oradores convidados, conta-se o Cardeal Gianfranco Ravasi, Presidente do Conselho Pontifício da Cultura, que proferirá, no dia 30 de janeiro a conferência “Diálogo: a nova postura de uma Igreja em saída” e, no dia 31, a conferência “A evangelização da Cultura: desafio e tarefa ingente”. Para lá deste responsável da Santa Sé, as jornadas de formação do clero do Sul contarão ainda com a intervenção do teólogo Juan Pablo García, do investigador Sérgio Ribeiro Pinto e do antigo comissário europeu João de Deus Pinheiro, entre outros.
***
Assim, o vasto programa é preenchido pelas seguintes rubricas;
No início da tarde do dia 29 de janeiro, teve lugar o acolhimento aos participantes e a sessão de abertura, a que se seguiu, pelas 16 horas, a conferência “Vaticano II, sinal de uma Igreja aggiornata, num Mundo em mutação”, por Juan Pablo Garcia, religioso da Ordem Trinitária e professor da Universidade Pontifícia de Salamanca, após o que se procedeu ao trabalho de grupos, seguido de diálogo com o conferencista. E o primeiro dia finalizou com a oração litúrgica de Vésperas.
O dia 30 principiou com a oração litúrgica de Laudes. Às 9,30 horas foi proferida a conferência “As múltiplas raízes da Secularização nos países de tradição religiosa cristã”, por Sérgio Pinto, investigador do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. Às 11,30 horas, foi a conferência “Os desafios que a Europa e o projeto europeu nos colocam”, por João de Deus Pinheiro, antigo Ministro da Educação, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo Comissário Europeu. Às 15 horas, o Cardeal Gianfranco Ravasi proferiu a conferência “Diálogo: a nova postura de uma Igreja em saída”. Procedeu-se ao trabalho de grupos, seguido de diálogo com o conferencista. E os trabalhos do segundo dia terminaram com a oração litúrgica de Vésperas e a celebração da Eucaristia.
No dia 31, começar-se-á com a oração litúrgica de Laudes. Às 9h30, será proferida a segunda conferência do Cardeal Gianfranco Ravasi, esta em torno do tema “A evangelização da Cultura: desafio e tarefa ingente”. À tarde, haverá duas mesas redondas sobre o tema “Diálogo em várias frentes”: A primeira, “Diálogo em várias frentes I”, abordará as questões da ética e ciências da vida, com os especialistas Michel (fundador e diretor do Instituto de Estudos Fenomenológicos, Ontológicos e Axiológicos, hoje Centro de Ética e Ontologia, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa) e Isabel Renaud (professora catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa), e do diálogo inter-religioso, com Susana Mateus, investigadora do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa. A segunda, “Diálogo em várias frentes II”, incidirá sobre as dimensões dos cristãos na política, com José Filipe Pinto, investigador e coordenador do Centro de Investigação em Ciência Política, Relações Internacionais e Segurança, e da Educação e Ensino, com o antigo Ministro da Educação e ex-Presidente do Conselho Nacional de Educação, David Justino. E o terceiro dia terminará com a oração litúrgica de Vésperas e a celebração da Eucaristia.
A 1 de fevereiro, às 7,30 horas, recitar-se-á a oração litúrgica de Laudes e celebrar-se-á a Eucaristia. Às 9,30 horas, desenrola-se o painel “Experiências positivas de diálogo e evangelização, numa sociedade multicultural, multirreligiosa e secularizada”, constituído por representantes das dioceses envolvidas. E o encerramento dos trabalhos está previsto para as 12,30 horas.
***
Sobre a participação do Presidente do Conselho Pontifício da Cultura – um dos oradores do evento, que vai sublinhar aos participantes a importância do “diálogo” enquanto “postura de uma Igreja” que quer estar permanentemente “em saída”, como refere o Papa Francisco”, e a “evangelização da cultura” como um dos desafios mais “ingentes” da Igreja Católica na atualidade – disse à Rádio Renascença o cónego José Morais Palos, Presidente do ISTE e responsável pela organização das jornadas:
É uma das pessoas mais cultas da Igreja […] Vem-nos falar como a Igreja se pode caraterizar e como esta evangelização da cultura é sempre um desafio.”.
Quanto às Jornadas, refere que, desde 2008, “nestes moldes, procuramos promover o estudo, a reflexão, a celebração e o convívio entre os participantes”, acentuando a importância dos temas e a necessidade de “corresponderem, quer do ponto de vista teológico, quer do ponto de vista pastoral, a desafios que se colocam à Igreja” e que podem ser úteis à atividade pastoral nesta sociedade secularizada.
Advertindo que “ou nos situamos neste mundo secularizado e procuramos dialogar com ele nas suas diferentes manifestações ou, então, fechamo-nos no nosso castelo”. questiona: “Mas, depois, onde está o desenvolvimento da pastoral e a evangelização?”.
Realçando a importância de se refletir sobre um tema desafiante que postula “avaliação e muito diálogo”, o Presidente do ISTE acredita que “há muitas pontes” e que é possível a Igreja posicionar-se “sem abdicar da nossa matriz como pessoas de fé e que procuram levar Cristo a todos os ambientes.”
E sublinha que, da História à Política, da situação de Portugal na Europa à Edução, passando pelo Diálogo Inter-religioso, os temas são variados e reúnem especialistas diversos que se debruçam sobre “temas que se colocam de forma diferente e com os quais a Igreja tem de estabelecer o diálogo”.
***
Para já, é de destacar o que o Padre Juan Pablo García disse ao clero do sul do país, sublinhando que a Igreja está a viver com o Papa Francisco uma nova fase do acolhimento às diretrizes emanadas do Concílio Vaticano II (1962-1965).
O sacerdote da Ordem da Santíssima Trindade explicou que esta etapa, vivida na atual “cultura da pós-verdade”, se carateriza, sobretudo, pelo “regresso ao Evangelho” e sustentou que “é uma releitura do evangelho à luz da cultura contemporânea”, considerando que “o concílio continua a ser um desafio para a igreja atual” no momento em que vivemos o período da “pós-verdade”.
Com efeito, segundo o ilustre conferencista – que lamentou ser esta última designação do tempo atual caraterizada pelo insulto e por “difamar com mentiras” – “a Igreja esteve implicada com a modernidade, com a pós-modernidade e hoje diríamos também com as respostas à cultura da pós-verdade porque esta é a palavra-chave do ano 2017”.
O teólogo, que abordou o tema “Vaticano II, sinal de uma Igreja aggiornata, num Mundo em mutação”, disse que o Papa Francisco, apesar de não ter participado no concílio, “fá-lo visível” “a partir da sua vida e do seu modo de ser pastor”.
Considerando que a crise atual é também a do homem “porque neste caso é o homem que está doente”, o teólogo disse que “o acolhimento ao Concílio Vaticano II e a sua atualidade neste mundo em transformação passa por aceitar que vivemos em crise, não da Igreja mas de Deus”.
Neste sentido, disse ser preciso “reconhecer a debilidade da fé de muitos crentes”, da Igreja e das paróquias, pois “hoje vivemos, não uma crise existencial, mas uma crise eclesial, uma crise de Deus e uma debilitação da vida teologal dos crentes”, pelo que entende ser “muito importante” introduzir o tema de Deus na sociedade atual. Para isso, defendeu a criação de “escolas de oração”, de “lugares onde se faça a experiência de Deus através da palavra” e apelou a “uma espiritualidade forte”.
O orador aludiu à necessidade de “recuperar a sinodalidade”, lembrando que o termo “significa caminhar juntos”, ou seja, “com e ao lado uns dos outros” e “não uns em cima e outros em baixo, de forma piramidal”. E frisou que “a sinodalidade é o contrário de uma Igreja piramidal”, garantindo que o modelo sinodal supera o “problema do clericalismo na Igreja”.
Por outro lado, Pablo García considerou que esta fase se carateriza também por levar à prática as “exigências do Batismo e da Eucaristia” que induzem a Igreja a “passar de uma vida pastoral de manutenção a uma pastoral missionária”, indo às periferias como pretende o Papa. E advertiu para o facto de a Igreja se ter convertido “ela mesma numa periferia” e não poder “evangelizar se não se deixar evangelizar primeiro”.
Neste âmbito, alertou para a necessidade de preparação. Com efeito, “o Papa atual insistiu que não quer ‘príncipes’ nem carreiristas na Igreja, mas que a Igreja necessita de pastores com cheiro a ovelha”. Porém, o orador acrescentou: “com cheiro a biblioteca, porque sem estudo o cheiro a ovelha não chega”. Considerou, assim, que “temos também de parar para estudar”, dado que, “para podermos ir às periferias existenciais e até periféricas, não podemos ir de qualquer maneira”.
O conferencista referiu ainda a importância do “pluralismo de eclesiologias”, recordando que “o contrário da pluralidade é a uniformidade”. Ora, como observou, importa “manter a unidade” nesta pluralidade, onde se requer a “corresponsabilidade de todos” e o predomínio da caridade”, tomando-se consciência de que hoje vivemos na “sociedade do descarte e dos invisíveis”. E sustentou que a globalização que interessava era a que nos faz “mais irmãos” e não a da busca desenfreada do dinheiro e do poder.
O teólogo destacou ainda a “importância do ecumenismo para a evangelização”, advertindo que a “falta da unidade” entre cristãos “é um obstáculo” àquele desígnio. Verificando que se está a “matar cristãos porque acreditam em Cristo”, defendeu que “o martírio será o futuro do ecumenismo”. Na verdade, “há um ecumenismo de sangue e um diálogo inter-religioso de sangue”, como assegurou, frisando haver “irmãos cristãos que dão a vida por pessoas que não são cristãs”. Neste sentido, disse que “continua a ser muito importante o diálogo com o mundo”, mormente ao nível inter-religioso.
Relevando a “importância do laicado” na Igreja e no mundo, desafiou a “superar todo o individualismo da fé e a recuperar a dimensão comunitária da fé”. E terminou lamentando que não haja “tempo para as perguntas existenciais de hoje” e exortando a que provoquemos “grandes interrogações às pessoas de hoje”.
***
A insistência no ser e papel do laicado, na unidade pela diversidade, regada pelo diálogo ecuménico e inter-religioso; a pertinência da valorização da sinodalidade; o regresso ao Evangelho e ao desempoeiramento das doutrinas e das práticas; a perspetiva da Igreja missionária em saída, evangelizada e evangelizadora – tudo isto são pontos a ter em conta na formação contínua dos pastores que se desejam com cheiro a ovelhas e a biblioteca. A proximidade e o profetismo não dispensam o estudo; e o estudo, animado pela fé pessoal e comunitária que se faz oração, esclarece e reforça as vias da proximidade e do profetismo.  

2018.01.30 – Louro de Carvalho

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Factos ocorridos a que a escola é alheia!

Hoje, dia 29 de janeiro, por volta das 10 horas, uma rixa entre familiares de dois alunos da Escola Básica e Secundária Amadeu Gaudêncio na Nazaré levou a uma cena de agressão, que envolveu tiros e uma arma branca no pátio, no interior daquele estabelecimento de ensino, de que resultou uma vítima mortal.
A vítima, um homem de 67 anos, ainda foi transportada para o Hospital de Alcobaça, pois apresentava ferimentos graves, tendo sido mais tarde transferida para o Hospital de Santo André, em Leiria, onde morreu na sequência dos ferimentos.
Segundo o comissário Bruno Soares, do Comando distrital da PSP de Leiria, o agressor, um homem de 40 anos, acabou por ser “controlado e detido no local” por elementos da Escola Segura, que lhe apreenderam a arma. O homem encontra-se à guarda da PSP e a investigação foi entregue à Polícia Judiciária.
A escola foi encerrada devido ao pânico gerado – e por precaução. Os alunos, à vista do que viam, começavam a telefonar aos pais, que chegaram e acolheram os filhos dentro do estabelecimento escolar. Alguns dos alunos receberam acompanhamento psicológico.
O referido comissário da Polícia de Segurança Pública disse ao Expresso que “houve disparos”, embora não se possa “falar em tiroteio, que pressupõe troca de tiros”. De facto, “um indivíduo do sexo masculino recorreu a uma arma de fogo para agredir outro indivíduo”. E “há também referência à utilização prévia de uma arma branca”.
Por sua vez, fonte do comando Distrital de Operações de Socorro (CDOS) de Leiria contou que o desentendimento ocorreu às 10,22 horas, “no pátio da escola”, onde se encontravam os alunos, alguns dos quais ficaram “em estado de choque”, mas “nenhum sofreu ferimentos”.
A agência Lusa confirmou com o vereador da Educação da Câmara Municipal da Nazaré que “a escola foi encerrada”. No local estiveram três ambulâncias, uma viatura de comando e sete operacionais dos bombeiros da Nazaré e, obviamente, elementos da PSP.
De acordo com o Hospital de Santo André, em Leiria, o homem, de 67 anos de idade, foi “admitido na emergência em manobras de Suporte Avançado de Vida, efetuadas pela equipa da VMER”, e foram tentadas manobras de reanimação "sem sucesso, sendo verificado o óbito".
Ainda segundo aquela unidade hospitalar, a vítima apresentava “lesões provocadas por arma de fogo e por arma branca”.
***
Pode dizer-se que se trata de um caso isolado e até inusitado. Porém, o ambiente de segurança nas escolas, embora não registe casos tão expostos como em alguns países e não seja igual por todo o país, é já bastante problemático. Os casos de insolência e indisciplina, por vezes disfarçados de hiperatividade, desconcentração, indiferença e desmotivação, abundam e são crescentes, ainda que o registo de crimes tenha diminuído um pouco.
O Programa Escola Segura, que tem a sua origem num protocolo celebrado, em 1992, entre o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Educação, ganhou novo vigor no tempo de António Guterres com a entrega, desde 1996, de veículos automóveis à PSP e À GNR e à criação de equipas especializadas com vista à garantia da segurança e vigilância das áreas escolares. Agora precisa de novo impulso e de reforço de competências.  
Do seu lado, a GNR está a realizar campanhas de sensibilização em escolas para prevenir ocorrências indesejáveis.
Na verdade, os crimes mais registados em ambiente escolar pela GNR no ano letivo de 2016/2017 foram ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças e furtos.
Em comunicado, a Guarda Nacional Republicana adianta que realiza, entre hoje e quarta-feira, várias ações de sensibilização junto da comunidade escolar, no âmbito do Dia Internacional da Não Violência e da Paz nas Escolas, que se assinala na terça-feira, com “o objetivo de alertar para a necessidade de prevenir comportamentos violentos”.
Segundo esta força policial, as ofensas à integridade física, as injúrias/ameaças e os furtos foram os crimes mais registados nos 5.097 estabelecimentos de ensino policiados por esta força de segurança.
Os dados enviados à agência Lusa indicam que a GNR registou, no último ano letivo, 268 crimes de ofensas à integridade física em ambiente escolar (menos 81 do que no ano letivo 2015/2016), 108 crimes de injúrias/ameaças (menos 33) e 125 furtos (menos 42).
A GNR refere também que as ações de sensibilização nas escolas pretendem prevenir este tipo de ocorrências, estando mobilizados para esta atividade mais de 600 militares das secções de prevenção criminal e policiamento comunitário da corporação, que vão abordar com os alunos temas como ‘bullying’, violência doméstica, violência no namoro e ofensas à integridade física.
Aquela força de segurança realizou, no ano letivo de 2016/2017, um total de 16.248 ações de sensibilização com crianças e jovens, tendo sido alcançados 925.329 alunos em 5.097 estabelecimentos.
***
Entretanto, o Agrupamento de Escolas da Nazaré publicou um comunicado na sua página de Facebook, esclarecendo que “a situação está devidamente resolvida com a colaboração das autoridades, não tendo havido alunos, professores e funcionários envolvidos nos acontecimentos lamentáveis”.
Eis o teor do comunicado:
Informação à Comunidade
Depois de factos ocorridos a que a escola é alheia, informam-se todos os pais, encarregados de educação e demais Comunidade que a situação está devidamente resolvida com a colaboração das autoridades, não tendo havido alunos, professores e funcionários envolvidos nos acontecimentos lamentáveis. Todos os serviços na escola sede se mantêm em funcionamento retomando a normalidade a partir de amanhã. Apela-se à compreensão da Comunidade e à manutenção da tranquilidade necessária.
A Direção do Agrupamento de Escolas da Nazaré”.
É óbvio que Direção do Agrupamento não tem culpa do que sucedeu. E, se lhe sucede, como em muitas escolas, que não tem pessoal suficiente para assegurar o funcionamento da unidade orgânica por que é responsável, a responsabilidade passa por muitas entidades, nomeadamente por aquelas que tentam o controlo orçamental e o depauperamento das instituições públicas.
Porém, há que referir que as grandes causas estão a montante da escola. Entre elas, destacam-se: a falta de autoridade do Estado; a irresponsabilidade dos titulares dos cargos de topo, que vivem mais em função dos calendários eleitorais e do serventualismo a grupos de interesses; a convicção de que todos mandam em tudo; o hipercriticismo em relação aos serviços, sobretudo aos serviços públicos, que são constantemente desacreditados; a desvalorização da escola, do seu papel e do verdadeiro papel dos professores; os efeitos do contexto de crise global, sobretudo no atinente ao cultivo dos valores axiais; e a incapacidade de a educação formal atingir as suas finalidades em virtude dos constrangimentos que rodeiam a escola, a que se alia a cultura da preparação para o teste e para o exame, que algumas Escolas inscrevem nos seus planos de ação. Depois, a jusante é o que se vê: a falta de capacidade para combater o que não se foi capaz de prevenir.
Mesmo assim, é inadequado, do meu ponto de vista, vir a Direção do Agrupamento confessar que “é alheia” aos “factos ocorridos”. Não. O órgão de administração e gestão é responsável por tudo o que se passa no espaço escolar e suas imediações. Isto não quer dizer que seja culpado pelo que ali ocorre. Não se trata de responsabilidade criminal, civil ou mesmo disciplinar. Isso apenas aconteceria se, perante uma situação estranha, os responsáveis pelo Agrupamento não mobilizassem todos os meios ao seu alcance para neutralizar ou, pelo menos, minorar as consequências do ocorrido.
Ora, tudo leva a crer que, no caso, não houve negligência em chamar as autoridades e os meios de socorro. Ao invés, acolheram os alunos em pânico e os encarregados de educação que iam chegando, proporcionaram apoio psicológico aos alunos que dele necessitaram, encerraram o estabelecimento para serenar os ânimos e tranquilizaram a população dando conta de que tudo estava regularizado, prometendo a reabertura para amanhã.
Portanto, afirmar que a Direção do Agrupamento “é alheia” aos “factos ocorridos”, além de ser inadequado, vem descabido, até porque não corresponde ao esforço feito pela escola, esforço que é nosso dever saudar e aplaudir.   
Enfim, quem detém autoridade – e a Direção do Agrupamento é autoridade escolar – não é alheio aos factos de que tem conhecimento. Tanto assim é que intervém, se pode e se deve!

2018.01.29 – Louro de Carvalho