É o lema
da “caminhada diocesana das Cinzas ao Pentecostes 2018” que as estruturas de topo
da diocese do Porto propõem “a todos, famílias,
paróquias, comunidades religiosas, instituições, escolas católicas, movimentos e
associações”, como “oportunidade de dinamização pastoral e de exercício
espiritual”, “simultaneamente, de descida e de subida, como o revela o dinamismo
da Cruz, onde Jesus é humilhado e ao mesmo tempo exaltado”.
Assumindo, como Santa Rosa de Lima, a cruz como
escada por que subimos para o Céu, propõem a visualização da via do amor de
Deus, descendo e subindo os diversos degraus.
Desceremos da Quaresma à Páscoa e subiremos da
Páscoa ao Pentecostes pelos degraus da Cruz, sinalizando-os com os atributos do
amor, enunciados por Paulo no Hino ao Amor (1 Cor 13),
amor que o Papa comentou na Amoris
Laetitia (A alegria do amor em família), no
capítulo IV, e que está no coração da 1.ª Carta de João,
a proclamar como leitura do Apóstolo, no tempo pascal. E a cruz permite a aposição
de duas escadas: uma apoiada no braço direito da Cruz, outra no seu braço
esquerdo. E “a Cruz do Senhor está firme,
enquanto o mundo gira, movido pelo Seu Amor”.
Após a caminhada “do Advento à Epifania”, movidos pela Estrela que brilha no amor,
é de continuar este movimento, atraídos, movidos e comovidos pela Cruz, onde
resplandece a glória do amor de Deus por nós: “Deus amou de tal modo o mundo que lhe entregou
o seu Filho Unigénito” (cf Jo 3,14-21).
Assim, a diocese sugere elementos de reflexão e ações
práticas, “a acolher e a aplicar, de forma criativa e adaptada às
circunstâncias” e que aqui se condensam.
1. Fora da cruz, não há escada por onde se suba
ao céu
Com as palavras “vereis o céu aberto e os anjos de Deus
subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo
1,51),
aludindo à escada de Jacob, apresentou-Se a
Natanael e aos primeiros discípulos Jesus como “o Mediador
entre o Céu e a Terra, ficando o Céu aberto à humanidade”.
A nova aliança é feita com o Filho do homem, o
Deus encarnado. E, ao longo da história, muitos autores espirituais e artistas viram
na imagem da escada a figura
antecipada da Cruz, na linha da revelação de Jesus a Nicodemos: “Ninguém subiu ao céu, senão Aquele que
desceu do céu, o Filho do Homem” (Jo 3,14). E recorda-no-lo o Catecismo da Igreja
Católica:
“A cruz é o único sacrifício de
Cristo, mediador único entre Deus e os homens. Mas porque, na sua pessoa
divina encarnada, Ele Se uniu, de certo modo, a cada homem, a todos dá a possibilidade de se associarem a este
mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido.”.
E acrescenta a imagem de Santa Rosa de Lima: “Há uma só escada verdadeira para o paraíso;
fora da cruz, não há outra escada por onde se suba ao
céu” (CIC,
n.º 618).
As preditas escadas, apostas à Cruz ajudarão “a
representar e a viver” o mistério pascal de Jesus, tomando “esta escada do amor, que Se entrega na Cruz, como
imagem da nossa caminhada”. Com efeito, a Cruz é, simultaneamente, a escada por
onde Jesus desce e é humilhado e por onde sobe para ser exaltado. Por ela, o
cristão aprende de Cristo e assemelha-se a Ele, que “sobe descendo” e que “desce
subindo”. E a aposição das duas escadas na Cruz ajuda a deixarmo-nos atrair (cf Jo 12,32) movidos pelo amor de Deus, que resplandece na
Cruz, pois “o amor de Cristo nos
impele, ao pensarmos que um só morreu por todos” (2 Cor 5,14).
2. O acento simbólico pascal da Quaresma e o tema do Amor no Ano B
O lecionário dominical do Ano B, para a Quaresma,
mostra que o acento não se põe tanto na via de preparação para o Batismo, como no
Ano A, nem na penitência, como via de purificação e renovação batismal, como no
Ano C. Esta Quarema incide sobretudo “na compreensão e vivência do mistério
pascal”, aliás a finalidade primeira deste tempo, como se reza na oração coleta
do 1.º domingo: “que, pela observância quaresmal,
alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e a nossa vida seja um digno
testemunho”.
Nos
domingos centrais da Quaresma (3.º, 4.º e 5.º), com o Evangelho de João, a
Igreja propõe o caminho de Jesus para a Sua exaltação e oferece três catequeses
sobre o mistério pascal, com as
imagens da elevação de Cristo na Cruz, prefigurada na serpente elevada no poste
como sinal de salvação (3.º
domingo), do templo destruído e reconstruído em três dias (4.º domingo) e do grão de trigo caído à terra que, graças à
morte, frutifica (5.º domingo). Deste
modo, nos símbolos da serpente, do templo e do grão de trigo, “Cristo oferece-nos o dinamismo da
morte/ressurreição, da fecundidade, que passa pela autonegação e pela exaltação na Cruz.
Pode então
sintetizar-se o sentido da Quaresma assim: introduz-nos na celebração do mistério
pascal de Cristo, o grande acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, “como
única e maior intervenção salvadora do poder de Deus, na história da humanidade”.
O
mistério pascal que celebramos é o do caminho de Jesus para a Sua Páscoa, que
se converte, na celebração e na vida da Igreja, em itinerário de conversão e
iluminação do cristão.
João oferece-nos a visão da Cruz como
árvore da vida nova, que Jesus veio oferecer: “Quando elevardes o Filho do Homem, então sabereis quem Eu sou. E
ainda: “Eu, quando for levantado da terra,
atrairei todos a mim” (Jo 8,28; 12,32-33).
De facto, o evangelista vê a Cruz
como árvore da vida, da glorificação de Cristo e de cura dos que O aceitam. Ora,
no deserto, para ser curado do veneno das serpentes, era necessário “olhar”; agora,
para “ter a vida eterna”, é preciso “crer”
em Jesus, que está levantado e é elevado na Cruz, isto é, subiu à condição
divina, pela escada da árvore da Cruz (cf Jo 8,28; 12,32-34).
Por seu
turno, o tempo pascal, no Ano B, oferece-nos a possibilidade de aprofundar o
nosso lema pastoral “Movidos pelo amor de
Deus”, sobretudo a partir 2.ª leitura, da 1.ª Carta de João, que desenvolve
com particular profundidade a revelação de Deus como Amor e, em resposta
permanente a este amor, a prática do mandamento novo.
O segredo
desta “descida” ao abismo da Cruz e da morte, pela qual o Filho de Deus é
exaltado na glória, é o amor de Deus: “Deus
amou de tal modo o mundo que lhe entregou o Seu Filho Unigénito”, assim
escutaremos no Evangelho do 3.º domingo (cf Jo 3,14-21).
3.
A
escada como símbolo da cruz, caminho do Amor
A Bíblia fornece prefigurações da
Cruz de Jesus na coluna de fogo e na nuvem e, sobretudo, na escada de Jacob,
por onde desciam e subiam os anjos do céu (Gn 28,12). E, na perspetiva de João, Jesus,
suspenso da Cruz, entre o Céu e a Terra, ao tornar-Se o mediador entre Deus e a
humanidade pecadora, faz da Cruz a Sua escada de subida e descida até nós.
Mediante ela, Deus comunica-Se com a humanidade; comunica à humanidade toda a
riqueza do Seu amor.
Os grandes autores espirituais e místicos serviram-se
da imagem da “escada” como símbolo da Cruz de Cristo e do caminho do amor, em
que são necessárias purificações e amadurecimentos, ou do caminho da vida
espiritual, nas suas diversas etapas, expressões ou degraus. É, de
facto, significativo que a Cruz, enquanto “caminho do amor e a exigência da vida
cristã” se compare ao subir ou descer os degraus duma escada. Pode-se tropeçar na
subida porque os primeiros degraus estão na escuridão, mas, no cimo, há uma luz
infinita, que se atinge com o archote da esperança e com o desejo da procura.
4.
A
imagem da escada na nossa caminhada
“Movidos pelo amor de Deus” aprendemos esta
via de perfeição, que ultrapassa tudo
(1
Cor 12,31), na
medida em que permanecermos unidos e atraídos à Cruz de Cristo e ao seu amor
por nós. Assim, Paulo, na 2.ª leitura do domingo de Ramos, refere o mistério da
Cruz de Cristo: “Sendo de condição
divina, aniquilou-Se a Si próprio; aparecendo como homem, humilhou-Se ainda
mais, obedecendo até à morte e morte de Cruz; por isso Deus O exaltou” (cf
Fl 2,6-11). A “subida
que se faz descendo e esta descida que se faz subindo”, movidos pelo amor de
Deus, pode representar-se nos sete degraus duma e doutra escadas, apostas junto
à Cruz, como acontece em tantas imagens alusivas quer à elevação do Corpo de
Cristo para ser pregado na Cruz, quer à descida do Corpo morto de Jesus, para a
deposição e sepultura.
Pode, em
alternativa, usar-se a mesma escada, na Quaresma e no Tempo Pascal, usando os
seus dois lados, para a descida (Quaresma) e para a subida (tempo
pascal). O que importa
é destacar a Cruz e a “sua envolvência no espaço litúrgico”.
Em cada
degrau, semana a semana, colocamos os atributos do amor, como nos são
apresentados no célebre Hino ao amor (1 Cor 13), que é a “Magna Carta de todo o serviço eclesial” e que o Papa Francisco
comenta, em perspetiva familiar e conjugal, no 4.º Capítulo da Exortação
Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia
(A
alegria do amor),
como se disse acima.
É um
belo texto a inspirar a caminhada, desde o 1.º domingo da Quaresma à plenitude
da Páscoa, no domingo de Pentecostes. Sugere-se para cada domingo, o primeiro
dia da semana, os atributos do amor, que parecem “combinar” com algum
pensamento retirado dos textos da liturgia dominical.
Propõe-se
a leitura comentada dos números correspondentes a partir da Amoris Laetitia e, a partir do referido Hino
ao Amor, um exame de consciência e algumas preces para invocar e agradecer a
alegria do amor.
***
Da Quarema à Páscoa:
O Amor é
paciente (1.º domingo: Deus esperava com paciência a construção
da arca – 2.ª leitura);
não é interesseiro (2.º
domingo: Deus não poupou o Filho – 2.ª leitura); não é invejoso (3.º domingo: Não cobiçarás a casa do teu
próximo, nem coisa algo que lhe pertença – 1.ª leitura); é amável (4.º
domingo: Quis mostrar a riqueza da sua bondade para connosco – 2.ª leitura); não é arrogante nem orgulhoso (5.º
domingo: Apesar
de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento – 2.ª leitura); tudo suporta (Semana Santa e Tríduo Pascal).
Da Amoris laetitia
(por semana): 1 – A
paciência é uma qualidade do Deus da aliança (AL 91-92); 2 – O amor não procura o que é
seu. Procura mais amar que ser amado (AL 101-102); 3 – Trata-se de cumprir o que
pedem os dois últimos mandamentos (AL 95-96); 4 – Para se predispor para um
verdadeiro encontro requer-se um olhar amável pousado nele (AL
99-100); 5 – É
indispensável curar o orgulho e cultivar a humildade (AL
97-98); 6 – É
preciso cultivar esta força do amor que permite lutar contra o mal que o ameaça
(AL
118-119).
Da Páscoa ao
Pentecostes:
Tudo crê
(2.º
domingo: Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé – 2.ª leitura); tudo desculpa (3.º
domingo: Se alguém pecar, nós temos Jesus Cristo, como advogado junto do Pai – 2.ª
leitura); não se irrita nem guarda
ressentimento
(4.º
domingo: Ele é a pedra que vós rejeitastes e que veio a tornar-se pedra angular
– 1.ª leitura); é prestável
(5.º
domingo: Não amemos com palavras e com a língua – 2.ª leitura); rejubila com a verdade (6.º
domingo: Disse-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós –
Evangelho); tudo
espera (Ascensão:
“Porque estais a olhar para o Céu? – 1.ª leitura); o amor não acaba nunca
(Pentecostes:
O amor de Deus foi derramado em nossos corações – 2.ª leitura).
Da Amoris laetitia (por semana): 1 – Esta confiança reconhece a luz
acesa por Deus, que se esconde por trás da escuridão (AL
114-115); 2 – Aceita
com simplicidade que todos somos uma complexa combinação de luzes e sombras (AL
111-113); 3 – Lutar
contra o mal, mas sem violência interior. Não te deixes vencer pelo mal (AL
103-104); 4 – O amor
mostra a sua bondade nas ações. Amar é fazer o bem (AL
93-94); 5 – Alegra-se
com o bem do outro, quando se reconhece a sua dignidade (AL
109-110); 6 – Não
desesperar do futuro. Aguardar aquela plenitude que, embora hoje não seja visível,
há de receber um dia no Céu (AL 116-117); 7 – Este amor forte, derramado pelo Espírito Santo, é reflexo da
aliança indestrutível entre Cristo e a humanidade que culminou na entrega até
ao fim na Cruz. (AL 120). É preciso pôr de lado
as ilusões e aceitá-lo como é: inacabado, chamado a crescer, em caminho (AL 218).
***
Das propostas
feitas, destacam-se: o exame de consciência – a nível pessoal, familiar, grupal
ou comunitário – de confronto da vida com as caraterísticas do amor acima enunciadas,
bem como preces em consonância com o desejo de se configurar com elas; valorização
do ato penitencial na linha do confronto com as marcas do amor; oração e meditação
a partir do Hino ao Amor e a partir da Amoris
laetitia; ações voluntárias de privação e partilha; celebração da Reconciliação;
e participação na celebração da Eucaristia (Vale a pena adquirir os
materiais).
***
Hino ao Amor - 1 Cor 13,1-7.13
Ainda que eu fale
as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver
amor, sou como um bronze que soa
Ainda que eu
tenha o dom da profecia
e conheça todos os
mistérios e toda a ciência,
ainda que eu
tenha tão grande fé que transporte montanhas,
Ainda que eu
distribua todos os meus bens
e entregue o meu
corpo para ser queimado,
se não tiver
amor, de nada me aproveita.
O amor é paciente,
o amor é prestável,
não é invejoso, não
é arrogante nem orgulhoso,
nada
faz de inconveniente,
não procura o seu
próprio interesse,
não se irrita nem
guarda ressentimento.
O amor jamais
passará.
(…)
Agora permanecem
estas três coisas:
a fé, a esperança
e o amor;
mas a maior de
todas é o amor.
2017.01.25 – Louro
de Carvalho
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