segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Manuel Vicente não compareceu a julgamento. E agora?

Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, não veio à 1.ª sessão do julgamento do caso da Operação Fizz, que se iniciou hoje, dia 22, em Lisboa. E o seu advogado disse à chegada ao tribunal, questionado pelos jornalistas, que lhe parecia inevitável a separação dos processos.
Rui Patrício, que estava presente enquanto mandatário de Armindo Pires, outro dos arguidos no caso, disse igualmente que é preciso aguardar a decisão do tribunal “com calma e serenidade”. E escusou-se a revelar se ia levantar alguma questão prévia no início do julgamento, remetendo para audiência, e lembrou os recursos pendentes relativos ao ex-vice-Presidente de Angola, que o Tribunal da Relação de Lisboa terá de decidir “a seu tempo”. Mais disse que processualmente “há muitas coisas possíveis”, embora considere inevitável a separação dos processos.
Interpelado sobre a pressão política em torno do processo, Rui Patrício afirmou: “Não faço comentários sobre isso, tenho a minha opinião pessoal, mas não faço qualquer comentário”.
Em relação à ausência do seu constituinte, disse que o ex-vice-presidente de Angola não comparece “porque não pode”, porquanto “a questão da imunidade não está na disponibilidade e vontade de Manuel Vicente, é um assunto de Estado”. E referiu que o seu constituinte não fora notificado da acusação e nem sequer chegou a ser constituído arguido.
Recorde-se que o processo da ‘operação Fizz’ tem como arguidos o ex-vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, o ex-procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e o empresário Armindo Pires.
Manuel Vicente, que à data dos factos era presidente da Sonangol é acusado de ter corrompido Orlando Figueira para que o então procurador do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal) arquivasse dois inquéritos, um deles o caso Portmill, relacionado com a aquisição de um imóvel de luxo no Estoril. É, assim, acusado por corrupção ativa em coautoria com os arguidos Paulo Blanco e Armindo Pires, branqueamento de capitais em coautoria com Paulo Blanco, Armindo Pires e Orlando Figueira e falsificação de documento com os mesmos arguidos.
Por sua vez, o ex-procurador do DCIAP está pronunciado por corrupção passiva, branqueamento de capitais, violação de segredo de justiça e falsificação de documentos; e o advogado Paulo Blanco por corrupção ativa em coautoria, branqueamento também em coautoria, violação de segredo de justiça e falsificação documento em coautoria.
Paulo Blanco foi advogado de Manuel Vicente, nomeadamente, no processo de compra dum apartamento no complexo Estoril Sol e tem ligações profissionais a várias figuras do Estado angolano. 
O empresário Armindo Pires, que o MP diz ser o ‘testa de ferro’ de negócios de Manuel Vicente, responde em julgamento por corrupção ativa em coautoria com Paulo Blanco e Manuel Vicente, branqueamento de capitais em coautoria com Manuel Vicente, Paulo Blanco e Orlando Figueira e falsificação de documento com coautoria com os mesmos.
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As autoridades judiciárias angolanas defendem que os factos imputados a Manuel Vicente estão abrangidos pela Lei da Amnistia angolana, que abrange todos os crimes puníveis com prisão até 12 anos cometidos até novembro de 2015. Assim, a Procuradoria-Geral da República portuguesa (PGR) recebeu hoje de manhã a resposta a uma carta rogatória indicando que não era possível notificar o ex-vice-presidente Manuel Vicente no âmbito da Operação Fizz.
O presidente do coletivo de juízes, Alfredo Costa, enviara, a 7 de novembro de 2017, uma carta rogatória às autoridades de Angola para que Vicente fosse constituído arguido e notificado de “todo o conteúdo da acusação proferida nos autos”, explicando que dispõe de 20 dias contados a partir da data da notificação para requerer, caso assim o entenda, a abertura da instrução.
A recusa em transferir a matéria processual para as autoridades judiciárias angolanas, ao abrigo de convenções judiciárias com a CPLP, levou o Presidente angolano, João Lourenço, a classificar como “uma ofensa” a atitude da Justiça portuguesa, advertindo que as relações entre os dois países vão “depender muito” da resolução do caso.
Segundo a nossa PGR, a recusa de enviar o processo para Angola fundamentou-se no facto de as autoridades angolanas terem dito “não haver qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição como arguido de Manuel Vicente, por considerar que o mesmo é detentor de imunidade”.
Baseou-se ainda na informação de que os factos imputados a Vicente estariam abrangidos pela Lei da Amnistia angolana, que abrange todos os crimes puníveis com prisão até 12 anos cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros até 11 de novembro de 2015, excetuando os de sangue. Porém, o MP de Portugal disse expressamente que não confiava na Justiça angolana.
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O julgamento que arrancou hoje no Campus da Justiça, em Lisboa, abala as relações políticas e diplomáticas entre Portugal e Angola e no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Independentemente da inocência ou culpabilidade de Manuel Vicente, que não foi notificado e que Luanda diz gozar de imunidade diplomática, a decisão da Justiça portuguesa de rejeitar o pedido angolano de auxílio judiciário – ao abrigo dos acordos assinados pelo Estado português no âmbito da CPLP – e justificá-lo com a desconfiança no sistema judicial daquele país lusófono prejudica as relações entre os dois Estados.
A este respeito, o embaixador Seixas da Costa, antigo Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, considera:
 “No que nos toca, a questão está agora, exclusivamente, nas mãos do poder judicial, tal como já estava no momento em que a Procuradoria-Geral da República [PGR] – ironicamente, a sede do eventual crime – não soube garantir a privacidade de um processo que devia ter mantido em segredo de justiça, uma quebra profissional e deontológica tanto mais grave quanto afetou gravemente as relações bilaterais com Angola”.
E salienta que, “se a PGR portuguesa tivesse sabido tratar o processo, com todo o rigor, mas também com todo o sigilo, não teríamos chegado aonde chegámos”. Por isso e porque “o Estado português é um todo”, apesar da separação de poderes, “os olhos do país devem estar concentrados exclusivamente no sentido de responsabilidade do poder judicial português” pois, “neste, como em outros casos, terá chegado a hora da verdade para o seu sentido de Estado”.
Os pedidos dum Estado estrangeiro para transmissão dum processo judicial a correr em Portugal são feitos ao abrigo da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal e, no caso de Angola, também da Convenção de Extradição entre os Estados membros da CPLP, que Portugal subscreveu.
Mas o tribunal indeferiu o requerimento das autoridades angolanas, com o MP a entender “não existir qualquer garantia de que os factos, em caso de transmissão do processo, fossem objeto de apreciação judicial”.
A este respeito, a PGR esclareceu que “este entendimento decorria de não estar garantido um “pressuposto essencial” para a transmissão do processo, fundado “na circunstância de as autoridades angolanas terem dado conhecimento” de que “os factos estariam abrangidos, em Angola, pela previsão da Lei da Amnistia” e, entre outras razões, “não haver qualquer possibilidade de cumprimento de eventual carta rogatória que, porventura, lhes fosse endereçada para audição e constituição como arguido de Manuel Vicente, por considerar que o mesmo é detentor de imunidade”.
Esta posição da parte portuguesa é vista como incompreensível por parte do ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz, já que Angola é um Estado soberano e faz as suas leis.
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Entretanto, a procuradora do Ministério Público Leonor Machado pediu a separação do processo do ex-vice-presidente de Angola, que foi aceite pelo coletivo de juízes. E, para justificar esta separação, o tribunal alegou que se “afigura que existe um interesse ponderoso e atendível que justifica a admissibilidade da separação de processo de Manuel Vicente”, visto que o arguido Orlando Figueira está sujeito a uma medida privativa da liberdade (detenção no seu domicílio com pulseira eletrónica). Contudo, o processo do Manuel Vicente continuará, contudo, adstrito ao mesmo coletivo de juízes do tribunal criminal de Lisboa, que é presidido por Alfredo Costa.
Entretanto, sabe-se que o Primeiro-Ministro se reunirá com o Presidente da República de Angola, João Lourenço, no dia 23 à noite, em Davos, na Suíça, segundo disse à agência Lusa fonte oficial do Governo português, que esclareceu que “a reunião com o chefe de Estado angolano foi marcada logo para o primeiro momento de disponibilidade na agenda do Primeiro-Ministro”, pois “as relações com Angola são uma prioridade do Estado português”.
Esta reunião bilateral, solicitada por Angola, será a segunda entre ambos em menos de dois meses e acontecerá logo após a chegada de António Costa a Davos, onde participará ao dia 26 no Fórum Económico Mundial.
António Costa e João Lourenço já estiveram reunidos em 29 de novembro passado, na Costa do Marfim, em Abidjan, durante a última cimeira entre África e União Europeia.
Na tentativa de desdramatizar o quadro de relações entre os dois países, Costa frisou que as relações políticas e económicas entre Portugal e Angola “são excelentes”, embora exista uma questão que envolve as autoridades judiciárias, portuguesa e angola. E explicitou:
Não há nenhum problema entre Portugal e Angola dos pontos de vista económico e político. Há uma questão que transcende o poder político, que não diz respeito ao Presidente da República, ao Governo ou à Assembleia da República. É um tema da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias.”.
Questionado se as autoridades judiciárias deveriam transferir o processo para Angola, Costa recusou pronunciar-se, invocando o princípio da separação de poderes. E sublinhou:
As autoridades judiciárias têm plenos poderes para decidir sobre essa matéria. Não há um problema entre os governos português e angolano, ou entre os presidentes da República de Portugal e de Angola, ou entre os parlamentos dois países.”.
Segundo Costa, existe sim “uma questão que Angola identificou muitíssimo bem, de uma forma muito precisa e que é da exclusiva responsabilidade das autoridades judiciárias portuguesas”.
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Que resultará da reunião entre os líderes dos dois países? Virá o processo a ser transferido para Angola? Será penalizado o nosso país nas exportações e no acolhimento às empresas? O parecer do Conselho Consultivo da PGR, pedido por Costa e posto a sigilo, convencerá Lourenço?
2018. 01.22 – Louro de Carvalho


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