Marko Rupnick, padre jesuíta e artista, esteve no Porto, segundo
o site da diocese, no âmbito da colaboração
com o projeto da nova igreja paroquial
de Canidelo, em Vila Nova de Gaia. Famoso
pelas suas obras em mosaico ao serviço da liturgia, o sacerdote visitou os
terrenos da futura obra, participou em reuniões de trabalho e proferiu uma
conferência na Biblioteca do Seminário Maior do Porto sobre arte e liturgia. E
ainda arranjou tempo para um breve encontro com os jornalistas.
Esloveno, de
63 anos, formou-se em Belas Artes, em Roma, e em Teologia, doutorando-se na
Universidade Gregoriana, com especialização em Missiologia. Porém, em 1991,
assumiu a responsabilidade do Centro
Alleti, para a promoção da arte sacra, congregando artistas de tradição
ortodoxa e de tradição católica de rito latino. E, a partir de 1996, dedicou-se
por inteiro, à atividade artística litúrgica, vindo a concluir, em 1999, a
decoração da Capela “Redemptoris Mater”,
no Vaticano, desejada por João Paulo II, inspirada na tradição iconográfica
oriental.
Considerada por sua singular beleza a ‘Capela Sistina
moderna” situa-se nos palácios vaticanos. Os trabalhos de reestruturação
começaram por ocasião do 50.° aniversário de sacerdócio do Papa polaco. E milhões
de pequenos fragmentos vindos dos mais variados tipos de pedras adornam a
magnífica obra. São pedras provenientes dos mais diversos lugares: de montanhas
onde foram martirizadas testemunhas da Fé do Século XX, de grutas com pinturas
pré-históricas, de margens de rios, de praias do mar... Contemplam-se
ali 5 grandes etapas da História da Salvação, concretizadas em mosaicos: à
entrada, deparamo-nos, na parede frontal, com o mosaico da Jerusalém Celeste; na parede da esquerda, a Encarnação; na parede da direita, a Igreja; e, sobre a parede da entrada, a Parusia com o Cristo Pantocrátor em cima.
Porém, o
maior conjunto dos mosaicos de Rupnick
encontra-se na nova Basílica do Santo Padre Pio, em San Giovanni Rotondo, no
sul da Itália (2009). É dele a conhecida decoração da
fachada da antiga Basílica do Rosário, em Lourdes, bem como os mosaicos da
Catedral da Almudena, em Madrid, e os santuários de São João Paulo II (em Cracóvia e Washington). Em Portugal, a sua obra mais
conhecida é o extenso painel, em mosaico, da Basílica da Santíssima Trindade, em
Fátima, embora haja algumas outras intervenções suas em capelas de algumas
casas religiosas.
***
A futura
igreja da paróquia de Canidelo, motivo imediato da sua visita ao Porto e a Vila
Nova de Gaia, surgirá no enquadramento do Centro Paroquial de Canidelo
intitulado “Cidade de Deus e dos homens”,
que foi inaugurado no dia 28 de maio de 2017, na presença de Dom António
Francisco dos Santos, o saudoso Bispo do Porto, e do Presidente da Câmara
Municipal de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. Trata-se duma
estrutura levantada no local da antiga Seca do Bacalhau e onde surgirá em breve
a nova igreja. Obra da iniciativa e do do labor do Padre Almiro Mendes, pároco
de Canidelo, a nova igreja resultará dos traços dos arquitetos Valentim Miranda
e Miguel Miranda e da colaboração artística do padre Marko Rupnick.
Na reunião
que o padre artista teve em torno da construção da igreja de Canidelo, estiveram
presentes Dom Pio Alves, bispo-auxiliar do Porto, o pároco, Padre Almiro Mendes,
o Padre José Maria Pacheco Gonçalves, colaborador na paróquia, os arquitetos
Valentim Miranda e Miguel Miranda e o Padre Marco Cunha que acompanhou Rupnick
na sua estada em Portugal. A este respeito, o Padre Almiro Mendes, pároco de
Canidelo, assinalou, em declarações à Voz Portucalense, a sua intenção e da
paróquia de pensar bem a concretização da nova igreja. Porém, segundo a máxima
de que “nós só erramos na vida em dois
momentos: quando pensamos muito e não fazemos nada e quando fazemos muito
pensando muito pouco”, o Padre Almiro escolheu uma expressão essencial em
todo o processo: “ousamos sonhar”. E
sustentou:
“Nós
temos que pensar bem esta nova igreja. Não nos quisemos precipitar, ousamos
sonhar e daí que tenhamos acreditado que era possível que o padre Marko Rupnick
viesse construir o interior da igreja porque pensamos que não se pode falhar na
construção de uma igreja. E julgamos que estamos acertados neste projeto que é
absolutamente admirável e que vai mudar o rosto desta paróquia.”.
Por seu
turno, Dom Pio Alves, bispo-auxiliar do Porto, salientou, sobre esta obra na
paróquia de Canidelo, que se trata “da reconversão de uma estrutura que,
anteriormente, serviu outras finalidades”. E assinalou a importância desta nova
igreja dizendo:
“Neste
momento, com a intervenção dos artistas e o génio do padre Almiro, de certeza
que vamos conseguir aqui um espaço para acolhimento a esta paróquia que é uma
das maiores paróquias da diocese”.
Entretanto,
os arquitetos Valentim Miranda e Miguel Miranda, naturais de Canidelo disseram
estar “muito felizes por terem sido
escolhidos para desenvolverem um projeto que terá lugar numa nova centralidade
de Vila Nova de Gaia bem junto ao mar”. Os arquitetos assinalaram a memória
e a história do espaço da antiga Seca do Bacalhau onde será erigida a nova
igreja “com a ajuda do padre Rupnick”.
***
No encontro com
os jornalistas, o padre artista afirmou sentir bom ambiente de trabalho com os
arquitetos responsáveis pelo projeto da nova igreja, um ambiente vivido em
diálogo e disponibilidade para a colaboração. E esta será mais uma razão a
somar às dos tempos em que trabalhou em Fátima na Basílica da Santíssima
Trindade e que o fazem sentir como um parente dos portugueses, a ponto de dizer
com naturalidade: “Sinto-me muito
familiar com os portugueses”. A edição de hoje, dia 10, da Voz Portucalense
faz reportagem da vinda do jesuíta ao Porto e publica uma entrevista com ele. Desta
se respigam as ideias mais pertinentes.
Declarou que
a aceitação do pedido para vir ao Porto e prestar colaboração à nova igreja da
paróquia de Canidelo resulta como uma atividade natural desde que foi “chamado
a trabalhar em Fátima” e sente que “há um bom entendimento”.
Diz não saber
aonde “vai buscar inspiração para o trabalho que aqui vai desenvolver”,
mas dá a entender que se inspira na análise do projeto e no contacto prático
com a realidade e as pessoas:
“É
por isso que vim cá… Mas gostaria de dizer uma coisa: o modo como se está a
fazer o projeto da Igreja no meu parecer é já algo de importante e belo. Hoje
estamos ainda numa cultura do triunfo do indivíduo. Ao invés, encontrei aqui os
arquitetos Miranda que têm disponibilidade para o diálogo e de procurar
trabalhar em conjunto. E isto é algo que promete.”.
Anota que foi
ultrapassada a “emergência do indivíduo” e se criou “uma convergência”, o que é
algo de “muito belo”.
Afirmando que
“todas as inspirações” lhe vieram “dos encontros com as pessoas”, diz que é por
isso que, quando o chamam, vem, mas que nunca vem sozinho, por si: responde a
um chamamento, acreditando que, “se há um chamamento, haverá também uma
inspiração”.
Falando da
“importância da relação entre a arte e a liturgia”, apontou como muito doloroso
“o divórcio entre a arte e a Igreja”, que “fez danos a ambas”. E aludiu a um
discurso muito sofrido de Paulo VI, há décadas, na Capela Sistina, sobre este
fenómeno.
Depois,
assegurou que a Igreja ofereceu à arte “sempre a vida”. Com efeito, “a Igreja
oferecia aos artistas uma vida no Espírito, uma vida que permanece”. Por sua
vez, “a arte e o artista” oferecem à Igreja “uma expressão desta vida como
beleza”, como algo apelativo e fascinante, “que pertence só a este mundo”. Mas,
com o predito divórcio, “hoje a arte arrisca-se a ser só uma questão de forma e
de expressão”, ficando por esclarecer “qual a vida que se comunica”. E sucede
que a Igreja se tornou “numa organização de projetos, de abstrações
racionalistas, de moralismos”. E nós, católicos, “tornamo-nos bons, mas não
somos belos”. Concede que “o mundo pode até aplaudir-nos”, considerando que “somos
bons, mas não nos segue”, apenas “porque não somos fascinantes”. E o jesuíta
artista sintetiza:
“A
arte está sempre ligada à vida: à vida biológica, à vida psíquica e intelectual
e à vida segundo Deus. E esta última integra as outras duas. Faz ver o homem na
sua imagem definitiva, naquela que permanece. A arte só biológica, a vida só
biológica não exprime todo o homem. Aquilo que permanece é o homem de Cristo.”.
Questionado
se “a arte no espaço litúrgico pode levar mais facilmente o homem a
Deus”, o padre artista reconhece com humildade e realismo que “a
arte na liturgia é como a liturgia, nunca está completa”. E justifica:
“Porque
da parte do homem nós apresentamos a oferta. Mas não está completa a oferta,
tem que vir o Espírito Santo. E isto é muito belo, pois o homem não pode fazer
de si mesmo uma obra completa, uma perfeição. É Deus quem aperfeiçoa, é Deus
quem cumpre em nós aquilo que fica depois da morte.”.
Por isso,
entende que “não deve ser uma arte completa, porque pode fascinar, mas aborrece”.
Não pode ser totalitária e dominadora; “tem que ser uma arte que convida, que nos
faça curiosos, que não seja invasiva, mas humilde”.
***
Todavia, nem
só de arte é o discurso do jesuíta. Acabou de publicar um livro
com o título “Segundo o Espírito”, que
“faz parte de um bloco de 11 teólogos, de todo o mundo”, escolhidos “para
mostrar como pensa a teologia neste magistério do Papa Francisco”.
A Marko Rupnick, pediram-lhe que escrevesse sobre teologia espiritual. E, no
livro, procura mostrar “como deveria pensar a teologia espiritual: se segue a
Igreja de Francisco, ou seja, a Igreja em saída, a Igreja que sai de si mesma,
a Igreja relacional, a Igreja onde na relação o outro torna-se o epicentro e
não eu”. Escolhe como figura-chave Abraão que deixa casa, o pai, a pátria – uma
“existência segundo a natureza das coisas”. E frisa que “família tem-na
qualquer criatura viva, mesmo os animais”. Porém, ao homem, que não vive apenas
“segundo a própria natureza”, foi-lhe dado viver “segundo um modo de viver que
recebe de Deus, que é relacional, é de amor e de livre relação”. Se “todas as
outras criaturas têm relações segundo a lei da sua natureza”, o homem
distingue-se porque “tem relações livres” – o que “recebe de Deus”. Assim,
segundo Rupnick, “a vida espiritual começa quando eu descubro
que a minha existência é relacional”.
Sobre o
pontificado de Francisco, pensa que “é um Papa que se esperava há tanto tempo,
sobretudo, nestas décadas após o Concílio Vaticano II”. Com ele “passa-se
decisivamente para a segunda fase de compreensão do Vaticano II”, “uma fase
muito mais realista e profunda, mas também muito mais operativa”. Para este
Papa é claro que “o módulo de uma Igreja de Constantino-Teodósio já não existe”.
Por exemplo, “onde ser português significava ser católico, unir etnia e
religião” (“uma estrutura
meio estatal ou meio imperial”) “já não existe”. É o início de “uma grande era cristã nova, mas já não
no módulo que conhecemos nos últimos séculos”.
***
***
Enfim,
clarividência na definição da arte sacra como serviço humilde à Vida plena e
convergência dos artistas são notas algo raras em artistas e teólogos. Aprende-se
a toda a hora!
2018.01.10 –
Louro de Carvalho
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