O jornal Público
de hoje, dia 14, publica a reportagem de Margarida David Cardoso sob o título “Ou Rosa dava a ‘missa’ ou a igreja fechava”,
dando conta de que, em Vendinha, Reguengos de Monsaraz, “à falta de padres, são os
leigos que mantêm as celebrações dominicais”.
Até aqui, tudo bem. Pior é quando escreve: “Oito mulheres e sete homens fazem uma espécie de missa, que não é missa”.
E a questão que se levanta é se é missa ou não é e, não o sendo, como deverá
denominar-se.
É verdade que “a prática que começou a generalizar-se na Igreja Católica
em Portugal desde os anos 90 dificilmente colhe tantos adeptos como nesta
unidade pastoral alentejana”. Porém, há outros lugares em que as pessoas têm de
se render à evidência e suprir a falta de sacerdotes para terem, através da
presidência de leigos – homens ou mulheres –, a celebração dominical.
Diz a
repórter que está montada uma máquina. E explica:
“Uma das fiéis prepara as velas, ajeita o
altar. Vêm as crianças da catequese e as cerca de 30 pessoas que neste domingo
vieram à igreja da Vendinha, em Reguengos de Monsaraz, acabam de se sentar,
pousando as carteiras no beiral dos bancos de madeira. A audiência, quase só
mulheres, é o coro. As letras das músicas, impressas em acetatos, estão projetadas
numa tela branca para que todos as vejam. A melodia é sabida de cor. O cântico
de entrada está quase a terminar, quando Rosa Calado se levanta da primeira
fila, a cantar, para tomar lugar no púlpito.”.
Não creio
que Rosa suba ao púlpito, que os pregadores utilizavam antigamente quando não
havia aparelhagens sonoras, pelo que, estando mais ou menos a meio do templo e
sobre as cabeças das pessoas, o pregador se fazia ouvir no sermão e para o que,
tendo de se fazer ouvir por todos, procedia a repetições, voltando-se para um e
para outro lado donde os ouvintes o escutavam. O que Rosa utiliza é uma estante
móvel donde se proclamam as leituras bíblicas e sua explicação ou uma estrutura
fixa que dá pelo nome de ambão.
É justo que
a presidente que supre (não substitui porque não faz tudo o que ele faz) a impossibilidade de presença do sacerdote advirta
os participantes de que “neste domingo, trouxemos aquilo que cada um de nós é,
nas nossas fragilidades”. É natural que esta senhora de 55 anos, “empregada fabril
em Évora”, ainda mantenha um “santo tremor” quando sobe ao altar, embora já
tenha presidido a muitas destas celebrações dominicais. E é verdade que, apesar
de se ter sujeitado a uma certa formação, se estiver atenta ao Espírito, Ele
lhe porá nos lábios tudo aquilo que deve dizer ao seu povo. Não creio que tenha
a pretensão de expor doutrina sua ou vir ali contar as suas histórias.
Todavia, a
repórter, que não é inculta, acerta. De facto o que ali se passa é uma
celebração da palavra, pois a Eucaristia só pode ser celebrada e confecionada
por um sacerdote. Nem sequer um diácono a ela pode presidir.
Na ausência
do padre, os cristãos designados para orientar as cerimónias seguem um guia de
celebração. Há cânticos, leituras bíblicas da missa do dia, salmos, as mesmas
orações, os mesmos cânticos, a oração dos fiéis, a comunhão precedida pela
oração do Pai Nosso. Embora não se lhe chame homilia, o leigo que preside faz
uma reflexão sobre as leituras que foram proclamadas e a que é dada a resposta
da fé vivida e celebrada. E, na comunhão, distribuem-se as partículas
consagradas em missa previamente celebrada por um sacerdote ali ou noutro lugar
aonde um dos ministros extraordinários da comunhão irá buscar as partículas
consagradas.
***
A génese do
grupo para este tipo de celebrações paralitúrgicas deu-se como noutros lugares.
Ali, as
pessoas contam que “tudo se tornou oficial quando o Padre Manuel José Marques”
sentiu a necessidade de assegurar o serviço dominical apesar da falta de
sacerdotes. E, nos inícios dos anos 2000, o sacerdote criou um grupo, escolhendo
gente da terra, conhecida da igreja. Promoveu a sua formação para o efeito,
diligenciou no sentido de eles e elas receberem mandato da parte do arcebispo
de Évora e organizou a agenda. E eles sabem que “isto é um trabalho que nem é nosso” e “temos que ser
humildes”. E asseguram; “Crescemos muito”.
O grupo
ganhou força e responsabilidade quando o Padre “Manuel Zé”, como é conhecido,
se viu com 7 paróquias, auxiliado apenas por um diácono. Eram 15 igrejas para dois
homens só.
As
profissões dos orientadores são tão díspares como as idades. A repórter
especifica:
“Há uma assistente de call center de
35 anos, uma florista de 25, uma professora de 35, um bancário de 50, um
agricultor reformado e um militar da GNR com 38 anos. Alguns foram escuteiros,
dos coros ou grupos de jovens, a maioria são catequistas. Rodam entre si a vez
de celebrar o sábado ou o domingo nas comunidades que lhes estão atribuídas. A
máquina, oleada, funciona em pleno.”.
A reação dos
crentes foi sempre de aceitação. O sacerdote diz que sentiu sempre que “não
houve nenhuma resistência, pelo contrário”, que até recebeu vários
agradecimentos quando a rotina se consolidou. E explica:
“De alguma maneira, quando os cristãos
sentem esta necessidade de celebrarem o domingo, reúnem-se. Depois, é preciso
dar-lhe um nome e organizar a celebração, para que não se transforme numa
reunião ou numa catequese. O objetivo sempre foi claro: ‘Não o sendo, tem que ser o mais parecido com uma eucaristia’.”.
***
A repórter, citando palavras dos responsáveis diocesanos, dá conta da
rarefação de clero no Alentejo:
“Cerca de um terço das paróquias
da diocese de Évora alteram entre missas e celebrações da palavra, orientadas
sobretudo por diáconos permanentes, nalguns casos por leigos”.
O que se
passa em Reguengos não é caso único: acontece noutras dioceses, sobretudo do
Alentejo, do Algarve e de Trás-os-Montes. Em Reguengos, o caso é apenas
singular pela dimensão e organização. Isto constitui um sinal dos tempos
marcados pela falta de padres e pelo abandono das zonas do interior. Segundo o Anuário Católico, em Portugal há 3040
padres para 4377 paróquias. E o número de sacerdotes diocesanos (que não
pertencem a uma ordem religiosa e têm atribuídas uma ou mais paróquias) tem baixado de ano para ano.
Porém, é de
frisar que estes leigos não pretendem ser sacerdotes, embora gostem do que
fazem. Entendem – e bem – que estão na linha do que deles se exige como
cristãos: o exercício do sacerdócio comum que nos é conferido pelo sacramento do
Batismo, pois, incorporados em Cristo e na sua Igreja, cooperamos, segundo a
nossa condição, para a manutenção, crescimento e expansão desta mesma Igreja, que
é Corpo de Cristo e Povo de Deus.
Ademais, estes
cristãos sentem, por vezes, a dificuldade em articular a vida familiar e
profissional com estes encargos eclesiais, mas conseguem-no graças ao espírito
de equipa e de cooperação. Neste sentido, ninguém quer protagonismo nem algum
se chega para trás.
Ainda assim,
alguns aturam as questões dos amigos, a desconfiança de alguns familiares, os
olhares curiosos de quem vê um rapaz ou uma rapariga frente ao altar, a falar
para uma assembleia de cristãos – grande ou minúscula.
A reportagem
destaca o caso de uma rapariga que era a única católica lá de casa, mas que
sempre sentiu “necessidade de estar e partilhar” com a comunidade. Ia com as
amigas à catequese. Ia à missa sozinha todos os domingos. Foi batizada aos 17
anos e, quando voltou à terra, depois da Universidade, recebeu o convite do
padre, ficando “lisonjeada e em pânico”. No entanto, a capacidade de
comunicação, que aperfeiçoou no curso que a tornou assistente social, moldou-a
para o encargo. E constata para escolher a via por que vai:
“Há muita gente que vai à igreja, apregoa
aqueles valores, mas não os reproduz na sua vida. Gosto de os colocar à prova.
Se vejo que há um maior constrangimento sobre dado tema, vou por aí.”
Fazendo por
traduzir os textos bíblicos, desconstruir ideias preconcebidas e passar os
valores cristãos, confessa e questiona:
“Não sou ninguém para julgar, mas acho que
estamos ali para transmitir sabedoria. São comunidades envelhecidas, muito
resistentes à mudança, para quem muito poucos olham. Porque iríamos nós também
deixá-los sozinhos?”.
***
Muito embora
haja reconhecimento do papel das mulheres na sociedade e na Igreja, que levou
um impulso forte com o Papa Francisco, que até criou uma Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino, só os homens podem
ser sacerdotes.
Contudo, há
gente que não se lembra de outra cerimónia que não as dirigidas por mulheres. E,
nalguns casos, os dirigentes esforçam-se por que a celebração seja bonita e
participada por todos em orações, cânticos e leituras e até na utilização de instrumentos
musicais.
Quem se
encarrega de dirigir as celebrações procura transmitir doutrina, mas sobretudo alimento
para a vida espiritual das pessoas. Valem-se dos livros e da Internet para
estudar, pois sabem que “agora estamos
numa aldeia global, as pessoas não querem só a parte teológica, querem ver isso
reproduzido nas questões da sua vida”.
E, acima de
tudo, estas pessoas sabem que, a Igreja é algo do qual todos se servem, mas à
qual poucos servem. Mas, apesar de servi-la ser o mais difícil, “quando
seguimos este caminho, isto muda-nos” – dizem.
***
No entanto,
a ação de leigos como estes não se circunscreve às celebrações dominicais sem
sacerdote. A falta de padres abriu para a consciencialização do papel dos
leigos na Igreja sem se assimilar à clerezia. E, mesmo com a presença de
padres, muitos homens e mulheres ajudam na distribuição da comunhão na missa,
levam a comunhão aos doentes, ministram a comunhão fora da missa em alguns dias
da semana, fazem admonições à missa, às leituras à apresentação dos dons e à
motivação para a comunhão, conduzem a oração comunitária enquanto o sacerdote faz
outras coisas, como, por exemplo, atender de confissão, dão aulas de educação
moral e religiosa católica nas escolas, integram grupos de acólitos, servem
como leitores, dão catequese a crianças, adolescentes, jovens e adultos, fazem aconselhamento
espiritual e organizam eventos religiosos.
Enfim, um
sem número de atividades que escapam ao ouvido, ao olhar e à pena ou voz do
jornalista!
2018.01.14 –
Louro de Carvalho
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