domingo, 14 de janeiro de 2018

Celebrações da Palavra por ausência de sacerdote, a novidade em ação

O jornal Público de hoje, dia 14, publica a reportagem de Margarida David Cardoso sob o título “Ou Rosa dava a ‘missa’ ou a igreja fechava”, dando conta de que, em Vendinha, Reguengos de Monsaraz, “à falta de padres, são os leigos que mantêm as celebrações dominicais”.
Até aqui, tudo bem. Pior é quando escreve: “Oito mulheres e sete homens fazem uma espécie de missa, que não é missa”. E a questão que se levanta é se é missa ou não é e, não o sendo, como deverá denominar-se.
É verdade que “a prática que começou a generalizar-se na Igreja Católica em Portugal desde os anos 90 dificilmente colhe tantos adeptos como nesta unidade pastoral alentejana”. Porém, há outros lugares em que as pessoas têm de se render à evidência e suprir a falta de sacerdotes para terem, através da presidência de leigos – homens ou mulheres –, a celebração dominical.
Diz a repórter que está montada uma máquina. E explica:
Uma das fiéis prepara as velas, ajeita o altar. Vêm as crianças da catequese e as cerca de 30 pessoas que neste domingo vieram à igreja da Vendinha, em Reguengos de Monsaraz, acabam de se sentar, pousando as carteiras no beiral dos bancos de madeira. A audiência, quase só mulheres, é o coro. As letras das músicas, impressas em acetatos, estão projetadas numa tela branca para que todos as vejam. A melodia é sabida de cor. O cântico de entrada está quase a terminar, quando Rosa Calado se levanta da primeira fila, a cantar, para tomar lugar no púlpito.”.
Não creio que Rosa suba ao púlpito, que os pregadores utilizavam antigamente quando não havia aparelhagens sonoras, pelo que, estando mais ou menos a meio do templo e sobre as cabeças das pessoas, o pregador se fazia ouvir no sermão e para o que, tendo de se fazer ouvir por todos, procedia a repetições, voltando-se para um e para outro lado donde os ouvintes o escutavam. O que Rosa utiliza é uma estante móvel donde se proclamam as leituras bíblicas e sua explicação ou uma estrutura fixa que dá pelo nome de ambão.
É justo que a presidente que supre (não substitui porque não faz tudo o que ele faz) a impossibilidade de presença do sacerdote advirta os participantes de que “neste domingo, trouxemos aquilo que cada um de nós é, nas nossas fragilidades”. É natural que esta senhora de 55 anos, “empregada fabril em Évora”, ainda mantenha um “santo tremor” quando sobe ao altar, embora já tenha presidido a muitas destas celebrações dominicais. E é verdade que, apesar de se ter sujeitado a uma certa formação, se estiver atenta ao Espírito, Ele lhe porá nos lábios tudo aquilo que deve dizer ao seu povo. Não creio que tenha a pretensão de expor doutrina sua ou vir ali contar as suas histórias.
Todavia, a repórter, que não é inculta, acerta. De facto o que ali se passa é uma celebração da palavra, pois a Eucaristia só pode ser celebrada e confecionada por um sacerdote. Nem sequer um diácono a ela pode presidir.
Na ausência do padre, os cristãos designados para orientar as cerimónias seguem um guia de celebração. Há cânticos, leituras bíblicas da missa do dia, salmos, as mesmas orações, os mesmos cânticos, a oração dos fiéis, a comunhão precedida pela oração do Pai Nosso. Embora não se lhe chame homilia, o leigo que preside faz uma reflexão sobre as leituras que foram proclamadas e a que é dada a resposta da fé vivida e celebrada. E, na comunhão, distribuem-se as partículas consagradas em missa previamente celebrada por um sacerdote ali ou noutro lugar aonde um dos ministros extraordinários da comunhão irá buscar as partículas consagradas.
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A génese do grupo para este tipo de celebrações paralitúrgicas deu-se como noutros lugares.
Ali, as pessoas contam que “tudo se tornou oficial quando o Padre Manuel José Marques” sentiu a necessidade de assegurar o serviço dominical apesar da falta de sacerdotes. E, nos inícios dos anos 2000, o sacerdote criou um grupo, escolhendo gente da terra, conhecida da igreja. Promoveu a sua formação para o efeito, diligenciou no sentido de eles e elas receberem mandato da parte do arcebispo de Évora e organizou a agenda. E eles sabem que “isto é um trabalho que nem é nosso” e temos que ser humildes. E asseguram; “Crescemos muito”.
O grupo ganhou força e responsabilidade quando o Padre “Manuel Zé”, como é conhecido, se viu com 7 paróquias, auxiliado apenas por um diácono. Eram 15 igrejas para dois homens só.
As profissões dos orientadores são tão díspares como as idades. A repórter especifica:
Há uma assistente de call center de 35 anos, uma florista de 25, uma professora de 35, um bancário de 50, um agricultor reformado e um militar da GNR com 38 anos. Alguns foram escuteiros, dos coros ou grupos de jovens, a maioria são catequistas. Rodam entre si a vez de celebrar o sábado ou o domingo nas comunidades que lhes estão atribuídas. A máquina, oleada, funciona em pleno.”.
A reação dos crentes foi sempre de aceitação. O sacerdote diz que sentiu sempre que “não houve nenhuma resistência, pelo contrário”, que até recebeu vários agradecimentos quando a rotina se consolidou. E explica:
De alguma maneira, quando os cristãos sentem esta necessidade de celebrarem o domingo, reúnem-se. Depois, é preciso dar-lhe um nome e organizar a celebração, para que não se transforme numa reunião ou numa catequese. O objetivo sempre foi claro: ‘Não o sendo, tem que ser o mais parecido com uma eucaristia’.”.
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A repórter, citando palavras dos responsáveis diocesanos, dá conta da rarefação de clero no Alentejo:
Cerca de um terço das paróquias da diocese de Évora alteram entre missas e celebrações da palavra, orientadas sobretudo por diáconos permanentes, nalguns casos por leigos”.
O que se passa em Reguengos não é caso único: acontece noutras dioceses, sobretudo do Alentejo, do Algarve e de Trás-os-Montes. Em Reguengos, o caso é apenas singular pela dimensão e organização. Isto constitui um sinal dos tempos marcados pela falta de padres e pelo abandono das zonas do interior. Segundo o Anuário Católico, em Portugal há 3040 padres para 4377 paróquias. E o número de sacerdotes diocesanos (que não pertencem a uma ordem religiosa e têm atribuídas uma ou mais paróquias) tem baixado de ano para ano.
Porém, é de frisar que estes leigos não pretendem ser sacerdotes, embora gostem do que fazem. Entendem – e bem – que estão na linha do que deles se exige como cristãos: o exercício do sacerdócio comum que nos é conferido pelo sacramento do Batismo, pois, incorporados em Cristo e na sua Igreja, cooperamos, segundo a nossa condição, para a manutenção, crescimento e expansão desta mesma Igreja, que é Corpo de Cristo e Povo de Deus.
Ademais, estes cristãos sentem, por vezes, a dificuldade em articular a vida familiar e profissional com estes encargos eclesiais, mas conseguem-no graças ao espírito de equipa e de cooperação. Neste sentido, ninguém quer protagonismo nem algum se chega para trás.  
Ainda assim, alguns aturam as questões dos amigos, a desconfiança de alguns familiares, os olhares curiosos de quem vê um rapaz ou uma rapariga frente ao altar, a falar para uma assembleia de cristãos – grande ou minúscula.  
A reportagem destaca o caso de uma rapariga que era a única católica lá de casa, mas que sempre sentiu “necessidade de estar e partilhar” com a comunidade. Ia com as amigas à catequese. Ia à missa sozinha todos os domingos. Foi batizada aos 17 anos e, quando voltou à terra, depois da Universidade, recebeu o convite do padre, ficando “lisonjeada e em pânico”. No entanto, a capacidade de comunicação, que aperfeiçoou no curso que a tornou assistente social, moldou-a para o encargo. E constata para escolher a via por que vai:
Há muita gente que vai à igreja, apregoa aqueles valores, mas não os reproduz na sua vida. Gosto de os colocar à prova. Se vejo que há um maior constrangimento sobre dado tema, vou por aí.
Fazendo por traduzir os textos bíblicos, desconstruir ideias preconcebidas e passar os valores cristãos, confessa e questiona:
Não sou ninguém para julgar, mas acho que estamos ali para transmitir sabedoria. São comunidades envelhecidas, muito resistentes à mudança, para quem muito poucos olham. Porque iríamos nós também deixá-los sozinhos?”.
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Muito embora haja reconhecimento do papel das mulheres na sociedade e na Igreja, que levou um impulso forte com o Papa Francisco, que até criou uma Comissão de Estudo sobre o Diaconado Feminino, só os homens podem ser sacerdotes.
Contudo, há gente que não se lembra de outra cerimónia que não as dirigidas por mulheres. E, nalguns casos, os dirigentes esforçam-se por que a celebração seja bonita e participada por todos em orações, cânticos e leituras e até na utilização de instrumentos musicais.
Quem se encarrega de dirigir as celebrações procura transmitir doutrina, mas sobretudo alimento para a vida espiritual das pessoas. Valem-se dos livros e da Internet para estudar, pois sabem que “agora estamos numa aldeia global, as pessoas não querem só a parte teológica, querem ver isso reproduzido nas questões da sua vida”.
E, acima de tudo, estas pessoas sabem que, a Igreja é algo do qual todos se servem, mas à qual poucos servem. Mas, apesar de servi-la ser o mais difícil, “quando seguimos este caminho, isto muda-nos” – dizem.
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No entanto, a ação de leigos como estes não se circunscreve às celebrações dominicais sem sacerdote. A falta de padres abriu para a consciencialização do papel dos leigos na Igreja sem se assimilar à clerezia. E, mesmo com a presença de padres, muitos homens e mulheres ajudam na distribuição da comunhão na missa, levam a comunhão aos doentes, ministram a comunhão fora da missa em alguns dias da semana, fazem admonições à missa, às leituras à apresentação dos dons e à motivação para a comunhão, conduzem a oração comunitária enquanto o sacerdote faz outras coisas, como, por exemplo, atender de confissão, dão aulas de educação moral e religiosa católica nas escolas, integram grupos de acólitos, servem como leitores, dão catequese a crianças, adolescentes, jovens e adultos, fazem aconselhamento espiritual e organizam eventos religiosos.  
Enfim, um sem número de atividades que escapam ao ouvido, ao olhar e à pena ou voz do jornalista!

2018.01.14 – Louro de Carvalho

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