O caso evangélico
Quando Jesus disse a Pôncio Pilatos que veio ao mundo para dar testemunho
da verdade e que todo aquele que é da verdade ouve a sua voz, Pilatos
perguntou: “Que é a verdade?” (cf Jo 19,37-38). Porém, Jesus não respondeu. E dizem os estudiosos que, sendo o próprio
Jesus a verdade, o subtexto é, em latim: “Veritas
est homo qui adest” – a verdade é o homem que está aqui.
Ora, como Pilatos não percebeu o alcance da asserção de Jesus de que o seu
reino não é deste mundo (cf Jo 19,36), pelo que, julgando que era um reino
do faz-de-conta, mandou ou autorizou que os soldados tecessem uma coroa de
espinhos – não de louros ou de ouro –, Lhe dessem uma cadeira a servir de trono
e uma cana a fazer de cetro. Nada mais humilhante!
De facto, Jesus afirmou com todas as letras: “Eu sou o Caminho a Verdade e a Vida” (Jo 14,6), como dissera: “conhecereis a
verdade e ela vos libertará” (Jo 8,32). Já o prólogo do Evangelho de João
afirma de Jesus que “o Verbo era a luz verdadeira” e “nós contemplamos a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio
de graça e verdade” (Jo 1,9.14). É este Jesus que diz que O podem
matar a Ele, “um homem que vos comuniquei
a verdade que recebi de Deus” (Jo 8,40). Aquando da oração sacerdotal em
Quinta-feira Santa, pede ao pai que os (aos discípulos) consagre na verdade, “porque a verdade é a tua Palavra” (Jo 17,17). E, numa das ocasiões em que prometeu o Espírito Santo, chamou-lhe
espírito de verdade que os guiará para “a
verdade completa” (cf Jo 17,13).
Já Platão e outros filósofos juntavam em Deus a trilogia do belo, bom e
verdadeiro como absolutos. E agora Cristo, Palavra do Pai – belo, bom e
verdadeiro em sumo grau – junta em si para a libertação do homem a trilogia do “Caminho,
Verdade e Vida”, verdade que recebe do Pai e para a qual o Espírito da Verdade
nos guiará.
A Verdade, sendo tributo absoluto de Deus e do Seu Cristo, a Palavra do
Pai, não deixa de ter conteúdos. Mas estes não podem distrair-nos do essencial:
a Pessoa de Cristo.
Há quase dois mil anos, Cristo, a Verdade, foi levado a julgamento e
condenado por quem se dedicava à mentira. Enfrentou seis julgamentos em menos
de um dia, 3 dos quais eram religiosos, e 3 que eram legais. Poucas pessoas
envolvidas no evento podiam responder à pergunta: “Que é a verdade?”. Depois de preso, foi levado a Anás, corrupto
ex-sumo sacerdote dos judeus. Anás quebrou inúmeras leis judaicas no
julgamento, incluindo a sua realização em sua casa, tentou induzir autoacusações
contra o arguido e bater-lhe, quando não havia sido condenado por nada até
então. A seguir, a Verdade foi levada ao sumo sacerdote, Caifás, genro de Anás.
Ante Caifás e Sinédrio judaico, muitas testemunhas se prontificaram a
testemunhar contra a Verdade, mas nada podia ser provado e nenhuma evidência de
má conduta podia ser encontrada. Caifás quebrou pelo menos sete leis enquanto
tentava condenar a Verdade: o julgamento foi realizado em segredo; foi
realizado à noite; envolveu suborno; o arguido não teve ninguém a fazer a
defesa a seu favor; a exigência de 2-3 testemunhas não pôde ser cumprida;
usaram testemunho autoincriminatório contra o arguido; e Caifás condenou o
arguido à pena de morte no mesmo dia. Todas essas ações eram proibidas pela lei
judaica. Além disso, Caifás declarou a Verdade culpada porque Ela afirmou ser
Deus na carne (vd Jo 1,14), o que era tido por blasfémia.
Ao amanhecer, o julgamento da Verdade ocorreu no Sinédrio judaico que
declarou que a Verdade devia morrer. No entanto, o conselho judaico não tinha o
poder legal de executar a pena de morte, por isso levaram a Verdade ao
governador romano, Pôncio Pilatos, que fora nomeado por Tibério como o 5.º
prefeito da Judeia e serviu nessa qualidade entre 26-36 dC. O procurador tinha
poder de vida e morte e podia reverter sentenças capitais aprovadas pelo Sinédrio.
Enquanto a Verdade estava ante Pilatos, mais mentiras foram proferidas. Os
inimigos disseram: “Encontramos este
homem a sublevar o povo, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o
Cristo, o Rei” (Lc 23,2). Era mentira porque a Verdade disse que todos
deviam os impostos (cf Mt 22,21) e nunca falou de Si como um desafio
para César. Depois, houve esclarecedor diálogo entre a Verdade e Pilatos:
“Tornou
Pilatos a entrar no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘És tu o rei dos
judeus?’. Respondeu Jesus: ‘Vem de ti esta pergunta ou disseram-to outros a meu
respeito?’. Replicou Pilatos: ‘Porventura, sou judeu? A tua gente e os
principais sacerdotes é que te entregaram a mim. Que fizeste?’. Respondeu
Jesus: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os
meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse entregue aos judeus;
mas agora o meu reino não é daqui’. Então, lhe disse Pilatos: ‘Logo, tu és rei?’.
Respondeu Jesus: ‘Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao
mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a
minha voz.’. Perguntou-lhe Pilatos: ‘Que é a verdade?’. Dito isto, voltou aos
judeus e disse: ‘Eu não acho nele crime algum’.” (Jo 18,33-38).
***
“Que é a verdade?”
A pergunta de Pilatos “Que é a
verdade?” tem sido repercutida ao longo da história. Foi um desejo
melancólico de saber o que mais ninguém lhe podia dizer, insulto cínico ou
talvez resposta irritada e indiferente às palavras de Jesus. No mundo pós-moderno
que nega que a verdade possa ser conhecida, a questão é mais importante do que
nunca e postula uma resposta.
Ao definir a verdade, é útil primeiramente observar o que ela não é.
Não é simplesmente coisa que funcione (esta é a filosofia
do pragmatismo – abordagem semelhante à de que o fim justifica os meios), pois, na realidade, a mentira pode
até dar certo, mas contraria a verdade. Não é simplesmente o que é coerente ou
compreensível, visto que um grupo de pessoas pode reunir-se e conspirar com
base num conjunto de falsidades, onde todos concordam em contar a mesma
história falsa, mas isso não torna verdade a sua apresentação. Não é o que faz
as pessoas se sentirem bem, pois as más notícias podem ser verdadeiras. Não é o
que a maioria diz ser verdade, pois 51% dum grupo pode chegar a conclusão
errada. Não é o que é abrangente, já que uma longa e detalhada apresentação
ainda pode resultar em falsa conclusão.
A verdade não é definida pela intenção, uma vez que boas intenções podem estar
erradas; não é como nós sabemos, mas o que sabemos; não é simplesmente o que se
acredita, pois uma mentira acreditada é uma mentira; não é o que se provou
publicamente, já que uma verdade pode ser conhecida em particular (por exemplo, a localização do tesouro enterrado). É incompatível com o erro, a
ignorância, a distração, a confusão, a falácia e o “lapsus linguae” ou o “lapsus
calami”.
A palavra grega para “verdade” é “Alêtheia”, que significa “des-esconder”
ou “nada esconder”. Transmite a ideia de que a verdade está sempre disponível,
aberta e acessível para todos a poderem ver, sem nada ficar escondido ou obscuro.
A palavra hebraica para “verdade” é “emeth”, que se relaciona com “emunah” e significa firmeza, constância e
duração, o que implica uma substância eterna e algo em que se pode contar.
Do ponto de vista filosófico, há três modos de definir a verdade: o que
corresponde à realidade; a o que corresponde ao seu objeto; o simples facto
dizer como realmente é.
A verdade corresponde à realidade ou “o que é”, pelo que é de natureza
correspondente, ou seja, corresponde ao seu objeto e é conhecida pelo seu
referente. Por exemplo, o professor diante da turma pode dizer: “A única saída
desta sala é à direita”. Para a turma que está de frente para o professor, a
porta de saída pode ser à sua esquerda, mas é verdade que, para o professor, é
à direita.
A verdade coincide com o seu objeto. Pode ser verdade que uma pessoa pode
necessitar de tantos miligramas dum determinado medicamento, mas outra pessoa
pode necessitar de mais ou de menos para produzir o efeito desejado. Isso não é
verdade relativa, mas apenas um exemplo de como a verdade deve coincidir com o
seu objeto. Seria errado que um paciente pedisse ao médico que lhe desse uma
quantidade inadequada dum medicamento ou dissesse que qualquer remédio serviria
para a doença em questão.
E a verdade é simplesmente dizer como é; é a maneira como as coisas
realmente são, e qualquer outro ponto de vista é errado. Um princípio
fundamental da filosofia é ser capaz de discernir entre verdade e erro, ou como
Tomás de Aquino observou: “É tarefa do
filósofo fazer distinções”.
***
As palavras de Tomás de Aquino não são muito populares hoje. Fazer distinções
está fora de moda numa era pós-moderna do relativismo. Isto é especialmente
observável em questões de fé e religião, onde cada sistema de crenças é para
ter a mesma quantidade de igualdade quando se trata da verdade. Há, pois, filosofias
e cosmovisões que desafiam o conceito de verdade, mas, quando cada uma é examinada
criticamente, acaba por ter natureza autodestrutiva.
A filosofia do relativismo diz que toda verdade é relativa e que não existe
tal coisa como verdade absoluta. Entretanto, há que perguntar se isso constitui
a alegação de que “toda a verdade é relativa”, ou que há uma verdade relativa e
uma verdade absoluta. Se for verdade relativa, não tem sentido, pois não
sabemos quando e onde se aplica; se for verdade absoluta, então há verdade
absoluta. Além disso, o relativista trai a sua posição ao afirmar que a posição
do absolutista é errada, porque podem estar corretos também os que dizem que a
verdade absoluta existe. Em essência, quando o relativista diz que “não há
nenhuma verdade”, pede que não se acredite nele, e a melhor coisa a fazer é
seguir o seu conselho. Os seguidores do ceticismo duvidam de toda a verdade.
Assim, o cético é cético do ceticismo, já que duvida da sua própria afirmação
sobre a verdade. Mas, se o cético não põe em dúvida o ceticismo, temos a certeza
de pelo menos uma coisa: a verdade absoluta existe, o ceticismo, que
ironicamente se torna verdade absoluta. O agnóstico diz que não se pode
conhecer a verdade. No entanto, a mentalidade é autodestrutiva porque afirma
conhecer pelo menos uma verdade: que a verdade não pode ser conhecida. Os pós-modernistas
simplesmente não afirmam nenhuma verdade em particular. Frederick Nietzsche
descreveu a verdade assim:
“Que é
então a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos
... verdades são ilusões ... moedas que perderam as suas fotos e agora importam
apenas como metal, não mais como moedas.”.
Ironicamente, embora tenha moedas que são agora mero metal, o
pós-modernista afirma pelo menos uma verdade absoluta: a verdade de que nenhuma
verdade deve ser afirmada. Como as outras cosmovisões, o pós-modernismo é
autodestrutivo e não resiste à sua própria afirmação.
Uma popular cosmovisão é o pluralismo, para o qual todas as asserções sobre
a verdade são igualmente válidas. Ora, não podem ser verdadeiras
simultaneamente asserções contraditórias, uma que diz que está a chover em
Lisboa neste momento e outra que diz que não. O pluralismo brita-se aos pés da
lei da não contradição, que diz que algo não pode ser tanto “A” como “não A”
simultaneamente e no mesmo sentido. E a lei da não contradição é uma evidência
inegável. Além disso, é de anotar que o pluralismo afirma ser verdadeiro e que
nada contra ele é falso – sendo essa uma afirmação que nega o seu próprio
princípio fundacional. Por trás do pluralismo está a atitude de tolerância. No
entanto, o pluralismo propaga a ideia de que todos têm o mesmo valor com todas
as suas reivindicações sobre a verdade, sendo igualmente válidas. Ora, todas as
pessoas podem ser iguais, mas nem todas as reivindicações sobre a verdade o
são. O pluralismo não distingue opinião e verdade – distinção que Mortimer
Adler enuncia:
“O
pluralismo é desejável e tolerável naquelas áreas que são questões de gosto e
não em questões sobre a verdade”.
Quando o conceito da verdade é criticado, é-o por uma ou mais das seguintes
razões: queixa contra quem, alegando ter a verdade absoluta em matéria de fé e
religião, tem postura intolerante, crítica que não entende que, por natureza, a
verdade é intolerante, pelo que tem de ser intolerante o professor de
matemática por manter a crença de que 2 + 2 só pode ser 4; e a objeção de que é
arrogante afirmar que alguém está certo e outem está errado, tendo de ser, por
absurdo, arrogante o professor de matemática que insiste em apenas na resposta
certa para um problema de aritmética, tal como o serralheiro quando diz que só
uma chave abrirá a porta trancada. Um outro “mas” contra os defensores da
verdade absoluta em fé e religião é que tal posição exclui as pessoas em vez de
as incluir. Porém, tal “mas” não percebe que a verdade, por natureza, exclui o
seu oposto. Há ainda um protesto contra a verdade, pois é divisivo e ofensivo
alguém reivindicar ter a verdade. E o crítico afirma que tudo o que importa é a
sinceridade. Todavia, a verdade é imune à sinceridade, crença e desejo. Não
importa quanto se acredita sinceramente que uma chave errada abrirá uma porta.
Assim, a verdade não é afetada pela sinceridade. Por fim, objeta-se que a
verdade é impermeável à vontade. Uma pessoa pode desejar que o seu carro não
esteja sem combustível, mas se o medidor indica o tanque como vazio e o carro
não funciona, então não há desejo que lhe valha. Alguns admitem a existência da
verdade absoluta, mas, a seguir, afirmam que tal postura só é válida na ciência,
não em questões de fé e religião. É o positivismo lógico, popularizado por
filósofos como David Hume e AJ Ayer, afirmando que as alegações sobre a verdade
devem ser tautologias (v.g: todos os solteiros não são
casados) ou empiricamente
verificáveis (isto é, testáveis via ciência). Para eles, a conversa sobre Deus é absurda.
Os que defendem que só a ciência pode fazer reivindicações sobre a verdade não
reconhecem que há muitos campos onde a ciência é impotente. Por exemplo, a
ciência: não pode provar as disciplinas de matemática e lógica porque as
pressupõe, nomeadamente os axiomas; não pode provar verdades metafísicas como a
de que há mentes além da minha; é incapaz de fornecer a verdade nas áreas de
moral e ética; pode ser usada, por exemplo, para provar que os nazistas eram
maus; e é incapaz de afirmar verdades sobre as posições estéticas como a beleza
do nascer do sol. E, se alguém declarar que “a ciência é a única fonte de
verdade objetiva”, faz uma reivindicação filosófica que não pode ser testada
pela ciência.
Há quem diga que a verdade absoluta não se aplica à moralidade. Porém a
resposta negativa à questão se “é moral torturar e matar uma criança inocente”
é absoluta e universal. Mais quem defende a verdade relativa sobre a moral sempre
quer que o seu cônjuge seja absolutamente fiel.
É muito importante entender e adotar a verdade absoluta em todas as áreas
da vida (incluindo a fé e religião), porque há consequências no caso de se estar errado. Dar a alguém a
quantidade errada de medicamento pode matá-lo; tomar um gestor de investimentos
as decisões monetárias erradas pode empobrecer uma família ou a empresa;
embarcar no avião errado levará o passageiro aonde não quer ir; e lidar com
cônjuge infiel pode resultar na destruição da família e até em doença.
Como o apologista cristão Ravi Zacharias explica: o facto é que a verdade
importa, sobretudo quando eu sou o recetor de uma mentira. E em nenhum lugar
isso é mais importante que na área da fé e da religião. A eternidade é muito
longa para se estar errado.
Para Platão e Aristóteles a verdade é
a “exata
correspondência” dum enunciado com
a realidade da
coisa proferida. Aristóteles diz que, na busca da verdade percorremos 4 degraus
fundamentais: ignorância, estado de
completa “ausência de conhecimento” do sujeito em relação ao objeto (pois ignorar é desconhecer); dúvida,
quando um conhecimento é tido como possível (porém, as razões para afirmar ou
negar algo estão em equilíbrio); opinião, quando o sujeito julga
ter conhecimento provável do objeto, afirmando conhecer, mas com temor de se
enganar; e certeza, quando o sujeito tem plena firmeza do seu
conhecimento em relação ao objeto (o conhecimento surge como
algo evidente).
O conceito de verdade como
correspondência ficou
celebrizado pela asserção de Tomás de Aquino segundo o qual, “a verdade é a
adequação do pensamento à coisa real” (adaequatio rerum et intellectus). Mas, embora considerada correta por
várias correntes filosóficas, tal definição traz um grave inconveniente quanto
à precisão por se basear na adequação entre o “pensamento e a realidade”. Mas que é a realidade
e qual a nossa perceção da mesma? Para aferirmos das nossas limitações,
refira-se que a nossa visão é sensível a uma pequena faixa do amplo espectro de
radiações eletromagnéticas, o espectro visível (~390 a 700 nm), ao passo que alguns insetos como as abelhas percebem o ultravioleta e algumas
cobras percebem radiação na região do
infravermelho. Ou seja, se os nossos olhos fossem sensíveis a radiações com “frequências”
maiores que o ultravioleta e menores que o infravermelho, a nossa “realidade visual” seria bem diferente.
Por sua vez, o ouvido humano capta
apenas as frequências na “região audível”, ou seja, em média, frequências em torno de 20 a 20.000 Hz.
Abaixo da frequência mínima, temos o infrassom; e acima da frequência máxima,
temos o ultrassom. Ambos são inaudíveis para o ouvido humano. No entanto,
alguns animais como os morcegos e os golfinhos captam frequências na região do
ultrassom; e os tigres e elefantes são sensíveis ao infrassom. Por isso, se a
nossa audição fosse capaz de perceber ultrassons e infrassons a nossa “realidade sonora” seria bem diferente.
E o sentido do olfato é bem pouco
desenvolvido nos humanos se comparado ao de outros animais.
Portanto, podemos concluir,
considerando 3 dos nossos 5 sentidos, que o nosso nível de “perceção da realidade
física” é
muito limitado. Isso sem considerarmos a hipótese de que existam nos seres
humanos outros sentidos que ainda estão em estágios “embrionários” de desenvolvimento.
O contraste entre a verdade como justiça e a mentira como injustiça
Nos preditos julgamentos de Jesus, é inconfundível o contraste entre a
verdade (justiça) e mentiras (injustiça). Lá estava Jesus, a Verdade, a ser
julgado por aqueles cujas ações eram banhadas em mentira. Os líderes judeus
quebraram as leis destinadas a proteger o arguido de condenação injusta. Trabalharam
com afã para topar qualquer testemunho que incriminasse Jesus e, na sua
frustração, ativeram-se a provas falsas aduzidas por mentirosos. Porém, nem isso
pôde ajudá-los a atingir o objetivo. Quebraram uma outra lei e obrigaram Jesus
a implicar-Se a Si mesmo.
Ante Pilatos, os líderes judeus mentiram de novo. Com efeito, tinham condenado
Jesus por blasfémia, mas, como sabiam que isso não era suficiente para
persuadir Pilatos a matá-Lo, afirmaram que Ele era um desafio a César e
quebrava a lei romana ao incentivar o povo a não pagar impostos. Pilatos
detetou a sua deceção superficial e nem sequer abordou a acusação.
Jesus, o Justo, estava a ser julgado pelo injusto. O facto é que este último
sempre persegue o primeiro. Foi por isso que Caim matou Abel. As conexões
verdade-justiça e falsidade-injustiça são demonstradas por uma série de
exemplos no Novo Testamento: “Deus
envia-lhes uma força enganadora para que acreditem no que é falso, para que
sejam julgados todos os que não deram crédito à verdade, mas se deleitaram na
injustiça” (2T 2,11-12). “A ira
de Deus revela-se do céu contra toda a impiedade e perversão dos homens que
detêm a verdade pela injustiça” (Rm 1,18). “Retribuirá a cada um segundo as suas obras, isto é, a vida eterna aos
que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade,
mas ira e indignação aos que, por rebeldia, são indóceis à verdade e dóceis à
injustiça” (Rm 2,6-8). “Nada faz de inconveniente, não
procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se
alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade” (1Cor 13,5-6).
***
Concluindo
A pergunta que Pilatos fez a Jesus precisa de ser reformulada a fim de ser
completamente precisa. A sua observação “Que
é a verdade?” ignora o facto de muitas coisas poderem ter a verdade, mas só
uma coisa poder ser a Verdade. A verdade deve originar-se de algum lugar. A
realidade é que Pilatos estava a olhar para a fonte da Verdade naquela manhã.
Não muito tempo antes de ser preso e levado ao governador, Jesus declarara que
é “a verdade” (cf Jo 14,6) – o que parecia incrível. Como pode
um homem ser a verdade? Não o podia ser, a menos que fosse mais que homem, que
é o que afirmou ser. E a afirmação de Jesus foi validada quando ressuscitou dos
mortos (cf Rm 1,4).
Um homem que vivia em Paris recebeu a visita dum estranho do interior.
Querendo mostrar-lhe a magnificência de Paris, levou-o ao Louvre a ver a grande
arte e, depois, a um concerto num majestoso teatro para ouvir uma grande
orquestra sinfónica. No fim do dia, o visitante confessou não ter gostado da arte
ou da música. O anfitrião respondeu que “eles não estão em julgamento, ao passo
que tu estás”. Pilatos e os líderes judeus achavam que estavam a julgar Cristo,
quando eram eles que estavam a ser julgados. Além disso, O que foi condenado
servirá como seu Juiz, como o será de todos os que detêm a verdade em
injustiça.
Pilatos nunca chegou ao conhecimento da verdade. Eusébio, historiador e
bispo de Cesareia, sustenta que Pilatos se suicidara durante o reinado do
imperador Calígula, um final triste e um lembrete para todos de que ignorar a
verdade pode levar a consequências indesejáveis.
De facto, a verdade passa pelos conteúdos de verdade, mas assenta na pessoa
que é a Verdade.
2022.04.29 – Louro de
Carvalho