terça-feira, 19 de abril de 2022

Contra as previsões 3.º período escolar iniciou-se de máscara

 

 

O 3.º período escolar começou esta semana, após umas férias da Páscoa mais reduzidas do que o habitual, pelo facto de no início do ano o regresso às aulas ter sido adiado uma semana devido aos valores da pandemia então, mantendo-se ainda a obrigatoriedade do uso de máscara, para desagrado de pais, professores e diretores escolares, que as devem usar, seja nas creches, seja, nos estabelecimentos de educação pré-escolar, seja nas escolas básicas e secundárias.

Os médicos são mais cautelosos, tendo em conta os ajuntamentos desta época festiva.

As normas de prevenção foram renovadas a 15 de março, mantendo-se a obrigatoriedade de máscara nos espaços interiores, com exceção de bares e discotecas. E o último Conselho de Ministros prorrogou a “situação de alerta” até ao dia 22, o que significa que os alunos regressam à escola de máscara.

O presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), recordando que no início do 2.º período esperava que no 3.º já não se usasse a máscara, ficou desiludido quando viu que isso não acontecia, aduzindo que as máscaras “são um fator perturbador das escolas, não só na aprendizagem – dependendo da faixa etária –, mas também a nível mental e social”, pois “estamos a usar máscara há muito tempo”, o que “não devia ser de uso obrigatório”.

Uma das justificações que encontra para o facto de a norma se manter é que “se diabolizou o espaço escolar”, o que sente injusto. Com efeito, “as crianças foram vacinadas e as escolas deram prova de grande maturidade e segurança na forma como reagiram à pandemia”. Porém, a informação deficiente ou confusa gerou “um grande alarmismo na sociedade”.

Também Paula Carqueja, presidente da ANP (Associação Nacional dos Professores), considera a informação como um dos pontos críticos e defende que a máscara deixe de ser obrigatória, mas precisa de mais explicações e explicita: 

Em termos de socialização das nossas crianças e da colocação da voz dos professores, devíamos deixar de usar a máscara e arejar as instalações. Mas, tendo em conta o número de casos, consideramos que a Diretora-Geral da Saúde deveria vir a público dar uma mensagem esclarecedora do porquê de as escolas se manterem com máscara. Daria mais confiança aos professores e aos pais e, provavelmente, haveria menos desconforto da nossa parte, porque tínhamos maior conhecimento da realidade.”.

Lamenta que nos dois últimos anos “a socialização e sorrisos deixassem de existir nas escolas”, com implicações negativas na aprendizagem, sobretudo nos primeiros anos de vida e nas línguas estrangeiras. Para os alunos, o uso da máscara só é obrigatório a partir dos 10 anos, mas os professores, funcionários e restantes adultos devem usá-la desde a creche. Assim, “os educadores de infância dizem que se tem perdido muita qualidade em termos de comunicação e de utilização correta das palavras, sobretudo das consoantes”. Para minimizar a situação, a ANP tem feito formação de como colocar a voz através da máscara.

Por seu turno, a ANDE (Associação Nacional de Diretores Escolares) sustenta que já não se deveria utilizar a máscara, mas a decisão tem de ser tomada por quem decide. Há muito tempo que o defende, pois a máscara é extremamente limitativa no processo de aprendizagem e de comunicação, sobretudo nas crianças mais pequenas. Mas a ANDE continua a acreditar nas autoridades de saúde e, se elas não alteraram a decisão, é preciso cumprir.

Gustavo Tato Borges, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, concorda com a DGS, argumentando com a “elevadíssima transmissibilidade do vírus na comunidade portuguesa”, isto é, 577 novos casos por 100 mil habitantes, mais de seis vezes acima do limiar considerado elevado e 28,8 óbitos por milhão de habitantes. Significa que a elevada transmissibilidade tem consequências pesadas em termos de mortalidade, não tão elevada como na anterior vaga, mas ainda assim pesada. De facto, a vacina, que protege de doença grave e de morte, não tem tanto impacto ao nível da transmissibilidade, pelo que “precisamos de medidas complementares”.

O especialista percebe o argumento de quem contrapõe que a máscara não é usada nos bares e discotecas, mas sublinha que essa é que é a decisão errada, explicando:

Não faz sentido que seja permitido não usar máscara, mas não devemos colocar a bitola por baixo. Devemos defender que também se use a máscara nesses espaços, para não falar da circunstância que não é obrigatório ir às discotecas, mas é obrigatório ir às escolas. As crianças não têm outra opção.”.

Patrícia Pacheco, diretora do Serviço de Infeciologia do Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, percebe que a DGS tenha adiado a decisão do fim do uso das máscaras pelo facto de a Páscoa ser uma altura de confraternização, mas pensa que, ao longo do 3.º período, é linear que as escolas serão libertadas do uso de máscara, pois o número de casos não tem nada a ver com o que já tivemos em termos de gravidade. Por isso, como diz, “mais tarde ou mais cedo vamos seguir outros países e deixar de usar máscara, à exceção de situações concretas, como as unidades de saúde”.

***

Em meados de fevereiro, dizia-se que os números apontavam para uma tendência de estabilização da covid-19. O pico da vaga gerada pela variante Ómicron já teria passado e todas as regiões estavam a reduzir a incidência, embora a velocidades diferentes. E a boa notícia era que, em fins de fevereiro, princípio de março, estabilizar-se-ia o número de casos diários nos 10 mil a 14 mil.

Segundo o professor Carlos Antunes, que integra a equipa da modelação da evolução da covid-19 desde o início da pandemia, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, essa fora a tendência observada na Madeira e em outros países, como Reino Unido e Dinamarca, e que se esperava a nível nacional. E explicava:

Neste momento, a redução que se verifica é de metade dos casos ao fim de 14 dias. E olhando para o máximo de casos que atingimos em termos médios nesta onda, que foi de 56 mil no dia 26 de janeiro, embora tivéssemos registado individualmente três dias acima dos 60 mil casos, vemos que nas últimas duas semanas conseguimos baixar para metade, mantendo uma média de 28 mil casos, e tudo aponta para que daqui a duas semanas a redução de casos passe para um quarto, cerca de 10 a 14 mil, e que possa estabilizar aqui.”.

Na sua opinião, esta fase de estabilização devia ser aproveitada para simplificar as restrições, até para aliviar os serviços de saúde nas áreas de saúde pública e cuidados primários, que são os que têm maior pressão com a covid-19, e aliviar a pressão psicológica na população, bem como o absentismo. Contudo, salvaguardava a necessidade de manter a monitorização e a vigilância, “para sabermos se a simplificação das medidas está a ter um impacto negativo ou neutro na comunidade”.

A pneumologista do Centro Hospitalar de Vila Nova Gaia, Raquel Duarte, que lidera a equipa que tem feito as propostas de desconfinamento para o governo, dizia ser aquele o momento ideal para se planear o futuro e que a mudança poderia começar pelo alívio da testagem massiva. Todavia, Carlos Antunes, embora concordasse em pleno com a médica, sustentava que “o aumento ou o alívio de medidas deve ser ajustado à gravidade da doença”. E dava como exemplo a região autónoma da Madeira, que “adotou 5 dias para isolamento de infetados, quando o continente optou pelos 7, não tendo sido verificado qualquer impacto negativo da medida”.

Assim, Carlos Antunes considerava que, a partir da primavera, se devia restringir o isolamento exclusivamente a infetados, libertando deste período os contactos de risco – até mais que os doentes assintomáticos, porque “estes têm menos probabilidade de infetar do que os doentes ativos”. De facto, tendo-se falado em abdicar do isolamento das pessoas assintomáticas, Antunes era apologista da abdicação do isolamento para os contactos de risco. Tendo já Portugal simplificado o isolamento para quem tem a 3.ª dose da vacina, nomeadamente para a população em lares e profissionais de saúde, achava o especialista que a medida podia ser generalizada a toda a população, mantendo os 7 dias de isolamento apenas para os infetados, sobretudo para os sintomáticos. Em sua opinião, esta medida poderia aliviar drasticamente e de forma muito positiva os profissionais de saúde, que teriam menos pessoas para seguir, e a população, ao reduzir o seu absentismo.

O alívio no uso de máscara era outra das medidas que Carlos Antunes considerava poder avançar:

Não há necessidade de se continuar a manter máscara obrigatória na rua, mesmo em situações de grandes ajuntamentos. Quanto ao uso de máscara em espaços fechados, penso que este deve manter-se obrigatório nesta fase e até à primavera. A partir daqui, recomendaria apenas o seu uso para as pessoas mais vulneráveis (…) Deve manter-se obrigatório em lares e em hospitais.”.

O especialista defendia que, do ponto de vista dos números, havia espaço para estas medidas. Aliás, a partir do momento em que o país estabilizar o número de casos, “a covid-19 tem de ser uma preocupação só dos especialistas que a avaliam e a tratam, e não da população”. Por isso, a sua última proposta era a de que se acabasse “com a divulgação diária do número de casos”. Tal informação devia ser diária para os serviços de saúde e só ser divulgada publicamente a um ritmo semanal ou quando fosse estritamente necessário, por exemplo, quando os casos começassem a aumentar ou quando se detetasse uma nova variante. A justificação era a de que “a divulgação diária do número de casos causa pressão negativa na população, a nível psicológico”.

Todavia, como reforçava, a simplificação nas medidas não significava que a doença não fosse monitorizada, até porque é normal assistir-se ao ressurgimento de novos casos e de surtos. Com efeito, quando se aliviam as medidas de restrição, aumenta-se a exposição ao vírus e a capacidade de reduzir o número de casos começa a estagnar.

De acordo com o índice de confinamento elaborado semanalmente pelo INSA (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), Portugal estava com um confinamento da ordem dos 20% – tendo em conta que mais de um milhão de pessoas ainda estavam isolamento, o que representava cerca de 10% da população, e que outros 10% respeitam à população em lares, hospitalizada, em teletrabalho e aos estudantes universitários, em época de exames. Como Portugal era o 3.º país da Europa com menos confinamento, o professor não acreditava que um ressurgimento de casos pudesse ter uma dimensão não controlável e anotava que a tendência era de descida acelerada no número de casos em todas as regiões do país.

***

Agora, com um facilitismo generalizado, pulularam os casos e o país, mesmo em número de óbitos, não se encontra perto do definido como aceitável. Por isso, a cautela nas escolas e outros lugares de risco, apesar dos incómodos e inconvenientes psicológicos, pedagógicos e sociais, inscreve-se na lógica do aforismo “cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.

Não sei se é razoável a postura do CNS (Conselho Nacional de Saúde), órgão consultivo do Governo, de contestação à manutenção do uso de máscara nas escolas, considerando que a infeção da covid-19 na comunidade educativa “não tem uma dimensão objetiva que o justifique”. Parece, antes, um afrontamento à Diretora-Geral da Saúde que veio a terreiro defender a continuidade do uso da máscara nas escolas, onde há “uma grande população” suscetível de se infetar e infetar os outros, em particular familiares, mantendo a recomendação da utilização para menores a partir de 10 anos.

Ao invés, o CNS agora “vê com apreensão a insistência” no uso de máscara nas escolas e creches, considerando que “esta medida de proteção individual”, de “aplicação proporcional”, se deve restringir a “outros contextos mais específicos”, como serviços de saúde ou lares, “não à comunidade escolar, onde a infeção não tem uma dimensão objetiva que o justifique”.

É pena que, apesar da liberdade de opinião e expressão, totalmente legítima, duas instâncias de apoio ao Governo – uma de aconselhamento, outra de execução – não falem a uma só voz para a população. Face a uma pandemia, a orientação deveria ser uma só, embora equilibrada.

2022.04.19 – Louro de Carvalho

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