O 3.º período escolar começou esta semana, após umas férias da Páscoa mais
reduzidas do que o habitual, pelo facto de no início do ano o regresso às aulas
ter sido adiado uma semana devido aos valores da pandemia então, mantendo-se ainda
a obrigatoriedade do uso de máscara, para desagrado de pais, professores e
diretores escolares, que as devem usar, seja nas creches, seja, nos estabelecimentos
de educação pré-escolar, seja nas escolas básicas e secundárias.
Os médicos são mais cautelosos, tendo em conta os ajuntamentos desta época
festiva.
As normas de prevenção foram renovadas a 15 de março, mantendo-se a
obrigatoriedade de máscara nos espaços interiores, com exceção de bares e
discotecas. E o último Conselho de
Ministros prorrogou a “situação de alerta” até ao dia 22, o que significa que
os alunos regressam à escola de máscara.
O presidente da CONFAP (Confederação Nacional das
Associações de Pais), recordando que no início do 2.º período esperava que no 3.º já não se
usasse a máscara, ficou desiludido quando viu que isso não acontecia, aduzindo
que as máscaras “são um fator
perturbador das escolas, não só na aprendizagem – dependendo da faixa etária –,
mas também a nível mental e social”, pois “estamos a usar máscara há muito
tempo”, o que “não devia ser de uso obrigatório”.
Uma das justificações que encontra para o facto de a norma se manter é que “se
diabolizou o espaço escolar”, o que sente injusto. Com efeito, “as crianças
foram vacinadas e as escolas deram prova de grande maturidade e segurança na
forma como reagiram à pandemia”. Porém, a informação deficiente ou confusa
gerou “um grande alarmismo na sociedade”.
Também Paula Carqueja, presidente da ANP (Associação
Nacional dos Professores), considera a informação como um dos pontos críticos e defende que a
máscara deixe de ser obrigatória, mas precisa de mais explicações e explicita:
“Em termos de socialização das nossas crianças
e da colocação da voz dos professores, devíamos deixar de usar a máscara e
arejar as instalações. Mas, tendo em conta o número de casos, consideramos que
a Diretora-Geral da Saúde deveria vir a público dar uma mensagem esclarecedora
do porquê de as escolas se manterem com máscara. Daria mais confiança aos
professores e aos pais e, provavelmente, haveria menos desconforto da nossa
parte, porque tínhamos maior conhecimento da realidade.”.
Lamenta que nos dois últimos anos “a socialização e sorrisos deixassem de
existir nas escolas”, com implicações negativas na aprendizagem, sobretudo nos
primeiros anos de vida e nas línguas estrangeiras. Para os alunos, o uso da
máscara só é obrigatório a partir dos 10 anos, mas os professores, funcionários
e restantes adultos devem usá-la desde a creche. Assim, “os educadores de
infância dizem que se tem perdido muita qualidade em termos de comunicação e de
utilização correta das palavras, sobretudo das consoantes”. Para minimizar a situação, a ANP
tem feito formação de como colocar a voz através da máscara.
Por seu turno, a ANDE (Associação Nacional de
Diretores Escolares) sustenta que já não se deveria utilizar a máscara, mas a decisão tem de ser
tomada por quem decide. Há muito tempo que o defende, pois a máscara é
extremamente limitativa no processo de aprendizagem e de comunicação, sobretudo
nas crianças mais pequenas. Mas a ANDE continua a acreditar nas autoridades de saúde e, se elas não alteraram a
decisão, é preciso cumprir.
Gustavo Tato Borges, presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública,
concorda com a DGS, argumentando com a “elevadíssima
transmissibilidade do vírus na comunidade portuguesa”, isto é, 577 novos casos
por 100 mil habitantes,
mais de seis vezes acima do limiar considerado elevado e 28,8 óbitos por
milhão de habitantes. Significa que a elevada transmissibilidade tem consequências pesadas
em termos de mortalidade, não tão elevada como na anterior vaga, mas ainda assim
pesada. De facto, a vacina, que protege de doença grave e de morte, não tem
tanto impacto ao nível da transmissibilidade, pelo que “precisamos de medidas
complementares”.
O especialista percebe o argumento de quem contrapõe que a máscara não é
usada nos bares e discotecas, mas sublinha que essa é que é a decisão errada,
explicando:
“Não faz sentido que seja permitido
não usar máscara, mas não devemos colocar a bitola por baixo. Devemos defender
que também se use a máscara nesses espaços, para não falar da circunstância que
não é obrigatório ir às discotecas, mas é obrigatório ir às escolas. As
crianças não têm outra opção.”.
Patrícia Pacheco, diretora do Serviço de Infeciologia do Hospital Fernando
Fonseca, na Amadora, percebe que a DGS tenha adiado a decisão do fim do uso das
máscaras pelo facto de a Páscoa ser uma altura de confraternização, mas pensa
que, ao longo do 3.º período, é linear
que as escolas serão libertadas do uso de máscara, pois o número de casos não
tem nada a ver com o que já tivemos em termos de gravidade. Por isso, como
diz, “mais tarde ou mais cedo vamos seguir outros países e deixar de
usar máscara, à exceção de situações concretas, como as unidades de saúde”.
***
Em meados de
fevereiro, dizia-se que os números apontavam
para uma tendência de estabilização da covid-19. O pico da vaga gerada pela
variante Ómicron já teria passado e todas as regiões estavam a reduzir a
incidência, embora a velocidades diferentes. E a boa notícia era que, em fins
de fevereiro, princípio de março, estabilizar-se-ia o número de casos diários
nos 10 mil a 14 mil.
Segundo o professor Carlos Antunes, que integra a equipa da modelação da
evolução da covid-19 desde o início da pandemia, na Faculdade de Ciências da
Universidade de Lisboa, essa fora a tendência observada na Madeira e em outros
países, como Reino Unido e Dinamarca, e que se esperava a nível nacional. E explicava:
“Neste momento, a redução que se verifica é de
metade dos casos ao fim de 14 dias. E olhando para o máximo de casos que
atingimos em termos médios nesta onda, que foi de 56 mil no dia 26 de janeiro,
embora tivéssemos registado individualmente três dias acima dos 60 mil casos,
vemos que nas últimas duas semanas conseguimos baixar para metade, mantendo uma
média de 28 mil casos, e tudo aponta para que daqui a duas semanas a redução de
casos passe para um quarto, cerca de 10 a 14 mil, e que possa estabilizar aqui.”.
Na sua opinião, esta fase de estabilização devia ser aproveitada para simplificar
as restrições, até para aliviar os serviços de saúde nas áreas de saúde pública
e cuidados primários, que são os que têm maior pressão com a covid-19, e aliviar
a pressão psicológica na população, bem como o absentismo. Contudo, salvaguardava
a necessidade de manter a monitorização e a vigilância, “para sabermos se a
simplificação das medidas está a ter um impacto negativo ou neutro na comunidade”.
A pneumologista do Centro Hospitalar de Vila Nova Gaia, Raquel Duarte, que
lidera a equipa que tem feito as propostas de desconfinamento para o governo,
dizia ser aquele o momento ideal para se planear o futuro e que a mudança
poderia começar pelo alívio da testagem massiva. Todavia, Carlos Antunes,
embora concordasse em pleno com a médica, sustentava que “o aumento ou o alívio
de medidas deve ser ajustado à gravidade da doença”. E dava como exemplo a região
autónoma da Madeira, que “adotou 5 dias para isolamento de infetados, quando o
continente optou pelos 7, não tendo sido verificado qualquer impacto negativo
da medida”.
Assim, Carlos Antunes considerava que, a partir da primavera, se devia
restringir o isolamento exclusivamente a infetados, libertando deste período os
contactos de risco – até mais que os doentes assintomáticos, porque “estes têm
menos probabilidade de infetar do que os doentes ativos”. De facto, tendo-se falado em abdicar do
isolamento das pessoas assintomáticas, Antunes era apologista da abdicação do
isolamento para os contactos de risco. Tendo já Portugal simplificado o isolamento
para quem tem a 3.ª dose da vacina, nomeadamente para a população em lares e profissionais
de saúde, achava o especialista que a medida podia ser generalizada a toda a
população, mantendo os 7 dias de isolamento apenas para os infetados, sobretudo
para os sintomáticos. Em sua opinião, esta medida poderia aliviar
drasticamente e de forma muito positiva os profissionais de saúde, que teriam
menos pessoas para seguir, e a população, ao reduzir o seu absentismo.
O alívio no uso de máscara era outra das medidas que Carlos Antunes
considerava poder avançar:
“Não há necessidade de se continuar
a manter máscara obrigatória na rua, mesmo em situações de grandes
ajuntamentos. Quanto ao uso de máscara em espaços fechados, penso que este deve
manter-se obrigatório nesta fase e até à primavera. A partir daqui,
recomendaria apenas o seu uso para as pessoas mais vulneráveis (…) Deve manter-se
obrigatório em lares e em hospitais.”.
O especialista defendia que, do ponto de vista
dos números, havia espaço para estas medidas. Aliás, a partir do momento em que
o país estabilizar o número de casos, “a covid-19 tem de ser uma preocupação só
dos especialistas que a avaliam e a tratam, e não da população”. Por isso, a
sua última proposta era a de que se acabasse “com a divulgação diária do número
de casos”. Tal informação devia ser diária para os serviços de saúde e só ser divulgada publicamente
a um ritmo semanal ou quando fosse estritamente necessário, por exemplo, quando
os casos começassem a aumentar ou quando se detetasse uma nova variante. A
justificação era a de que “a divulgação diária do número de casos causa pressão
negativa na população, a nível psicológico”.
Todavia, como reforçava, a simplificação nas medidas não significava que a
doença não fosse monitorizada, até porque é normal assistir-se ao ressurgimento
de novos casos e de surtos. Com efeito, quando se aliviam as medidas de
restrição, aumenta-se a exposição ao vírus e a capacidade de reduzir o número
de casos começa a estagnar.
De acordo com o índice de confinamento elaborado semanalmente pelo INSA (Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge), Portugal estava com um
confinamento da ordem dos 20% – tendo em conta que mais de um milhão de pessoas
ainda estavam isolamento, o que representava cerca de 10% da população, e que
outros 10% respeitam à população em lares, hospitalizada, em teletrabalho e aos
estudantes universitários, em época de exames. Como Portugal era o 3.º país da Europa
com menos confinamento, o professor não acreditava que um ressurgimento de
casos pudesse ter uma dimensão não controlável e anotava que a tendência era de
descida acelerada no número de casos em todas as regiões do país.
***
Agora,
com um facilitismo generalizado, pulularam os casos e o país, mesmo em número
de óbitos, não se encontra perto do definido como aceitável. Por isso, a
cautela nas escolas e outros lugares de risco, apesar dos incómodos e
inconvenientes psicológicos, pedagógicos e sociais, inscreve-se na lógica do
aforismo “cautela e caldos de galinha
nunca fizeram mal a ninguém”.
Não sei se é razoável a postura do CNS (Conselho Nacional de Saúde), órgão
consultivo do Governo, de contestação à manutenção do uso de máscara nas
escolas, considerando que a infeção da covid-19 na comunidade educativa “não
tem uma dimensão objetiva que o justifique”. Parece, antes, um afrontamento à Diretora-Geral da Saúde
que veio a terreiro defender a continuidade do uso da máscara nas escolas, onde
há “uma grande população” suscetível de se infetar e infetar os outros, em
particular familiares, mantendo a recomendação da utilização para menores a
partir de 10 anos.
Ao invés, o CNS agora “vê com apreensão a insistência” no
uso de máscara nas escolas e creches, considerando que “esta medida de proteção
individual”, de “aplicação proporcional”, se deve restringir a “outros
contextos mais específicos”, como serviços de saúde ou lares, “não à comunidade
escolar, onde a infeção não tem uma dimensão objetiva que o justifique”.
É pena que, apesar da liberdade de opinião e expressão,
totalmente legítima, duas instâncias de apoio ao Governo – uma de aconselhamento,
outra de execução – não falem a uma só voz para a população. Face a uma
pandemia, a orientação deveria ser uma só, embora equilibrada.
2022.04.19 – Louro de Carvalho
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