segunda-feira, 18 de abril de 2022

Produção de hidrogénio verde e amónia verde em Sines

 

O consórcio internacional Madoquapower 2x formalizará, a 22 de abril, o anúncio do investimento de 1,3 milhões de euros numa unidade de hidrogénio verde e amónia verde na Zona Industrial e Logística de Sines, gerida pela AICEP Global Parques, o que será o primeiro grande investimento no hidrogénio e amónia verdes em Portugal, uma solução tecnológica que vem facilitar os problemas de transporte do hidrogénio enquanto combustível usado nos transportes.

É um consórcio formado por três empresas: A Madoqua Renewables, companhia especializada em desenvolvimento industrial de descarbonização da economia; a Power 2X, empresa com sede na Holanda que desenvolve projetos de consultoria e gestão na transição climática; e a CPI (Copenhagen Infrastructure Partners), sociedade que gere um fundo de investimento em projetos industriais na transição climática e nas energias renováveis.

A reserva do direito de superfície na zona industrial de Sines foi realizada em março e o projeto, classificado como PIN (Projeto de Interesse Nacional), dará um contributo significativo para cumprir as ambições do Plano Nacional do Hidrogénio Verde e para entregar amónia verde a compradores europeus nas áreas da agricultura e indústria. Segundo informação dos promotores, o hidrogénio poderá ser usado nas redes existentes e a amónia verde será transportada por ‘pipeline’ para o Porto de Sines com destino à exportação.

O projeto não beneficiará de subsidiação pública no âmbito da Estratégia Nacional do Hidrogénio Verde. No plano, aprovado em 2020, está previsto um “mecanismo de apoio, transparente e concorrencial, à produção de hidrogénio verde com o objetivo de apoiar a produção de hidrogénio verde no período 2020-2030 através da atribuição dum apoio que cubra a diferença entre o preço de produção do hidrogénio verde e o do gás natural no mercado nacional, que não terá tradução nas tarifas pagas pelos consumidores”. Porém, o projeto avançará, com ou sem este mecanismo de subsidiação. Parte significativa da amónia verde é para exportação, pelo que não é elegível para este mecanismo, que se destina a apoiar a indústria e transportes nacionais no processo de descarbonização. E os leilões a que o mecanismo se refere têm como destinatário os consumidores finais e não os produtores, sendo, assim, um mecanismo indireto de apoio aos produtores.

O projeto Madoquapower 2X é um dos mais relevantes já projetados para Sines. Recorde-se que, em sede de discussão do Programa de Governo, o Ministro da Economia e do Mar defendeu as virtudes de Sines, sustentando que “Sines pode ser um dos grandes polos de desenvolvimento do país para o futuro, podemos ter em Sines não uma, mas duas ‘Autoreuropas’ no futuro

Recentemente, Filipe Costa, presidente do Conselho de Administração da Aicep Global Parques desde 2018, revelou, em entrevista à “TSF” e ao “Dinheiro Vivo”, os projetos para Sines, referindo que, “neste momento, excluindo investimento público, os dados somados de projetos em curso, confirmados e potenciais – muitos em que ainda concorremos com outras geografias – ascendem a 17 mil milhões de euros”. Falou na duplicação do atual terminal de contentores e do futuro segundo terminal, em que só na componente privada são 940 milhões. No vertical que referia de tecnologia – o Sines TechInnovationand Data Centre Hub –, a perspetiva no horizonte 2030, é de 3.555 milhões em projetos de estações de amarração de cabos marítimos de telecomunicações e centros de processamento, computação e armazenamento de dados; e, no outro vertical, ou seja, a Energia Sul, que junta todo o hub energético de Sines com as indústrias intensivas do ponto de vista energético é de um total de 12.679 milhões, dos quais cerca de 5 mil milhões são reinvestimento de empresas já presentes, como Galp, EDP Produção e Repsol Polímeros. E há mais 7.500 milhões de investimentos por novos players que estão a olhar para Sines para entrar.

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A AICEP Global Parques é a empresa do Setor Empresarial do Estado especialista em gestão de parques empresariais e na prestação de serviços de localização para investimento nos setores da indústria, energia, logística e serviços em Portugal. O presidente, na entrevista, além de negar que Sines seja um elefante branco, classificou-o como grande hub logístico, energético e cada vez mais tecnológico em Portugal, estando os parceiros do Porto de Sines em franco crescimento em roll on-roll off e “nós na zona logística a crescer muito nas empresas instaladas”, muitas das quais a investir fortemente, a acrescentar investimentos a setores como a energia e indústrias intensivas em energia, a logística e agora ainda o novo setor das infraestruturas tecnológicas.

A estratégia passa pelo desenvolvimento dos três verticais de negócios.

O primeiro é o da logística, acompanhando o Porto de Sines, que está a tornar-se o grande porto de mercadorias, contando com um terminal de contentores com capacidade de handling de 2 milhões de contentores por ano, agora em duplicação, que se concretizará até 2025. Da capacidade de 2,3 milhões de TEU (contentores de 20 pés) passará para 4,1 e pode crescer mais um pouco com automações e otimizações. Seguir-se-lhe-á um segundo terminal, cujos termos de concurso já estão aprovados pelo Governo e que será lançado em breve e irá acrescentar mais 3,5 milhões de contentores por ano. Assim, até 2030 quadruplicará a atual capacidade de movimentação de contentores para perto de 8 milhões de contentores. A isto acresce, dos parceiros do Porto de Sines, uma reorientação do terminal de carga a granel sólida – o terminal multipurpose, que foi desafetado do carvão e que tem nova concessão à procura de cargas: minérios, agro, equipamentos ou eventualmente roll on-roll off para automóveis. Na retaguarda destes terminais de mercadorias, está a desenvolver-se a zona de atividade logística. E lançou-se um concurso para um estudo de viabilidade económico-financeira, plano de pormenor, de loteamento, projeto de infraestruturação e avaliação de impacto ambiental. Nesta zona de atividade logística de Sines, acabou de se lançar um estudo de 2 milhões de euros que será cofinanciado a 50% pelo Connecting Europe Facility e que se prevê esteja concluído em 2024.

Questionado se Portugal vai terminar mesmo com o ciclo do carvão, desenvolveu:

Isso é matéria do Porto de Sines, mas o cliente do carvão – a central termoelétrica da EDP Produção – está na nossa zona industrial e logística e já não há movimentação de carvão há algum tempo. O terminal está completamente desafetado e a ideia agora, com nova concessão, é que esse terminal multipurpose, que sempre foi de carga geral e podia já fazer outras coisas, mas acabava por fazer 95% de carvão, não tendo essa carga, faça outras.”.

E enfatizou a aposta no desenvolvimento de contactos para que se olhem para este terminal como um hub para entrada de produtos agro exportados pelo Brasil e outros países da América do Sul para a Europa, o Médio Oriente e o Norte de África.

Sobre a questão se os projetos em curso têm alavancagem orçamental, referiu que, neste momento, excluindo investimento público, os dados somados de projetos em curso, confirmados e potenciais ascendem a 17 mil milhões de euros. Tirando uma pequena parte que são projetos agroindustriais, quase todos os investimentos são da lógica da descarbonização, de transformação do ativo num green energy hub, de introdução de produção de combustíveis alternativos, projetos para a mobilidade que não vai ser eletrificada num futuro próximo e portanto precisará de combustíveis líquidos – transporte aéreo, marítimo e rodoviário pesado.

Tendo estas áreas de energia impacto grande no ambiente, está acautelado o passivo ambiental dessas unidades. Assim, por exemplo, a EDP Produção tem um plano de desativação que acautela todas as questões ambientais e é um passo de sustentabilidade, porque deixamos de ter uma central a carvão e passamos a ter um hub de energia verde com produção de fontes renováveis – eólica, fotovoltaica, eletrólise para o hidrogénio verde e amónia. Depois, o reinvestimento da Repsol em duas novas fábricas de polímeros, matérias-base acabadas para a indústria transformadora, está acompanhado dum projeto de ecofábrica para reciclagem química para produção de etanol circular, biometanol. Também há espaço para a aquacultura: está previsto um investimento de 80 milhões para produzir salmão e bacalhau. Mais uma vez, é um investimento que aproveita algumas das infraestruturas do complexo. Temos duas de tomada e rejeição de água do mar – a da central da EDP Produção e a da infraestrutura do terminal de gás natural – que podem ser partilhadas e são muito atrativas para a aquacultura. E podem ser encontradas sinergias.

No atinente aos empregos que Sines poderá representar, diz que no total serão muitos, mas não tantos quanto se esperaria, dado o montante de investimento em logística, energia, indústria e tecnologia. São investimentos muito intensivos em capital – grandes unidades de refinação, petroquímica, química – mas a perspetiva no contexto de menos desemprego, sobretudo na região, é que haja um exercício de apreciação de salários, uma dinâmica de diminuição de desemprego e de valorização salarial. Para o presidente da AICEP, a questão da mão-de-obra não é recorrente em Sines, pois os promotores destes projetos muito intensivos em capital, de logística, energia, indústria verde e tecnologias de informação e comunicação, não apresentam essa dificuldade. E, porque são muito intensivos em capital, estão dispostos a pagar o que for necessário para atrair o talento de que precisam.

As questões mais levantadas são as do ordenamento do território, do que se relaciona com licenciamentos, urbanismo, etc., dado o volume de negócios da AICEP Global Parques, implicando o arrendamento de mais terrenos para instalação de investimentos estratégicos. Além destas, vem a questão infraestrutural: os acessos rodo e ferroviários e marítimos na logística, até pela indústria, e as interligações elétricas. Diz o presidente que as acessibilidades terrestres existiam já, mas, antes do terminal de contentores e deste desenvolvimento industrial, resumiam-se ao pipeline de distribuição multiusos para produtos refinados até Aveiras, e ao gasoduto até Setúbal. Com o desenvolvimento dum terminal de contentores, a possibilidade dum novo, uma reorientação do terminal multiusos pós-carvão, desenvolvimento da zona de atividades logísticas e o complexo industrial, o objetivo é que os novos produtos feitos em Sines venham abastecer em proximidade, segurança de fornecimento, preço e qualidade a indústria nacional. Isso implica melhoria de acessibilidades de e para o complexo de Sines. E aí está a ser feito um trabalho muito forte pelo Governo, através da IP. Está em curso o investimento nas acessibilidades calculado em cerca de 480 milhões de euros: por exemplo, 60 milhões para ligar Sines à A2 em autoestrada até 2026, com ligação em Grândola Norte; 28,5 milhões para reforço da ligação ferroviária entre a linha de Sines e a do Sul até 2023; e mais 321 milhões no corredor internacional Sul, troço Évora-Elvas, até fevereiro de 2024. É tudo alinhado com o prazo de conclusão do Terminal XXI e o lançamento do Vasco da Gama, o desenvolvimento da logística e o início do output dessas matérias finais com grande relevância no complexo petroquímico, em particular a entrada em operação das novas fábricas da Repsol Polímeros no verão de 2025.

Sobre o facto de o concurso do Terminal Vasco da Gama ter ficado deserto, diz que “isso é do Porto de Sines”, que fez um excelente trabalho. Mas é inegável que a crise pandémica gerou grande disrupção logística e adiou decisões de investimento.

Admite que a guerra veio agravar a disrupção logística e a crise energética, o que apresenta desafios. Mas também há o reverso: uma dinâmica grande de reforço de capacidade logística, energética e até tecnológica da UE. E o Governo português, mais que acompanhado, tem liderado esta dinâmica no Conselho Europeu. Nós sentimos esse interesse, uma vez que estamos na frente atlântica, no lado oposto ao conflito. E, quando se fala em diversificação do fornecimento energético, em trazer mais energia dos EUA, de África, do Médio Oriente e evitar ou não depender só da que vem por terra ou gasoduto do Leste, ou quando se fala em aumentar capacidade logística da Europa, nomeadamente a intercontinental, está a dar-se relevância a Sines, tal como “quando se fala em soberania europeia, resiliência, capacidade no que respeita à futura economia digital, na estação de amarração de cabos submarinos de telecomunicações e de estações de tratamento de dados”. O objetivo ali é ter as grandes estações de amarração de cabos, os grandes centros de processamento e armazenamento de dados, as grandes infraestruturas que venham beneficiar de termos terra disponível, água de uso industrial disponível, acesso a água do mar, morfologia e jurisdição portuária para amarração segura de cabos, intensidade energética, capacidade de interligação elétrica em alta e muito alta tensão.

É um ecossistema da economia de dados. E vamos ter nesse âmbito o Equiano da Google, o 2 África do Facebook e o Medusa do operador de Telecom da AFR-IX, que se juntaram ao cabo de dados de fibra ótica Ella Link, que liga a Europa à América do Sul (Sines-Brasil) até 2025. Alinhamos Sines com as redes transeuropeias – de transportes, a de energia e de telecomunicações – e queremos ser esse hub de estações de amarração de cabos submarinos de telecomunicações e centros de processamento e armazenamento de dados.

À objeção de que estamos a ir mais depressa no digital do que no rodoviário, quando o hinterland ibérico ainda não está ligado, responde que “são questões distintas”. O calendário está bem afinado porque há uma relação ideal de calendário quando pomos, de um lado, as ligações ao hinterland, rodo e ferroviárias e, do outro, o desenvolvimento de terminais da zona de atividades logística e do output industrial de Sines. O importante é que os cabos amarrem em Portugal e o split seja feito ali numa estação onde o cabo amarra. Depois, é a lógica de hub. Os grandes centros de dados querem estar perto dos centros de amarração de telecomunicações onde é feito o split do cabo, as estações também querem estar ao pé dos grandes data centres.

Quanto à deficiente ligação rodoviária de Sines a Beja e à não existência da A26, refere que a IP relançou a ideia da ligação Sines-A2, não o traçado do IP8 até Beja, mas o do IP33. Portanto, a ligação Sines-Grândola Norte em autoestrada, investindo 60 milhões até 2026, é um indicador de que Sines não é um elefante branco. No transporte rodoviário, há duas preocupações: a de que é necessário esta ligação em autoestrada para Sines ser mais competitivo; e a adicional de que muito do trânsito é de pesados, alguns a transportar mercadorias perigosas. Ora, o Governo e a IP foram muito sensíveis às duas questões, competitividade e segurança, e não só retomaram o projeto de ligação de Sines à A2 como o retomaram com muito empenho, força e rapidez.

A AICEP Global também gere os 56 ha do Parque Empresarial da Península de Setúbal, o BLUEBIZ. Esse parque é a antiga fábrica da Renault, que tem sobretudo instaladas indústrias de componentes aeronáuticos, metalurgia de precisão. Há expansão sobretudo na área das indústrias químicas porque o parque tem vantagens: possibilidade de uso industrial, fornecimento elétrico favorável e estação de tratamento de águas residuais que o torna apetecível para as químicas.

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É desta vez que vamos? E vamos a tempo? Os PIN não estão desacreditados?

2022.04.18 – Louro de Carvalho

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