sexta-feira, 29 de abril de 2022

A verdade, mais que um conceito é uma Pessoa

 

O caso evangélico

Quando Jesus disse a Pôncio Pilatos que veio ao mundo para dar testemunho da verdade e que todo aquele que é da verdade ouve a sua voz, Pilatos perguntou: “Que é a verdade?(cf Jo 19,37-38). Porém, Jesus não respondeu. E dizem os estudiosos que, sendo o próprio Jesus a verdade, o subtexto é, em latim: “Veritas est homo qui adest” – a verdade é o homem que está aqui.

Ora, como Pilatos não percebeu o alcance da asserção de Jesus de que o seu reino não é deste mundo (cf Jo 19,36), pelo que, julgando que era um reino do faz-de-conta, mandou ou autorizou que os soldados tecessem uma coroa de espinhos – não de louros ou de ouro –, Lhe dessem uma cadeira a servir de trono e uma cana a fazer de cetro. Nada mais humilhante! 

De facto, Jesus afirmou com todas as letras: “Eu sou o Caminho a Verdade e a Vida(Jo 14,6), como dissera: “conhecereis a verdade e ela vos libertará(Jo 8,32). Já o prólogo do Evangelho de João afirma de Jesus que “o Verbo era a luz verdadeira” e “nós contemplamos a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e verdade(Jo 1,9.14). É este Jesus que diz que O podem matar a Ele, “um homem que vos comuniquei a verdade que recebi de Deus(Jo 8,40). Aquando da oração sacerdotal em Quinta-feira Santa, pede ao pai que os (aos discípulos) consagre na verdade, “porque a verdade é a tua Palavra(Jo 17,17). E, numa das ocasiões em que prometeu o Espírito Santo, chamou-lhe espírito de verdade que os guiará para “a verdade completa(cf Jo 17,13).

Já Platão e outros filósofos juntavam em Deus a trilogia do belo, bom e verdadeiro como absolutos. E agora Cristo, Palavra do Pai – belo, bom e verdadeiro em sumo grau – junta em si para a libertação do homem a trilogia do “Caminho, Verdade e Vida”, verdade que recebe do Pai e para a qual o Espírito da Verdade nos guiará.

A Verdade, sendo tributo absoluto de Deus e do Seu Cristo, a Palavra do Pai, não deixa de ter conteúdos. Mas estes não podem distrair-nos do essencial: a Pessoa de Cristo.

Há quase dois mil anos, Cristo, a Verdade, foi levado a julgamento e condenado por quem se dedicava à mentira. Enfrentou seis julgamentos em menos de um dia, 3 dos quais eram religiosos, e 3 que eram legais. Poucas pessoas envolvidas no evento podiam responder à pergunta: “Que é a verdade?”. Depois de preso, foi levado a Anás, corrupto ex-sumo sacerdote dos judeus. Anás quebrou inúmeras leis judaicas no julgamento, incluindo a sua realização em sua casa, tentou induzir autoacusações contra o arguido e bater-lhe, quando não havia sido condenado por nada até então. A seguir, a Verdade foi levada ao sumo sacerdote, Caifás, genro de Anás. Ante Caifás e Sinédrio judaico, muitas testemunhas se prontificaram a testemunhar contra a Verdade, mas nada podia ser provado e nenhuma evidência de má conduta podia ser encontrada. Caifás quebrou pelo menos sete leis enquanto tentava condenar a Verdade: o julgamento foi realizado em segredo; foi realizado à noite; envolveu suborno; o arguido não teve ninguém a fazer a defesa a seu favor; a exigência de 2-3 testemunhas não pôde ser cumprida; usaram testemunho autoincriminatório contra o arguido; e Caifás condenou o arguido à pena de morte no mesmo dia. Todas essas ações eram proibidas pela lei judaica. Além disso, Caifás declarou a Verdade culpada porque Ela afirmou ser Deus na carne (vd Jo 1,14), o que era tido por blasfémia.

Ao amanhecer, o julgamento da Verdade ocorreu no Sinédrio judaico que declarou que a Verdade devia morrer. No entanto, o conselho judaico não tinha o poder legal de executar a pena de morte, por isso levaram a Verdade ao governador romano, Pôncio Pilatos, que fora nomeado por Tibério como o 5.º prefeito da Judeia e serviu nessa qualidade entre 26-36 dC. O procurador tinha poder de vida e morte e podia reverter sentenças capitais aprovadas pelo Sinédrio. Enquanto a Verdade estava ante Pilatos, mais mentiras foram proferidas. Os inimigos disseram: “Encontramos este homem a sublevar o povo, vedando pagar tributo a César e afirmando ser ele o Cristo, o Rei(Lc 23,2). Era  mentira porque a Verdade disse que todos deviam os impostos (cf Mt 22,21) e nunca falou de Si como um desafio para César. Depois, houve esclarecedor diálogo entre a Verdade e Pilatos:

Tornou Pilatos a entrar no pretório, chamou Jesus e perguntou-lhe: ‘És tu o rei dos judeus?’. Respondeu Jesus: ‘Vem de ti esta pergunta ou disseram-to outros a meu respeito?’. Replicou Pilatos: ‘Porventura, sou judeu? A tua gente e os principais sacerdotes é que te entregaram a mim. Que fizeste?’. Respondeu Jesus: ‘O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para que não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui’. Então, lhe disse Pilatos: ‘Logo, tu és rei?’. Respondeu Jesus: ‘Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.’. Perguntou-lhe Pilatos: ‘Que é a verdade?’. Dito isto, voltou aos judeus e disse: ‘Eu não acho nele crime algum’.” (Jo 18,33-38).

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Que é a verdade?

A pergunta de Pilatos “Que é a verdade?” tem sido repercutida ao longo da história. Foi um desejo melancólico de saber o que mais ninguém lhe podia dizer, insulto cínico ou talvez resposta irritada e indiferente às palavras de Jesus. No mundo pós-moderno que nega que a verdade possa ser conhecida, a questão é mais importante do que nunca e postula uma resposta.

Ao definir a verdade, é útil primeiramente observar o que ela não é.

Não é simplesmente coisa que funcione (esta é a filosofia do pragmatismo – abordagem semelhante à de que o fim justifica os meios), pois, na realidade, a mentira pode até dar certo, mas contraria a verdade. Não é simplesmente o que é coerente ou compreensível, visto que um grupo de pessoas pode reunir-se e conspirar com base num conjunto de falsidades, onde todos concordam em contar a mesma história falsa, mas isso não torna verdade a sua apresentação. Não é o que faz as pessoas se sentirem bem, pois as más notícias podem ser verdadeiras. Não é o que a maioria diz ser verdade, pois 51% dum grupo pode chegar a conclusão errada. Não é o que é abrangente, já que uma longa e detalhada apresentação ainda pode resultar em falsa conclusão. 

A verdade não é definida pela intenção, uma vez que boas intenções podem estar erradas; não é como nós sabemos, mas o que sabemos; não é simplesmente o que se acredita, pois uma mentira acreditada é uma mentira; não é o que se provou publicamente, já que uma verdade pode ser conhecida em particular (por exemplo, a localização do tesouro enterrado). É incompatível com o erro, a ignorância, a distração, a confusão, a falácia e o “lapsus linguae” ou o “lapsus calami”.

A palavra grega para “verdade” é “Alêtheia”, que significa “des-esconder” ou “nada esconder”. Transmite a ideia de que a verdade está sempre disponível, aberta e acessível para todos a poderem ver, sem nada ficar escondido ou obscuro. A palavra hebraica para “verdade” é “emeth”, que se relaciona com “emunah” e significa firmeza, constância e duração, o que implica uma substância eterna e algo em que se pode contar.

Do ponto de vista filosófico, há três modos de definir a verdade: o que corresponde à realidade; a o que corresponde ao seu objeto; o simples facto dizer como realmente é.

A verdade corresponde à realidade ou “o que é”, pelo que é de natureza correspondente, ou seja, corresponde ao seu objeto e é conhecida pelo seu referente. Por exemplo, o professor diante da turma pode dizer: “A única saída desta sala é à direita”. Para a turma que está de frente para o professor, a porta de saída pode ser à sua esquerda, mas é verdade que, para o professor, é à direita.

A verdade coincide com o seu objeto. Pode ser verdade que uma pessoa pode necessitar de tantos miligramas dum determinado medicamento, mas outra pessoa pode necessitar de mais ou de menos para produzir o efeito desejado. Isso não é verdade relativa, mas apenas um exemplo de como a verdade deve coincidir com o seu objeto. Seria errado que um paciente pedisse ao médico que lhe desse uma quantidade inadequada dum medicamento ou dissesse que qualquer remédio serviria para a doença em questão.

E a verdade é simplesmente dizer como é; é a maneira como as coisas realmente são, e qualquer outro ponto de vista é errado. Um princípio fundamental da filosofia é ser capaz de discernir entre verdade e erro, ou como Tomás de Aquino observou: “É tarefa do filósofo fazer distinções”.

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As palavras de Tomás de Aquino não são muito populares hoje. Fazer distinções está fora de moda numa era pós-moderna do relativismo. Isto é especialmente observável em questões de fé e religião, onde cada sistema de crenças é para ter a mesma quantidade de igualdade quando se trata da verdade. Há, pois, filosofias e cosmovisões que desafiam o conceito de verdade, mas, quando cada uma é examinada criticamente, acaba por ter natureza autodestrutiva.

A filosofia do relativismo diz que toda verdade é relativa e que não existe tal coisa como verdade absoluta. Entretanto, há que perguntar se isso constitui a alegação de que “toda a verdade é relativa”, ou que há uma verdade relativa e uma verdade absoluta. Se for verdade relativa, não tem sentido, pois não sabemos quando e onde se aplica; se for verdade absoluta, então há verdade absoluta. Além disso, o relativista trai a sua posição ao afirmar que a posição do absolutista é errada, porque podem estar corretos também os que dizem que a verdade absoluta existe. Em essência, quando o relativista diz que “não há nenhuma verdade”, pede que não se acredite nele, e a melhor coisa a fazer é seguir o seu conselho. Os seguidores do ceticismo duvidam de toda a verdade. Assim, o cético é cético do ceticismo, já que duvida da sua própria afirmação sobre a verdade. Mas, se o cético não põe em dúvida o ceticismo, temos a certeza de pelo menos uma coisa: a verdade absoluta existe, o ceticismo, que ironicamente se torna verdade absoluta. O agnóstico diz que não se pode conhecer a verdade. No entanto, a mentalidade é autodestrutiva porque afirma conhecer pelo menos uma verdade: que a verdade não pode ser conhecida. Os pós-modernistas simplesmente não afirmam nenhuma verdade em particular. Frederick Nietzsche descreveu a verdade assim:

Que é então a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos ... verdades são ilusões ... moedas que perderam as suas fotos e agora importam apenas como metal, não mais como moedas.”.

Ironicamente, embora tenha moedas que são agora mero metal, o pós-modernista afirma pelo menos uma verdade absoluta: a verdade de que nenhuma verdade deve ser afirmada. Como as outras cosmovisões, o pós-modernismo é autodestrutivo e não resiste à sua própria afirmação.

Uma popular cosmovisão é o pluralismo, para o qual todas as asserções sobre a verdade são igualmente válidas. Ora, não podem ser verdadeiras simultaneamente asserções contraditórias, uma que diz que está a chover em Lisboa neste momento e outra que diz que não. O pluralismo brita-se aos pés da lei da não contradição, que diz que algo não pode ser tanto “A” como “não A” simultaneamente e no mesmo sentido. E a lei da não contradição é uma evidência inegável. Além disso, é de anotar que o pluralismo afirma ser verdadeiro e que nada contra ele é falso – sendo essa uma afirmação que nega o seu próprio princípio fundacional. Por trás do pluralismo está a atitude de tolerância. No entanto, o pluralismo propaga a ideia de que todos têm o mesmo valor com todas as suas reivindicações sobre a verdade, sendo igualmente válidas. Ora, todas as pessoas podem ser iguais, mas nem todas as reivindicações sobre a verdade o são. O pluralismo não distingue opinião e verdade – distinção que Mortimer Adler enuncia:  

O pluralismo é desejável e tolerável naquelas áreas que são questões de gosto e não em questões sobre a verdade”.

Quando o conceito da verdade é criticado, é-o por uma ou mais das seguintes razões: queixa contra quem, alegando ter a verdade absoluta em matéria de fé e religião, tem postura intolerante, crítica que não entende que, por natureza, a verdade é intolerante, pelo que tem de ser intolerante o professor de matemática por manter a crença de que 2 + 2 só pode ser 4; e a objeção de que é arrogante afirmar que alguém está certo e outem está errado, tendo de ser, por absurdo, arrogante o professor de matemática que insiste em apenas na resposta certa para um problema de aritmética, tal como o serralheiro quando diz que só uma chave abrirá a porta trancada. Um outro “mas” contra os defensores da verdade absoluta em fé e religião é que tal posição exclui as pessoas em vez de as incluir. Porém, tal “mas” não percebe que a verdade, por natureza, exclui o seu oposto. Há ainda um protesto contra a verdade, pois é divisivo e ofensivo alguém reivindicar ter a verdade. E o crítico afirma que tudo o que importa é a sinceridade. Todavia, a verdade é imune à sinceridade, crença e desejo. Não importa quanto se acredita sinceramente que uma chave errada abrirá uma porta. Assim, a verdade não é afetada pela sinceridade. Por fim, objeta-se que a verdade é impermeável à vontade. Uma pessoa pode desejar que o seu carro não esteja sem combustível, mas se o medidor indica o tanque como vazio e o carro não funciona, então não há desejo que lhe valha. Alguns admitem a existência da verdade absoluta, mas, a seguir, afirmam que tal postura só é válida na ciência, não em questões de fé e religião. É o positivismo lógico, popularizado por filósofos como David Hume e AJ Ayer, afirmando que as alegações sobre a verdade devem ser tautologias (v.g: todos os solteiros não são casados) ou empiricamente verificáveis (isto é, testáveis via ciência). Para eles, a conversa sobre Deus é absurda.

Os que defendem que só a ciência pode fazer reivindicações sobre a verdade não reconhecem que há muitos campos onde a ciência é impotente. Por exemplo, a ciência: não pode provar as disciplinas de matemática e lógica porque as pressupõe, nomeadamente os axiomas; não pode provar verdades metafísicas como a de que há mentes além da minha; é incapaz de fornecer a verdade nas áreas de moral e ética; pode ser usada, por exemplo, para provar que os nazistas eram maus; e é incapaz de afirmar verdades sobre as posições estéticas como a beleza do nascer do sol. E, se alguém declarar que “a ciência é a única fonte de verdade objetiva”, faz uma reivindicação filosófica que não pode ser testada pela ciência.

Há quem diga que a verdade absoluta não se aplica à moralidade. Porém a resposta negativa à questão se “é moral torturar e matar uma criança inocente” é absoluta e universal. Mais quem defende a verdade relativa sobre a moral sempre quer que o seu cônjuge seja absolutamente fiel.

É muito importante entender e adotar a verdade absoluta em todas as áreas da vida (incluindo a fé e religião), porque há consequências no caso de se estar errado. Dar a alguém a quantidade errada de medicamento pode matá-lo; tomar um gestor de investimentos as decisões monetárias erradas pode empobrecer uma família ou a empresa; embarcar no avião errado levará o passageiro aonde não quer ir; e lidar com cônjuge infiel pode resultar na destruição da família e até em doença.

Como o apologista cristão Ravi Zacharias explica: o facto é que a verdade importa, sobretudo quando eu sou o recetor de uma mentira. E em nenhum lugar isso é mais importante que na área da fé e da religião. A eternidade é muito longa para se estar errado.

Para Platão e Aristóteles a verdade é a “exata correspondência” dum enunciado com a realidade da coisa proferida. Aristóteles diz que, na busca da verdade percorremos 4 degraus fundamentais: ignorância, estado de completa “ausência de conhecimento” do sujeito em relação ao objeto (pois ignorar é desconhecer); dúvida, quando um conhecimento é tido como possível (porém, as razões para afirmar ou negar algo estão em equilíbrio); opinião, quando o sujeito julga ter conhecimento provável do objeto, afirmando conhecer, mas com temor de se enganar; e certeza, quando o sujeito tem plena firmeza do seu conhecimento em relação ao objeto (o conhecimento surge como algo evidente).

O conceito de verdade como correspondência ficou celebrizado pela asserção de Tomás de Aquino segundo o qual, “a verdade é a adequação do pensamento à coisa real” (adaequatio rerum et intellectus). Mas, embora considerada correta por várias correntes filosóficas, tal definição traz um grave inconveniente quanto à precisão por se basear na adequação entre o “pensamento e a realidade”. Mas que é a realidade e qual a nossa perceção da mesma? Para aferirmos das nossas limitações, refira-se que a nossa visão é sensível a uma pequena faixa do amplo espectro de radiações eletromagnéticas, o espectro visível (~390 a 700 nm), ao passo que alguns insetos como as abelhas percebem o ultravioleta e algumas cobras percebem radiação na região do infravermelho. Ou seja, se os nossos olhos fossem sensíveis a radiações com “frequências” maiores que o ultravioleta e menores que o infravermelho, a nossa “realidade visual” seria bem diferente.

Por sua vez, o ouvido humano capta apenas as frequências na “região audível”, ou seja, em média, frequências em torno de 20 a 20.000 Hz. Abaixo da frequência mínima, temos o infrassom; e acima da frequência máxima, temos o ultrassom. Ambos são inaudíveis para o ouvido humano. No entanto, alguns animais como os morcegos e os golfinhos captam frequências na região do ultrassom; e os tigres e elefantes são sensíveis ao infrassom. Por isso, se a nossa audição fosse capaz de perceber ultrassons e infrassons a nossa “realidade sonora” seria bem diferente.

E o sentido do olfato é bem pouco desenvolvido nos humanos se comparado ao de outros animais.

Portanto, podemos concluir, considerando 3 dos nossos 5 sentidos, que o nosso nível de “perceção da realidade física” é muito limitado. Isso sem considerarmos a hipótese de que existam nos seres humanos outros sentidos que ainda estão em estágios “embrionários” de desenvolvimento.

O contraste entre a verdade como justiça e a mentira como injustiça

Nos preditos julgamentos de Jesus, é inconfundível o contraste entre a verdade (justiça) e mentiras (injustiça). Lá estava Jesus, a Verdade, a ser julgado por aqueles cujas ações eram banhadas em mentira. Os líderes judeus quebraram as leis destinadas a proteger o arguido de condenação injusta. Trabalharam com afã para topar qualquer testemunho que incriminasse Jesus e, na sua frustração, ativeram-se a provas falsas aduzidas por mentirosos. Porém, nem isso pôde ajudá-los a atingir o objetivo. Quebraram uma outra lei e obrigaram Jesus a implicar-Se a Si mesmo.

Ante Pilatos, os líderes judeus mentiram de novo. Com efeito, tinham condenado Jesus por blasfémia, mas, como sabiam que isso não era suficiente para persuadir Pilatos a matá-Lo, afirmaram que Ele era um desafio a César e quebrava a lei romana ao incentivar o povo a não pagar impostos. Pilatos detetou a sua deceção superficial e nem sequer abordou a acusação.

Jesus, o Justo, estava a ser julgado pelo injusto. O facto é que este último sempre persegue o primeiro. Foi por isso que Caim matou Abel. As conexões verdade-justiça e falsidade-injustiça são demonstradas por uma série de exemplos no Novo Testamento: “Deus envia-lhes uma força enganadora para que acreditem no que é falso, para que sejam julgados todos os que não deram crédito à verdade, mas se deleitaram na injustiça(2T 2,11-12). “A ira de Deus revela-se do céu contra toda a impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça(Rm 1,18). “Retribuirá a cada um segundo as suas obras, isto é, a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade, mas ira e indignação aos que, por rebeldia, são indóceis à verdade e dóceis à injustiça(Rm 2,6-8). “Nada faz de inconveniente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade(1Cor 13,5-6).

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Concluindo

A pergunta que Pilatos fez a Jesus precisa de ser reformulada a fim de ser completamente precisa. A sua observação “Que é a verdade?” ignora o facto de muitas coisas poderem ter a verdade, mas só uma coisa poder ser a Verdade. A verdade deve originar-se de algum lugar. A realidade é que Pilatos estava a olhar para a fonte da Verdade naquela manhã. Não muito tempo antes de ser preso e levado ao governador, Jesus declarara que é a verdade(cf Jo 14,6) – o que parecia incrível. Como pode um homem ser a verdade? Não o podia ser, a menos que fosse mais que homem, que é o que afirmou ser. E a afirmação de Jesus foi validada quando ressuscitou dos mortos (cf Rm 1,4).

Um homem que vivia em Paris recebeu a visita dum estranho do interior. Querendo mostrar-lhe a magnificência de Paris, levou-o ao Louvre a ver a grande arte e, depois, a um concerto num majestoso teatro para ouvir uma grande orquestra sinfónica. No fim do dia, o visitante confessou não ter gostado da arte ou da música. O anfitrião respondeu que “eles não estão em julgamento, ao passo que tu estás”. Pilatos e os líderes judeus achavam que estavam a julgar Cristo, quando eram eles que estavam a ser julgados. Além disso, O que foi condenado servirá como seu Juiz, como o será de todos os que detêm a verdade em injustiça.

Pilatos nunca chegou ao conhecimento da verdade. Eusébio, historiador e bispo de Cesareia, sustenta que Pilatos se suicidara durante o reinado do imperador Calígula, um final triste e um lembrete para todos de que ignorar a verdade pode levar a consequências indesejáveis.

De facto, a verdade passa pelos conteúdos de verdade, mas assenta na pessoa que é a Verdade.

2022.04.29 – Louro de Carvalho

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