A
procura da verdade constituiu sempre um dos problemas fundamentais da
filosofia, mas o seu conceito não é unívoco. Ao invés, há diferentes conceções
sobre a natureza da verdade e do seu conhecimento. Entre elas, ressaltam as
advindas das línguas grega, latina e hebraica, dependendo de qual das três
ideias originais da verdade predomine, se moldará e direcionará o conceito de
verdade. Em todas as conceções são preservados aspetos fundamentais, como:
causas da diferença entre o parecer e o ser das coisas ou dos erros; causas da
existência e das formas de existência dos seres; princípios necessários e universais
do conhecimento racional; causas e princípios da transformação dos próprios
conhecimentos; separação de preconceitos e hábitos do senso comum e atitude
crítica do conhecimento; explicitação, com todos os pormenores, dos
procedimentos do conhecimento e dos critérios da sua realização; liberdade de
pensamento para investigar o sentido da realidade que nos circunda e de que
fazemos parte; comunicabilidade, ou seja, critérios, princípios, procedimentos,
percursos realizados, resultados obtidos, que devem poder ser conhecidos e
compreendidos por todos os seres racionais (Para Espinosa, o Bem
Verdadeiro é o capaz de se comunicar a todos e ser compartilhado por todos); transmissibilidade, ou seja,
critérios, princípios, procedimentos, percursos e resultados do conhecimento
devem poder ser ensinados e discutidos em público (segundo
Kant, temos o direito ao uso público da razão); veracidade, ou seja, o conhecimento não pode ser
ideologia ou não pode ser máscara ou véu para dissimular e ocultar a realidade
servindo os interesses da exploração e da dominação entre os homens.
A
verdade deve ser objetiva, devendo ser, por isso, compreendida e aceite
universal e necessariamente, sem que tal signifique que seja neutra ou
imparcial, pois está o sujeito do conhecimento vitalmente envolvido na
atividade do conhecimento e o conhecimento adquirido pode redundar em mudanças
que afetem a realidade natural, social e cultural. Por outro lado, a verdade,
postulando a liberdade de pensamento para o conhecimento, exige que os seus
frutos propiciem a liberdade de todos e a emancipação de todos. Há, contudo, um
certo relativismo entre as diferentes conceções sobre a natureza da verdade,
mas que se interligam.
Do
latim “ueritas”, define-se a verdade como adequação do intelecto ao real. Assim,
a verdade é a propriedade dos juízos, que podem ser verdadeiros ou falsos,
dependendo da correspondência entre o que afirmam ou negam e a realidade de que
falam. “Veritas” é relacionável com o verbo “uereor” (receio,
temo), pois o
pensador teme não ser capaz de envidar todos os esforços para a consecução da
verdade, ou afastar-se do caminho (“uerita”), que a ela conduz, bem como com o
nome “ueru” (espeto, esteio), porque a verdade é exornada da virtude de apoio ao
homem e da capacidade de lhe revelar o mundo e de o revelar ao mundo. “Veritas”
refere-se à exatidão dum relato, não da qualidade das coisas, mas de quanto é
exato o seu relato. Assim, um relato é verdadeiro se enunciar pormenorizada e
exatamente os factos reais. Do grego “alêtheia, a verdade recorta-se ao não
oculto ou ao não dissimulado, ao que vem ao de cima. “Alêtheia” é o oposto de “pseudos”
(escondido,
dissimulado). O que
importa é que olho e espírito, vendo o verdadeiro, estão diante de algo
evidente próprio das coisas. A verdade está nas coisas. Por isso, dizer a
verdade é dizer a verdade do que está na realidade manifestada, e não na realidade
que não se manifesta, oculta, a que engana. E, em hebraico, verdade relaciona-se
com “emunah”, palavra que se reporta ao pactuado, para o presente ou para o
futuro. Tem a ver com a esperança, a confiança, a ideia de que o que se
combinou vai realizar-se. Remete para o pacto histórico e político e para a
profecia.
Em
geral, entende-se por verdade a qualidade pela qual o procedimento cognoscitivo
se torna eficaz ou obtém êxito. Tal caraterização pode aplicar-se às conceções
pelas quais o conhecimento é um processo mental e às que o consideram um
processo linguístico ou semiótico. E tem a vantagem de prescindir da distinção
entre definição de verdade e critério de verdade. Tal distinção nem sempre é
feita e, quando o é, representa apenas a admissão de duas definições de verdade.
Por outro lado, a verdade é a concordância entre o sentido e a realidade, entre
os argumentos e a verificação da existência sólida dos elementos que sustentam
a argumentação.
Nietzsche
diz que os homens constroem as suas histórias em fundamentações capazes de produzir
uma verdade para a moral sobre o ser justo ou não. E busca, no decorrer do
tempo, a explicação para obter respostas de como e que passos o ser humano foi
capaz de dar para chegar a determinada conclusão. Para ele, a verdade, embora
não seja absoluta, é capaz de esclarecer e justificar valores impostos e
particulares.
A
verdade possui dupla interpretação, ou seja, entende-se em sentidos. Para a
exposição da verdade pretende-se, antes de mais, mostrar a exposição do
conteúdo e, depois, a forma em que se baseia verdade. Estes dois aspetos
precisam um do outro para o entendimento da verdade.
Para
Platão, a verdade aplica-se, primeiro, ao objeto e, depois, ao enunciado; já
para Aristóteles, a verdade está ligada ao ato de dizer e, dessa forma, não há
verdade sem enunciado, mas este não basta em si mesmo como verdade.
Na
“República”, Platão narra a alegoria
por acerca de alguns prisioneiros que estavam numa caverna, totalmente
amarrados, tendo acesso apenas às sombras projetadas pela claridade da luz da
fogueira. E, como já se haviam acostumado a essa situação, criam que isso era a
realidade. Entretanto, um prisioneiro saiu da caverna e descobriu como era
maravilhoso o lado de fora; voltou para contar a novidade aos seus antigos
companheiros e não foi compreendido. Por isso, motivo, os prisioneiros
resolveram nunca saírem da caverna, por temerem o que estava lá fora.
Para
Heidegger, a interpretação da alegoria platónica é uma doutrina da verdade na
qual se demostra a essência da verdade.
A
alegoria da caverna ilustra a essência da formação, mas a sua interpretação
deve apontar para a doutrina platónica da verdade. A alegoria não ilustra apenas
a essência da formação, antes permite, ao mesmo tempo, a apreensão duma
transformação essencial da verdade. Subsiste a relação essencial entre formação
e verdade, pois a essência da verdade e o modo de sua transformação é que
tornam possível a formação em sua estrutura fundamental.
Por
seu turno, Aristóteles afirma que não é possível haver verdade sem enunciado
porque é pelo enunciado que haverá algo que se discuta e seja base para a
afirmação. Aristóteles aproximou-se da lógica e essa relação foi conhecida como
coisa. Segundo Aristóteles, há dois teoremas fundamentais: o primeiro que a
verdade está no pensamento ou na linguagem, e não no objeto; o segundo é a
medida da verdade está presente no objeto, na ação. E é a partir destes
pressupostos que se equacionam as teorias da verdade, que são de duas ordens:
substantivas; e minimalistas.
“Nas teorias substantivas da verdade”, ou tradicionalistas,
enquadram-se: a da correspondência, a da coerência, a pragmatista e a da
verificação ideal.
Considerando
que X é uma frase, uma declaração, um pensamento ou uma proposição e que o
símbolo “sse” é o “se e somente se”, então as 4 teorias podem expressar-se
assim:
Teoria
da correspondência – X é verdadeiro sse X corresponde a um facto; teoria da coerência
– X é verdadeiro sse X é um membro de um conjunto de crenças coerente
internamente; teoria pragmatista – X é verdadeiro sse X é útil de se
acreditar; teoria da verificação ideal – X é verdadeiro sse X é provável, ou verificável
em condições ideais.
A
teoria da correspondência tem a sua raiz na asserção de Aristóteles: “dizer do
que é que ele é, ou dizer do que não é que ele não é, é a verdade”.
Entretanto, comparamos coisas heterogéneas, ou seja, dum lado, uma expressão,
frase, do outro, o facto. Essa teoria funciona razoavelmente para factos
positivos, mas não para factos negativos. Por exemplo, se dizemos que “há um
gato na sala”, temos um facto (o gato está na sala). Aplicando a fórmula da teoria
da correspondência, temos que “há́ um gato na sala” se e somente se há́ um gato
na sala. Há, pois, correspondência entre o enunciado e o facto. Mas, se
tentarmos aplicar a fórmula da teoria da correspondência a factos negativos,
ela não funciona. Por exemplo, se dissermos que “não há́ um gato na sala”, o
enunciado é verdadeiro se e somente se não há um gato da sala. Ora, aparentemente
a coisa é a mesma, mas não o é realmente, porque apenas estamos a dizer o que
não há na sala e não algo que lá haja. Não temos uma informação útil. Não
sabemos a que facto corresponde expressão linguística “não há um gato na sala”.
Já
a teoria da coerência afirma que, nos enunciados, as coisas devem ser
comparadas com coisas, as crenças com crenças, etc. Um sistema de crenças é
verdadeiro quando os seus elementos são coerentes uns com os outros. A verdade
é a propriedade de pertença a um sistema coerente de crenças ou enunciados.
Entretanto, objeta-se ao coerentismo que há vários conjuntos harmoniosos de crenças
muito bem estruturados, mas que não estaríamos dispostos a gastar esforço algum
a seu favor numa discussão. São coerentes e ousamos chamá-los verdadeiros,
embora em nada nos convençam a falar de alguma realidade. Se o coerentismo abre
a guarda ao relativismo, não será solução para as falhas do correspondentismo,
pois no limite apenas tece o tapete do ceticismo. Ora, o ceticismo é a figura
contra a qual a filosofia tem a sua guerra permanente, já que o cético é o que
fala sobre a impossibilidade do conhecimento verdadeiro. A teoria da verdade
como coerência considera a verdade como resultando da sua coerência com um
sistema de crenças ou verdades determinadas anteriormente. Desse modo, estará
preservada a ausência de contradição dentro do sistema.
Foi
contra a abertura da teoria da coerência diante do relativismo e do ceticismo
que James e Dewey introduziram a teoria pragmatista da verdade. Segundo esta
teoria, a verdade resulta do consenso entre o que é considerado aceitável face
ao real. É uma corrente filosófica norte-americana, difundida no final do
século XIX, segundo a qual a verdade é o que serve de solução imediata aos
problemas, mas não se prende a um sistema moral normativo: o que se toma como
verdadeiro é o agir humano em função de objetivos práticos.
Não
há nada de novo no método pragmático. Sócrates foi adepto dele. Aristóteles empregou-o
metodicamente. Locke, Berkeley e Hume trouxeram pequenas contribuições à
verdade através dele. Shadworth Hodgson insiste em que as realidades são só o
que sabemos delas.
Para
os pragmatistas a verdade tem de ser útil e satisfatória, correspondendo aos
meios que condicionam o pensamento. O pragmatismo tem como caraterística
epistemológica o empirismo.
E,
para a teoria da verificação ideal, em parte pragmatista, a verdade da
proposição estabelece-se a partir dos resultados, ou seja, da sua aplicação prática
e da sua verificação pela experiência. Para esta teoria, o “X” será verdadeiro
somente se “X” for verificável em condições ideais. A verdade é subordinada à
nossa capacidade de a descobrir e é entendida como o resultado do processo de
verificação (real ou possível). Assim, um enunciado somente será verdadeiro se for
possível ter acesso epistémico à sua verdade.
“Nas teorias minimalistas”
enquadram-se a teoria deflacionista, a teoria da redundância e a teoria
semântica – todas estão no campo semântico.
Os
filósofos deflacionistas desmembram a verdade e tiram dela toda a carga
metafisica nela implícita. Dizem que a verdade não é uma propriedade “real”, ou
“robusta”, ou uma propriedade metafisicamente interessante. A palavra “verdade”
é só um item de performance que tem o objetivo de auxiliar a frase e a deixar
mais completa, pelo que não pertence ao campo metafisico.
Para
a teoria da redundância, a verdade não é uma propriedade substancial, porque
não é uma verdade. Segundo esta teoria, a expressão “é verdade” é redundante.
Ou seja, quando afirmamos que “é verdade que Rosa é jornalista”, a expressão “é
verdade” é redundante.
A
teoria semântica afirma que a verdade é a propriedade das sentenças. Foi feita
sobre um caráter lógico da proposição. Esta, para ter significado, tem de ser
passível das atribuições de verdadeiro ou falso, segundo critérios analíticos
ou empíricos.
***
Há
diferentes conceitos sobre o que é verdade. Diversos autores, estudiosos e
filósofos apresentam distintas visões, destacando-se Platão e Aristóteles,
cujas ideias outros reciclaram. Para Platão, a verdade aplica-se, primeiro, ao
objeto e, depois, ao enunciado. E, para Aristóteles, a verdade está ligada ao
ato de dizer. Aristóteles explica a verdade através das teorias substantivas de
verdade (não
considera a pragmatista):
a da correspondência, a da coerência e a da verificação ideal. Em cada uma,
explica a verdade com enfoque e função diferente. A teoria da correspondência é
dizer do que é que ele é, ou não dizer do que é que ele não é, é a verdade. Já da
teoria da coerência afirma que não tem sentido, e que nos enunciados as coisas
devem ser comparadas com coisas e as crenças com crenças.
Ainda
são defendidas as teorias substantivas, mas atualmente adotam-se, na maior
parte das vezes, as minimalistas. Falar em minimalismo remete para o que é
detalhado, pois o ser humano sempre busca os mínimos detalhes para expor os seus
pontos de vista, o que leva à prática constante da teoria minimalista. As
teorias minimalistas são todas do campo semântico, mas diferem entre si por
passos bem visíveis ou por sutilezas só percetíveis para quem tem formação
filosófica, técnica, nas áreas de lógica, semântica e filosofia da linguagem.
A
verdade é essencial para compreensão do ser humano e suas relações. Portanto, é
fundamental na convivência social, nas relações económicas, na definição de
políticas públicas, na busca da justiça, nas decisões judiciais, na obtenção da
coerência nas petições dos juristas e na aplicação das normas do ordenamento
jurídico.
2022.04.28 – Louro de Carvalho
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