Não se pode morrer da doença por efeito do
contágio e suas consequências, mas também não se pode morrer da cura, seja pelo
excesso de confinamento pelo cansaço e doenças físicas e mentais que gere, seja
pela míngua de recursos por falta de emprego e por falta de produção.
A pandemia parece estar para durar e alguns vaticinam
uma ou mais tranches eventualmente mais gravosas que a atual, enquanto alguns
advertem que em Portugal ainda estamos no princípio do que por aí virá. Por outro
lado, alguns governantes, que temem pela recessão que pode estar a
avizinhar-se, entendem que a Europa ainda não tem uma resposta conjunta e
eficaz para obviar à Covid-19 nem para obviar à crise socioeconómica e que o
nosso SNS só por si não tem capacidade para responder a um novo surto mais
gravoso.
Também é certo que muitas doenças e cuidados (nomeadamente a vacinação) têm
ficado para trás mercê da priorização do combate ao novo coronavírus, sendo que
o número de óbitos por outras causas terá aumentado nestes meses. E, embora o
número de infetados e falecidos em Portugal seja baixo em termos absolutos,
estamos longe de cantar loas ao milagres português se nos compararmos com
países com número de habitantes similar do nosso.
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Neste quadro, é oportuna a advertência do BCE (Banco Central Europeu),
que, tendo mantido as taxas de
juro principais
inalteradas, mas feito pequenas alterações nas operações de refinanciamento à banca, pede aos países
europeus mais medidas “conjuntas” e alerta para a queda do PIB entre 5% e 12%,
este ano.
A este
respeito, Christine Lagarde, que sucedeu a Mario Draghi como presidente
desta autoridade financeira europeia, pediu hoje, dia 30 de abril, que os
países europeus avancem com medidas
“ambiciosas” para combater uma crise cuja “magnitude não tem precedentes
em tempos de paz” – medidas que devem ser “conjuntas
e coordenadas para proteger a economia dos riscos negativos e para
impulsionar a recuperação”. E, apesar de ter dado as boas-vindas às medidas
aprovadas pelo Eurogrupo e Conselho Europeu, pediu mais.
Na usual conferência
de imprensa após a reunião de política monetária, Lagarde adiantou também que o
PIB (Produto
Interno Bruto) da zona euro poderá cair
entre 5% e 12% este ano, dependendo
da duração das medidas de confinamento e do sucesso da recuperação que vier nos
próximos meses. E apontou a “grande incerteza” em relação àquele que será o
impacto desta crise – e em relação à “rapidez e a escala” da retoma.
A presidente
do BCE diz que, tendo esta crise económica começado por ser restrita a certos
setores, como o turismo, os transportes e o entretenimento, se generalizou com
as medidas de contenção. Assim, o cenário mais negativo para o 2.º trimestre
aponta para quebra de 15%, em base trimestral.
Porém, é difícil a qualquer pessoa ou entidade fazer, neste momento, previsões
macroeconómicas.
Após a
leitura do comunicado, Christine Lagarde referiu-se de forma emotiva às mortes
por Covid-19 – “cada morte é uma tragédia”, disse
– e agradeceu aos profissionais de saúde que estão a trabalhar para conter a
pandemia.
Também o BCE manteve
as taxas de juro principais inalteradas, mas fez pequenas alterações nas
operações de refinanciamento à banca em curso, empréstimos criados com o
objetivo de conter os impactos da crise. Optou, assim, por não dar passos
significativos depois do programa de compra de dívida anunciado há poucas
semanas, mas deixou clara a disposição que há de
reforçar as principais medidas de combate à crise, garantindo
que fará “tudo o que for necessário, dentro
do mandato” para apoiar os cidadãos, as empresas e os países da
zona euro. Foram reduzidos os custos associados às operações de financiamento
específicas que são conhecidas por TLTRO II, injeções de liquidez na banca com
prazos longos e juros fixos. Os juros passam, até junho de 2021, a ser 50
pontos-base abaixo das taxas de juro médias no eurossistema a cada momento, ou
seja, potencialmente até -1%. Por
outro lado, o BCE decidiu lançar mais um conjunto de operações de
refinanciamento de emergência (menos localizadas do que as TLTRO) – batizadas de PELTROs – que serão 7 operações a um
preço fixo de 25 pontos-base abaixo da taxa de juro do BCE. Duas decisões
relevantes, mas a autoridade monetária “manteve
as munições no bolso enquanto analisa o impacto das medidas já
lançadas”, dizem os economistas do ING Group. O BCE não mexeu no ritmo mensal
de compras de dívida ao abrigo do programa normal de quantitative easing e do programa de emergência de
compras pandémicas (o programa PEPP), de 750 mil
milhões de euros.
É de
recordar que, a 18 de março, sem esperar pela sua habitual reunião de política
monetária, o BCE anunciou um “programa de compra de ativos de emergência devido
à pandemia” (PEPP), prevendo a compra de 750 mil milhões
de euros de dívida pública e privada, valor que os analistas pensam que aumentará, mas que o BCE decidiu não
fazer para já. E Lagarde admitiu, neste dia 30, que esse programa poderá ser prolongado para além
de 2020.
A decisão de
manter os principais instrumentos inalterados mostra que o BCE quer primeiro avaliar
o impacto das medidas recentes. Além disso, como refere o ING Group, quererá manter
algumas munições no bolso, até porque essas serão necessárias, com os números
do PIB que saíram hoje a dar-nos uma primeira ideia de quão grave a crise na
zona euro é.
***
Para não
agravar os termos da crise económica que já se iniciou e de que se avizinha um recrudescimento,
alguns países estão prestes a iniciar o desconfinamento e a proceder à retoma
da atividade económica.
Portugal alivia medidas em três momentos diferentes: 4 de maio, 18 de
maio e 1 de junho.
O Estado de Emergência III, em vigor até 2 de maio, será, ao que tudo indica, o último declarado pelo
Presidente da República na sequência da pandemia. Significa isto que o país se prepara agora para uma reabertura
faseada da economia, que terá três
fases (4 de maio, 18 de maio e 1 de junho), como se
espera que o Primeiro-Ministro venha a anunciar, neste dia 30 de abril, após a reunião do Conselho de Ministros
– à semelhança de outros países para o pós-Covid-19.
Segundo a
SIC, António Costa, após reunião com os especialistas a 28 de abril, reuniu a
29 com os partidos para discutir a reabertura da economia, estando em cima da mesa
três fases – 4 de maio, 18 de maio e 1 de junho –, sendo que será cada fase precedida
de reunião com partidos e parceiros para avaliar as medidas em curso e outras a
implementar, tudo dependendo da evolução dos acontecimentos e da robustez do
SNS. Assim, em cada fase será preciso decidir se as medidas implementadas
continuam, se devem ser adaptadas ou se é preciso voltar atrás.
O Governo,
para o anúncio de hoje, ouviu especialistas, partidos e parceiros sociais para
decidir de que forma se fará o regresso faseado das atividades económicas.
Assim, nesta 1.ª fase, de 4 de maio, abrirão os espaços com dimensão até
200 m2: pequeno comércio (preferencialmente
com porta virada para a rua); cabeleireiros,
barbeiros, stands de automóveis, conservatórias, serviços de atendimento ao
público não concentrados; livrarias, bibliotecas e arquivos; autocarros com
cabine no motorista de forma a isolá-los; reforço de autocarros na linha de
Sintra; e atividades desportivas individuais, como, por exemplo, o ténis e o
golfe.
Na 2.ª fase, de 18 de maio, abrirão os espaços com dimensão até 400 m2: restaurantes, museus, cafés, esplanadas e similares;
palácios; creches (numa 1.ª fase, os pais podem optar por continuar de
apoio à família); e escolas (aulas
presenciais para 11.º e 12.º anos).
As autarquias
podem decidir pontualmente pela abertura de outros estabelecimentos, por
exemplo, se um espaço tiver mais de 400 m2, mas não concentrar muita gente.
E, na 3.ª fase, 1 de junho, abrirão os espaços com dimensão superior a 400
m2: creches, educação pré-escolar e
ATL; lojas; lojas do Cidadão; centros comerciais; cinemas e teatros com lotação
restringida; reinício das provas desportivas em recinto aberto, mas sem
público; e desportos coletivos.
Quanto a outros países, mesmo os mais
afetados pela pandemia, como Espanha, Itália e França, definiram planos para
reabrir faseadamente “as portas”.
Assim, a Espanha fará a reabertura a 2 de maio.
O país desenvolveu um plano para a transição para a nova normalidade, que
arranca a 2 de maio, que se desenrola em várias fases, de entre 6 a 8 semanas e
que se prolongará até junho. Uma pessoa poderá sair à rua para fazer desporto,
sozinha ou com as pessoas com quem vive, o que até agora não era possível
devido às apertadas medidas de restrição, mas continuam interditas as
deslocações entre províncias ou ilhas.
A França fará a reabertura a 11 de maio. Poderão abrir o comércio, bibliotecas e pequenos museus, mas não bares ou
restaurantes, nem cinemas, teatros e salas de concertos. Os transportes
públicos regressarão gradualmente ao normal funcionamento, sendo obrigatório
usar máscara. As crianças da educação pré-escolar e do ensino básico podem
regressar à escola, voluntariamente, sendo que as aulas são restringidas a 15
alunos. Estão proibidos todos os eventos culturais e desportivos que juntem
mais de 5.000 pessoas até setembro e não haverá cerimónias religiosas antes de
2 de junho. Os convívios estão restringidos a dez pessoas e as praias e alguns
parques vão continuar fechados pelo menos até 1 de junho.
A Itália mantém restrições à circulação até setembro. O Governo delineou um plano de 4 etapas para aliviar
as medidas de restrição, mas os movimentos das pessoas continuam a ter
restrições e as escolas manter-se-ão fechadas até setembro. As fábricas
voltadas para exportações e projetos de construção pública podem retomar as
atividades a partir da próxima semana enquanto a maioria da indústria italiana
será reiniciada a partir de 4 de maio – um dia após o fim do bloqueio. A 11 de
maio, poderão abrir alguns estabelecimentos comerciais, como lojas de roupa e
sapatos, e, na semana seguinte, restaurantes, bares e cabeleireiros.
Na Alemanha, as escolas reabrem a 4 de maio. O país começou a reduzir as medidas na semana
passada, sendo que as lojas mais pequenas reabriram, mas um aumento da
atividade social preocupou as autoridades de saúde do país. As máscaras serão
obrigatórias nas lojas e nos transportes públicos. Os restaurantes continuarão
fechados, podendo fazer take-away e entregas. Bares, discotecas, teatros e
salas de concertos ainda não poderão abrir portas.
Na Bélgica, os restaurantes reabrem a 8 de junho. O alívio das medidas arranca a 4 de maio, quando
empresas com operações ‘business-to-business’ e atividades industriais reabrem.
Uma semana depois, reabrem as retalhistas, exceto as que não podem evitar o
contacto físico, como cabeleireiros. As escolas abrirão progressivamente para
estudantes de 6 a 18 anos a partir de 18 de maio, divididas por faixas etárias.
As máscaras serão obrigatórias a partir dos 12 anos e nos transportes públicos;
os bares e restaurantes permanecerão fechados até pelo menos 8 de junho.
Na Grécia, o
confinamento começa a “aliviar” a partir de 4 de maio, num plano que se estende
até meados de junho. Serão levantadas as restrições às deslocações dos cidadãos
dentro do concelho de residência e reabertas algumas lojas, nomeadamente
livrarias, cabeleireiros, lojas de eletrónica. As restantes lojas podem abrir
portas a 11 de maio e os centros comerciais, restaurantes e hotéis devem
retomar a 1 de junho. O uso de máscaras será obrigatório nos transportes públicos,
hospitais e cabeleireiros.
***
Se os
cuidados são similares em todos os países mencionados, o levantamento das
medidas, embora faseado, não é igual. Espera-se o regresso às atividades, pela
vertente da saúde mental, pela volta à produtividade e pela sobrevivência das empresas
e os postos de trabalho, mas temos de esconjurar a continuação da crise
pandémica e sobretudo o seu recrudescimento.
2020.04.30 –
Louro de Carvalho