sexta-feira, 24 de abril de 2020

A subida de Jesus ao Céu fez de Maria o coração materno da Igreja


Na verdade, do alto da cruz, antes de entregar o espírito, Jesus confiou a mãe ao discípulo amado e o discípulo amado à mãe. E o discípulo recebeu-a em sua casa (cf Jo 19,25-27). A hermenêutica não confina esta entrega a duas pessoas singulares: a mãe que perdera o filho; e um homem novo que, por acaso, era discípulo do falecido.
Desde sempre se viram nestas palavras do 4.º Evangelho a constituição testamentária de Maria como a mãe de todos os que partilham do estatuto do discipulado, ali representados pelo apóstolo mais novo, o que não abandonou o Mestre e o aquele que, ao ver o túmulo vazio e os despojos do que ali fora sepultado em boa ordem, começou a acreditar, antes dos outros. Enfim, a mãe do Messias torna-se também a mãe dos que partilham da missão evangelizadora, santificadora e organizadora na caridade, bem como dos destinatários e beneficiários dessa mesma missão, que têm o ensejo, o direito e o dever de se tornarem agentes da mesma segundo a sua condição de vida. Por isso, o discípulo recebeu a mãe do Senhor como sua mãe e a aceitou em sua casa, o que os demais discípulos vieram a fazer como vem espelhado no livro dos Atos dos Apóstolos (cf At 1,14), que refere que “todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,4).
Não só a comunidade dos discípulos, que se fazem apóstolos segundo o mandato divino, tem Maria por mãe, como, nesta comunidade, Maria se torna a mãe dos que pregam a salvação, dos que a aceitam e se tornam seus instrumentos.
Assim, Maria é, ao mesmo tempo, mãe da Igreja e protótipo da Igreja-mãe. É, em última análise, pela sua vertente discreta e de omnipotência suplicante (intercede por nós junto de Jesus e apresenta-lhe nossos dramas e êxitos, tal como é missionaria de Jesus junto de nós avisando e aconselhando-nos), não tanto as mãos de quem trabalha, mas sobretudo o coração de quem pulsa no Espírito Santo e os pés de caminhante com a marcha da Igreja.
A este respeito, o n.º 63 da Lumen gentium (Constituição Dogmática sobre a Igreja) ensina:
Pelo dom e missão da maternidade divina, que a une a seu Filho Redentor, e pelas suas singulares graças e funções, está a Virgem intimamente ligada à Igreja: a Mãe de Deus é o tipo e a figura da Igreja, na ordem da fé, da caridade e da perfeita união com Cristo, como já ensinava Santo Ambrósio. Com efeito, no mistério da Igreja, que é também com razão chamada mãe e virgem, a bem-aventurada Virgem Maria foi adiante, como modelo eminente e único de virgem e de mãe. Porque, acreditando e obedecendo, gerou na terra, sem ter conhecido varão, por obra e graça do Espírito Santo, o Filho do eterno Pai; nova Eva, que acreditou sem a mais leve dúvida, não na serpente antiga, mas no mensageiro celeste. E deu à luz um Filho, que Deus estabeleceu primogénito de muitos irmãos (Rm 8,29), isto é, dos fiéis, para cuja geração e educação Ela coopera com amor de mãe.”.
O Papa São Paulo VI, no dia 21 de novembro de 1964, “no discurso conclusivo da III Sessão Conciliar”, no ato público de promulgação da Constituição Lumen Gentium, proclamou Maria como “Mãe da Igreja”. Fê-lo perante mais de dois mil bispos reunidos na Basílica de São Pedro, embora com o “parecer negativo dos bispos alemães e da comissão doutrinal”, que se preocupavam com a conveniência ecuménica da proclamação, bem como com críticas particulares como as do seu amigo o filósofo Jean Guitton. Contudo, já o Papa São João XXIII, em 1960, tinha atribuído a Nossa Senhora este título e São Paulo VI tinha manifestado, no final da II Sessão Conciliar, a “esperança de que se chegasse àquela proclamação”.
No dia 3 de março de 2018, foi publicado um Decreto da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, pelo qual Francisco decidiu a inscrição da Memória da “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja” no Calendário Romano Geral. E o Cardeal Robert Sarah, prefeito daquele dicastério, comentando o Decreto, afirmava que a maturação da veneração litúrgica de Maria decorre de uma melhor compreensão da sua presença no mistério de Cristo e da Igreja.
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E é esta a razão que está explicitamente na base do ato a que os Bispos do Canadá e dos Estados Unidos da América vão proceder de consagração a Maria no próximo dia 1 de maio.
Com efeito, unidos, os Bispos destes dois países vão renovar a consagração das respetivas nações à Virgem Maria, entregando-se aos seus cuidados no início do mês mariano.
Dom José Gomez, Arcebispo de Los Angeles e presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, em carta enviada a 22 de abril, convidou os Bispos do país a unirem-se, no 1.º de maio, para consagrar os Estados Unidos à Santíssima Virgem Maria neste momento de crise causado pela pandemia, evento que coincidirá com a consagração do Canadá à Mãe de Deus. E, explicado que a consagração mariana será feita com o título de “Maria, Mãe da Igreja”, referiu:
Todos os anos a Igreja busca a intercessão especial da Mãe de Deus durante o mês de maio. Este ano, buscamos com maior fervor a assistência de Nossa Senhora enquanto enfrentamos juntos os efeitos da pandemia global causada pelo coronavírus.”.
Este pedido vem na sequência da decisão dos Bispos do Canadá de consagrarem o seu país à Virgem Maria. Na verdade, como diz Dom José Gomez, no âmbito do diálogo com os líderes da Conferência dos Bispos do Canadá, o Comité da Conferência estadunidense reuniu-se e confirmou a data de 1 de maio de 2020 como oportunidade para que os Bispos dos Estados Unidos voltem a consagrar a nação à Nossa Senhora e o façam com o título de “Maria, Mãe da Igreja”, no mesmo dia que os irmãos Bispos do Canadá e com o mesmo título.
Tendo o título de “Maria, Mãe da Igreja” sido dado à Santíssima Virgem por São Paulo VI e acrescentado na memória do calendário litúrgico da Igreja em 2018 por Francisco, Dom José Gomez, celebrando este acontecimento em 2018, disse que “quando Jesus ressuscitou dos mortos e subiu ao Céu, Maria se converteu no coração materno da Igreja”.
Por outro lado, o ato de consagração, como ato de entrega e de confiança, constituirá uma boa oportunidade para rogar a intercessão de Maria durante a pandemia. Ou seja, esta consagração “dará à Igreja a oportunidade de rezar pela proteção contínua de Nossa Senhora aos vulneráveis, à cura dos enfermos e à sabedoria dos que trabalham para encontrar a cura deste vírus”, como afirmou o presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, que concluiu:
No tempo de Páscoa, continuamos a jornada com nosso Senhor ressuscitado para que, entre as graças deste tempo, possamos ter cuidado e fortaleza, especialmente para todos os que estão sofrendo pelo efeito da pandemia”.
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É boa resposta aos críticos da Igreja católica que aduzem que não se fazem preces para arredar as situações de calamidade, como seca severa, alagamentos, terramotos e outros cataclismos, incluindo epidemias e pandemias. Aliás, os Bispos de Portugal e Espanha, a que se juntou uma vintena de Conferências Episcopais, consagraram os seus países ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria, no dia 25 de março; o Papa convocou o momento extraordinário de oração para o dia 27 do mesmo mês, que o mundo pôde contemplar e a que pôde unir-se; e os Bispo da Europa compuseram a “oração para pedir ajuda, conforto e salvação” em tempo de pandemia.
Resta a atitude de cada um em aderir à oração, replicá-la e torná-la compromisso pessoal de vida mais solidária e justa na comunidade.
2020.04.24 – Louro de Carvalho

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