O roteiro da Comissão Europeia para a normalização da vida pública – a
atividade comercial e a reabertura de escolas, lojas, restaurantes e festivais
e demais atividades – é de longo prazo, sem definição de etapas, devendo a ação
basear-se na ciência e centrar-se na saúde pública.
O documento, que estabelece 3 critérios, 3 princípios básicos, 7 medidas complementares
e 9 recomendações para o levantamento das medidas de contenção da Covid-19, foi
apresentado, no dia 15, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, e pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e adverte que o
roteiro não significa que as medidas devam ser levantadas imediatamente,
pretendendo fornecer um enquadramento para assegurar uma coordenação ao nível
da UE e transfronteiriça.
Reconhecendo a especificidade de cada Estado-membro, o
documento foi elaborado com base no conhecimento e recomendações do Centro
Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e do painel consultivo da Comissão
sobre a Covid-19 e teve em conta a perspetiva de vários Estados-membros da UE e
as diretrizes da OMS (Organização Mundial de Saúde). Depois, recorda que todos os Estados-membros
proibiram concentrações públicas, fecharam (total ou parcialmente) as escolas e introduziram restrições de viagem ou nas
fronteiras e que mais de metade deles declarou estado de emergência. Ora, tendo
em conta o caráter transversal das medidas de contenção aplicadas, o seu
levantamento deve obedecer a um conjunto de diretrizes.
Assim, a Comissão definiu três critérios: o critério epidemiológico que mostre que a
propagação da doença diminuiu significativamente e estabilizou num período
sustentado de tempo, o que pode ser indicado, por exemplo, pela redução
sustentada do número de novas infeções, de hospitalizações e de pacientes nos
cuidados intensivos; a capacidade do
sistema de saúde, ao nível da taxa de ocupação das unidades de cuidados
intensivos, número adequado de camas de hospital, acesso a produtos
farmacêuticos necessários nos cuidados intensivos, reconstituição dos stocks de
equipamento, acesso a cuidados sobretudo pelos grupos mais vulneráveis, etc.; e
a capacidade de monitorização,
incluindo a capacidade de teste em larga escala para detetar e rastrear a
propagação do vírus, combinada com a reconstituição dos contactos e a
possibilidade de isolar no caso de ressurgimento da doença e de propagação
adicional de infeções.
Por conseguinte, formulou três princípios: a ação deve
basear-se na ciência e centrar-se na saúde pública, pois a cessação das medidas
restritivas é decisão política multidimensional que envolve o equilíbrio dos benefícios
para a saúde pública com outros impactos sociais e económicos; a ação deve ser
coordenada entre os Estados, já que a falta de coordenação no levantamento das
medidas restritivas apresenta o risco de efeitos negativos para todos os
Estados e de fricção política; o respeito e a solidariedade entre Estados são
essenciais, passando o fator-chave de sucesso pelo desenvolvimento dos pontos
fortes de cada um, visto que nem todos os sistemas de saúde estão sob a mesma
pressão, pelo que o conhecimento deve ser partilhado entre profissionais e Estados,
sendo fundamental a assistência mútua em tempos de crise.
Complementarmente, a Comissão preconiza sete
medidas:
- Reunião de dados
e desenvolvimento dum sistema robusto
para reportar casos, pois a reunião e partilha de informação a nível
nacional e subnacional pelas autoridades de saúde de forma harmonizada sobre a
propagação do vírus, as caraterísticas das pessoas infetadas e recuperadas e os
seus potenciais contactos diretos são essenciais para gerir o levantamento de
medidas;
- Criação de estrutura
para o rastreio dos contactos e emissão de avisos sobre riscos acrescidos,
através de aplicações móveis que respeitem a privacidade dos dados, cujo uso
deve ser voluntário e basear-se no consentimento dos utilizadores, respeitando as
regras de proteção dos dados pessoais, devendo a monitorização móvel e as
aplicações emissoras de aviso respeitar requisitos de transparência, ser
desativadas mal termine a crise pandémica e os dados apagados;
- Expansão da capacidade
de testar e harmonizar as metodologias de teste, pois, na ausência de
vacina, a população tem de ser protegida da infeção e a disponibilidade de testes
em larga escala que forneçam resultados rápidos e fiáveis é crucial para
enfrentar a pandemia e constituir pré-condição para levantamento futuro de medidas
de distanciamento social;
- Aumento da capacidade
e resiliência dos sistemas de saúde, já que o levantamento gradual de medidas
de confinamento levará a novas infeções, tornando-se essencial que os novos
pacientes sejam tratados adequadamente pelos sistemas de saúde;
- Aumento da
capacidade de fornecimento de equipamento médico e pessoal de proteção;
- Desenvolvimento e introdução de vacina segura e eficiente, o que pode demorar um ano; e
- Desenvolvimento de tratamentos e fármacos seguros e eficientes, incluindo a aplicação
de medicamentos autorizados para outras doenças ou condições.
Para que não haja efeitos perversos, Bruxelas faz nove
recomendações:
- Seja a ação gradual e as medidas levantadas em
diferentes passos, com um intervalo de tempo entre elas, para o levantamento
poder ser avaliado com o tempo.
- Sejam as medidas gerais substituídas por medidas
direcionadas, com vista ao regresso gradual à normalidade e à continuidade da
proteção da população da UE da ameaça do vírus. Assim, os mais vulneráveis
sejam protegidos por mais tempo; os diagnosticados e os de sintomas ligeiros
continuem em quarentena e tratados adequadamente, o que ajudará a quebrar as
correntes de transmissão e a limitar a propagação da doença. As medidas
proibitivas genéricas deem lugar a alternativas seguras, para se identificarem
fontes de risco e se facilitar o regresso gradual de atividades económicas
necessárias; e estados de emergência deem lugar a intervenções mais
direcionadas em linha com as Constituições e no estrito respeito do Estado de
Direito.
- Comece o levantamento de medidas pelas que têm impacto
local e seja gradualmente aplicado a medidas com cobertura geográfica mais
ampla, sem excluir a eventual reimposição de restrições, incluindo o cordão
sanitário em local com número elevado de novos casos.
- Haja abordagem faseada à abertura de fronteiras
internas e externas, com eventual restauro do normal funcionamento do Espaço
Schengen, devendo os controlos fronteiriços internos ser levantados de forma
coordenada, mas de modo que a reabertura das fronteiras externas e o acesso à
UE de residentes fora do espaço comunitário aconteça numa segunda fase e tenha
em consideração a propagação do vírus fora da UE e os perigos da sua
reintrodução.
- Seja também o reinício da atividade económica faseado
e considerados fatores como o baixo contacto interpessoal no desempenho das
funções laborais, a adequação ao teletrabalho, a relevância económica e os
turnos. Assim, não volte a população toda ao mesmo tempo para os seus locais de
trabalho, devendo o foco inicial ser em grupos menos vulneráveis e em setores
essenciais para alavancar a atividade económica, como os transportes, e devendo
continuar a vigorar no local de trabalho o distanciamento social, a saúde
ocupacional e as regras de segurança impostas pela crise pandémica.
- Sejam permitidas de forma progressiva as aglomerações
de pessoas, sendo esta a sequência para a reabertura das atividades: escolas e
universidades (com medidas específicas como tempos diferenciados de
almoço, limpeza reforçada, turmas mais reduzidas e recurso ao ensino à
distância); atividade comercial (com
medidas gradativas como a fixação dum número máximo de pessoas autorizado); atividade social, incluindo restaurantes e cafés (com
medidas gradativas como horários mais reduzidos e limitação do número de
pessoas); aglomerações em massa, como festivais ou
concertos.
- Seja permitido o mais cedo possível o transporte
individualizado em carros privados, pois representa risco menor, porém, os meios
coletivos de transporte obedeçam a uma gradação, observando-se as necessárias
medidas de saúde, como redução da densidade de passageiros nos veículos, maior
frequência do serviço, disponibilização de equipamento de proteção para
condutor e/ou passageiros e uso de barreiras protetoras ou disponibilização de
gel desinfetante nos terminais e nos próprios veículos.
- Sejam os esforços sustentados para impedir a
propagação do vírus, com a continuação de campanhas de sensibilização para a
adoção de melhores práticas de higiene, as diretrizes de distanciamento social
e a recomendação do uso de máscaras (sobretudo em espaços movimentados e
confinados), devendo
as máscaras de pano também ser consideradas para a população em geral,
priorizando o pessoal médico no uso de máscaras cirúrgicas. E
- Seja continuamente monitorizada a ação e afinado o
grau de preparação para um eventual regresso a medidas mais restritivas, se
necessário, no caso de subida excessiva nas taxas de infeção, incluindo a
evolução da propagação a nível internacional.
Enfim, o roteiro frisa que o aconselhamento
científico, a coordenação e a solidariedade na UE são princípios fundamentais
para o levantamento bem-sucedido das medidas de confinamento.
***
Por sua vez, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciara, no
dia 14, seis critérios para os países que já começaram a levantar medidas
restritivas de combate à propagação da Covid-19 ou planeiam fazê-lo. Ei-los:
estar controlada a transmissão; estarem os sistemas de saúde com capacidade
para detetar, testar, isolar, tratar e rastrear todos os contactos; serem os
riscos de surto minimizados em contextos especiais, como unidades de saúde e
lares de idosos; estarem as medidas preventivas em vigor nos locais de
trabalho, escolas e outros onde o acesso da população é essencial; poderem ser
geridos os riscos de importação do vírus; e estarem as comunidades instruídas,
envolvidas e capacitadas para se ajustarem à nova norma.
Com efeito, “à medida que o mundo se aproxima dos dois milhões de casos de
infeção, a OMS atualiza a sua estratégia para ajudar os países a salvar vidas e
a travar o coronavírus” – declarou o diretor-geral da organização, que
advertiu:
“Alguns países e comunidades já enfrentaram
várias semanas de restrições sociais e económicas. Alguns países estão a
considerar quando podem levantar essas restrições, outros estão a considerar se
e quando devem introduzi-las. Em ambos os casos, estas decisões devem
basear-se, em primeiro lugar, na proteção da saúde humana e guiar-se pelo que
sabemos do vírus e como ele se comporta (…) Estamos todos a aprender a cada
momento e a ajustar a nossa estratégia, com base nos mais recentes elementos
disponíveis.”.
Mais observou que “todos os países devem implementar
uma série abrangente de medidas para desacelerar a transmissão e salvar vidas”
e “todos os governos devem avaliar as suas situações, enquanto protegem todos
os seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis”.
No plano político, o Secretário de Estado
norte-americano, Mike Pompeo, insistiu, também no dia 14, numa “mudança
radical” no funcionamento da OMS, acusando-a de não ter agido “de forma correta
desde o início” da crise. Isto, na linha da ameaça, na semana passada, do
Presidente Donald Trump de suspender a contribuição financeira do país para a
OMS, acusando-a de ser demasiado “pró-chinesa” nas decisões que toma no combate
à pandemia.
***
Ora, se
alguma organização precisa de ter independência sempre, bem como tranquilidade
sobretudo agora, caso de pandemia, é a OMS. E o diretor-geral deve afastar do
discurso e da ação toda a suspeita.
Quanto
ao roteiro da UE, deve frisar-se que os critérios, princípios, medidas
complementares (Complementares, porquê e de quê?) e recomendações vêm com atraso
considerável e o seu teor é válido em qualquer momento. Falta a definição de
etapas concretas, nomeadamente no que toca a reabertura ou não de fronteiras
externas, sugestão de controlo ou não de fronteiras internas (quais,
quando e em que medida) e
levantamento ou continuação de medidas restritivas por país.
O dito
sabe a pouco, intemporal, reiteradamente cauteloso e demasiado genérico.
2020.04.16 –
Louro de Carvalho
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