quinta-feira, 16 de abril de 2020

A Comissão Europeia não tem solução para o fim do confinamento



O roteiro da Comissão Europeia para a normalização da vida pública – a atividade comercial e a reabertura de escolas, lojas, restaurantes e festivais e demais atividades – é de longo prazo, sem definição de etapas, devendo a ação basear-se na ciência e centrar-se na saúde pública.
O documento, que estabelece 3 critérios, 3 princípios básicos, 7 medidas complementares e 9 recomendações para o levantamento das medidas de contenção da Covid-19, foi apresentado, no dia 15, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e adverte que o roteiro não significa que as medidas devam ser levantadas imediatamente, pretendendo fornecer um enquadramento para assegurar uma coordenação ao nível da UE e transfronteiriça.
Reconhecendo a especificidade de cada Estado-membro, o documento foi elaborado com base no conhecimento e recomendações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e do painel consultivo da Comissão sobre a Covid-19 e teve em conta a perspetiva de vários Estados-membros da UE e as diretrizes da OMS (Organização Mundial de Saúde). Depois, recorda que todos os Estados-membros proibiram concentrações públicas, fecharam (total ou parcialmente) as escolas e introduziram restrições de viagem ou nas fronteiras e que mais de metade deles declarou estado de emergência. Ora, tendo em conta o caráter transversal das medidas de contenção aplicadas, o seu levantamento deve obedecer a um conjunto de diretrizes.
Assim, a Comissão definiu três critérios: o critério epidemiológico que mostre que a propagação da doença diminuiu significativamente e estabilizou num período sustentado de tempo, o que pode ser indicado, por exemplo, pela redução sustentada do número de novas infeções, de hospitalizações e de pacientes nos cuidados intensivos; a capacidade do sistema de saúde, ao nível da taxa de ocupação das unidades de cuidados intensivos, número adequado de camas de hospital, acesso a produtos farmacêuticos necessários nos cuidados intensivos, reconstituição dos stocks de equipamento, acesso a cuidados sobretudo pelos grupos mais vulneráveis, etc.; e a capacidade de monitorização, incluindo a capacidade de teste em larga escala para detetar e rastrear a propagação do vírus, combinada com a reconstituição dos contactos e a possibilidade de isolar no caso de ressurgimento da doença e de propagação adicional de infeções.
Por conseguinte, formulou três princípios: a ação deve basear-se na ciência e centrar-se na saúde pública, pois a cessação das medidas restritivas é decisão política multidimensional que envolve o equilíbrio dos benefícios para a saúde pública com outros impactos sociais e económicos; a ação deve ser coordenada entre os Estados, já que a falta de coordenação no levantamento das medidas restritivas apresenta o risco de efeitos negativos para todos os Estados e de fricção política; o respeito e a solidariedade entre Estados são essenciais, passando o fator-chave de sucesso pelo desenvolvimento dos pontos fortes de cada um, visto que nem todos os sistemas de saúde estão sob a mesma pressão, pelo que o conhecimento deve ser partilhado entre profissionais e Estados, sendo fundamental a assistência mútua em tempos de crise.
Complementarmente, a Comissão preconiza sete medidas: 
- Reunião de dados e desenvolvimento dum sistema robusto para reportar casos, pois a reunião e partilha de informação a nível nacional e subnacional pelas autoridades de saúde de forma harmonizada sobre a propagação do vírus, as caraterísticas das pessoas infetadas e recuperadas e os seus potenciais contactos diretos são essenciais para gerir o levantamento de medidas;
- Criação de estrutura para o rastreio dos contactos e emissão de avisos sobre riscos acrescidos, através de aplicações móveis que respeitem a privacidade dos dados, cujo uso deve ser voluntário e basear-se no consentimento dos utilizadores, respeitando as regras de proteção dos dados pessoais, devendo a monitorização móvel e as aplicações emissoras de aviso respeitar requisitos de transparência, ser desativadas mal termine a crise pandémica e os dados apagados;
- Expansão da capacidade de testar e harmonizar as metodologias de teste, pois, na ausência de vacina, a população tem de ser protegida da infeção e a disponibilidade de testes em larga escala que forneçam resultados rápidos e fiáveis é crucial para enfrentar a pandemia e constituir pré-condição para levantamento futuro de medidas de distanciamento social;
- Aumento da capacidade e resiliência dos sistemas de saúde, já que o levantamento gradual de medidas de confinamento levará a novas infeções, tornando-se essencial que os novos pacientes sejam tratados adequadamente pelos sistemas de saúde;
- Aumento da capacidade de fornecimento de equipamento médico e pessoal de proteção;
- Desenvolvimento e introdução de vacina segura e eficiente, o que pode demorar um ano; e
- Desenvolvimento de tratamentos e fármacos seguros e eficientes, incluindo a aplicação de medicamentos autorizados para outras doenças ou condições.
Para que não haja efeitos perversos, Bruxelas faz nove recomendações:
- Seja a ação gradual e as medidas levantadas em diferentes passos, com um intervalo de tempo entre elas, para o levantamento poder ser avaliado com o tempo.
- Sejam as medidas gerais substituídas por medidas direcionadas, com vista ao regresso gradual à normalidade e à continuidade da proteção da população da UE da ameaça do vírus. Assim, os mais vulneráveis sejam protegidos por mais tempo; os diagnosticados e os de sintomas ligeiros continuem em quarentena e tratados adequadamente, o que ajudará a quebrar as correntes de transmissão e a limitar a propagação da doença. As medidas proibitivas genéricas deem lugar a alternativas seguras, para se identificarem fontes de risco e se facilitar o regresso gradual de atividades económicas necessárias; e estados de emergência deem lugar a intervenções mais direcionadas em linha com as Constituições e no estrito respeito do Estado de Direito.
- Comece o levantamento de medidas pelas que têm impacto local e seja gradualmente aplicado a medidas com cobertura geográfica mais ampla, sem excluir a eventual reimposição de restrições, incluindo o cordão sanitário em local com número elevado de novos casos.
- Haja abordagem faseada à abertura de fronteiras internas e externas, com eventual restauro do normal funcionamento do Espaço Schengen, devendo os controlos fronteiriços internos ser levantados de forma coordenada, mas de modo que a reabertura das fronteiras externas e o acesso à UE de residentes fora do espaço comunitário aconteça numa segunda fase e tenha em consideração a propagação do vírus fora da UE e os perigos da sua reintrodução.
- Seja também o reinício da atividade económica faseado e considerados fatores como o baixo contacto interpessoal no desempenho das funções laborais, a adequação ao teletrabalho, a relevância económica e os turnos. Assim, não volte a população toda ao mesmo tempo para os seus locais de trabalho, devendo o foco inicial ser em grupos menos vulneráveis e em setores essenciais para alavancar a atividade económica, como os transportes, e devendo continuar a vigorar no local de trabalho o distanciamento social, a saúde ocupacional e as regras de segurança impostas pela crise pandémica.
- Sejam permitidas de forma progressiva as aglomerações de pessoas, sendo esta a sequência para a reabertura das atividades: escolas e universidades (com medidas específicas como tempos diferenciados de almoço, limpeza reforçada, turmas mais reduzidas e recurso ao ensino à distância); atividade comercial (com medidas gradativas como a fixação dum número máximo de pessoas autorizado); atividade social, incluindo restaurantes e cafés (com medidas gradativas como horários mais reduzidos e limitação do número de pessoas); aglomerações em massa, como festivais ou concertos.
- Seja permitido o mais cedo possível o transporte individualizado em carros privados, pois representa risco menor, porém, os meios coletivos de transporte obedeçam a uma gradação, observando-se as necessárias medidas de saúde, como redução da densidade de passageiros nos veículos, maior frequência do serviço, disponibilização de equipamento de proteção para condutor e/ou passageiros e uso de barreiras protetoras ou disponibilização de gel desinfetante nos terminais e nos próprios veículos.  
- Sejam os esforços sustentados para impedir a propagação do vírus, com a continuação de campanhas de sensibilização para a adoção de melhores práticas de higiene, as diretrizes de distanciamento social e a recomendação do uso de máscaras (sobretudo em espaços movimentados e confinados), devendo as máscaras de pano também ser consideradas para a população em geral, priorizando o pessoal médico no uso de máscaras cirúrgicas. E
- Seja continuamente monitorizada a ação e afinado o grau de preparação para um eventual regresso a medidas mais restritivas, se necessário, no caso de subida excessiva nas taxas de infeção, incluindo a evolução da propagação a nível internacional.
Enfim, o roteiro frisa que o aconselhamento científico, a coordenação e a solidariedade na UE são princípios fundamentais para o levantamento bem-sucedido das medidas de confinamento.
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Por sua vez, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciara, no dia 14, seis critérios para os países que já começaram a levantar medidas restritivas de combate à propagação da Covid-19 ou planeiam fazê-lo. Ei-los: estar controlada a transmissão; estarem os sistemas de saúde com capacidade para detetar, testar, isolar, tratar e rastrear todos os contactos; serem os riscos de surto minimizados em contextos especiais, como unidades de saúde e lares de idosos; estarem as medidas preventivas em vigor nos locais de trabalho, escolas e outros onde o acesso da população é essencial; poderem ser geridos os riscos de importação do vírus; e estarem as comunidades instruídas, envolvidas e capacitadas para se ajustarem à nova norma.
Com efeito, “à medida que o mundo se aproxima dos dois milhões de casos de infeção, a OMS atualiza a sua estratégia para ajudar os países a salvar vidas e a travar o coronavírus” – declarou o diretor-geral da organização, que advertiu:
Alguns países e comunidades já enfrentaram várias semanas de restrições sociais e económicas. Alguns países estão a considerar quando podem levantar essas restrições, outros estão a considerar se e quando devem introduzi-las. Em ambos os casos, estas decisões devem basear-se, em primeiro lugar, na proteção da saúde humana e guiar-se pelo que sabemos do vírus e como ele se comporta (…) Estamos todos a aprender a cada momento e a ajustar a nossa estratégia, com base nos mais recentes elementos disponíveis.”.
Mais observou que “todos os países devem implementar uma série abrangente de medidas para desacelerar a transmissão e salvar vidas” e “todos os governos devem avaliar as suas situações, enquanto protegem todos os seus cidadãos, especialmente os mais vulneráveis”.
No plano político, o Secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, insistiu, também no dia 14, numa “mudança radical” no funcionamento da OMS, acusando-a de não ter agido “de forma correta desde o início” da crise. Isto, na linha da ameaça, na semana passada, do Presidente Donald Trump de suspender a contribuição financeira do país para a OMS, acusando-a de ser demasiado “pró-chinesa” nas decisões que toma no combate à pandemia.
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Ora, se alguma organização precisa de ter independência sempre, bem como tranquilidade sobretudo agora, caso de pandemia, é a OMS. E o diretor-geral deve afastar do discurso e da ação toda a suspeita.
Quanto ao roteiro da UE, deve frisar-se que os critérios, princípios, medidas complementares (Complementares, porquê e de quê?) e recomendações vêm com atraso considerável e o seu teor é válido em qualquer momento. Falta a definição de etapas concretas, nomeadamente no que toca a reabertura ou não de fronteiras externas, sugestão de controlo ou não de fronteiras internas (quais, quando e em que medida) e levantamento ou continuação de medidas restritivas por país.
O dito sabe a pouco, intemporal, reiteradamente cauteloso e demasiado genérico.
2020.04.16 – Louro de Carvalho

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