quarta-feira, 29 de abril de 2020

É oportuno agora falar em reforço da educação e formação de adultos


A pandemia que assola o país e quase todo o mundo traz consequências para a economia, a vivência em sociedade e o mundo do trabalho. Há serviços e negócios que deixarão de existir, pelo menos com a relevância que lhes tem sido dada, e serviços e negócios novos que postulam uma nova literacia com reforço no uso diversificado e intenso das novas tecnologias.   
É certo que Portugal realizou, nas últimas décadas, grande esforço de qualificação dos jovens e dos adultos para recuperar do atraso que a História testemunha neste âmbito. Não obstante, a realidade nacional e o ritmo de evolução em matéria de qualificações continuam muito aquém dos ritmos dos países mais desenvolvidos, não assegurando as condições de desenvolvimento do país no contexto duma economia global cada vez mais baseada no conhecimento. Tal situação obrigou a encontrar soluções inovadoras em objetivos, modos de organização e meios utilizados, com vista à superação das dificuldades e ao aumento rápido e sustentável das competências e níveis de qualificação dos portugueses. Assim, o SNQ (Sistema Nacional de Qualificações) assumiu o ónus da generalização do nível secundário como qualificação mínima e dos instrumentos adequados à sua efetiva execução, em articulação com os instrumentos financeiros propiciados, sobretudo pelo Quadro de Referência Estratégico Nacional 2014-2020. Nestes termos, a elevação da formação de base da população ativa gerará as competências necessárias ao desenvolvimento pessoal e à modernização das empresas e da economia e possibilitará a progressão escolar e profissional das pessoas.
Trata-se de objetivos aplicáveis a jovens e a adultos com vista a promover, por razões de justiça social e imperativo de desenvolvimento, novas oportunidades de qualificação das pessoas inseridas no mercado de trabalho que sofreram os efeitos do abandono e a saída escolar precoce.
Por isso, o SNQ adota os princípios consagrados no acordo com os parceiros e reestrutura a formação profissional inserida no sistema educativo e a inserida no mercado de trabalho, com objetivos e instrumentos comuns sob um enquadramento institucional renovado.
Já a Iniciativa Novas Oportunidades, apresentada no final de 2005, estabelecera como objetivo a superação do défice estrutural de qualificações através da escolarização geral da população. Para tanto, havia que “estabelecer o nível do ensino secundário como o patamar mínimo para a participação na economia do conhecimento e na sociedade da informação e como condição determinante para o crescimento e a competitividade da economia, para a melhoria e o crescimento do emprego, para a cidadania e a coesão social, com implicações em todos os domínios do desenvolvimento das pessoas e da sociedade”, como refere um documento da rede Eurídice de 16 de janeiro de 2019.
Tal estratégia assentava em 4 domínios: 1) aumento das vagas em cursos de dupla certificação cada vez mais diversificados, o reforço da legibilidade da oferta de qualificação, o alargamento da rede e perfil dos promotores, a afinação dos procedimentos de certificação, incluindo os resultantes da validação e certificação de competências, a revisão dos critérios de financiamento e a articulação dos sistemas de educação e formação; 2) estímulo à procura e mobilização dos portugueses, motivando-os para a qualificação, desenhando sistemas de incentivos adequados, facilitando a participação em ofertas de educação-formação diversificadas, mobilizando os agentes públicos e privados relevantes e melhorando a articulação entre a oferta e a procura de qualificações; 3) aceleração do ritmo de progressão dos níveis de escolarização para encurtar a distância em relação aos padrões da Europa; 4) atuação num eixo dirigido a jovens e num eixo dirigido a adultos, pois as exigências da competitividade e participação numa economia e numa sociedade globalizadas implicam a recuperação do atraso dos adultos ativos, promovendo o “regresso dos adultos à qualificação de base” para criar os fundamentos do seu envolvimento nas atividades de aprendizagem ao longo da vida exigidas pela economia duma sociedade em acelerada e constante mutação.
Assim, no eixo Adultos valorizou-se o RVCC (reconhecimento, validação e certificação de competências) a partir das aprendizagens feitas em vários contextos (formais, não formais e informais) e a oferta de formação profissionalizante, criando-se condições de acesso e frequência. Procurou-se, diversificar e expandir as ofertas para abranger a população com habilitação inferior ao ensino secundário, visando “desenvolver a capacidade de construir trajetórias de aprendizagem individuais, que valorizem as aquisições de cada pessoa, de promover modelos flexíveis de organização da formação e de dar maior expressão à formação em contexto de trabalho…”.
Este desenvolvimento envolveu o incremento de CEFA (Cursos de Educação e Formação de Adultos), o alargamento da rede de Centros de RVCC, mais tarde designados por CNO (Centros de Novas Oportunidades), a conceção dum referencial de competências-chave para o nível secundário e a promoção da gestão integrada das ofertas e da rede de promotores.
Com a publicação da Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de março, que criou os CQEP (Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional) e extinguiu os CNO, iniciou-se o procedimento para a criação das estruturas responsáveis pelo sistema de RVCC. Foram assim criados 242 CQEP distribuídos pelo território nacional, mantendo-se a diversidade das entidades promotoras já existente nos CNO. Estes Centros reforçaram a componente de orientação ao longo da vida e integraram a orientação para jovens para além das intervenções junto dos adultos.
O programa Qualifica, apresentado em 2016, é vocacionado para melhorar os níveis de qualificação dos adultos, visando contribuir de forma significativa para a melhoria dos níveis de qualificação da população e para a melhoria da empregabilidade dos indivíduos. Assenta numa estratégia de qualificação que integra respostas educativas e formativas e instrumentos diversos que promovem a qualificação de adultos e que envolve alargada rede de operadores. Pretende responder à necessidade de qualificação da população portuguesa que continua a apresentar um expressivo défice de qualificação que condiciona o desenvolvimento do país (segundo os dados do Eurostat, 2017, tem um nível de qualificação inferior ao ensino secundário 52% da população entre os 25 e os 64 anos). E visa reaproximar Portugal das metas de convergência em matéria de aprendizagem ao longo da vida com a média dos países da UE, dando novo impulso à mobilização da população adulta na procura de qualificações.
Neste quadro, o Governo priorizou politicamente, a nível nacional, a revitalização da educação e formação de adultos como pilar central do sistema de qualificações, assegurando a continuidade das políticas de aprendizagem ao longo da vida e a melhoria da qualidade dos processos e resultados de aprendizagem. E, com o escopo de relançar esta prioridade, o programa Qualifica constitui-se como estratégia integrada de formação e qualificação de adultos.
Este programa procura concretizar os seguintes objetivos: 1) aumentar os níveis de qualificação e melhorar a empregabilidade dos ativos, dotando-os de competências ajustadas às necessidades do mercado de trabalho; 2) reduzir significativamente as taxas de analfabetismo, literal e funcional, combatendo igualmente o semianalfabetismo e iletrismo; 3) valorizar o sistema, promovendo um maior investimento dos jovens e adultos em percursos de educação e formação; 4) corrigir o atraso estrutural do país em matéria de escolarização para uma maior convergência com a realidade europeia; 5) adequar a oferta e a rede formativa às necessidades do mercado de trabalho e aos modelos de desenvolvimento nacionais e regionais.
E, até 2020, pretendia o cumprimento das seguintes metas: 1) garantir que 50% da população ativa conclui o ensino secundário; 2) alcançar uma taxa de participação de adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida de 15%, alargada para 25% em 2025; 3) contribuir para que tenhamos 40% de diplomados do ensino superior, na faixa etária dos 30- 34 anos; e 4) alargar a rede de centros Qualifica (300 centros Qualifica em 2017).
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Como escreveu Andreia Lobo hoje, dia 29 de abril, para o “educare.pt”, a educação e formação de adultos é fundamental para o sucesso económico. E, depois da pandemia, assumirá um papel ainda mais preponderante. Assim, quem se estiver a lamentar de não ter mais formação pode começar por consultar o portal Qualifica, onde disporá de toda a informação governamental sobre as diversas modalidades de ensino para jovens e adultos. E talvez se justifique uma visita presencial, quando a COVID-19 permitir. O portal ajuda a localizar os centros Qualifica mais próximos. Porém, o mais difícil não será procurar e obter informação, mas conciliar formação, família e emprego, como testemunham os adultos em frequentes artigos que os questionam sobre a experiência de voltar “à escola”.
Em 2019, um dos mais importantes relatórios sobre os sistemas educativos da Europa, o Monitor da Educação e da Formação 2019, exortava Portugal a aumentar as competências digitais da população adulta, pois, “não obstante os esforços ao abrigo do programa INCoDE 2030, o défice das competências TIC continua a crescer significativamente”. Por isso, o país era aconselhado a “melhorar o nível de competências da população”, em especial, a literacia digital, para tornar mais adequada às necessidades do mercado de trabalho a educação dos adultos. Merecia elogios da UE o reforço da educação de adultos com implementação do programa Qualifica em 2017 e a contratação e formação de pessoal para os 294 centros. No entanto, os analistas faziam depender a eficácia destas medidas duma outra: “fazer da carreira de educador de adultos uma opção reconhecida, atrativa e duradoura, apoiada por cursos especializados e graus académicos na vertente da educação e formação de educadores de adultos”.
No pós-pandemia, fará ainda mais sentido o foco na educação e formação de adultos como instrumento de requalificação e reconversão profissional em resposta às mudanças económicas, pois, como terminam antigos negócios e surgem novos, serão necessárias novas competências.
Na análise do Monitor da Educação e da Formação 2019 há boas e más notícias para Portugal. A participação dos adultos na aprendizagem ao longo da vida, embora tenha crescido, continua baixa. Em 2018, apenas 10,3% da população entre os 25 e os 64 anos participava em educação e formação (valores próximos da média de 11,1% da UE, mas inferior à meta de 15% para 2020).  
Nos sumários executivos de cada sistema educativo europeu, a Comissão Europeia fez o ponto de situação. Na Áustria, a prioridade é aumentar as competências digitais da população; na Bulgária, a grande necessidade de atualizar e requalificar competências dos adultos coexiste com a baixa participação; o Chipre debate-se com uma pouco atrativa aprendizagem ao longo da vida; a Irlanda planeia requalificar e aumentar a participação na aprendizagem ao longo da vida, mas é elevada a percentagem de adultos com poucas qualificações; na Lituânia faltam medidas a obviar à baixa participação de adultos na aprendizagem ao longo da vida; na Polónia, continua baixo o envolvimento dos adultos; na Roménia, os adultos fazem pouca formação e precisam de atualizar competências; e, em Portugal, coexiste com a baixa participação em educação e formação a percentagem significativa de adultos pouco qualificados.   
Em 2016, ano da criação dos centros Qualifica, havia 261 Centros passando para 303 em 2017. Quanto ao número de inscrições em Centros, em 2017, havia cerca de 126 mil inscritos, num esforço de mobilização de adultos para a rede, esforço que veio a corresponder ao aumento, nos últimos anos, do número de certificações (parciais ou totais) efetuadas pelos Centros.
Entretanto, há progressos nalguns países: na Dinamarca, ressaltam os esforços para promover a educação de adultos em cursos universitários flexíveis e amigos do mercado de trabalho; a Estónia atinge elevado recorde de participação dos adultos na aprendizagem, mas persiste a necessidade de aumentar competências e requalificar a população; a Finlândia tem em curso reformas nesta área; a Hungria moderniza a educação de adultos; a Alemanha anuncia investimento significativo no desenvolvimento de competências digitais e reforço do sistema de educação e formação de adultos; a Letónia ultrapassa as metas europeias para 2020; a Eslováquia define a abordagem estratégica para a aprendizagem ao longo da vida, atualizando competências e requalificando; em Espanha, a participação em ações de educação e formação aumenta pouco; e, na Suécia, as competências digitais da população são das melhores da UE.
Cláudia Sarrico, analista de políticas educativas da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), analisando dados do Skills Strategy Implementation Guidance for Portugal, de 2018, em conferência pública organizada pela Fundação Belmiro de Azevedo, a 30 de janeiro de 2019, concluía que “a procura de formação por parte dos adultos, sobretudo entre os menos qualificados, é muito baixa”. E defendia a necessidade dum esforço para levar as pessoas a compreender os benefícios da educação, motivando-as a prosseguir a oferta educativa dirigida a adultos disponível. Porém, as salas de aula das nossas escolas ainda não refletem tal esforço, pois, em média, os alunos portugueses do ensino secundário e do superior são mais jovens que no resto da OCDE, por contraste com a Dinamarca, “onde pessoas mais velhas voltam à escola para frequentarem cursos de ensino secundário ou pós-secundário, muitos deles com uma grande componente de aprendizagem em contexto de trabalho”. Por cá, o sistema educativo tem outros públicos em mente: estamos sempre a pensar no aluno jovem do ensino regular, quando a escola e a educação podem ser mais do que isso. Mais de metade dos nossos adultos, com idades entre os 25 e os 64, não concluíram o ensino secundário (taxa superior à dos outros países da OCDE, com exceção da Turquia e do México), motivo por que o país é avisado para reforçar mais o sistema de educação de adultos, tendo Andreas Schleicher, diretor de educação e competências da OCDE afirmado que “o aumento das competências é fundamental para o sucesso económico e o bem-estar social de Portugal no longo prazo”. Os analistas da OCDE veem “uma grande promessa” nas nossas políticas de educação de adultos, mas aduzem a necessidade duma série de ações coordenadas para melhorar a acessibilidade a flexibilidade, a qualidade e sustentabilidade do sistema, bem como a necessidade de medidas para “encorajar a participação de mais pessoas, em especial das que dispõem de baixas competências e que apresentam, atualmente, uma menor probabilidade de participar na educação de adultos”.
E, em 2019, estávamos longe do contexto que a pandemia e a pós-pandemia nos oferecem!...
2020.04.29 – Louro de Carvalho

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