A pandemia
que assola o país e quase todo o mundo traz consequências para a economia, a
vivência em sociedade e o mundo do trabalho. Há serviços e negócios que
deixarão de existir, pelo menos com a relevância que lhes tem sido dada, e serviços
e negócios novos que postulam uma nova literacia com reforço no uso
diversificado e intenso das novas tecnologias.
É certo que Portugal
realizou, nas últimas décadas, grande esforço de qualificação dos jovens e dos
adultos para recuperar do atraso que a História testemunha neste âmbito. Não
obstante, a realidade nacional e o ritmo de evolução em matéria de
qualificações continuam muito aquém dos ritmos dos países mais desenvolvidos,
não assegurando as condições de desenvolvimento do país no contexto duma
economia global cada vez mais baseada no conhecimento. Tal situação obrigou a encontrar
soluções inovadoras em objetivos, modos de organização e meios utilizados, com
vista à superação das dificuldades e ao aumento rápido e sustentável das
competências e níveis de qualificação dos portugueses. Assim, o SNQ (Sistema Nacional de Qualificações) assumiu o ónus da generalização do nível secundário
como qualificação mínima e dos instrumentos adequados à sua efetiva execução,
em articulação com os instrumentos financeiros propiciados, sobretudo
pelo Quadro de
Referência Estratégico Nacional 2014-2020. Nestes termos, a elevação
da formação de base da população ativa gerará as competências necessárias ao
desenvolvimento pessoal e à modernização das empresas e da economia e possibilitará
a progressão escolar e profissional das pessoas.
Trata-se de objetivos
aplicáveis a jovens e a adultos com vista a promover, por razões de justiça
social e imperativo de desenvolvimento, novas oportunidades de qualificação das
pessoas inseridas no mercado de trabalho que sofreram os efeitos do abandono e a
saída escolar precoce.
Por isso, o
SNQ adota os princípios consagrados no acordo com os parceiros e reestrutura a
formação profissional inserida no sistema educativo e a inserida no mercado de
trabalho, com objetivos e instrumentos comuns sob um enquadramento
institucional renovado.
Já a Iniciativa Novas Oportunidades,
apresentada no final de 2005, estabelecera como objetivo a superação do défice
estrutural de qualificações através da escolarização geral da população. Para
tanto, havia que “estabelecer o nível do ensino secundário como o patamar
mínimo para a participação na economia do conhecimento e na sociedade da
informação e como condição determinante para o crescimento e a competitividade
da economia, para a melhoria e o crescimento do emprego, para a cidadania e a
coesão social, com implicações em todos os domínios do desenvolvimento das
pessoas e da sociedade”, como refere um documento da rede Eurídice de 16 de
janeiro de 2019.
Tal
estratégia assentava em 4 domínios: 1)
aumento das vagas em cursos de dupla
certificação cada vez mais diversificados, o reforço da legibilidade da
oferta de qualificação, o alargamento da rede e perfil dos promotores, a
afinação dos procedimentos de certificação, incluindo os resultantes da
validação e certificação de competências, a revisão dos critérios de
financiamento e a articulação dos sistemas de educação e formação; 2) estímulo à procura e mobilização dos
portugueses, motivando-os para a qualificação, desenhando sistemas de
incentivos adequados, facilitando a participação em ofertas de
educação-formação diversificadas, mobilizando os agentes públicos e privados
relevantes e melhorando a articulação entre a oferta e a procura de
qualificações; 3) aceleração do ritmo de
progressão dos níveis de escolarização para encurtar a distância em relação
aos padrões da Europa; 4) atuação num
eixo dirigido a jovens e num eixo dirigido a adultos, pois as exigências da
competitividade e participação numa economia e numa sociedade globalizadas
implicam a recuperação do atraso dos adultos ativos, promovendo o “regresso dos
adultos à qualificação de base” para criar os fundamentos do seu envolvimento
nas atividades de aprendizagem ao longo da vida exigidas pela economia duma
sociedade em acelerada e constante mutação.
Assim, no
eixo Adultos valorizou-se o RVCC (reconhecimento,
validação e certificação de competências) a partir das
aprendizagens feitas em vários contextos (formais,
não formais e informais) e a oferta
de formação profissionalizante, criando-se condições de acesso e frequência.
Procurou-se, diversificar e expandir as ofertas para abranger a população com
habilitação inferior ao ensino secundário, visando “desenvolver a capacidade de
construir trajetórias de aprendizagem individuais, que valorizem as aquisições
de cada pessoa, de promover modelos flexíveis de organização da formação e de
dar maior expressão à formação em contexto de trabalho…”.
Este
desenvolvimento envolveu o incremento de CEFA (Cursos de Educação e Formação de
Adultos), o alargamento da rede de Centros
de RVCC, mais tarde designados por CNO (Centros de Novas Oportunidades), a conceção dum referencial de competências-chave
para o nível secundário e a promoção da gestão integrada das ofertas e da rede
de promotores.
Com a
publicação da Portaria n.º 135-A/2013, de 28 de março, que criou os CQEP (Centros
para a Qualificação e o Ensino Profissional) e extinguiu os CNO, iniciou-se o procedimento para a criação das
estruturas responsáveis pelo sistema de RVCC. Foram assim criados 242 CQEP
distribuídos pelo território nacional, mantendo-se a diversidade das entidades
promotoras já existente nos CNO. Estes Centros reforçaram a componente de
orientação ao longo da vida e integraram a orientação para jovens para além das
intervenções junto dos adultos.
O programa Qualifica, apresentado em 2016, é vocacionado para melhorar os
níveis de qualificação dos adultos, visando contribuir de forma significativa para
a melhoria dos níveis de qualificação da população e para a melhoria da
empregabilidade dos indivíduos. Assenta numa estratégia de qualificação que
integra respostas educativas e formativas e instrumentos diversos que promovem
a qualificação de adultos e que envolve alargada rede de operadores. Pretende
responder à necessidade de qualificação da população portuguesa que continua a
apresentar um expressivo défice de qualificação que condiciona o desenvolvimento
do país (segundo os
dados do Eurostat, 2017, tem um nível de qualificação inferior ao ensino
secundário 52% da população entre os 25 e os 64 anos). E visa reaproximar Portugal das metas de
convergência em matéria de aprendizagem ao longo da vida com a média dos países
da UE, dando novo impulso à mobilização da população adulta na procura de
qualificações.
Neste quadro,
o Governo priorizou politicamente, a nível nacional, a revitalização da
educação e formação de adultos como pilar central do sistema de qualificações,
assegurando a continuidade das políticas de aprendizagem ao longo da vida e a melhoria
da qualidade dos processos e resultados de aprendizagem. E, com o escopo de
relançar esta prioridade, o programa Qualifica
constitui-se como estratégia integrada de formação e qualificação de adultos.
Este
programa procura concretizar os seguintes objetivos: 1) aumentar os níveis de qualificação e melhorar a empregabilidade
dos ativos, dotando-os de competências ajustadas às necessidades do mercado de
trabalho; 2) reduzir
significativamente as taxas de analfabetismo, literal e funcional, combatendo
igualmente o semianalfabetismo e iletrismo; 3)
valorizar o sistema, promovendo um maior investimento dos jovens e adultos
em percursos de educação e formação; 4) corrigir
o atraso estrutural do país em matéria de escolarização para uma maior
convergência com a realidade europeia; 5)
adequar a oferta e a rede formativa às necessidades do mercado de trabalho
e aos modelos de desenvolvimento nacionais e regionais.
E, até 2020,
pretendia o cumprimento das seguintes metas: 1) garantir que 50% da população ativa conclui o ensino secundário;
2) alcançar uma taxa de participação
de adultos em atividades de aprendizagem ao longo da vida de 15%, alargada para
25% em 2025; 3) contribuir para que
tenhamos 40% de diplomados do ensino superior, na faixa etária dos 30- 34 anos;
e 4) alargar a rede de centros Qualifica (300 centros Qualifica em 2017).
***
Como
escreveu Andreia Lobo hoje, dia 29 de abril, para o “educare.pt”, a educação e
formação de adultos é fundamental para o sucesso económico. E, depois da
pandemia, assumirá um papel ainda mais preponderante. Assim, quem se estiver a lamentar de não ter mais
formação pode começar por consultar o portal Qualifica, onde disporá de toda a informação governamental sobre as
diversas modalidades de ensino para jovens e adultos. E talvez se justifique uma
visita presencial, quando a COVID-19 permitir. O portal ajuda a localizar os
centros Qualifica mais próximos. Porém,
o mais difícil não será procurar e obter informação, mas conciliar formação,
família e emprego, como testemunham os adultos em frequentes artigos que os
questionam sobre a experiência de voltar “à escola”.
Em 2019, um dos mais importantes relatórios sobre os
sistemas educativos da Europa, o Monitor da Educação e da
Formação 2019, exortava
Portugal a aumentar as competências digitais da população adulta, pois, “não
obstante os esforços ao abrigo do programa INCoDE 2030, o défice das
competências TIC continua a crescer significativamente”. Por isso, o país era aconselhado
a “melhorar o nível de competências da população”, em especial, a literacia
digital, para tornar mais adequada às necessidades do mercado de trabalho a
educação dos adultos. Merecia elogios da UE o reforço da educação de adultos
com implementação do programa Qualifica
em 2017 e a contratação e formação de pessoal para os 294 centros. No entanto, os
analistas faziam depender a eficácia destas medidas duma outra: “fazer da carreira de educador de adultos uma
opção reconhecida, atrativa e duradoura, apoiada por cursos especializados e
graus académicos na vertente da educação e formação de educadores de adultos”.
No pós-pandemia, fará ainda mais sentido o foco na
educação e formação de adultos como instrumento de requalificação e reconversão
profissional em resposta às mudanças económicas, pois, como terminam antigos
negócios e surgem novos, serão necessárias novas competências.
Na análise do Monitor da Educação e da
Formação 2019 há boas e más notícias para Portugal. A
participação dos adultos na aprendizagem ao longo da vida, embora tenha
crescido, continua baixa. Em 2018, apenas 10,3% da população entre os 25 e os
64 anos participava em educação e formação (valores próximos da média de 11,1%
da UE, mas inferior à meta de 15% para 2020).
Nos sumários executivos de cada sistema educativo europeu,
a Comissão Europeia fez o ponto de situação. Na Áustria, a prioridade é aumentar
as competências digitais da população; na Bulgária, a grande necessidade de
atualizar e requalificar competências dos adultos coexiste com a baixa
participação; o Chipre debate-se com uma pouco atrativa aprendizagem ao longo
da vida; a Irlanda planeia requalificar e aumentar a participação na
aprendizagem ao longo da vida, mas é elevada a percentagem de adultos com poucas
qualificações; na Lituânia faltam medidas a obviar à baixa participação de
adultos na aprendizagem ao longo da vida; na Polónia, continua baixo o
envolvimento dos adultos; na Roménia, os adultos fazem pouca formação e
precisam de atualizar competências; e, em Portugal, coexiste com a baixa participação
em educação e formação a percentagem significativa de adultos pouco
qualificados.
Em 2016, ano da criação dos centros Qualifica, havia 261 Centros passando para 303 em 2017. Quanto ao
número de inscrições em Centros, em 2017, havia cerca de 126 mil inscritos, num
esforço de mobilização de adultos para a rede, esforço que veio a corresponder
ao aumento, nos últimos anos, do número de certificações (parciais ou totais) efetuadas pelos Centros.
Entretanto, há progressos nalguns países: na Dinamarca,
ressaltam os esforços para promover a educação de adultos em cursos
universitários flexíveis e amigos do mercado de trabalho; a Estónia atinge elevado
recorde de participação dos adultos na aprendizagem, mas persiste a necessidade
de aumentar competências e requalificar a população; a Finlândia tem em curso
reformas nesta área; a Hungria moderniza a educação de adultos; a Alemanha
anuncia investimento significativo no desenvolvimento de competências digitais
e reforço do sistema de educação e formação de adultos; a Letónia ultrapassa as
metas europeias para 2020; a Eslováquia define a abordagem estratégica para a
aprendizagem ao longo da vida, atualizando competências e requalificando; em
Espanha, a participação em ações de educação e formação aumenta pouco; e, na
Suécia, as competências digitais da população são das melhores da UE.
Cláudia Sarrico, analista de políticas educativas da OCDE
(Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), analisando dados do Skills Strategy Implementation
Guidance for Portugal, de 2018, em conferência pública
organizada pela Fundação Belmiro de Azevedo, a 30 de janeiro de 2019, concluía
que “a procura de formação por parte dos adultos, sobretudo entre os menos
qualificados, é muito baixa”. E defendia a necessidade dum esforço para levar as
pessoas a compreender os benefícios da educação, motivando-as a prosseguir a
oferta educativa dirigida a adultos disponível. Porém, as salas de aula das nossas
escolas ainda não refletem tal esforço, pois, em média, os alunos portugueses
do ensino secundário e do superior são mais jovens que no resto da OCDE, por
contraste com a Dinamarca, “onde pessoas mais velhas voltam à escola para
frequentarem cursos de ensino secundário ou pós-secundário, muitos deles com
uma grande componente de aprendizagem em contexto de trabalho”. Por cá, o sistema
educativo tem outros públicos em mente: estamos sempre a pensar no aluno jovem
do ensino regular, quando a escola e a educação podem ser mais do que isso. Mais
de metade dos nossos adultos, com idades entre os 25 e os 64, não concluíram o
ensino secundário (taxa superior à dos outros países da OCDE, com
exceção da Turquia e do México), motivo por
que o país é avisado para reforçar mais o sistema de educação de adultos, tendo
Andreas Schleicher, diretor de educação e competências da OCDE afirmado que “o aumento das competências é fundamental
para o sucesso económico e o bem-estar social de Portugal no longo prazo”. Os
analistas da OCDE veem “uma grande promessa” nas nossas políticas de educação
de adultos, mas aduzem a necessidade duma série de ações coordenadas para
melhorar a acessibilidade a flexibilidade, a qualidade e sustentabilidade do
sistema, bem como a necessidade de medidas para “encorajar a participação de
mais pessoas, em especial das que dispõem de baixas competências e que
apresentam, atualmente, uma menor probabilidade de participar na educação de
adultos”.
E, em 2019, estávamos longe do contexto que a pandemia
e a pós-pandemia nos oferecem!...
2020.04.29 – Louro de Carvalho
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