sábado, 18 de abril de 2020

“O vírus não hiberna no verão”



Disse-o o Primeiro-Ministro, em entrevista ao Expresso do dia 17 de abril, na sequência da aprovação da 3.ª edição do estado de emergência e no âmbito do programa de desconfinamento que o Governo está a preparar e que apresentará no dia 30. Costa rejeita um bloco central, mas elogia Rio e a atual “concertação política”, com que conta para o orçamento suplementar a aprovar antes das férias parlamentares e anuncia um grande programa de emprego, recusando medidas de austeridade e deixando em suspenso a agenda de aumento de rendimentos.
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Em torno do estado de emergência
Confrontado com a alegada discrepância entre o decreto presidencial, que “abre já a porta ao levantamento de medidas” e o decreto do Governo, que não o fez, afasta qualquer distonia entre Presidente e Primeiro-Ministro, explanando:
Portugal tem sido referenciado como um caso não só de grande concertação institucional entre Presidente, Governo e Assembleia da República como entre Governo e oposição. Temos conseguido viver com enorme consenso político e social. (…) A nossa saída da crise vai depender muito do grau de confiança que inspiremos nos investidores estrangeiros, nos mercados, naqueles que querem retomar o contacto com Portugal como turistas. Será uma enorme mais-valia para a fase de relançamento.”.
Referiu que, embora o consenso do estado de emergência fosse até ao final de abril, o decreto leva-o até 2 de maio, para se evitar que o fim de semana prolongado de 1 a 3 de maio seja mais um momento de risco.
Questionado se, ao apresentar o Orçamento Retificativo, chamará à negociação a esquerda e o líder do PSD, retorquiu nunca ter deixado de “ouvir o líder da oposição”. Só que, no último Orçamento, o PSD disse que, em início de legislatura, não apresentava grandes iniciativas. Porém, agora a circunstância é diferente e é importante que “haja o mais largo consenso político possível”. E, quanto a um bloco central, ficou dito que “nem o PSD nem o PS querem”.
Sobre a duração da legislatura, disse não ver razão para que não haja a mesma capacidade de concertação social e política” para fazer o essencial: trabalhar na recuperação da economia.
À pergunta se tal concertação será feita à esquerda, ripostou remetendo para a resposta que deu em 2014 ao apresentar a candidatura à liderança do PS e observou que “o grau de concertação para responder a esta crise tem sido muito amplo, do ponto de vista social e político”, com o líder da oposição a ter “uma postura que só pode merecer reconhecimento”. E afasta a ideia de considerar antipatriótico criticar agora o Primeiro-Ministro.
No atinente à adução de que Rio disse ter dado todo o apoio ao Governo, mas que o PS não aprovara nenhuma das medidas do PSD, Costa relatou sobre o resultado das conversações:
Houve dois períodos de conversa, uma sobre o encerramento das escolas e declaração do estado de emergência; e depois sobre a reabertura do terceiro período. Sobre outras matérias não tem havido conversas em particular, mas conversas gerais. Tem sido importante haver um nível de partilha de informação transparente entre todos.”.
E especificando mais o contributo do PSD, sendo que Rio disse ser necessário apoiar famílias, empresas, “mas que não podemos apoiar ilimitadamente”, advertiu que “não é altura de contar tostões em matéria de saúde pública, mas temos de ter em conta que há um amanhã”.
Interpelado sobre se agenda de devolução de rendimentos ficará em suspenso, contrapôs:
Temos de desenhar o nosso plano de recuperação, que tem de assentar num fortíssimo plano de investimento – temos um conjunto programado, na ferrovia, nos hospitais. Vamos ter um programa de emprego que permita absorver muita da mão-de-obra que ficou disponível.”.
E esclareceu não se tratar propriamente de emprego público, mas de emprego “na sociedade portuguesa”, apontando:
Tínhamos enormes queixas na construção de falta de mão-de-obra, creio que é um problema (por más razões), que já não haverá. Temos o programa de reestruturação da floresta, que implica mão-de-obra intensiva, porque temos os incêndios a seguir. Temos também a necessidade de reforçar muito as condições de apoio pessoal, porque ficou manifesta a fragilidade de recursos humanos de muitas instituições de solidariedade social...”.
Admitiu que algum deste emprego é público e que “outro tem dimensão social”. Mas indicou a necessidade acrescida de concitar investimento estrangeiro para absorver quadros qualificados, os “bons sinais de que os que tínhamos em carteira não ficaram perdidos” e as novas intenções, convicto de que “um dos grandes efeitos macro desta crise” será a compreensão de que serão reestruturadas as cadeias de valor à escala global (não podemos depender tanto dum só país), o que “vai criar um quadro de revalorização da produção nacional de um conjunto de bens”.
Questionado sobre a devolução de rendimentos e a redução do IRS prevista para o próximo OE, assegurou não ter “a visão de que é preciso matar a procura interna para termos capacidade...”.
E, confrontado com a pergunta se a receita vai ser igual, desenvolveu metaforizando:
Não podemos ter o mesmo receituário médico para doenças que são distintas. Obviamente, temos de ter a receita adequada para a doença que temos agora. E essa requer em primeiro lugar manter vivas as empresas e evitar a destruição de postos de trabalho. E depois temos de relançar. Pergunta-me se as prioridades que tínhamos em janeiro são as que temos hoje? Não, não são. Agora, sabemos que para retomar a trajetória de recuperação de rendimentos é preciso recuperar as empresas e o trabalho.”.
Afastou a ideia contida na pergunta que lhe fizeram na última semana se admitia que venha a ser necessário aplicar medidas de austeridade:
Foi uma má ideia e seria uma má ideia. O país não precisa de austeridade, precisa de relançar a economia.”.
Quanto à anotada escolha de expressões e palavras como “espero que não”, “evitar”..., remeteu para a pergunta que lhe fizeram sobre a incerteza e disse que não pode “dar hoje uma resposta que amanhã não possa garantir”. Por outro lado, acha que “há um fator fundamental para sairmos desta crise, que é mantermos confiança”, que assenta em todos perceberem qual “o grau de incerteza em que vivemos” e qual “o grau de compromisso que podemos assumir”.
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Sobre o plano de desconfinamento a apresentar a 30 de abril
Costa já tem ideia de como o fazer, faseadamente. Detalhando as medidas, avisou “que ainda é preciso um esforço”, porque, a haver novo surto, “tudo pode ser revertido” e que a economia reabrirá a contar apenas com o mercado interno. Questionado sobre o tipo de desconfinamento que enunciou no Parlamento e se isso não criará mensagens contraditórias, acentuou que “abril é o esforço final que temos de fazer para conseguir consolidar o controlo da pandemia e termos margem para que em maio possamos começar a ir retomando as atividades”. E alertou:
Durante ano, ano e meio, vamos ter de conviver com o vírus sem vacina. É um processo de aprendizagem e, como todos os processos de aprendizagem, deve ser gradual, deve ser progressivo, deve ser controlado, para que não se perca em maio aquilo que ganhámos nestes dois meses.”.
Confrontado com a recomendação do roteiro da Comissão Europeia de entre cada medida de desconfinamento ocorrer um mês para se medirem os efeitos, agendou para abril fazer-se que a curva planante decresça, para o que é preciso dar confiança à sociedade dispondo de material de proteção individual e de medidas de higienização dos locais de trabalho, dos espaços públicos, dos transportes públicos.
No dia 28, na reunião com Presidente da República, presidente da Assembleia da República, os líderes partidários, os conselheiros de Estado e os cientistas que trabalham para a DGS (Direcção-Geral da Saúde), far-se-á a avaliação da situação, sendo desejável no Conselho de Ministros do dia 30 anunciar o calendário de desconfinamento progressivo dum conjunto de atividades atinentes ao ensino, às atividades comerciais e de restauração e às atividades culturais.
Em relação ao tempo que demorará todo este processo, adiantou que depende de como as coisas correrem passo a passo, esperando-se que não haja sobreposição de universos abrangidos. Por exemplo: o universo do 11.º, 12.º e o das creches não se cruzam. No respeitante à educação pré-escolar, Costa pretende que haja atividade pelo menos no período praia/campo, que se inicia em junho. Por outro lado, preconiza horários desencontrados. Assim, havendo ensino presencial só em 22 disciplinas, a escola começará mais tarde do que o horário normal de trabalho para estudantes e professores e os trabalhadores não se cruzarem nos transportes públicos. E será obrigatório o uso de máscara comunitária nas escolas e transportes públicos.
Quer o Primeiro-Ministro que se mantenha o maior número de pessoas em teletrabalho no mês de maio, para evitar concentrações, e que a saída do teletrabalho se faça também de forma faseada. Depois, pelo menos, a partir de junho, uns trabalhariam presencialmente de manhã, outros à tarde, uns numa semana presencialmente, outros noutra.
É ideia que o comércio evolua gradualmente, sendo prioritário o comércio local, por concentrar menos pessoas, sendo possível ter menor distância de deslocação e mais fácil organizar as entradas e evitar aglomerações. A seguir, as lojas maiores com porta aberta para a rua. E, por fim, as grandes superfícies. Há que ouvir os autarcas, pois em algumas cidades distinguem-se zonas residenciais de zonas mais comerciais e de maior concentração.
Sendo-lhe perguntado de quanto tempo é que tem a expectativa que tudo volte a uma nova normalidade, disse que “não teremos normalidade até haver vacina”. E vaticinou:
Temos todos de nos compenetrar que, durante o próximo ano, ano e meio, não vamos viver como vivíamos antes do mês de fevereiro. Isso significa que temos de ir dando passos sem ansiedade e com prudência. O risco que não podemos correr é termos novamente uma situação em que a pandemia não está sob controlo. A pandemia vai andar por aí, quando libertarmos o confinamento, aumenta o risco imediatamente de haver maior contaminação.”.
É por isso que adverte não poder ser tudo em simultâneo e termos de ir avançando sem atrasos. E, quando refere “maio”, não quer antecipar expectativas quanto ao que sucederá ainda em abril. Prevê, entretanto, que algumas medidas possam ser tomadas em simultâneo, “as que não se cruzam ou que têm o menor risco de cruzamento”. E explica com o benefício do teletrabalho:
Manter o teletrabalho serve para termos uma rede de segurança bastante significativa para podermos adotar o conjunto destas medidas. E dá-nos tempo para começar a ver em junho se podemos aumentar o trabalho presencial. É esta combinação que temos de ir fazendo. Sempre medindo, de forma a nunca deixar a situação sair de controlo.”.
Sobre o tempo para os grandes festivais e grandes aglomerados, diz que é cedo para decidir. Mas é de começar pelos equipamentos de lugares marcados, que possibilitam o distanciamento. Por exemplo, “num cinema, a lotação é restrita, os lugares passam a ser todos marcados, só podem vender bilhetes de duas em duas filas, de três em três cadeiras”.
Quanto ao cancelamento ou não dos grandes festivais marcados para julho, agosto..., recusa fazer futurologia, achando que o desejo de todos era ter já visto uma grande manchete no Expresso: “Está descoberta a vacina”. E desenvolve:
Tudo o que seja possível deve ser feito, desde que não ponha em causa o que é fundamental – aquilo que conseguimos coletivamente, que foi sair do crescimento exponencial e manter a pandemia num nível controlado. Esta semana, tivemos os cuidados intensivos com uma taxa de ocupação entre 55% e 60%. Isso significa que temos mantido a capacidade de resposta. Temos entre 87% e 88% dos doentes em casa. Temos pouco mais de 1% dos doentes nos cuidados intensivos. (…) Não podemos correr o risco de ter de reverter os passos que dermos.”.
Mostra-se preparado para ter de voltar atrás se for necessário, mas a relação do confinamento com o desconfinamento postula a consciencialização de todas as pessoas.
Quanto ao maior número de casos a Norte, não faz diferenciações regionais, remetendo a avaliação para os epidemiologistas, mas aponta a maior atividade industrial como causa maior.
Discutiu com os técnicos se vão ser necessárias medidas de restrição nas praias. E é certo que “a aglomeração nas praias não vai poder existir”, devendo as autarquias e as capitanias “tomar as medidas necessárias”. Com efeito, os cientistas dizem-nos que “este vírus não hiberna no verão”, não sendo, pois, o verão um momento de interrupção.
No concernente ao futebol, equaciona várias soluções como totalmente à porta fechada ou só com os lugares cativos distribuídos pelo estádio.
Tendo aconselhado os portugueses a programarem as férias cá dentro, já relativamente à receção de turistas do exterior, diz não antecipar que “as fronteiras externas da União Europeia sejam abertas de uma forma generalizada tão cedo”; e, quanto às fronteiras internas, “ainda não há nenhum objetivo fixado para a sua reabertura, embora haja o desejo de que assim que possível possamos começar a abrir fronteiras internas”.
Sobre a iminência de termos um turismo só interno, diz que é de desejar que “o turismo possa retomar a sua atividade”, devendo nós olhar muito para o mercado interno. E, para que o mercado externo venha até nós, talvez seja de “começar por abrir pelas zonas de menor risco”.
Reitera que “é em abril que ganhamos a nossa liberdade futura” e que o esforço a fazer “é a condição essencial para podermos começar a implementar as medidas de desconfinamento em maio”. Para tanto, apesar de as pessoas deverem estar em casa, havia que antecipadamente avisar estas medidas para os operadores se irem organizando.
Há que assegurar às pessoas acesso em abundância nos supermercados a máscaras de proteção comunitária e gel para se poderem proteger e ter oferta que permita uma menor compressão de número de pessoas numa carruagem ou num autocarro.
Nas escolas e transportes públicos será obrigatória a máscara comunitária; e, no comércio, para as pessoas que atendem, teremos os acrílicos ou as máscaras. E a Administração Pública deve dar o exemplo, tendo de estar na primeira linha de abertura os serviços de atendimento ao público, a começar pelos desconcentrados e só no fim as Lojas de Cidadão.
Sobre o que falta ao SNS para cumprir os requisitos para o país reabrir, diz que há critérios que ainda não estamos a cumprir, mas, esperando estarem satisfeitos a 30 de abril, diz:
Temos praticamente montada uma ponte aérea logística entre Lisboa e Pequim para abastecimento permanente dum conjunto de materiais e temos conseguido desenvolver a capacidade de produção desses equipamentos”.
Considera ultrapassado o risco de colapso no SNS desde que “nos afastámos da linha de crescimento exponencial”. E enuncia:
A melhor homenagem que podemos prestar ao extraordinário trabalho que médicos, enfermeiros e todos os profissionais de saúde estão a fazer é mantermos com as portas abertas a disciplina que temos de porta fechada”.
Sobre o lay-off e o desemprego, comenta que a prioridade foi conter a pandemia e que a nova prioridade é “reanimar a economia sem deixar descontrolar a pandemia.”
Quanto ao controlo do vírus nas pessoas, refere que tem de se respeitar o regulamento europeu de proteção de dados, os direitos de personalidade e as liberdades. As apps não carecem de regulamentação, e cada um é livre de descarregar as que quiser. Assim, o que acha pacífico são aplicações descarregáveis voluntariamente e que sejam de partilha de avisos entre os próprios, sem intervenção de autoridades. Não se tenciona fazer vigilância eletrónica remota.
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Mobilizará o Governo os cidadãos e as estruturas para programa tão cauteloso como arriscado? Será eficiente em saúde pública e relançamento da economia não esquecendo ninguém?
2020.04.18 – Louro de Carvalho

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