Disse-o o Primeiro-Ministro, em entrevista ao Expresso do dia 17 de abril, na sequência da aprovação da 3.ª
edição do estado de emergência e no âmbito do programa de desconfinamento que o
Governo está a preparar e que apresentará no dia 30. Costa rejeita um bloco
central, mas elogia Rio e a atual “concertação política”, com que conta para o
orçamento suplementar a aprovar antes das férias parlamentares e anuncia um
grande programa de emprego, recusando medidas de austeridade e deixando em
suspenso a agenda de aumento de rendimentos.
***
Em torno do
estado de emergência
Confrontado com a alegada discrepância entre o decreto
presidencial, que “abre já a porta ao levantamento de medidas” e o decreto do
Governo, que não o fez, afasta qualquer distonia entre Presidente e
Primeiro-Ministro, explanando:
“Portugal tem sido referenciado como um caso
não só de grande concertação institucional entre Presidente, Governo e
Assembleia da República como entre Governo e oposição. Temos conseguido viver
com enorme consenso político e social. (…) A nossa saída da crise vai depender
muito do grau de confiança que inspiremos nos investidores estrangeiros, nos
mercados, naqueles que querem retomar o contacto com Portugal como turistas.
Será uma enorme mais-valia para a fase de relançamento.”.
Referiu que, embora o consenso do estado de
emergência fosse até ao final de abril, o decreto leva-o até 2 de maio, para se
evitar que o fim de semana prolongado de 1 a 3 de
maio seja mais um momento de risco.
Questionado se, ao apresentar o Orçamento
Retificativo, chamará à negociação a esquerda e o líder do PSD, retorquiu nunca
ter deixado de “ouvir o
líder da oposição”. Só que, no último Orçamento, o PSD disse que, em início de
legislatura, não apresentava grandes iniciativas. Porém, agora a circunstância é
diferente e é importante que “haja o mais largo consenso político possível”. E,
quanto a um bloco central, ficou dito que “nem o PSD nem o PS querem”.
Sobre a duração da legislatura, disse não ver razão para que não haja “a mesma capacidade de concertação
social e política” para fazer o essencial: trabalhar na recuperação da
economia.
À pergunta se tal concertação será feita à
esquerda, ripostou remetendo para a resposta que deu em 2014 ao apresentar a
candidatura à liderança do PS e observou que “o grau de concertação para responder a esta crise tem sido muito amplo, do
ponto de vista social e político”, com o líder da oposição a ter “uma postura
que só pode merecer reconhecimento”. E afasta a ideia de considerar antipatriótico criticar agora o
Primeiro-Ministro.
No atinente à adução de que Rio disse ter dado todo
o apoio ao Governo, mas que o PS não aprovara nenhuma das medidas do PSD, Costa
relatou sobre o resultado das conversações:
“Houve dois períodos de conversa, uma sobre o
encerramento das escolas e declaração do estado de emergência; e depois sobre a
reabertura do terceiro período. Sobre outras matérias não tem havido conversas
em particular, mas conversas gerais. Tem sido importante haver um nível de partilha
de informação transparente entre todos.”.
E especificando mais o contributo do PSD, sendo
que Rio disse ser
necessário apoiar famílias, empresas, “mas que não podemos apoiar
ilimitadamente”, advertiu que “não é altura de contar tostões em matéria de
saúde pública, mas temos de ter em conta que há um amanhã”.
Interpelado sobre se agenda de devolução de
rendimentos ficará em suspenso, contrapôs:
“Temos de desenhar o nosso plano de
recuperação, que tem de assentar num fortíssimo plano de investimento – temos
um conjunto programado, na ferrovia, nos hospitais. Vamos ter um programa de
emprego que permita absorver muita da mão-de-obra que ficou disponível.”.
E esclareceu não se tratar propriamente de
emprego público, mas de emprego “na sociedade portuguesa”, apontando:
“Tínhamos enormes queixas na construção de
falta de mão-de-obra, creio que é um problema (por más razões), que já não
haverá. Temos o programa de reestruturação da floresta, que implica mão-de-obra
intensiva, porque temos os incêndios a seguir. Temos também a necessidade de
reforçar muito as condições de apoio pessoal, porque ficou manifesta a
fragilidade de recursos humanos de muitas instituições de solidariedade
social...”.
Admitiu que algum deste emprego é público e que “outro tem dimensão social”. Mas indicou a
necessidade acrescida de concitar investimento estrangeiro para absorver
quadros qualificados, os “bons sinais de que os que tínhamos em carteira não
ficaram perdidos” e as novas intenções, convicto de que “um dos grandes efeitos
macro desta crise” será a compreensão de que serão reestruturadas as cadeias de
valor à escala global (não podemos depender tanto dum só país), o que “vai criar um quadro de revalorização da
produção nacional de um conjunto de bens”.
Questionado sobre a devolução de rendimentos e a
redução do IRS prevista para o próximo OE, assegurou não ter “a visão de que é preciso matar a procura interna para
termos capacidade...”.
E, confrontado com a pergunta se a receita vai
ser igual, desenvolveu metaforizando:
“Não podemos ter o mesmo receituário médico
para doenças que são distintas. Obviamente, temos de ter a receita adequada
para a doença que temos agora. E essa requer em primeiro lugar manter vivas as
empresas e evitar a destruição de postos de trabalho. E depois temos de
relançar. Pergunta-me se as prioridades que tínhamos em janeiro são as que temos
hoje? Não, não são. Agora, sabemos que para retomar a trajetória de recuperação
de rendimentos é preciso recuperar as empresas e o trabalho.”.
Afastou a ideia contida na pergunta que lhe
fizeram na última semana se admitia que venha a ser necessário aplicar medidas
de austeridade:
“Foi uma má ideia e seria uma má ideia. O
país não precisa de austeridade, precisa de relançar a economia.”.
Quanto à anotada escolha de expressões e palavras
como “espero que não”, “evitar”..., remeteu para a pergunta que lhe fizeram
sobre a incerteza e disse que não pode “dar
hoje uma resposta que amanhã não possa garantir”. Por outro lado, acha que “há
um fator fundamental para sairmos desta crise, que é mantermos confiança”, que
assenta em todos perceberem qual “o grau de incerteza em que vivemos” e qual “o
grau de compromisso que podemos assumir”.
***
Sobre o plano de desconfinamento a apresentar a 30 de
abril
Costa já tem ideia de como o fazer, faseadamente. Detalhando as medidas,
avisou “que ainda é preciso um esforço”, porque, a haver novo surto, “tudo pode
ser revertido” e que a economia reabrirá a contar apenas com o mercado interno.
Questionado sobre o tipo de
desconfinamento que enunciou no Parlamento e se isso não criará mensagens
contraditórias, acentuou que “abril é o esforço final que temos de fazer
para conseguir consolidar o controlo da pandemia e termos margem para que em
maio possamos começar a ir retomando as atividades”. E alertou:
“Durante ano, ano e meio, vamos ter de
conviver com o vírus sem vacina. É um processo de aprendizagem e, como todos os
processos de aprendizagem, deve ser gradual, deve ser progressivo, deve ser
controlado, para que não se perca em maio aquilo que ganhámos nestes dois
meses.”.
Confrontado com a recomendação do roteiro da
Comissão Europeia de entre cada medida de desconfinamento ocorrer um mês para
se medirem os efeitos, agendou para abril fazer-se que a curva planante decresça, para o que é
preciso dar confiança à sociedade dispondo de material de proteção individual e
de medidas de higienização dos locais de trabalho, dos espaços públicos,
dos transportes públicos.
No dia 28, na reunião com Presidente da República, presidente da Assembleia
da República, os líderes partidários, os conselheiros de Estado e os cientistas
que trabalham para a DGS (Direcção-Geral da Saúde), far-se-á a avaliação da situação, sendo desejável no
Conselho de Ministros do dia 30 anunciar o calendário de desconfinamento
progressivo dum conjunto de atividades atinentes ao ensino, às atividades comerciais
e de restauração e às atividades culturais.
Em relação ao tempo que demorará todo este
processo, adiantou que depende de como as
coisas correrem passo a passo, esperando-se que não haja sobreposição de
universos abrangidos. Por exemplo: o universo do 11.º, 12.º e o das creches não
se cruzam. No respeitante à educação
pré-escolar, Costa pretende que haja atividade pelo menos no período praia/campo,
que se inicia em junho. Por outro lado, preconiza horários desencontrados. Assim,
havendo ensino presencial só em 22 disciplinas, a escola começará mais tarde do
que o horário normal de trabalho para estudantes e professores e os
trabalhadores não se cruzarem nos transportes públicos. E será obrigatório
o uso de máscara comunitária nas escolas e transportes públicos.
Quer o Primeiro-Ministro que se mantenha o maior número de pessoas em
teletrabalho no mês de maio, para evitar concentrações, e que a saída do
teletrabalho se faça também de forma faseada. Depois, pelo menos, a partir de
junho, uns trabalhariam presencialmente de manhã, outros à tarde, uns numa
semana presencialmente, outros noutra.
É ideia que o comércio evolua gradualmente, sendo prioritário o comércio local,
por concentrar menos pessoas, sendo possível ter menor distância de deslocação
e mais fácil organizar as entradas e evitar aglomerações. A seguir, as lojas
maiores com porta aberta para a rua. E, por fim, as grandes superfícies. Há que
ouvir os autarcas, pois em algumas cidades distinguem-se zonas residenciais de
zonas mais comerciais e de maior concentração.
Sendo-lhe perguntado de quanto tempo é que tem a
expectativa que tudo volte a uma nova normalidade, disse que “não teremos normalidade até haver vacina”. E vaticinou:
“Temos todos de nos compenetrar que, durante
o próximo ano, ano e meio, não vamos viver como vivíamos antes do mês de
fevereiro. Isso significa que temos de ir dando passos sem ansiedade e com
prudência. O risco que não podemos correr é termos novamente uma situação em
que a pandemia não está sob controlo. A pandemia vai andar por aí, quando
libertarmos o confinamento, aumenta o risco imediatamente de haver maior
contaminação.”.
É por isso que adverte não poder ser tudo em simultâneo e termos de ir
avançando sem atrasos. E, quando refere “maio”, não quer antecipar expectativas
quanto ao que sucederá ainda em abril. Prevê,
entretanto, que algumas medidas possam ser tomadas em simultâneo, “as
que não se cruzam ou que têm o menor risco de cruzamento”. E explica com o benefício
do teletrabalho:
“Manter o teletrabalho serve para termos uma
rede de segurança bastante significativa para podermos adotar o conjunto destas
medidas. E dá-nos tempo para começar a ver em junho se podemos aumentar o
trabalho presencial. É esta combinação que temos de ir fazendo. Sempre medindo,
de forma a nunca deixar a situação sair de controlo.”.
Sobre o tempo para os grandes festivais e grandes aglomerados, diz que é
cedo para decidir. Mas é de começar pelos equipamentos de lugares marcados, que
possibilitam o distanciamento. Por exemplo, “num cinema, a lotação é restrita,
os lugares passam a ser todos marcados, só podem vender bilhetes de duas em
duas filas, de três em três cadeiras”.
Quanto ao cancelamento ou não dos grandes
festivais marcados para julho, agosto..., recusa fazer futurologia, achando que
o desejo de todos era ter já visto uma grande manchete no Expresso: “Está descoberta a vacina”. E desenvolve:
“Tudo o que seja possível deve ser feito,
desde que não ponha em causa o que é fundamental – aquilo que conseguimos
coletivamente, que foi sair do crescimento exponencial e manter a pandemia num
nível controlado. Esta semana, tivemos os cuidados intensivos com uma taxa de
ocupação entre 55% e 60%. Isso significa que temos mantido a capacidade de
resposta. Temos entre 87% e 88% dos doentes em casa. Temos pouco mais de 1% dos
doentes nos cuidados intensivos. (…) Não podemos correr o risco de ter de
reverter os passos que dermos.”.
Mostra-se preparado para ter de voltar atrás se for
necessário, mas a relação do confinamento com o desconfinamento postula a consciencialização
de todas as pessoas.
Quanto ao maior número de casos a Norte, não faz diferenciações regionais,
remetendo a avaliação para os epidemiologistas, mas aponta a maior atividade industrial
como causa maior.
Discutiu com os técnicos se vão ser necessárias
medidas de restrição nas praias. E é certo que “a aglomeração nas praias
não vai poder existir”, devendo as autarquias e as capitanias “tomar as medidas
necessárias”. Com efeito, os cientistas dizem-nos que “este vírus não hiberna no
verão”, não sendo, pois, o verão um momento de interrupção.
No concernente ao futebol, equaciona várias
soluções como totalmente à
porta fechada ou só com os lugares cativos distribuídos pelo estádio.
Tendo aconselhado os portugueses a programarem as
férias cá dentro, já relativamente à receção de turistas do exterior, diz não
antecipar que “as
fronteiras externas da União Europeia sejam abertas de uma forma generalizada
tão cedo”; e, quanto às fronteiras internas, “ainda não há nenhum objetivo
fixado para a sua reabertura, embora haja o desejo de que assim que possível
possamos começar a abrir fronteiras internas”.
Sobre a iminência de termos um turismo só interno,
diz que é de desejar que “o
turismo possa retomar a sua atividade”, devendo nós olhar muito para o mercado
interno. E, para que o mercado externo venha até nós, talvez seja de “começar
por abrir pelas zonas de menor risco”.
Reitera que “é em abril que ganhamos a nossa liberdade futura” e que o
esforço a fazer “é a condição essencial para podermos começar a implementar as
medidas de desconfinamento em maio”. Para tanto, apesar de as pessoas deverem
estar em casa, havia que antecipadamente avisar estas medidas para os
operadores se irem organizando.
Há que assegurar às
pessoas acesso em abundância nos supermercados a máscaras de proteção
comunitária e gel para se poderem proteger e ter oferta que permita uma menor
compressão de número de pessoas numa carruagem ou num autocarro.
Nas escolas e transportes públicos será obrigatória a máscara comunitária;
e, no comércio, para as pessoas que atendem, teremos os acrílicos ou as máscaras.
E a
Administração Pública deve dar o exemplo, tendo de estar na primeira
linha de abertura os serviços de atendimento ao público, a começar pelos
desconcentrados e só no fim as Lojas de Cidadão.
Sobre o que falta ao SNS para cumprir os requisitos
para o país reabrir, diz que há critérios que ainda não estamos a cumprir, mas,
esperando estarem satisfeitos a 30 de abril, diz:
“Temos
praticamente montada uma ponte aérea logística entre Lisboa e Pequim para
abastecimento permanente dum conjunto de materiais e temos conseguido
desenvolver a capacidade de produção desses equipamentos”.
Considera ultrapassado o risco de colapso no SNS desde que “nos afastámos da
linha de crescimento exponencial”. E enuncia:
“A melhor homenagem que podemos prestar ao
extraordinário trabalho que médicos, enfermeiros e todos os profissionais de
saúde estão a fazer é mantermos com as portas abertas a disciplina que temos de
porta fechada”.
Sobre o lay-off e o desemprego, comenta que a
prioridade foi conter a pandemia e que a nova prioridade é “reanimar a economia sem deixar descontrolar a
pandemia.”
Quanto ao controlo do vírus nas pessoas, refere que tem de se respeitar o
regulamento europeu de proteção de dados, os direitos de personalidade e as
liberdades. As apps não carecem de regulamentação, e cada um é livre de
descarregar as que quiser. Assim, o que acha pacífico são aplicações descarregáveis
voluntariamente e que sejam de partilha de avisos entre os próprios, sem
intervenção de autoridades. Não se tenciona fazer vigilância eletrónica remota.
***
Mobilizará o Governo os cidadãos e as estruturas para programa tão
cauteloso como arriscado? Será eficiente em saúde pública e relançamento da
economia não esquecendo ninguém?
2020.04.18 –
Louro de Carvalho
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