domingo, 12 de abril de 2020

Daquele sepulcro vazio jorrou uma vida inextinguível


Após a sepultura de Jesus, no primeiro dia da semana, logo de manhã, Maria Madalena, que fora ao sepulcro e vira a pedra do túmulo retirada, foi pressurosa a avisar os discípulos e dois deles correram ao sepulcro, que encontraram vazio. E o discípulo predileto “viu e acreditou”. 
Disse, na sua homilia do domingo de Páscoa, o Cardeal Patriarca de Lisboa que o discípulo que viu não viu o cadáver como era suposto, mas, no âmbito da fé, “entreviu o que inesperadamente acontecera”: restos mortais divino-humanos transformados na vida que “nenhum espaço, nenhum tempo a podia já conter e limitar”. E a sua reflexão homilética pascal garante que “nenhuma passagem bíblica escutada, nenhum trecho do Evangelho deste dia, se ficam por um eco do passado”. Na verdade, “daquele sepulcro vazio jorrou uma vida inextinguível”. Por conseguinte, “os inúmeros vazios deste mundo são preenchidos pelo Ressuscitado, aqui e em qualquer lugar”.
E, como frisou o Santo Padre, antes da Bênção Urbi et Orbi, “o Ressuscitado é o Crucificado; e não outra pessoa”, pois “indeléveis no seu corpo glorioso, traz as chagas: feridas que se tornaram frestas de esperança, de modo que, “para Ele, voltamos o nosso olhar para que sare as feridas da humanidade atribulada”.
Dom Manuel Clemente partiu do facto de o círio acendido na Vigília ter brilhado na noite escura para dizer que o dom divino da fé “nos abriu os olhos para Cristo, em múltiplos sinais da sua luz, sinais em que o anúncio pascal resplende” espelhado nos olhos do crente. Tendo refulgido “nos olhos madrugadores da Madalena”, que não contava com a Ressurreição, e nos “do discípulo que viu e acreditou”, refulgiu “nos olhos dos que O viram entre eles, sem precisarem que lhe abrissem a porta donde estavam” e nos “de incontáveis testemunhas, refletindo a Páscoa que já vivem”. 
Depois, observou que a ressurreição do Senhor “tudo garante e impele”, atingindo “muito mais e bem mais longe, do que o ciclo anual da natureza, em que a Primavera sucede à invernia”, com alguma beleza, mas que não chega, porque o coração humano pede “aquilo que a ressurreição de Cristo já lhe deu como definitivo o acesso a outro além”, ou seja, “àquele sol que não declina, ao perfeito Domingo sem ocaso”. E deu conta do refulgir desta luz ressuscitada e ressuscitadora “no olhar e nos gestos de muitíssimos que em todos os domínios da vida eclesial ou pública, da saúde ao trabalho” e de “tantos serviços indispensáveis, protegem vidas no seu arco natural e face à pandemia”, bem como na celebração do mistério da fé pelos ministros do culto nestes tempos de vazio físico ou na oração que redobra nas famílias e na solidariedade que, de facto, se demonstra.
Em todos estes factos é Cristo Ressuscitado que está a ser acolhido e a acolher, pois, como o Senhor declarou, sempre que fizemos isto a um dos seus irmãos mais pequeninos, a Ele mesmo o fizemos. Com efeito, a Páscoa é realidade total e englobante que se experimenta na caridade. E “desejar Santa Páscoa” – continua o Patriarca – “é impelir ao anúncio e à missão, porque a Páscoa acontece no que faz; e os primeiros que o souberam não pararam”. Na verdade, a vida que estava no sepulcro irrompeu e o sepulcro ficou vazio porque era demasiado pequeno em relação à grandeza do ocupante e não precisava de ser preenchido, pelo que Cristo foi encher espaços vazios que merecem ser preenchidos, mormente os corações que têm de ver mais e melhor que os olhos, como assegurava Dom Américo Aguiar na igreja paroquial do Parque das Nações.  
A vida irrompeu, não como vírus nocivo, mas como amor que tudo vence. Vence solidões, previne e cura pandemias, mantém a instrução e o trabalho e tudo o mais que urgente for. Por isso, torna-se imperativo celebrar a Páscoa como compromisso “no tempo a recriar por todos nós”. 
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Por sua vez, Francisco anunciou que se acendeu a Boa Nova da Ressurreição como uma nova chama na noite passada, uma das noites “dum mundo já a braços com desafios epocais e agora oprimido pela pandemia, que coloca a dura prova a nossa grande família humana”. Porém, nesta noite, ressoou a voz da Igreja: “Cristo, minha esperança, ressuscitou!”. É um contágio que se transmite de coração a coração, o contágio da esperança.
E o Papa advertiu que não é uma fórmula mágica que desvanece os problemas, mas “é a vitória do amor sobre a raiz do mal, uma vitória que não salta por cima do sofrimento e da morte”, mas que os atravessa “abrindo uma estrada no abismo, transformando o mal em bem”. E esta é “marca exclusiva do poder de Deus”.
Neste contexto doutrinal, o Pontífice olha para os que foram diretamente atingidos pelo vírus: doentes, defuntos e pessoas em luto; olha para quem vive na solidão, quem passa o sofrimento físico ou psíquico e quem sente problemas económicos; e olha para quem ficou privado do afeto e do acesso aos sacramentos, garantindo que o Senhor não os deixa sós, pois disse e diz a cada um: “Não tenhas medo! Ressuscitei e estou contigo para sempre.”.
Pede, outrossim, a Jesus, nossa Páscoa, força e esperança para os médicos e enfermeiros, “que oferecem um testemunho de solicitude e amor ao próximo até ao extremo das forças” e até ao sacrifício da própria saúde, bem como “para quantos trabalham assiduamente para garantir os serviços essenciais necessários à convivência civil, para as forças da ordem e os militares que em muitos países contribuíram para aliviar as dificuldades e tribulações da população”.
E, considerando que estas semanas alteraram a vida de milhões de pessoas, regista que muitas aproveitam o ensejo de ficar em casa para refletir, parar o frenesim da vida e estar com os familiares desfrutando da sua companhia, enquanto muitas se preocupam com o futuro incerto, com o emprego em risco e com as outras consequências da crise. Por isso, encoraja os que têm responsabilidades políticas a trabalharem ativamente em prol do bem comum, “fornecendo os meios e instrumentos necessários para permitir a todos que levem uma vida digna” e a favorecerem “a retoma das atividades diárias habituais”. Ao mesmo tempo, pensa nos pobres, em quantos vivem nas periferias, nos refugiados e nos sem-abrigo e pede que não os deixemos sozinhos e sem condições de vida condigna. Exorta ao abrandamento das sanções internacionais que impedem os países visados de proporcionar apoio adequado aos seus cidadãos, bem como à redução e mesmo perdão da “dívida que pesa sobre os orçamentos dos mais pobres”. E, para que a solidariedade seja mais abrangente, o Papa pede a cessação de todos os focos e fenómenos de conflito e de guerra e adverte a União Europeia que “tem um desafio epocal, de que dependerá não apenas o futuro dela, mas também o do mundo inteiro” e deseja que “não se perca esta ocasião para dar nova prova de solidariedade, inclusive recorrendo a soluções inovadoras”.
Enfim, o Papa pretende banir deste tempo e de todos os tempos palavras e realidades conexas com a indiferença, o egoísmo, a divisão, o esquecimento. Prefere as que garantem que o medo e a morte serão vencidos, se e quando deixamos que o Senhor Jesus vença no nosso coração e na nossa vida, fazendo jorrar a vida para nós e em nós. E augura que Aquele “que já derrotou a morte abrindo-nos a senda da salvação eterna, dissipe as trevas da nossa pobre humanidade e nos introduza no seu dia glorioso, que não conhece ocaso”.
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Neste contexto e espiritualidade pascais, marcados pelas circunstâncias do atual confinamento, na linha do que fez o Papa dando a Bênção à cidade e à diocese de Roma e ao Mundo a partir do Altar da Confissão, na Basílica de São Pedro, e do que fez o Cardeal Patriarca de Lisboa, vindo em procissão com o Santíssimo Sacramento à porta da Sé Patriarcal para abençoar Lisboa e o Patriarcado, pelas 12 horas, logo após a Missa de Páscoa celebrada na Igreja de São Lourenço (dos Grilos) no Seminário Maior do Porto, Dom Manuel Linda, Bispo do Porto, deu a bênção com o Santíssimo Sacramento a partir do meio do tabuleiro superior da Ponte Dom Luís.
Na impossibilidade da realização dos usuais festejos de Páscoa devido à pandemia, o Bispo do Porto, a pedido de muitos fiéis e com plena confiança na misericórdia divina deu a Bênção com o Santíssimo Sacramento às quase gémeas cidades Porto e Vila Nova de Gaia, à diocese e a Portugal. Para tanto, foram contactadas as autoridades locais tendo sido garantido que a polícia evitaria qualquer agregado de pessoas, com exceção da comunicação social, que goza das liberdades que a lei lhe concede para o exercício da sua profissão.
No percurso e desenvolvimento desta “Procissão da Ressurreição” em domingo de Páscoa, é de reter que, após a Missa de Páscoa, celebrada à porta fechada no Seminário, o Bispo diocesano os três Bispos auxiliares e um seminarista portador de lanterna, saíram da igreja, subiram as Escadas do Colégio, passaram frente à Sé e, ao meio do tabuleiro superior da ponte de Dom Luís, Dom Manuel Linda deu a Bênção com o Santíssimo Sacramento, fazendo uma cruz com a custódia/ostensório que guardava e mostrava a hóstia sagrada pela seguinte ordem geográfica: a norte e a sul, a nascente e a poente. Não foi pronunciada qualquer palavra, sobressaindo o silêncio orante, com o pedido lancinante ao Senhor Jesus ressuscitado, “Palavra criadora”, para que ponha no coração dos desanimados razões de esperança e de ânimo; ao Senhor Jesus ressuscitado, “Médico dos corpos e das almas”, para que traga saúde aos atingidos pela Covid-19 e tranquilize as suas famílias; ao Senhor Jesus ressuscitado, que “passou fazendo o bem”, para que dê muita força anímica aos trabalhadores da saúde e a quantos tratam dos outros, mormente as direções e funcionários dos Lares de Terceira Idade, e os preserve de contágios; ao Senhor Jesus ressuscitado, “senhor e juiz da história”, para que nos dê a graça de, brevemente, podermos regressar à vida normal para edificarmos uma sociedade fraterna, pacífica, livre e próspera; ao Senhor Jesus ressuscitado, que “desceu à mansão dos mortos e agora está vivo e glorioso”, para que associe a si os irmãos que faleceram, especialmente as vítimas do Covid-19.
Por fim, a procissão recolheu imediatamente à Catedral, onde terminou.
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Na verdade, é urgente que a Páscoa nos ensine a ver com os olhos e sobretudo com o coração, como nos ensina o discípulo amado e como nos possibilita ver ao detalhe a presente situação de emergência, como apontava Dom Américo Aguiar, para que, acreditando, consigamos pela mão do apóstolo amado, como dizia Dom Manuel Clemente, ver o inesperado e entrever a profundidade do mistério e vislumbrar uma nova luz que refulja em tudo e em todos trazendo um novo tempo, um mundo novo. E é esta luz da fé que leva o discípulo a ver os sinais e acreditar logo na Ressurreição, cujo conhecimento objetivo veio depois, sendo, como dizia o Arcebispo de Braga, que a Igreja, que saiba ir às fontes e escrutinar os sinais, será a Igreja do futuro capaz de ser fiel ao seu Senhor e solidária com os seus irmãos.
 
A vida não cabe no túmulo e, se foi possível amarrar e pregar Jesus na cruz, não foi possível retê-lo no sepulcro, que não pode confinar Deus!
2020.04.12 – Louro de Carvalho

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