segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O 2018 do Papa, um balanço à luz da alegria do Evangelho


O Vatican News revisita o ano de 2018 de Francisco, com as suas alegrias e aflições, olhando para os acontecimentos pelas lentes da sua primeira Exortação Apostólica, a Evangelii gaudium.
Como disse o Papa no discurso de felicitações de Natal à Cúria Romana, neste ano, foi difícil para a Igreja a “investida de tempestades e furacões”. Por isso, talvez seja positivo lermos o ano de 2018, à luz da Evangelii gaudium, que perfez 5 anos no mês passado. De facto, como escreveu o Pontífice argentino, “é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar como uma secreta, mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias”.
Respigam-se, nestas linhas, os dados mais pertinentes do itinerário, embora com as necessárias e oportunas adaptações e reordenamento dos temas. Os itens abordados são: a centralidade de Cristo; uma Igreja que caminha em direção à santidade; o Rosário como remédio para proteger a Igreja das divisões; o falar incessante de Deus e o crescimento da fé; a difusão da frescura originária do Evangelho pelo mundo; uma Igreja de portas abertas; as reformas da Igreja; a chaga dos abusos; as viagens internacionais; as viagens em Itália; o acordo com a China; os direitos humanos espezinhados e os cristãos perseguidos; e a hora da misericórdia.  
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Cristo no centro. A Evangelii gaudium é um texto programático do pontificado, fortemente cristocêntrico. E repercute-se em todas as reflexões papais do ano, que, das 43 Audiências Gerais às 89 meditações em Santa Marta, dos Angelus às homilias das Missas públicas, se centram no encontro vivo com Jesus, como se lê no início daquele documento:  
A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira dos que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria”.
E o Bispo de Roma convida os fiéis a uma nova etapa de evangelização marcada pela alegria.
A referência da Igreja não pode ser ela mesma, mas, ao invés da tentadora autorreferencialidade eclesial, Cristo é que tem de estar no centro da seu ser, vida, oração, ação e missão.
Uma Igreja que caminha em direção à santidade. No Sínodo de outubro passado, o Bispo de Roma relançou o convite, contido na Evangelii Gaudium, a “caminhar juntos” na Igreja, sem deixar ninguém à margem, sendo que o documento final daquela assembleia episcopal pede um novo protagonismo dos jovens, mulheres e leigos. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, mercê da inércia e do preconceito, com base, muitas vezes, mais no uso que na doutrina.
E caminhar todos juntos implica demandar a santidade. Em torno deste desígnio, surgiu, em abril, a publicação da Exortação Apostólica “Gaudete et exsultate, em que Francisco refere, por exemplo, os “santos da porta ao lado”, as tantas testemunhas da fé que dão a vida no silêncio do quotidiano. E, com as canonizações de Paulo VI e de Romero,  evidencia a santidade a manifestar-se de muitas maneiras diferentes, mas a juntar instituição e profecia.
O Rosário como remédio para proteger a Igreja das divisões. Um dos momentos fortes de 2018 foi o apelo papal à recitação diária do Rosário por parte de todos os cristãos unidos como povo de Deus a pedir a Nossa Senhora e a São Miguel Arcanjo que protejam a Igreja do diabo, “que sempre visa separar-nos de Deus e entre nós”. Na verdade, como diz o Pontífice, nestes tempos, “parece que o Grande Acusador se soltou e persegue os bispos” para semear discórdia, escândalo e dúvidas. Assim, Francisco olha com aflição os que “traem” a sua consagração a Deus e à Igreja e se escondem “por trás das boas intenções para apunhalar os seus irmãos”, achando “sempre justificações”, mesmo lógicas e espirituais, para continuarem a percorrer, sem serem perturbados, o caminho da perdição”. Como disse o Papa no final do último Sínodo, a Igreja não deve ser sujada”; se os seus filhos estão sujos, a Mãe não está, pelo que é o momento de defender a Mãe. “E defende-se do Grande Acusador a Mãe do com oração e penitência”.
Deus não cessa de falar e faz crescer a inteligência da fé. Neste contexto, recorda-se a mudança do CIC (Catecismo da Igreja Católica), aprovada pelo Papa Bergoglio, sobre a pena de morte. Neste sentido, lê-se, no novo texto, que “a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa”, e que se empenha com determinação para a sua abolição em todo o mundo”. Trata-se, assim, dum desenvolvimento da doutrina sobre o tema, que admitia a pena capital só em linha de princípio, desenvolvimento que evidencia como a tradição, segundo Francisco, é “realidade viva, e só uma visão parcial pode pensar no ‘depósito da fé’ como algo estático”, pois, “não se pode conservar a doutrina sem a fazer progredir, nem se pode ligá-la a uma leitura rígida e imutável sem humilhar a ação do Espírito Santo”. Lendo os desenvolvimentos doutrinais em 2000 anos de história cristã, percebe-se que Deus não cessa de falar e de nos fazer entender cada vez melhor as verdades do Evangelho. Cresce, assim, a inteligência da fé.
Levar a frescura originária do Evangelho pelo mundo. Francisco indica duas vias. Na primeira, está o apelo a todos cristãos a levarem, com renovado fervor e criatividade, a alegria de terem encontrado Jesus: é uma “nova saída missionária” a “recuperar a frescura originária do Evangelho” e a concentrar-se no essencial, evitando uma pastoral “obcecada pela transmissão desarticulada de uma multitude de doutrinas que se tentam impor pela força de insistir”. No núcleo do anúncio “o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo que morreu e ressuscitado”. Na realidade, como diz o Papa, falamos “mais da lei que da graça, mais da Igreja do que de Jesus Cristo, mais do Papa do que da Palavra de Deus”.
Uma Igreja de portas abertas. A segunda via é a de uma Igreja aberta e acolhedora. Neste sentido, afirma o Papa Francisco:
A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. […] Mesmo as portas dos Sacramentos não se deveriam fechar por qualquer motivo. […] A Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos. Essas convicções também têm consequências pastorais que somos chamados a considerar com prudência e audácia. Comportamo-nos frequentemente como controladores da graça e não como facilitadores. Mas a Igreja não é uma alfândega, é a casa paterna onde há espaço para todos com a sua vida dura.”.
E o Pontífice prevê as consequências dessa abordagem, mas faz uma opção:
Eu prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja por ter saído para as ruas, em vez de uma Igreja doente pelo fechamento e a comodidade de apegar-se às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba encerrada num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo deve santamente inquietar e perturbar a nossa consciência, é que muitos dos nossos irmãos vivem sem a força, a luz e o consolo da amizade com Jesus Cristo.”.
As reformas: por uma Igreja profundamente missionária. Tiveram continuidade as reformas estruturais iniciadas em chave missionária, como desejado pela Evangelii gaudium. O Conselho de Cardeais entregou uma proposta da Constituição Apostólica (Praedicate evangelium) sobre a reforma da Cúria Romana para responder cada vez mais às exigências de uma Igreja em saída. E, pela Constituição Apostólica Episcopalis communio, transformou-se o Sínodo dos Bispos em “evento em processo”, com o envolvimento de todos os batizados: inicia-se escutando o Povo de Deus, e prossegue com a escuta dos pastores, culminando na escuta do Bispo de Roma, chamado a pronunciar-se como ‘Pastor e Doutor de todos os cristãos’. Com o Motu proprioAprender a despedir-se”, modificou aspetos da renúncia dos titulares de ofícios de nomeação pontifícia, enfatizando a importância de se prepararem para a renúncia, “despojando-se dos desejos de poder e da pretensão de ser indispensável”. E aprovou a Nova Lei do Governo do Estado da Cidade do Vaticano, em vigor a partir de junho próximo, com base em 3 princípios (racionalização, economicidade e simplificação) e 4 critérios (funcionalidade, transparência, coerência normativa e flexibilidade organizacional). E continua o empenho da Santa Sé na melhoria da transparência financeira, confirmada pelo “sim” da Europa ao ingresso do Vaticano no circuito bancário SEPA (Single Euro Payments Area).
A chaga dos abusos: homens da Igreja que se comportam como senhores em vez de servos. Com efeito, 2018 foi o ano em que o escândalo de abusos sexuais cometidos por expoentes da Igreja irrompeu em toda a sua virulência. Assim, compreende-se melhor a invocação lançada na Evangelii gaudium: “Deus nos livre de uma Igreja mundana” que, sob “aparência de religiosidade”, busca apenas poder, declinado em suas múltiplas formas. Na Carta ao Povo de Deus, de 20 de agosto, Francisco reitera a rota da tolerância zero, da verdade, da justiça, da prevenção e da reparação. A Igreja está ao lado das vítimas, pois “as feridas nunca prescrevem”, e está fortemente comprometida na proteção de menores. Francisco fala duma tríplice forma de abuso: de poder, de consciência e sexual. E afirma que o “clericalismo” está entre as principais causas do flagelo: é quando o sacerdócio perde a sua vocação de serviço e se transforma em poder, anulando a personalidade dos cristãos. Falando à Cúria, clamou contra o encobrimento e classificou os abusadores de lobos atrozes, muitas vezes escondidos atrás de rostos angelicais, lançando-lhes o apelo a que se convertam, se entreguem “à justiça humana” e se preparem para “a justiça divina”. Recorde-se que o Papa destituiu do estado clerical bispos e sacerdotes e retirou o cardinalato a Theodore McCarrick, 88 anos, Arcebispo emérito de Washington. E note-se a criação da grande expectativa em torno do anunciado encontro sobre abusos convocado pelo Papa para o próximo mês de fevereiro no Vaticano, em que tomarão parte os presidentes (ou seus substitutos) de todas as Conferências Episcopais do mundo.
Nas viagens internacionais, o abraço de pessoas e povos. A Evangelii gaudium pede uma Igreja cada vez mais missionária e próxima das pessoas. Assim, 2018 levou Francisco ao Chile, onde encontrou algumas vítimas de abusos: mais tarde, confessaria, em carta, que incorrera em “graves erros de avaliação e de perceção da situação, sobretudo pela falta de informações verdadeiras e equilibradas” e pediu perdão.  No Peru, abraçou o povo da Amazónia e, na peregrinação ecuménica a Genebra, apelou a todas as Confissões cristãs que testemunhassem juntas Cristo, para lá das diferenças, na lógica do serviço. Em Dublin, viveu o caloroso abraço com as famílias. E, nos três países bálticos, recordou a perseguição nazista e comunista e a fidelidade de tantos cristãos mártires.
As viagens em Itália. Na Itália, Francisco foi a Pietrelcina e San Giovanni Rotondo. Disse que o Padre Pio é um santo que amava Jesus e amava incondicionalmente a Igreja com todos os seus problemas e todas as suas dificuldades, dando grande testemunho de fidelidade e comunhão. Em Alessano e Molfetta, recordou a pertinente exortação do Padre Tonino Bello a uma vida desconfortável, pois “quem segue Jesus ama os pobres e os humildes”. Seguiram-se as visitas a Nomadelfia (Comunidade fundada por Frei Zeno Saltini) e Loppiano (Focolares) e, depois, a Bari para o encontro com os líderes das comunidades cristãs do Médio Oriente, onde o Papa denunciou violências, destruição, fundamentalismos e a migração forçada “no silêncio de tantos e com a cumplicidade de muitos”, com o risco da própria existência dos cristãos na região. E a última viagem em Itália foi a Piazza Armerina e Palermo, no 25.º aniversário da morte do Beato Pino Puglisi (sacerdote assassinado pela máfia), que vem espalhando bondade contra o poder do mal.
Acordo com a China ou olhar para a história pelos olhos da fé. A 22 de setembro, foi assinado, em Pequim, o Acordo Provisório entre a Santa Sé e a China sobre a nomeação dos Bispos (a última palavra pertence ao Papa) para contribuir para a vida da Igreja na China, em benefício dos chineses e da paz no mundo – objetivo pastoral, não político. Numa Mensagem, Francisco explicou o que o moveu: promover o anúncio do Evangelho obter a unidade da comunidade católica chinesa. E pediu confiança, “porque a fé muda a história”.
Direitos humanos espezinhados e cristãos perseguidos. No 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Papa, no discurso ao Corpo Diplomático, afirmou que muitos direitos fundamentais são ainda hoje violados: “O primeiro entre todos, o da vida, da liberdade e da inviolabilidade de todo ser humano”. E pensa nas “crianças inocentes, descartadas ainda antes de nascerem”, nos “idosos, também eles muitas vezes descartados, especialmente se estiverem doentes”, nas “mulheres que frequentemente sofrem violências”, nas vítimas de tráfico, muitas vezes fugindo da pobreza e das guerras. E denuncia o surgimento de novos e controversos direitos que, numa nova forma de colonização ideológica, os países ricos querem impor aos mais pobres. Assim, o nosso pensamento vai para as palavras da Evangelii Gaudium, onde se pede a mudança do atual sistema económico, porque “essa economia mata”, gera famintos e descartes humanos, fazendo prevalecer “a lei do mais forte, onde o poderoso come o mais fraco”; se sublinha que, em muitos países, a liberdade de religião e de consciência é espezinhada; e se afirma que, em diversas ocasiões, os cristãos são mais perseguidos hoje do que nos primeiros séculos.
É a hora da misericórdia. Há 5 anos, Francisco concluía a sua Exortação Apostólica com um encorajamento aos “evangelizadores com  Espírito”, crentes que vivem a missão como “paixão por Jesus” e pelo povo, próximos dos mais sofredores e portadores da alegria do Evangelho que não se impõe, mas atrai com uma linguagem positiva, dialógica, que acolhe e não condena, cheios de esperança, atentos a “tirar as sandálias diante da terra sagrada do outro”.
E, na Audiência Geral de 21 de novembro, proclamava:
Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus! (Mt 5,3). Sim, felizes aqueles que deixam de se iludir, julgando que se podem salvar da própria debilidade sem a misericórdia de Deus, a única que pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração. Ditosos os que reconhecem os seus desejos malvados e, com um coração arrependido e humilhado, não se apresentam a Deus e aos outros homens como pessoas justas, mas como pecadores. É bonito o que Pedro disse ao Senhor: ‘Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador’. Como é bonito este pedido: ‘Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador’. Estas pessoas sabem ter compaixão, misericórdia pelos outros, porque a experimentam em si mesmos.”.
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Com efeito, é a misericórdia divina, qual outro rosto do Deus rico que Se faz pobre, que nos torna pobres em espírito e misericordiosos para alcançarmos misericórdia – tornando-nos sempre dialogantes, pacíficos, puros de coração, humildes, com fome e sede de justiça, e santos, mesmo em choro e perseguição, virtude heroica ou oferta da vida, capazes de arrebatar o Reino de Deus dilatá-lo e inculcando-o no coração dos demais irmãos, porque todos somos filhos de Deus e ganhamos direito à Sua herança celeste.
2018.12.31 – Louro de Carvalho   

domingo, 30 de dezembro de 2018

Ou a lei das incompatibilidades é má ou a sua interpretação é desviante


O TC (Tribunal Constitucional) acordou no arquivamento do processo contra Siza Vieira por incompatibilidade e impedimento do exercício ministerial acumulado com a gerência de empresa por ter mudado de Pasta. Aquando do arquivamento do caso, foi dada a justificação de que Vieira já nem mantinha o mesmo cargo, já que passara do cargo de Ministro-Adjunto a Ministro-Adjunto e da Economia.O Expresso – oportunamente – dá-nos conta de que o argumento da mudança de pasta ministerial, utilizado para arquivar o processo, não é aceite por alguns constitucionalistas como suficiente para ilibar o Ministro. O constitucionalista Jorge Miranda, professor catedrático jubilado, diz que não conhece outros precedentes e afirma que isto “causa impressão” (também acho). Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático na Universidade Nova de Lisboa, diz que se criou um precedente: “agora, aparentemente, exonera-se o Ministro e pronto”. Ou muda-se de lugar. Por outro lado, sustenta que a lei devia impor uma sanção mais pesada, mas que o Parlamento até hoje não se preocupou em “estabelecer leis como deve ser”, em matéria de transparência. E Paulo Otero, professor catedrático da Universidade de Lisboa diz que isto só faria sentido se o Ministro deixasse ao Governo. E rejeita ideia da “culpa ligeira”, já que Vieira é um jurista, pelo que tem a obrigação de conhecer a lei.

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Pedro Siza Vieira acumulou, durante dois meses, o cargo de ministro com o de sócio-gerente de uma empresa, a Prática Magenta. O então Ministro-Adjunto afirmou não ter conhecimento de tal incompatibilidade e nunca ter exercido funções na empresa e que, até renunciar, a empresa não teve atividade comercial. 
Antes de entrar no Governo, o que ocorreu em outubro de 2017, Siza Vieira criou, com a mulher, uma sociedade do ramo imobiliário, a Prática Magenta. Era dono de 50% do capital e, ao mesmo tempo, seu gerente. Permaneceu nessas funções quando estava já no Executivo.
A acumulação de cargos é incompatível com a função de Ministro, como deixa claro o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. Ser um dos visados pelo diploma é “incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos”, como diz a lei.
Ao MP (Ministério Público), Siza Vieira garantiu que abdicou da Prática Magenta a 15 de dezembro, embora a renúncia do registo comercial só tenha sido verificada em maio, atribuindo o governante a culpa a uma advogada. Após ter deixado a gerência da empresa, Vieira disse:
Quando tomei posse, … só posteriormente tomei consciência de que não se pode ser gerente, ainda que não remunerado, de uma sociedade familiar e, por isso, pedi a renúncia quando me foi chamada a atenção para isso”.
Como o TC não detetou a situação na declaração de incompatibilidades e de rendimentos do então Ministro-Adjunto, o MP pediu a investigação.
O Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos – aprovado pela Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, em que foram introduzidas várias alterações de que a última é da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro – estabelece no seu art.º 4.º que os titulares dos cargos previstos nos artigos 1.º (titulares de órgãos de soberania e por titulares de outros cargos políticos) e 2.º (titulares de altos cargos públicos) “exercem as suas funções em regime de exclusividade” e que a titularidade destes cargos “é incompatível com quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a integração em corpos sociais de quaisquer pessoas coletivas de fins lucrativos”, a não ser “as funções ou atividades derivadas do cargo e as que são exercidas por inerência”.
A infração a esta norma implica, no caso dos “titulares de cargos de natureza não eletiva, com a exceção do Primeiro-Ministro, a demissão” (vd art.º 10.º/3, alínea b). A perda de mandato aplica-se aos cargos de natureza eletiva, com a exceção do Presidente da República (vd art.º 10.º/3, alínea a).
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Entretanto, a 7 de dezembro, o Jornal de Negócios adiantava que a reformulação do Governo, em outubro, é o motivo para que o TC tenha deixado cair o caso da alegada incompatibilidade de Pedro Siza Vieira, que de Ministro-Adjunto passou a Ministro-Adjunto e da Economia. A mudança de pastas faz com que caia o processo que averiguava eventuais incompatibilidades por ter estado no Governo e ao mesmo tempo ter sido gestor duma empresa, .
Foi a 15 de outubro que António Costa decidiu fazer uma reformulação governamental. Siza Vieira passou a acumular a pasta que já tinha com a de Manuel Caldeira Cabral. Como acontece, é exonerado das primeiras funções para tomar posse novamente com as novas responsabilidades. E é esse ato que retira força ao eventual problema de incompatibilidade. E, segundo o Jornal Económico, o TC arquivou o caso por “inutilidade superveniente da lide”, a conclusão que faz com que o processo não tenha razões para continuar, porque já terá sido solucionado ou não tem eficácia. Na prática, porque Vieira, que acumulou por 7 meses as funções de gestor e de Ministro-Adjunto, não pode ser sancionado com o afastamento do cargo de Ministro-Adjunto já que o advogado já não o é; é agora Ministro-Adjunto e da Economia. Até mantém a pasta anterior.
O Jornal de Negócios já confirmava que a decisão era neste sentido, mas que a publicação do acórdão poderia não ocorrer naquele dia 7 de dezembro. 
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Os Juízes do TC consideram que, mesmo assim, o Ministro da Economia se “encontra “sujeito ao dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos”.
Porém, no âmbito das incompatibilidades, o TC arquivou o processo contra o Ministro, justificando a decisão com o facto de o cargo já não existir, como revela o acórdão já publicado.
Em apreciação estava o facto de Siza Vieira ter acumulado o cargo de Ministro-Adjunto, em 2017, com as funções de sócio duma empresa de transação de bens imobiliários que abriu com a mulher, um dia antes de tomar posse, o que configuraria violação da lei das incompatibilidades, que obriga os membros do Governo a um regime de exclusividade.
O acórdão já publicado na página do TC na Internet justifica o arquivamento com a “inutilidade superveniente da lide” do referido processo, visto que Siza Vieira já não é titular do cargo que deu origem à incompatibilidade. 
Com efeito, Siza Vieira foi exonerado do cargo de Ministro-Adjunto na remodelação de outubro  pelo Primeiro-Ministro, tendo tomado posse, em seguida, de outro cargo, desta vez como Ministro-Adjunto e da Economia. Como o cargo já não é o mesmo que deu origem ao processo, o tribunal optou pelo arquivamento, embora recordando que Siza Vieira, já no papel de Ministro-Adjunto e da Economia, se encontra “sujeito ao dever de apresentação de nova declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos”. E os juízes do Palácio Ratton justificam o arquivamento do processo nestes termos:
Tornou-se, assim, inútil o prosseguimento dos autos, na medida em que qualquer consequência que pudesse ser associada a uma eventual situação de incompatibilidade apenas poderia reportar-se ao cargo à data exercido”.
Segundo o acórdão, quaisquer sanções a aplicar “pressupõem o exercício efetivo do cargo em questão pelo titular respetivo”, o que já não acontece. E pode ler-se no acórdão, quanto à obrigação declarativa de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos:
As consequências estabelecidas na Lei n.º 64/93 para a infração do regime de exclusividade aí contido estão necessariamente vinculadas ao exercício do cargo cuja tomada de posse, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, deu origem ao dever de apresentação de declaração de inexistência de incompatibilidades ou impedimentos. Não se reportam ao exercício do cargo de ministro em abstrato.”.
Ou seja, o processo não era contra o Ministro Siza Vieira, era contra o então Ministro-Adjunto, Siza Vieira, cujo cargo desapareceu com a remodelação.
Na fundamentação, os juízes do TC utilizam um parecer pedido ao MP concluindo que Vieira “terá agido de boa-fé, quer ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos, quer ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com que se viu confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de inexistência de tais incompatibilidades”. E o MP defendeu que as referidas situações de incompatibilidade se encontram todas elas já sanadas, não se vendo, por isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção constante do art.º 10.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 64/93”, ou seja, a demissão.
“Por último, a ter-se verificado, nos autos, uma situação de dúvida como a prevista no art.º 112.º, n.º 3, da LTC (Lei do Tribunal Constitucional), ou seja, a cessação da situação de incompatibilidade já se verificou, pelo que nada se oferece ordenar a este respeito”, é igualmente referido no parecer do MP incluído no acórdão. Com efeito, a norma citada refere: “O Tribunal, se considerar fundada a existência de dúvida sobre a ocorrência de uma situação de incompatibilidade, limitar-se-á a ordenar a sua cessação, fixando prazo para o efeito”.
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O Expresso do dia 29 enfatiza logo em primeira página: “Juízes do TC arrasam MP no caso Siza Vieira” e diz: “Parecer fala em ‘culpa ligeira’ e “lapso’. juízes não tinham outra opção a não ser arquivar”.
A investigação feita pelo MP à incompatibilidade do ministro foi considerada fraca. Constitucional diz não haver outra opção que não arquivar.
Os juízes do TC consideraram  fraca a investigação do MP a Pedro Siza Vieira, que acumulou o cargo de ministro com o de sócio-gerente numa empresa. O parecer do MP refere que a incompatibilidade foi um “lapso” e encontrou apenas “culpa ligeira”, levando o Tribunal arquivar o processo, com alguns juízes a declarar no plenário que o MP estava a desculpabilizar o governante.  
Segundo o Expresso, foi criticado o facto de ninguém ter sugerido a demissão do Ministro – a sanção prevista na lei para este caso de incompatibilidade. Segundo o parecer do MP consultado pelo jornal, pode ler-se:
Crê-se que o declarante terá agido de boa-fé, quer ao apresentar as suas declarações de inexistência de incompatibilidades e impedimentos quer ao procurar corrigir as situações de incompatibilidades com que se viu confrontado, admite-se que por lapso ou errada pressuposição de inexistência de tais incompatibilidades. Por outro lado, as referidas situações de incompatibilidade encontram-se todas elas já sanadas, não se vendo, por isso, razão para a aplicação de qualquer sanção, designadamente a pesada sanção.”.
Não se percebe – seja o entendimento do MP, seja dos juízes – como é que o respetivo regime jurídico não prescreve a incompatibilidade e impedimento para o exercício dum cargo político independentemente da pasta que se sobrace, logo que o cargo seja da mesma natureza, embora se perceba que a obrigação declarativa seja reiterável porque as circunstâncias podem ter mudado.
De resto, em relação à primeira questão, pergunto-me se um deputado eleito por apresentação dum determinado partido e ferido de incompatibilidade ou impedimento deixará o de o ser se, entretanto, se desligar do dito partido e ficar com independente no hemiciclo. Será que um ministro incompatível deixa de o ser se passar a deputado?Já temos a lei da limitação de mandatos, que é uma autêntica macacada. Porque a lei não é clara e é limitativa de direitos, tem interpretação restrita. Vai daí, um presidente de câmara candidata-se a outro município e já pode ser eleito e reeleito mais duas vezes; um presidente de junta candidata-se a outra freguesia ou à mesma que integra uma união de freguesias e já pode ser eleito e reeleito mais duas vezes; um presidente câmara ou de junta vai em segundo na lista e, passado um mandato, já pode ser eleito e reeleito mais duas vezes. Isto é gozar com o povo, não?!   
Totalmente de acordo com a posição dos juristas acima referidos, até porque o Ministro entrou numa união de pastas, como alguns presidentes de junta entraram em união de freguesias. É uma trapalhada. E vai durar até quando?
2018.12.29 – Louro de Carvalho

SCML e 30 Misericórdias e IPSS oficializam entrada no capital do Montepio


É uma informação avançada a 28 de dezembro passado veiculada pelo Jornal de Negócios (acesso condicionado) e replicada pelo ECO, com o acrescento de que o dinheiro chegará à Associação Mutualista até ao próximo dia 31.
Mais é referido que, se o contrato não tivesse sido assinado até este prazo, a dona do Montepio, a AMMG (Associação Mutualista Montepio Geral), corria o risco de ter de devolver os 75 mil euros que já tinham sido transferidos pela SCML (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), já que esta entidade não teria como justificá-los nas suas contas.
Mas, efetivamente, após a transferência de 75 mil euros da SCML para o Montepio, que quase fez com que o banco devolvesse a quantia à Santa Casa por não existir um contrato assinado entre as partes, já há documento que oficializa a operação. A instituição liderada por Edmundo Martinho já entrou no capital do Montepio, como avança o Jornal de Negócios. Era o passo que faltava para concretizar este investimento. Por outro lado, como a Associação Mutualista revelou ao ECO, juntam-se-lhe outras 30 Misericórdias e IPSS, entidades da economia social.
Fonte oficial da dona do Montepio referia a 28 de dezembro:
Foram fechados hoje [sexta-feira, 28 de dezembro] os contratos com a Santa Casa e outras 30 misericórdias e mutualidades. […] A liquidação financeira vai acontecer até ao final do ano.”.
Ou seja, o contrato já foi assinado e devolvido pela Associação Mutualista à SCML, seis meses depois da formalização do negócio. No entanto, não se fica a saber qual a participação com que, em conjunto, ficarão do banco controlado pela Associação Mutualista Montepio Geral, liderada por Tomás Correia, recém-reeleito.
A minuta do contrato já tinha sido assinada e enviada pela SCML ao presidente da Mutualista, na mesma altura em que foi transferido o investimento. Faltava apenas a assinatura de Tomás Correia e a devolução do documento, assinado, à Santa Casa, o que aconteceu nos últimos dias do ano – no limite do prazo definido pelo presidente da Associação Mutualista. O passo final foi finalmente dado e a operação fica assim concluída.
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Em Setembro passado, o Público avançava que as outras Misericórdias e IPSS – entidades da economia social – tinham investido, até então, cerca de 16 mil euros. Os 90 mil euros, no total, ficam muito distantes dos 48 milhões pretendidos por Tomás Correia.
Desde o arranque do processo que as Misericórdias e IPSS rejeitaram investir milhões no banco. A própria SCML deixou claro que não iria pôr mais capital na instituição liderada por Carlos Tavares até que fosse criado um quadro para regular todos os investimentos financeiros – algo em que já estava a trabalhar a pedido do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Mas, mesmo depois, não garante um reforço da posição no Montepio.
Na cerimónia que formalizou o negócio e que teve lugar a 29 de Junho, Tomás Correia, recentemente reeleito no cargo de presidente da Mutualista, referiu que iriam entrar 50 instituições e que esperava mesmo alienar até 2% do capital do banco em 2018. 
E, a 26 de novembro, segundo o ECO, a Santa Casa esteve em vias de pôr 170 milhões no Montepio, mas o negócio caiu.
O documento preliminar incluía data, preço e pormenores do negócio, mas acabou por não ser viável porque, pelos desentendimentos políticos, a operação não chegou a acontecer.
Com efeito, terá chegado a estar pronto um esboço do contrato de compra de ações do Montepio pela SCML, datado de dezembro de 2017, no valor de 170 milhões de euros. Era suposto que a Santa Casa ficasse com 9,18% da Caixa Económica Montepio Geral, mas isso nunca aconteceu.
Nessa versão preliminar e confidencial a que o Jornal de Negócios teve acesso, faltavam ainda as assinaturas, tanto da mutualista presidida por António Tomás Correia, identificada como vendedora –, como da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, anunciada como compradora. Tal significa que o documento, ainda que trabalhado, estava sujeito a alterações.
O provedor da SCML, Edmundo Martinho, terá dito que “uma das condições que estava colocada em cima da mesa desde o início era que a Misericórdia de Lisboa, a entrar, não entrasse sozinha”. E, ao ser questionada, a Santa Casa remeteu a responsabilidade do “esboço” para a Morais Leitão, tendo sido referido:
Importa clarificar que não se trata de um contrato de compra e venda, mas sim de um draft de trabalho corredigido pela MLGTS [Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados], no âmbito das suas competências de assessoria jurídica à Santa Casa e com base na informação que, à época, era pública”.
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Mas o Montepio e a sua entidade proprietária não são notícia somente pela participação de entidades ditas de economia social no seu capital. Também a 28 de dezembro foi noticiado que o “Montepio vende carteira de malparado, que foi avaliada em 239 milhões de euros”.
Depois de o Novo Banco ter feito a maior venda de sempre destes créditos em incumprimento de um banco português, é a vez do banco liderado por Carlos Tavares anunciar a venda de uma carteira de malparado no valor de 239 milhões de euros.
A este respeito, refere o banco:
Após um processo de venda competitivo, foi celebrada uma escritura pública de venda de uma carteira de créditos não produtivos (non-performing loans), sob a forma de venda direta, à empresa Mimulus Finance, uma sociedade validamente constituída e regida pelas leis da Irlanda, com sede em Dublin”.
Em comunicado enviado à CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), o Montepio nota que o “montante bruto alienado foi de 239 milhões de euros, numa carteira que englobou aproximadamente 10 mil contratos”. No entanto, não é referido o valor da venda, nem o impacto que esta operação vai ter nas contas da instituição.
É de recordar que, no início do mês, a agência Bloomberg tinha avançado que o banco estava no mercado para realizar esta venda antes do final do ano. Porém, o valor apontado pela agência noticiosa era superior: 370 milhões, divididos em duas tranches, uma denominada “Atlas”, de 250 milhões de euros, e outra chamada “Cascais”, de 120 milhões de euros.
A este respeito, Carlos Tavares salienta que “a concretização desta operação materializa a estratégia da CEMG (Caixa Económica Montepio Geral) de contínua redução de ativos não produtivos”.
No final dos primeiros nove meses do ano, o Montepio apresentava um rácio de NPE (non performing exposure, onde se incluem os non-performing loans, ou malparado) de 16,2%. Eram 2,18 mil milhões de euros numa carteira de crédito bruto de 13,5 mil milhões.
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Outro motivo de notícia é que, segundo a Lusa, os associados do Montepio aprovaram plano de ação e orçamento para 2019.
Na verdade, estiveram presentes cerca de 170 pessoas, no passado dia 27, na primeira assembleia geral, depois das eleições em que Tomás Correa foi reeleito presidente, tendo o plano de ação e orçamento para 2019 sido aprovados com mais de 90% dos votos, registando-se 15 votos contra.
A este propósito, Tomás Correia disse à agência Lusa:
O plano de ação e o orçamento agora aprovado exige o melhor do mutualismo com responsabilidade, determinação e conhecimento. Para participar na construção do futuro do Montepio é preciso [são precisas] capacidade e preparação. E os nossos associados sabem muito bem a quem confiam o Montepio.”.
Entre as prioridades definidas no plano de ação para 2019 está a adaptação da mutualista ao novo regime de supervisão da ASF (Autoridade de Supervisão e Seguros e Fundos de Pensões), com reforço dos mecanismos de controlo e governo interno. Para isso será necessário rever os Estatutos da Associação Mutualista Montepio Geral em linha com o novo código mutualista.
Uma das alterações principais será a criação de uma assembleia de representantes (obrigatória para mutualistas com mais de 100 mil associados), eleita por método de representação proporcional, que será a responsável por decidir sobre muitas das questões que atualmente vão à assembleia geral, como as contas de cada ano e o programa de ação e o orçamento do ano seguinte.
A revisão dos estatutos deverá ainda alterar outros aspetos do modelo de governação (atualmente o Conselho Geral é muito criticado por a lista vencedora ter por inerência 11 lugares do total de 23) e ainda a duração do mandato dos órgãos sociais, que é hoje de três anos.
A revisão dos estatutos caberá a uma comissão de acompanhamento, cuja composição terá de ser definida.
O novo ano da associação mutualista prevê-se assim atarefado, depois de no início de dezembro os associados terem elegido os novos órgãos sociais para o triénio 2019-2021.
Além disso, está marcada para 3 de janeiro a tomada de posse dos novos órgãos sociais, mas continuam a persistir dúvidas sobre se Tomás Correia cumpre o requisito de idoneidade.
Com efeito, nos termos do novo código das mutualistas e segundo o subsequente despacho do Governo, é a ASF quem supervisiona a ANMG e tem regras mais restritas para a conceder a idoneidade e o gestor está a ser investigado em vários processos judiciais e no Banco de Portugal. Todavia, nem o Ministério do Trabalho nem a ASF se têm pronunciado sobre este tema e o código mutualista prevê um regime de transição de 12 anos para estar plenamente em vigor, pelo que não deve haver novidades até à tomada de posse.
A Associação Mutualista Montepio tinha 615.337 associados no final de outubro, segundo o programa de ação e orçamento para 2019, menos quase dez mil do que no início deste ano, estando previsto no documento que cheguem aos 636 mil em 2019.
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Não se percebe como os associados elegeram uma lista cujo cabeça cometeu os erros de gestão badalados em tempos e está sob investigação em vários processos judiciais e no Banco de Portugal, a não ser que se aplique a este caso a balda que se vê em eleições para cargos políticos. Mas aqui não estão em jogo os milhões de euros e a economia social?
Quanto à participação da SCML e das outras 30 entidades de economia social, além de o processo ter sido um exemplo contemporâneo da montanha que pariu um rato (muito longe dos 200 milhões e 10% de participação da SCML), pergunto-me se o Montepio ficou imunizado por esta via quanto a uma possível derrocada, que vantagens oferece às novéis participantes e se haverá base de sustentação para Edmundo Martinho integrar a administração do Montepio. Ou estaremos perante uma operação de mera cosmética para satisfazer a todo o custo uma peregrina ideia?
2018.12.30 – Louro de Carvalho

Festa da Sagrada Família em 2018 (Ano C), um programa para a família


Os textos bíblicos tomados para esta festa complementam-se apresentando as duas coordenadas a partir das quais constrói a família cristã: o amor a Deus e o amor ao próximo, sobretudo a quem está mais perto de nós – os membros da família.
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O Evangelho (Lc 2,41-52) acentua a dimensão do amor a Deus: o projeto de Deus tem de ser a prioridade do cristão, a exigência fundamental, a que todas as outras se devem subordinar. Na verdade, a família cristã constrói-se no respeito pelo projeto que Deus tem para cada um.
A 2.ª leitura (Cl 12-21) evidencia a dimensão do amor que deve brotar dos gestos dos que vivem em Cristo e aceitam ser “Homem Novo” – amor que deve atingir, de forma particular, os que partilham connosco o espaço familiar e que deve traduzir-se em atitudes de compreensão, bondade, respeito, partilha, serviço. Este texto pertence à 2.ª parte da Carta aos Colossenses. Depois de constatar a supremacia de Cristo na criação e na redenção, Paulo avisa os Colossenses de que a união com Cristo traz consequências a nível da vivência prática: renunciar ao “homem velho” do egoísmo e do pecado e “revestir-se do homem novo”.
O apóstolo estava na prisão (possivelmente em Roma, anos 61/63). Algum tempo antes, recebera notícias pouco animadoras sobre a comunidade de Colossos: alguns doutores locais ensinavam doutrinas erróneas que afastavam da verdade do Evangelho e misturavam práticas legalistas e ascéticas, bem como especulações sobre os anjos, ensinando que esta mistura devia completar a fé em Cristo e comunicar aos crentes um conhecimento superior dos mistérios cristãos e uma vida religiosa mais autêntica. Ora, Paulo afirma a absoluta suficiência de Cristo e assinala o seu lugar proeminente na criação e na redenção dos homens.
Viver como “homem novo” implica o cultivo dum conjunto de virtudes resultantes da união do cristão com Cristo: misericórdia, bondade, humildade, paciência, mansidão e, em especial, o perdão das ofensas do próximo, como Cristo fez sempre – virtudes que são exigências e manifestações da caridade, o mandamento fundamental. O que é novo em relação aos catálogos de virtudes da ética grega é a fundamentação na íntima relação do cristão com Cristo, que implica viver no amor total, no serviço, na disponibilidade e no dom da vida.
Depois, o apóstolo aplica tudo isto à vida familiar. Às mulheres, recomenda o respeito para com os maridos; aos maridos, o amor às esposas, evitando o domínio tirânico sobre elas; aos filhos, a obediência aos pais; aos pais, com intuição pedagógica, não serem excessivamente severos para com os filhos, para não tolherem o normal desenvolvimento das suas capacidades. E, desta forma, no espaço familiar, manifesta-se o Homem Novo, o homem que vive em Cristo.
E, se facultativamente for tomada a 1.ª carta de João (1Jo 3,1-2.21-24), fica evidenciado que este amor fraterno deriva do facto de nós sermos efetivamente filhos de Deus, mercê do Seu grande amor para connosco, muito embora não se tenha manifestado “ainda o que havemos de ser”, pois “o que sabemos é que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal como Ele é” (cf v 2). E é pela plena confiança em Deus que recebemos Dele tudo o que pedirmos, porque guardamos os Seus mandamentos e fazemos o que Lhe é agradável. Com efeito, o Seu mandamento é que “acreditemos no nome de Seu Filho, Jesus Cristo e que nos amemos uns aos outros, conforme o mandamento que Ele nos deu”, pois “aquele que guarda os Seus mandamentos permanece em Deus e Deus Nele; e é por isto que reconhecemos que Ele permanece em nós, graças ao Espírito que nos deu” (cf vv 21-24).
O Pai celeste oferece-nos o dom da vida e torna-nos participantes da Sua própria vida. Enche-nos do Seu amor e da Sua graça, sendo que a fidelidade aos mandamentos nos garante a Sua presença. Depois, ficamos a saber que a família, como espaço em que se pode realizar a representação da vida comunitária divina, é lugar privilegiado, tal como a comunidade eclesial, onde se descobre a vontade de Deus e as maravilhosas perspetivas que oferece a cada um.  
A 1.ª leitura (Sir 3,3-7.14-17a) apresenta, de forma muito prática, algumas atitudes que os filhos devem ter para com os pais. É uma forma de concretizar esse amor de que fala a segunda leitura.
Na verdade, honrar pai e mãe deveria ser algo de espontâneo. No entanto, Deus dotou esta obrigação de uma marca religiosa ao inscrevê-la no decálogo, tornando-a um requisito da Aliança. Por outro lado, ficamos a saber que a honra que tributamos aos pais remonta a Deus, que lhes deu o poder, o gosto e a responsabilidade de transmitir a vida de que Deus é a fonte.
O texto apresenta indicações práticas que os filhos devem ter em conta nas relações com os pais, sobressaindo o verbo “honrar”, que nos leva ao decálogo do Sinai (cf Ex 20,12), onde aparece no sentido de “dar glória”. Ora, “dar glória” a uma pessoa é dar-lhe toda a sua importância. Assim, “dar glória aos pais” é reconhecer a sua importância como instrumentos de Deus. E reconhecer os pais como a fonte pela qual Deus nos dá a vida, conduz à gratidão e ao amor, que tem consequências a nível prático: ampará-los na velhice e não os desprezar nem abandonar; assisti-los materialmente (sem inventar desculpas) quando já não podem trabalhar (cf Mc 7,10-11); não fazer nada que os desgoste; escutá-los, tendo em conta as suas orientações; e ser indulgente para com as limitações que a idade traz. Dado o contexto epocal do Ben-Sira, pode haver, por trás destas indicações, a preocupação com o manter bem vivos os valores que os mais antigos preservam e que passam aos jovens. E, como recompensa desta atitude de “honrar” os pais, Jesus Ben-Sirah promete o perdão dos pecados, a alegria, a vida longa e a atenção de Deus.
E, se facultativamente for tomada a passagem do 1.º livro de Samuel (1Sm 1,20-22. 24-28), fica evidenciada a maternidade como dom de Deus naturalmente concedido à mulher matrimoniada com o marido, mas sobretudo a maternidade concedida a quem, tendo a cooperação e a compreensão do marido, não conseguia alcançar esse dom tido por natural. Foi então que o recurso à oração insistente conseguiu de Deus a maternidade como dom extraordinário. Ana teve um filho, que agradeceu ao Senhor, lho ofereceu, juntamente com o sacrifício em consonância com as suas abundantes posses, e o destinou ao serviço quotidiano do Templo. Ficou mais evidente que a maternidade/paternidade é mesmo dom de Deus. Em certa medida se vislumbram aqui as figuras de João Batista, por um lado (serviço no Templo e pregação no deserto até à prisão sob Herodes), e Jesus, pelo outro (estar na casa do Pai e pregar até à cruz).        
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Fixemo-nos agora na passagem do Evangelho acima referenciado. É o final do “Evangelho da infância” segundo Lucas. Não se trata duma reportagem sobre os primeiros anos da vida de Jesus, mas duma catequese sobre Jesus, em que se diz quem é Jesus e se apresentam algumas coordenadas teológicas que serão desenvolvidas no resto do Evangelho.
A Lei pedia aos homens de Israel que fossem três vezes por ano a Jerusalém, por alturas das três grandes festas de peregrinação (Páscoa, Pentecostes e Festa das Tendas – cf Ex 23,17-17). Embora os rabinos não considerassem obrigatório o cumprimento desta lei até aos 13 anos, muitos pais levavam os filhos antes. Jesus tem 12 anos e, de acordo com Lucas, foi com Maria e José a Jerusalém celebrar a Páscoa.
A chave do episódio está nas palavras de Jesus quando, finalmente, se encontra com Maria e José: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?”.
O significado catequético da resposta à pergunta de Maria é que Deus é o verdadeiro Pai de Jesus. Daqui se deduz que as exigências de Deus são, para Jesus, a prioridade fundamental, que ultrapassa qualquer outra. A missão que o Pai Lhe confia vai obrigá-Lo a romper os laços com a própria família (cf Mc 3,31-35).
O episódio pode ler-se em chave psicológica, vendo aí a ânsia dos pais chamados a aceitar as escolhas dos filhos, a ver os filhos a tomarem livremente os seus próprios rumos e a afastarem-se de casa e do olhar vigilante de quem constantemente os seguiu. Este aspeto é legível na narração, mas uma análise mais atenta revela-nos outros dados do pensamento do evangelista.
O evangelista narra a infância do Salvador à luz dos acontecimentos da Páscoa. E o quadro da perda e encontro de Jesus apresenta antecipadamente o mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Maria e José representam a comunidade cristã que perdeu de repente o mestre, mas, após três dias de espera e procura, consegue encontrá-Lo ressuscitado na glória do Pai.
Posto como final dos dois primeiros capítulos, o episódio tem valor profético e projeta-se para o futuro. A primeira pergunta de Jesus (“Porque me procuráveis?”) lança nova luz sobre tudo o que foi dito até aqui sobre o filho-servo e fornece a chave de leitura de todo o Evangelho. As perguntas “Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar nas (coisas) de meu Pai?”, dada como resposta a quem O procurou e encontrou ao 3.º dia, manifesta o modo filial como Jesus se empenhou na história dos homens. Numa submissão absoluta ao Pai, Jesus introduz-nos no coração do mistério da Sua pessoa, que escapa à nossa compreensão: Mas “Eles não compreenderam” (v 50). O evangelista, ao longo do seu Evangelho, retomará mais 18 vezes este sentido de necessidade imperiosa de realizar o projeto do Pai.
A narração começa com o ato de obediência de Jesus à Lei e termina com o gesto de submissão aos pais. O menino tornara-se um homem: livremente “desceu com eles, voltou a Nazaré e era-lhes submisso” (v 51). Ora, esta obediência é algo mais profundo que o respeito ou a reverência que um judeu devia ter para com os seus pais.
Chegada à maioridade religiosa, normalmente à idade de 13 anos, o menino hebreu tornava-se “bar mitzvah”, ou seja, “filho do preceito”. Doravante devia observar as prescrições da Lei, em especial no atinente às 3 festas principais (Páscoa, Pentecostes, Tendas) com uma peregrinação a Jerusalém. Lucas apresenta esta subida de Jesus a Jerusalém aos 12 anos, inspirando-se na figura de Samuel que foi apresentado no templo de Silo, na festa da Páscoa, aos 12 anos.
A escolha do Templo como lugar de manifestação do Filho é tipicamente lucana: nele tem início o evangelho (1,8-9); Simeão reconhece a salvação esperada por Israel (2,29-32); e é com uma referência ao Templo que termina o evangelho (24,53). Por outro lado, a insistência lucana na sabedoria de Jesus não pode passar despercebida. No v. 47, o menino que interroga os peritos no conhecimento da Torah (Lei) é apresentado como um mestre que responde às suas perguntas. Surge a maravilha, tão comum em Lucas, diante daquele que se apresenta como a Palavra de graça e à luz do qual o Antigo Testamento irá ter sentido. Por isso, Jesus ressuscitado interpreta as Escrituras aos discípulos de Emaús e abre aos discípulos reunidos a mente para que as entendessem (24,45). É a sabedoria do Filho que vive na intimidade do Pai e em quem confia. Por isso, a oração confiante ao Pai no monte das Oliveiras ou a sua última palavra antes de morrer: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito”. Também Jesus ressuscitado, antes de deixar os seus, lhes indicará o Espírito como “a promessa do Pai” (24,49).
Com a resposta a Maria e a José, Jesus começa a distanciar-se dos seus. A Páscoa em que se situa o texto é prefiguração da Páscoa de Jesus em que, três dias depois, as mulheres e os discípulos, não encontrando o corpo de Jesus, se rendem à evidência: Jesus está junto do Pai. E as duas testemunhas, no túmulo, recordarão às mulheres a palavra de Jesus: “é necessário que seja entregue…” (24,7).
O final do texto apresenta uma espécie de refrão muito caro a Lucas “Sua mãe guardava todas estas coisas no seu coração”, na esperança de que um dia perceba o que sucedeu. Esta rutura anuncia a última em que perderá o Filho para, três dias depois, O reencontrar para sempre na fé.
E desceu com eles, voltou para Nazaré e era-lhes submisso”. Parece-nos que, a partir daqui, Jesus nunca mais desobedeceu aos pais e passou a ser bem comportado. Mas Lucas quer algo de diferente e mais profundo: o mandamento “honra teu pai e tua mãe” tornou-se realidade visível na pessoa de Jesus. Este mandamento significa acolher todos os ensinamentos transmitidos pelos pais (Dt 6,20-25) e imitar a sua fidelidade a Deus na linha da tradição dos antepassados. Assim, os pais de Jesus sentiram-se “honrados” no filho que aprendeu a fé dos pais e o amor à palavra de Deus, referência fundamental da Sua vida, que iria cumprir e levar à plenitude.
Jesus viveu em família, o que significa que a salvação não é estranha à vida comum dos homens. De facto, em Nazaré não há milagres, pregações, ajuntamentos de multidões. A família de Jesus era uma família comum, mas exemplar: amavam-se, mesmo nas incompreensões e correções, como nos apresenta este episódio. Porém, nesta família há uma profundidade que é revelada pelo evangelho: a centralidade de Jesus. É este o segredo desta família. Não será por acaso que o nome Nazaré significa “aquela que guarda”, representando toda a vida do discípulo que acolhe, guarda, cuida e faz crescer o Senhor no seu coração e na sua vida.
A frase final estabelece mais uma vez a comparação com o profeta Samuel (cf 1Sm 2,26: “o menino Samuel desenvolvia-se em altura e beleza, diante do Senhor e dos homens”).
Em suma, este episódio como os factos da morte/ressurreição situam-se, como se disse, em contexto pascal; em ambas as situações Jesus é abandonado – aqui por Maria e José; mais tarde, pelos discípulos – pessoas que não compreendem que a prioridade é o projeto do Pai; em ambas as situações, Jesus é procurado (cf Lc 24,5) e frisa que a finalidade da sua vida é cumprir o que o Pai definiu (cf Lc 24,7.25-27.45-46). Lucas apresenta aqui a chave para entender toda a vida de Jesus: veio ao mundo por mandato do Pai com um projeto de salvação/libertação. Àqueles que se perguntam porque deve o Messias percorrer determinada via, Lucas responde: porque é a vontade do Pai, foi para a cumprir que veio ao nosso encontro e entrou na nossa história.
Atente-se, ainda, em duas questões que podem servir para nossa reflexão e edificação: o entusiasmo que Jesus tem pela Palavra de Deus e pelas questões que ela levanta; e a “declaração de independência” de Jesus, que pode ajudar-nos a compreender que a família não é o lugar fechado, onde cada pessoa cresce em horizontes limitados e fechados, mas o lugar onde nos abrimos ao mundo e aos outros, onde nos armamos para a conquista do mundo que nos rodeia.
(http://www.agencia.ecclesia.pt/portal/ano-c-festa-da-sagrada-familia-de-jesus-maria-e-jose/; http://www.dehonianos.org/portal/festa-da-sagrada-familia-ano-c/; http://www.diocese-aveiro.pt/v2/?p=17559); http://geral.paroquiademangualde.pt/index.php/component/content/article/2136-homilia-da-festa-da-sagrada-familia-ano-c.htmlMissal Quotidiano – dominical e ferial, 5.ª ed. Paulus: 2016).

Que a família de Nazaré nos inspire, nos sirva de exemplo e nos ajude!
2018.12.30 – Louro de Carvalho