O Papa
Francisco recebeu em audiência, hoje, dia 17 de dezembro, no Vaticano, uma
delegação da Comissão Internacional
contra a Pena de Morte, organismo a cujos membros agradeceu pelo trabalho
que realizam em prol da abolição universal dessa cruel forma de castigo.
Francisco
recordou, segundo o Vatican News, o
seu discurso proferido no Congresso dos Estados Unidos, em setembro de 2015, em
que reiterou o compromisso da Igreja com a causa da abolição da pena de morte e
disse ter compartilhado algumas ideias sobre esse tema na carta à Associação Internacional de Direito Penal e
à Associação Latino-Americana de Direito
Penal e Criminologia, em 30 de maio de 2014. Na verdade, esta forma desumana
de castigo vai contra “a certeza de que a vida de cada pessoa é
sagrada e de que a dignidade humana deve ser protegida sem exceções”, o que
levou o Papa argentino, desde o início do seu ministério, “a trabalhar em
diferentes níveis pela abolição universal da pena de morte”. Nesse sentido,
desta vez acentuou:
“Nos séculos passados, quando não tínhamos
os instrumentos de que dispomos hoje para a tutela da sociedade e ainda não se
tinha alcançado o nível atual de desenvolvimento dos direitos humanos, o
recurso à pena de morte apresentava-se, em algumas ocasiões, como uma
consequência lógica e justa. Inclusive o Estado Pontifício recorreu a essa
forma desumana de castigo, ignorando a primazia da misericórdia sobre a
justiça.”.
Francisco
lembrou que a nova redação do Catecismo da Igreja Católica “assume a nossa responsabilidade sobre o
passado e reconhece que a aceitação dessa forma de punição foi consequência de
uma mentalidade da época, mais legalista que cristã, que sacralizou o valor das
leis carentes de humanidade e misericórdia”. E sublinhou:
“A Igreja não podia permanecer numa posição neutra diante das exigências
atuais de reafirmação da dignidade da pessoa. A reforma do texto do Catecismo
no ponto relativo à pena de morte não conota nenhuma contradição com o
ensinamento do passado, porque a Igreja sempre defendeu a dignidade da vida
humana.”.
Porém, apesar
de não haver contradição com a substância do ensinamento do passado, o Pontífice
assegurou que “o desenvolvimento
harmonioso da doutrina impõe a necessidade de refletir no Catecismo que, apesar
da gravidade do delito cometido, a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que a
pena de morte é sempre inadmissível porque atenta contra a inviolabilidade e a
dignidade da pessoa”. Por consequência, o Magistério da Igreja, no dizer do
Papa, “entende que as penas perpétuas,
que retiram a possibilidade de uma redenção moral e existencial, em favor dos
condenados e da comunidade, são uma forma de pena de morte disfarçada”. Por
outro lado, assumindo que “Deus é Pai que sempre espera o retorno do filho que,
sabendo que errou, pede perdão e inicia uma nova vida”, pensa e ensina que “ninguém
pode ser privado da sua vida ou da esperança da sua redenção e reconciliação
com a comunidade”.
Recorde-se
que, a 1 de agosto do corrente ano, foi divulgado um rescrito papal sobre a
questão da pena de morte, a propósito do qual a Sala de Imprensa da Santa Sé
reportava que o Santo Padre recebera em audiência, no dia 11 de maio deste ano,
no Vaticano, o Cardeal Luís Ladaria, Prefeito da Congregação para a Doutrina da
Fé, durante a qual aprovou a nova redação do número 2267 do Catecismo da Igreja
Católica sobre a pena de morte. E explicava:
“Durante muito tempo, o recurso à pena de
morte, por parte da legítima autoridade, era considerada, depois de um processo
regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio
aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum. No entanto, hoje,
torna-se cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não fica
privada, apesar de cometer crimes gravíssimos. Além do mais, difunde-se uma
nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Enfim,
foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a
indispensável defesa dos cidadãos, sem tirar, ao mesmo tempo e definitivamente,
a possibilidade do réu de se redimir.”.
E concluía:
“Por isso, a Igreja ensina, no Novo Catecismo,
à luz do Evangelho, que ‘a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a
inviolabilidade e dignidade da pessoa, e se compromete, com determinação, em
prol da sua abolição no mundo inteiro’.”.
***
Mas o Papa não se contenta com a decisão tomada no seio da Igreja Católica,
antes como paladino dum humanismo ao mesmo tempo originário (Deus criou o homem à sua imagem e semelhança) e moderno (em linha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que o valor primordial
é a vida humana e a dignidade do ser humano), quer que aquilo que “aconteceu no coração da Igreja” se torne um necessário
compromisso a assumir pelas nações, uma vez que “o direito soberano de todos os
países de definir os seus sistemas jurídicos não pode ser exercido em
contradição com as suas obrigações perante o direito internacional, nem pode
representar um obstáculo ao reconhecimento universal da dignidade humana”. Neste
sentido, referiu que “as resoluções da Organização das Nações Unidas sobre a
moratória do uso da pena de morte, que visam suspender a aplicação da pena de
morte nos países membros, são um caminho que deve ser percorrido”. Por isso, convidou todos os Estados
que não aboliram a pena de morte a não aplicá-la, ou seja, aos
Estados que continuam aplicando a pena de morte, pediu-lhes para que adotem uma
moratória tendo em vista a abolição dessa forma cruel de punição. E considerou:
“Entendo que, para alcançar a abolição, que é o objetivo dessa causa, em
certos contextos pode ser necessário passar por processos políticos complexos.
A suspensão de execuções e a redução de delitos puníveis com a pena de morte,
bem como a proibição dessa forma de castigo para menores, mulheres grávidas ou
pessoas com deficiências mentais ou intelectuais, são objetivos mínimos com os
quais os líderes de todo o mundo se devem comprometer.”
À semelhança
do que fez em ocasiões anteriores, o Papa chamou “a atenção para as execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, que são um fenómeno lamentavelmente
recorrente em países com ou sem pena de morte”, pois não são outra coisa que “homicídios deliberados cometidos por agentes
do Estado, que muitas vezes passam como resultado de confrontos com supostos
criminosos ou são apresentados como consequências não intencionais do uso
razoável, necessário e proporcional da força para proteger os cidadãos”.
Depois, afirmando o amor-próprio como “um princípio
fundamental da moralidade”, o Papa Bergoglio recordou a legitimidade de “fazer valer o direito à própria vida, mesmo
quando for necessário infligir um golpe mortal no agressor”. E garantiu que
“a legítima defesa” não é apenas “um direito”, mas é sobretudo “um dever para
aquele que é responsável pela vida de outro” e que “a defesa do bem comum exige
que se ponha o agressor na situação de não causar dano”. Por conseguinte, no entender
do Pontífice, “aqueles que têm autoridade legítima devem rejeitar toda a agressão,
mesmo com o uso de armas, sempre que isso seja necessário para a preservação da
própria vida ou das pessoas sob seus cuidados”; mas daí decorre que “todo o uso
de força letal que não seja estritamente necessário a esse propósito só pode
ser considerado como uma execução ilegal, um crime de Estado”. E justificou:
“Qualquer ação defensiva, para ser legítima, deve ser necessária e
medida. Como São Tomás de Aquino ensinava, tal ato, em relação à preservação da
própria vida, não tem nada de ilícito, já que é natural que todos os seres
preservem a sua existência tanto quanto possível. Entretanto, um ato que vem da
boa intenção pode tornar-se ilícito se não for proporcional ao fim. Portanto,
se alguém, para defender a própria vida, usa mais violência do que a
necessária, esse ato será ilícito. Mas, se rejeitar moderadamente a agressão, a
defesa será lícita, já que, segundo o direito, é lícito repelir a força com
força, moderando a defesa de acordo com as necessidades da segurança ameaçada.”.
Por fim,
Francisco agradeceu aos membros da comissão pelo trabalho que realizam em prol
de uma justiça verdadeiramente humana, garantiu que continuará a trabalhar com
eles pela abolição da pena de morte e exprimiu o desejo da Santa Sé em colaborar
com a Comissão Internacional contra a Pena de Morte na construção dos consensos
necessários para a erradicação da pena de morte e de toda forma de castigo
cruel.
***
A nossa comunicação social faz-se eco do evento referindo que o Papa
Francisco, num discurso aos membros da Comissão
Internacional contra a Pena de Morte (com a quem se reuniu esta segunda-feira numa audiência
privada), apelou a todos
os Estados que não aboliram a pena de morte a adoção de “moratória com vista à
abolição desta forma cruel de punição”.
Na mensagem,
o Pontífice convidou todos os Estados que, apesar de não terem abolido a pena
de morte não a aplicam, a “continuar a cumprir este compromisso internacional e
que a moratória não se aplica apenas à execução da sentença, mas também à imposição
de sentenças de morte”. Porém, no dizer papal, “a moratória não pode ser vivida
pelos condenados como um mero prolongamento da espera para a sua execução”.
Também relevam
que a suspensão de execuções, a redução de crimes puníveis com pena capital e a
proibição desta forma de punição para menores, gestantes ou pessoas com
deficiências mentais ou intelectuais, são objetivos mínimos com que os decisores
se devem comprometer.
E dão conta da nova formulação do CIC (Catecismo da Igreja Católica) no atinente a esta matéria,
anotando que a nova redação do CIC implica a assunção da responsabilidade da
Igreja pelo passado e o reconhecimento de que “a aceitação desta forma de
punição foi o resultado de uma mentalidade da época, mais legalista do cristianismo”.
Com efeito, como insistiu o Papa, “ninguém
pode tirar a sua vida ou a esperança de sua redenção e reconciliação com a
comunidade”.
***
O Papa,
como ficou dito, aludiu à moratória homologada pela ONU (Organização
das Nações Unidas), que importa clarificar, quer na
substância quer em termos de processo.
Na substância,
a moratória
requer a suspensão geral – e não a abolição – da pena de morte em todo o mundo.
Convoca os Estados-membros da ONU que mantêm a pena de morte a estabelecer uma
moratória rumo à abolição a restringir o número de delitos para os quais é
utilizada e a respeitar os direitos de quem está no corredor da morte. Por outro
lado, solicita aos Estados que aboliram esta pena que não a reintroduzam. No
entanto, por se tratar duma resolução, não terá efeito vinculativo para os Estados-membros
da ONU. Assim, países que atualmente retêm a pena de morte (por exemplo, Estados Unidos, Irão e
China)
não serão forçados pela legislação internacional a parar de executar os
condenados, mas desde então ficam sob forte escrutínio moral.
Em termos do
processo, a moratória resulta de duas propostas, apresentadas pela Itália e pelo
Chile, com o apoio de diversos países e ONGs, à Assembleia Geral da ONU,
que as homologou. A 15 de novembro de 2007, o Terceiro Comité da 62.a Assembleia
Geral da ONU votou (por 99 votos a favor, a 52 contra e 33 abstenções), uma resolução pedindo a moratória global da pena de
morte; e, a 18 de dezembro, a Assembleia Geral da ONU votou a
favor da resolução A/RES/62/149, que convoca uma moratória global da pena de
morte, com uma vasta maioria (104 a favor, 45 contra e 29 abstenções). Após a aprovação da resolução, Massimo d’Alema, o
então Ministro de Relações Exteriores da Itália, declarou:
“Agora precisamos de começar a trabalhar na abolição da pena de morte”.
E, a 20 de
dezembro de 2008, por
proposta do Chile, a 63.ª Assembleia
Geral da ONU adotou a resolução duma moratória global à pena de morte (106 votos a favor,
46 contra e 34 abstenções).
A ideia da moratória foi lançada na Itália pela associação
Hands off Cain, filiada no Partido Radical Não-Violento. Em 1994, foi
apresentada pelo governo italiano, pela primeira vez, na Assembleia Geral da
ONU, uma resolução pela moratória, que foi rejeitada por 8 votos. Desde 1997,
através da iniciativa italiana, e desde 1999, com o endosso da UE (União Europeia), a Comissão das Nações Unidas de Direitos Humanos vem
aprovando uma resolução pedindo a moratória das execuções a cada ano. A votação
de 2007 no Terceiro Comité da 62.a Assembleia Geral foi acompanhada por intensa atividade
diplomática dos países-membros da UE a favor da moratória, assim como de
filiados do Partido Radical Não-Violento. A Comunidade de Santo
Egídio, associação leiga da Igreja Católica, que é contra a pena de morte,
juntou-se aos ativistas e enviou à ONU um documento com mais de 5 milhões de
assinaturas a pedir a aprovação da moratória.
***
Enfim, tudo o que se pode fazer pela preservação da vida e
com dignidade é imperioso que se faça. O homem não tem a vida nas mãos. É demasiado
pequeno para ser seu dono e senhor.
2018.12.17
– Louro de Carvalho
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