Cedo se começou a dizer que o pequeno e modesto altar de Fátima se tornou
Altar do Mundo, pois, como há séculos
os portugueses demandavam as diversas partes do mundo em regime de aventura
buscando outras paragens e culturas para semear a fé e obter vantagens
comerciais, há umas boas décadas a esta parte, vêm das mais diversas partes do
orbe terráqueo homens e mulheres postar-se e ajoelhar ante o altar da Senhora
do Rosário de Fátima a dirigir ao Senhor louvores, gratidão e preces, almejando
a conversão e participando no sacrifício eucarístico como banquete que nutre a
alma e cimenta a unidade dos filhos de Deus enquadrados pela Igreja.
Porém, 2019, o ano centenário da edificação da Capela que a Senhora aparecida ali recomendou sublinha a Capela das Aparições como a Capela do Mundo, uma vez que em torno
daquele minúsculo templete se foram agregando inúmeros peregrinos que vinham
manifestar a sua fé por entre as agruras da vida e as condições periclitantes
por que passava o país e o mundo.
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Assim, o Santuário de Fátima apresenta uma nova exposição temporária que mostra
os 100 anos da Capelinha das Aparições e que a
apresenta como um dos mais importantes e emblemáticos ícones do Santuário de
Fátima. Esta 7.ª exposição temporária
desenvolvida pelo Museu do Santuário é comissariada por Marco Daniel Duarte,
diretor do Museu do Santuário de Fátima, e conta com a conceção arquitetónica
de Joana Delgado e o design de Inês
do Carmo
A “Capela Mundi” foi efetivamente
inaugurada na tarde de 1 de dezembro passado e poderá diariamente ser visitada de
forma gratuita até 15 de outubro de 2019, entre as 9 horas e as 18. Até
2 de janeiro de 2019, o Museu do Santuário de Fátima assegurará visitas guiadas
aos sábados às 11,30 horas e às 15,30. Na 1.ª quarta-feira de
cada mês, entre maio e outubro, serão realizadas visitas temáticas, com
um orador convidado, a saber nos dias 1 de maio, 5 de junho, 3 de julho, 7
de agosto, 4 de setembro e 2 de outubro.
Assente numa
aturada pesquisa histórica, a mostra sugere e propõe ao visitante uma narrativa que se desenvolve em 9 núcleos
expositivos, que desvelam chaves de leitura sobre o modo como uma pequena
capela branca se tornou no centro das atenções de boa parte da
humanidade. Através dum constante diálogo metafórico entre peças de arte
contemporânea e antiga, de várias disciplinas artísticas – pintura, escultura,
ourivesaria e tapeçaria –, a exposição apresenta a Capelinha como resultado da
insistência popular junto da hierarquia religiosa de então, em fazer cumprir o
pedido da Virgem, deixado na 6.ª Aparição, a de 13 de outubro de
1917, do qual as crianças videntes se afirmavam depositárias: “façam aqui uma capela”.
Possibilita uma
visita virtual ao interior da Capelinha (a remodelação da envolvente em 1980
veda o acesso ao interior da Capela), através duma
réplica construída à escala real, numa reconstituição intimista onde estão
expostas as gavetas originais do pequeno móvel do altar. No exterior, a
volumetria representativa da Capelinha (deixada branca a sublinhar a
simbologia da sua cor) é
circunscrita por uma barra cronológica de fotografias que mostra a evolução da
paisagem da Capelinha até à atualidade. E, entre as peças diretamente ligadas à
Capelinha, estão: uma carta, datada de 1919, onde um peregrino pede ao pároco
de Fátima que se cumpra o pedido da Senhora para a construção da Capelinha; a
carta onde o pároco de Fátima comunica ao Bispo de Leiria o atentado à bomba
que destruiu parcialmente a Capelinha, em 1922, bem como um fragmento da porta
da Capelinha, recolhido após aquele episódio; terra, pedras e argamassas
recolhidos do local onde está a peanha que suporta a Imagem de Nossa Senhora do
Rosário de Fátima, a marcar o lugar exato das Aparições; os pilares do antigo
alpendre da Capelinha e uma réplica do azulejo do seu alçado oriental; e várias
fotos, fornecidas pelo Santuário, de que se destacam: a da
primeira missa celebrada na Capelinha, em 13 outubro de 1921; a da Rosa de ouro
oferecida pelo Papa Paulo VI; a da Custódia oferecida por peregrinos polacos, em
2017, de ouro e prata dourada, vidro, fragmentos de meteorito e de pedra do
solo lunar; a da História
Trágico-marítima, tomo primeiro, por Bernardo Gomes de Brito, da Biblioteca
Geral da universidade de Coimbra; e as das esculturas de Santa Jacinta Marto e
Santo Francisco Marto, por Sílvia Patrício, em madeira de cedro e latão
fundido.
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São 100
anos em 9 núcleos, no Convivium
de Santo Agostinho (piso inferior da Basílica da Santíssima Trindade). O
início do percurso, I núcleo, sublinha o lugar de Maria como Mãe da Igreja. Sob
o título “Contínua presença”, expõe a
pintura da Assunção da Virgem Maria, bem como a coroa de prata que constou do
trono do retábulo da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
O II núcleo,
com a réplica da Capelinha à escala
real, faz memória do pedido da Virgem para a construção da Capelinha,
transportando-o para o sentido da edificação da Mensagem deixada por Nossa
Senhora aos Pastorinhos, na Cova da Iria.
A
concretização do pedido de Nossa Senhora num edifício de arquitetura arcaica e
popular e a forma como ele resistiu ao tempo estão em relevo no III núcleo,
que, ao percorrer os vários projetos de remodelação e de reedificação do
espaço, termina com uma imagem de Santo
Agostinho, patrono da Diocese de Leiria-Fátima, a segurar uma edificação,
que pretende simbolizar a chancela eclesiástica da iniciativa popular de
construção da Capelinha.
No IV núcleo,
uma vitrina apresenta um conjunto de terços
artísticos feitos de prata, ouro, marfim e coral são, bem como a 1.ª fotografia
da Capelinha das Aparições, uma outra da 1.ª Missa ali celebrada, a 13 de
outubro de 1921, e uma série de três imagens que mostram o estado em que a
capela ficou, após o atentado de 1922.
No V núcleo,
que apresenta a Capelinha como “Lugar de
oração: o louvor, a súplica, a entrega e a gratidão”, estão expostas placas
votivas que os peregrinos foram oferecendo à Senhora ao longo do último século,
bem como as três rosas de ouro que os Papas Paulo VI, Bento XVI e Francisco –
também eles peregrinos de Fátima – ofereceram ao Santuário de Fátima.
No VI núcleo
é metaforicamente abordado o templo edificado como imagem teológica de um templo maior, constituído por “pedras vivas”
que formam a Igreja, e é apresentado o projeto do alpendre que protege a
Capelinha desde 1982, inspirado nos pálios litúrgicos, e que, desde então, a
apresenta como relíquia: concita mais peregrinos à sua volta, embora não
entrem.
O VII
núcleo, que apresenta a “Capela como
lugar da nova evangelização”, confina-se a uma sala onde é projetada a
transmissão em direto da Capelinha das Aparições, numa constatação de Fátima
como espaço da nova evangelização pelos milhares de peregrinos que seguem
Fátima diariamente através do digital, e onde também está o andor histórico que
transportou a Imagem de Nossa Senhora de Fátima, até ao ano passado, altura em
que foi para restauração, num processo que se pode ver num vídeo que ali é
reproduzido.
A área
expositiva extravasa o espaço do Convivium
de Santo Agostinho, para apresentar um pequeno barco de pesca num dos espelhos de água da Galilé dos Apóstolos,
ficando congregadas as referências ao mar no VIII núcleo, com a apresentação da
metáfora da capela como farol sob o tema “Capela
em alto mar: a barca de Maria” – uma instalação de arte contemporânea: uma boia
salva-vidas gigante em forma de coração, decorada com pétalas de flores;
ex-votos de pescadores e o terço oferecido a Nossa Senhora pelos pescadores de
Caxinas (Vila do
Conde), resgatados dum naufrágio em 2011
– havendo também, neste espaço, um diálogo com o espelho de água exterior pela
reprodução no vidro de diferentes perspetivas da forma arquitetónica da Capelinha,
a última das quais, na forma da estrela das vestes da Imagem da Senhora, numa
referência ao tema da exposição temporária do próximo ano pastoral.
Na
conclusão, o IX e último núcleo, sob o título “Capelinha = pequena Igreja”, centra-se no diminutivo que, desde
cedo, é utilizado na designação da capela edificada na Cova da Iria a pedido da
Senhora, sendo apresentada, através de peças evocativas dos santos Pastorinhos,
a Mensagem de Fátima como uma luz “que
uma boa parte da humanidade acredita ser transformadora do coração humano”.
(cf
Santuário de Fátima, Nova exposição temporária mostra 100
anos de Capelinha das Aparições, in https://www.fatima.pt/pt/news/nova-exposicao-temporaria-mostra-100-anos-de-capelinha-das-aparicoes).
***
Segundo a
Rádio Renascença (RR), a mostra apresenta peças de
valor histórico e artístico, não só do espólio do Museu do Santuário, como de
outras instituições, museus e arquivos da Igreja Católica, bibliotecas ou
palácios do Estado português, bem como de
diferentes organismos eclesiais, como paróquias, congregações religiosas,
confrarias e dioceses (de Portugal e de Espanha). E o “sapo.pt”
especifica que algumas são “peças âncora” da mostra, como: “Promessas”, de José Malhoa; “Agnus Dei”; de Josefa de Óbidos; e “História Trágico-Marítima”, de Maria
Helena Vieira da Silva (que estará patente no Santuário a partir
de maio).
Algumas
peças, segundo Marco Daniel Duarte, nunca foram expostas: eram objetos “que
estiveram dentro do perímetro da Capelinha das Aparições”, mas que “já há
várias décadas não podem ser vistos, porque foram retirados e também porque o
espaço da Capelinha deixou de ser acessível ao comum dos peregrinos”. Para o
Comissário da exposição, “alguns desses
objetos têm apenas valia antropológica enquanto alguns outros têm valia
artística e material”.
Trata-se duma
exposição – diz a RR – que evoca os 100 anos da Capelinha das Aparições, que se
completam em 2019, e que, segundo o Comissário, “vai mostrar vários ângulos dessa Capelinha ao longo de nove núcleos”.
Marco Daniel Duarte explicita:
“A expressão Capela Mundi faz
logo acontecer uma projeção sobre aquilo que se pretende com esta exposição,
mostrar que, embora seja uma capela de pequenas dimensões, com perímetro muito
reduzido, ela tem uma presença simbólica na atualidade de tal maneira forte que
é um ponto de atração gravitacional para quem vem a Fátima”.
A Capelinha
das Aparições, o coração do Santuário de Fátima, por ter sido construída a
partir de um desejo que os pastorinhos garantiram ter sido transmitido por
Nossa Senhora, concita em seu redor as mais visíveis manifestações de fé e
piedade dos peregrinos. Para lá das orações em comum e das celebrações
litúrgicas que ali ocorrem, nota-se, a ritmo constante, as mais diversas ações
de piedade e de culto devoto num ambiente de recato, recolhimento e compostura,
a que muito se assemelha a gruta de Massabielle junto ao rio Gave de Pau, em Lourdes.
A abrir a
exposição encontra-se um barco que “nos remete
para um tópico que vai estar presente ao longo de toda a exposição, que é a
questão de uma Capela que vai estar a ser vista como um farol em alto-mar nas
horas inquietas”. Para Marco Daniel Duarte, comissário da exposição e diretor
do museu do Santuário de Fátima, “é assim
que a Igreja Católica vê a presença de Maria na humanidade, como intercessora”.
Entre as
peças, contam-se uma maqueta à escala natural da Capela das Aparições aonde os
visitantes poderão entrar, o terço utilizado pelos pescadores das Caxinas, uma
relíquia da azinheira das aparições, a coroa do trono do retábulo da Basílica
de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, um fragmento da porta da Capelinha das
aparições após a dinamitação de 6 de março de 1922, as rosas de ouro oferecidas
pelos Papas e placas com mensagens de agradecimento dos peregrinos por graças
concedidas pela virgem Maria.
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Segundo o “sapo.pt” trata-se duma exposição no Santuário de Fátima a assinalar “os 100 anos da Capelinha das Aparições, uma
construção singela, à imagem de muitas outras ermidas, que conseguiu resistir a
uma dinamitação e a tentações da Igreja de a tornar mais erudita” – num equilíbrio entre arte
contemporânea, arte antiga e objetos inéditos, que aponta para vários ângulos e
perspetivas da história da Capela. E sublinhou o diretor do Museu do Santuário:
“É
uma peça de origem popular, aceite pela hierarquia, que não é trabalhada em
gabinete de arquitetura, mas que tem uma força gravitacional e simbólica que,
ao longo de um século, transporta dos mais diversos pontos do globo pessoas
para a sua intimidade”.
Num dos
núcleos encontram-se uma caixa de esmolas e uma carta dum crente ao padre a
simbolizar a importância da iniciativa popular nos primeiros anos após as
aparições de Nossa Senhora aos três pastorinhos – relevância reforçada com uma
homenagem, no final da exposição, a Maria Carreira, primeira guardiã da capela,
na convicção de que “Fátima tem uma componente, logo à nascença, mais do que
popular, laical”, sendo a partir da força laical que “Fátima sobrevive e se impõe”, como sublinha Marco Daniel Duarte.
De facto, o
cariz popular desta capela acaba por estar muito vincado na exposição, como é o
caso de algumas das 400 placas votivas que estavam na capelinha e que foram
retiradas nos anos 1970, onde se podem ler agradecimentos de peregrinos em
várias línguas e onde surge até uma referência à guerra colonial. E, para o
diretor do Museu do Santuário, é na força dessa iniciativa popular inicial que
reside a explicação de a capela, de desenho simples, ter aguentado um século,
embora a Igreja tenha manifestado reiteradamente a ideia de a reformular com
uma arquitetura mais erudita, como mostra a exposição, com desenhos de
propostas de outra capela.
E Marco Daniel
Duarte discorre:
“É,
de facto, intrigante, como é que um edifício que, do ponto de vista artístico,
não tenha qualquer valia que a diferencia de tantas outras ermidas que estão no
nosso país de norte a sul. Uma ermida que não tem configuração artística de uma
época específica consegue sobreviver a essa tentação que a Igreja teve ao longo
das épocas de tornar a capela mais erudita. A resposta só pode ser dada a
partir do conceito da verdade do que está feito. Aquela capela é um sinal feito
por mãos populares, por iniciativa popular que queria
de facto corresponder a um pedido que entendia ser do Céu. A
constituição desse pedido leva a que ganhe essa força de tal maneira
emblemática que a fez resistir a qualquer traçado erudito.”.
“Capela Mundi” faz naturalmente
referência a 1922 e ao momento em que a Capelinha das Aparições foi dinamitada,
“numa ação de dolo para destruir aquilo que era o símbolo mais forte do
Santuário de Fátima”, como refere o responsável da exposição, que apresenta um
pedaço da porta destruída nesse episódio. Efetivamente nada podemos poderes
contra Deus.
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Tudo isto
testifica que não foi a Igreja que impôs Fátima, mas foi Fátima quem se impôs à
Igreja e que, como refere o Papa Francisco, citando um bispo italiano, a
piedade popular, expressa e acalentada no Santuário, “é o sistema imunitário da
Igreja”, que “nos salva de muitas coisas”, na linha de Paulo VI, que a
entendia como algo rico de valores, se bem orientada.
2018.12.12 – Louro
de Carvalho
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