Na perspetiva da caminhada do Advento para a
quadra natalícia, emergem na Santa Sé cinco preocupações determinantes para a
afinação da rota do desenvolvimento, arredando os obstáculos e tomando posturas
proativas: convencer os povos e os seus
líderes da inutilidade dos conflitos armados; tratar o meio ambiente com ternura; desenvolver ações urgentes e solidariedade global; apoiar o Pacto Global pela migração; e haver antenas de espiritualidade.
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Em relação à primeira preocupação, é de relevar
que o Papa recebeu em audiência, nesta
quinta-feira, 13 de dezembro, na Sala Clementina, no Vaticano, os embaixadores junto
à Santa Sé de Granada, Gâmbia, Bahamas, Suíça, Cabo Verde, Islândia, Turcomenistão,
Malta, Catar e Estónia, para a apresentação de suas credenciais – a quem
declarou, no âmbito do centenário do fim da I Guerra Mundial:
“Este ano, como vós sabeis, marca o 100.º aniversário do fim da Primeira
Guerra Mundial, uma tragédia de grandes proporções que o meu predecessor, o Papa
Bento XV, não hesitou em definir como um massacre
inútil”.
Evocando as duas guerras mundiais, evidenciou a
necessidade de acolher as lições que delas se podem retirar, advertindo para a
necessidade de convencer o mundo da inutilidade
dos conflitos armados e de estabelecer o diálogo e a negociação para a
resolução das controvérsias:
“Que as lições aprendidas das duas grandes guerras do século XX, que
levaram ao nascimento da Organização das Nações Unidas, continuem a convencer
os povos do mundo e os seus líderes da inutilidade dos conflitos armados e da
necessidade de resolver controvérsias através do diálogo e da negociação. É
minha esperança, mantida pela oração, de que a vossa missão, iniciada agora, ao
serviço das vossas respetivas nações, contribua para o nobre objetivo de
estabelecer entre os homens a paz fundada na justiça e no amor e preparar os
meios necessários para alcançá-la.”.
E, ao
recordar os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
celebrados pela Comunidade internacional, no passado dia 10 de dezembro, vincou:
“Esse documento fundamental continua a guiar
os esforços da diplomacia internacional a fim de garantir a paz no mundo e
promover o desenvolvimento integral de cada pessoa e de todos os povos. Os dois
objetivos são inseparáveis.”.
Depois,
referiu as primeiras palavras da Declaração Universal dos Direitos Humanos onde
fica estabelecido que “o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis é
o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. E observou
que, “nestes tempos de profundas mudanças sociais e políticas, não pode faltar
o compromisso com esse princípio por parte dos governos e dos povos”.
Tendo como principal obrigação de todos o respeito pela dignidade humana, declarou:
“É essencial que o respeito pela dignidade humana e pelos direitos
humanos inspire e guie todos os esforços para enfrentar as graves situações de
guerra e conflitos armados, de pobreza opressiva, discriminação e desigualdade
que afligem o nosso mundo e que nos últimos anos contribuíram para a atual
crise migratória em massa”.
Para
Francisco, “nenhuma solução humanitária
eficaz para esses problemas urgentes pode ignorar a nossa responsabilidade
moral, com a devida consideração pelo bem comum a fim de acolher, proteger, promover e integrar aqueles que batem às nossas
portas em busca de um futuro seguro para si e para os seus filhos”. E, quanto ao diálogo construtivo para a resolução dos problemas que afetam quem
passa graves tribulações, muitas delas causadas pelos homens e a que os
decisores não podem, não sabem ou não querem anular ou amenizar, o Papa
garante:
“A Igreja, por sua vez, compromete-se a trabalhar com todo o interlocutor
responsável num diálogo construtivo, destinado a propor soluções concretas para
esse e para outros problemas humanitários urgentes, com o objetivo de preservar
a vida e a dignidade humana, aliviando os sofrimentos e promovendo um
desenvolvimento autêntico e integral”.
E concluiu
assegurando àqueles embaixadores a atenção constante dos dicastérios da Cúria Romana
para os ajudar no cumprimento de suas responsabilidades.
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Quando à segunda das preocupações enunciadas,
regista-se que o Santo Padre enviou uma
mensagem aos participantes numa Jornada de estudos promovida pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura) sobre o
tema “Água, agricultura e alimentação:
construamos o amanhã” – evento que se realiza na capital espanhola, Madrid.
E a ideia papal
que ressalta na mensagem é a da ternura com que se deve tratar o meio ambiente,
pois “a Terra deve ser tratada com ternura, para não se lhe causarem
feridas, para não arruinar a obra que saiu das mãos do Criador” – assegura o
Papa Francisco, privilegiando, a propósito do tema, dois vocábulos: “construir” e “ternura”.
No vocábulo
“construir”,
como escreve o Pontífice, encerra-se um sentido de positividade, a contribuição
dum benefício, a abertura ao outro, a reciprocidade e a colaboração. Neste
sentido, a pessoa humana e os seus direitos fundamentais devem estar no centro
de todas as políticas, não podendo os decisores deixar-se “arrastar por interesses questionáveis que enriquecem somente alguns
poucos, que infelizmente são sempre os mesmos”. E o Papa Bergoglio expõe
novamente o paradoxo da quantidade dos recursos que a terra oferece e a
multidão de pessoas que padece a fome e é cruelmente fustigada pela pobreza,
sendo que, na raiz e na génese deste paradoxo, estão as injustiças – injustiças
cujos efeitos recaem também sobre o meio ambiente.
Em termos da
“ternura”,
importa não causar feridas à Terra, não arruinar a obra que saiu das mãos do
Criador, pois, quando isso não acontece, a terra deixa de ser fonte de vida
para a família humana. E, como observa o Pontífice, “isso é o que acontece em
não poucas regiões do nosso planeta, onde a água está contaminada, o lixo se
acumula, a desflorestação avança, o ar está viciado e o solo acidificado”. Por
isso, Francisco faz votos para que os participantes da Jornada saiam dela com
uma “renovada vontade de fazer da terra a
casa comum que a todos nos acolhe, um lar de portas abertas, um âmbito de
comunhão e de benévola convivência”.
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O que pede a Santa Sé à Cop24 são ações urgentes e solidariedade global.
Na verdade, a delegação da Santa Sé lançou um
comunicado na Cimeira das Nações Unidas sobre o Clima que se realiza em Katowice,
na Polónia, reforçando o urgente apelo a ouvir o grito da Terra com particular
atenção às pessoas mais vulneráveis devido às mudanças climáticas. E na
conferência de imprensa que organizou, ressaltam duas prementes indicações: “ações
e solidariedade”.
Ao citar
a Laudato si’, o Padre Bruno
Marie Duffé, coordenador da delegação da Santa Sé chefiada pelo Cardeal Pietro
Parolin, Secretário de Estado, confirmou firmemente a necessidade de escutar
atentamente o grito da Terra que, no dizer do Papa, está gemendo de dores”.
Uma das
grandes fontes de preocupação é o último relatório da IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), em que se ecografa o impacto devastador da mudança climática nas
comunidades de todo o mundo. A partir dessa informação torna-se imperativo
ouvir o alarme lançado pelos cientistas. Na predita conferência de imprensa –
segundo o comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé – intervieram também Mercy
Chirambo, representante da Cáritas de Malawi (Cadecom), e Joseph Sapati Moeono-Kolio, representante dos Pacific Climate Warriors. Os relatores
insistiram na necessidade de uma ação urgente de solidariedade para com os mais
vulneráveis às mudanças climáticas.
Por seu turno, intervindo
no início da Cimeira, o Cardeal Parolin interrogou-se se “há suficiente vontade política para colocar em prática as várias
soluções que temos à disposição”. E o Padre Duffé pediu “ações urgentes e
decisões urgentes numa verdadeira e recíproca solidariedade global”, apelando a
que se trabalhe na criação de condições de modo que seja garantido a todos um
emprego digno, que respeite os direitos humanos e proteja os mais fracos e os
mais pobres. Por outro lado, pôs em relevo o trabalho – fundamental – que está
a ser feito nas comunidades pois, como recordou o Papa, “a chave é a vontade
política de fazer uma transformação radical”. “Queremos ser recordados apenas
pela incapacidade de agir quando era urgente e necessário?” – pergunta o Papa.
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Outra preocupação da Santa Sé é o Pacto Global pela migração. Neste
sentido, interveio Pietro
Parolin, o Cardeal Secretário de Estado do Vaticano, na Conferência Intergovernamental
de Migração da ONU, em Marrakesh (Marrocos), apresentando a tetralogia “acolher, proteger, promover e
integrar” como a estratégia que melhor resume a abordagem pastoral da
Igreja ao fenómeno da migração.
O resultado
daquele evento é a adoção do Pacto Global pela “migração segura, ordeira e regular”, um acordo que foi aprovado por
164 países no passado dia 10 de dezembro, 70.º aniversário da Declaração
Universal dos Direitos Humanos e cujo texto deve ser presente à análise da Assembleia
Geral da ONU, no dia 19 de dezembro.
Na convicção
de que “todos são chamados a servir para o bem comum”, o Cardeal
sublinhou que “o apelo à busca dos direitos de cada ser humano, como
recomendado pelo Papa Francisco, deve levar em conta que cada um faz parte de um
corpo maior”. E é por isso que “as nossas
sociedades, como todo corpo humano, gozam de boa saúde se cada membro realiza o
seu trabalho, sabendo que está a serviço do bem comum”.
Uma das
tarefas a realizar é ajuda às pessoas a permanecerem no seu próprio país.
Assim, convicto de que a decisão de migrar, como está escrito no texto do Pacto
Global, “nunca deve ser um ato de desespero”, Pietro Parolin entende que “devemos fazer o melhor que pudermos para
garantir que as pessoas possam permanecer em seus países de origem”,
fazendo tudo para “construir sociedades
mais inclusivas, sustentáveis e justas” e “reduzindo os fatores estruturais que negam às pessoas os seus direitos
humanos fundamentais e as forçam a partir”.
Segundo o
Cardeal Secretário de Estado, a Santa Sé partilha dos princípios orientadores do
Pacto Global que focalizam a “prioridade
na pessoa, na sua dignidade inalienável e no desenvolvimento integral, que é a
verdadeira aspiração de todo ser humano”. E, se é verdade, como assinala o
Papa Francisco, que “as migrações
revelam, muitas vezes, falhas e fracassos por parte dos Estados e da comunidade
internacional, também indicam a aspiração da humanidade de viver a unidade,
respeitando as diferenças, com acolhida e hospitalidade que permitem a partilha equitativa dos bens da terra”.
Daí ressalta
a proposta de Parolin de que, “para que esta orientação estratégica seja
eficaz”, “se adote uma abordagem inclusiva para atender às necessidades dos
migrantes”, que devem estar envolvidos nas “políticas, programas e iniciativas”
que lhes dizem respeito “individual e coletivamente” – participação que deve
ser “institucionalizada” sempre que possível.
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Por fim, regista-se a pretensão do Papa de que os
trabalhadores e a direção da “Telepace” sejam verdadeiras antenas de
espiritualidade.
Com efeito,
Francisco recebeu, na manhã de quinta-feira, dia 13, os diretores e
funcionários do canal de televisão “Telepace” na conclusão das iniciativas pelo
40.º aniversário da emissora. E, depois dos votos de Boas festas, recordou que
devem continuar a ser “voz dos que não
têm voz”, devendo assumir o compromisso, entre outros, de serem “antenas de espiritualidade”. É
efetivamente este um dos três compromissos a que o Papa exortou os funcionários
e a direção da emissora de rádio e televisão Telepace. Assim, ao dar os
parabéns pelos 40 anos de fundação, Francisco recordou:
“Telepace sempre se caraterizou pela vocação à ‘proximidade’ e pelo seu
serviço autêntico ‘a Deus e ao homem’ segundo o seu lema. Nesta ótica deve ser
vista a escolha de não aceitar nenhum tipo de propaganda e viver unicamente de
ofertas livres. Como os primeiros cristãos, há uma total confiança na
Providência.”.
O Papa falou
também sobre o objetivo e lema da emissora Telepace: ser a voz dos que não
têm voz, encorajando a todos a continuarem neste caminho. Em seguida,
recordou as primeiras transmissões ao vivo do Angelus e das
Celebrações do Papais que chegaram às casas de todos, por mérito da emissora em
1990 a pedido de João Paulo II.
Neste aniversário
da emissora, o Papa confiou aos seus funcionários e dirigentes três
compromissos: serem antenas da espiritualidade; educar os jovens na escola do
Evangelho; e narrar sem maledicência.
“Serem
antenas da espiritualidade”.
A imagem da antena é bela e eloquente com a sua dupla função, ou seja, emitir
e receber um sinal. Telepace como canal de rádio e televisão é
especialista neste processo comunicativo. “Dou-lhes a tarefa de saber
reconhecer em tudo o que acontece, os sinais espirituais do amor do Pai” –
disse o Papa, que frisou a seguir:
“Vós podeis ser canais vivos de espiritualidade para com Deus e para com
os ouvintes e telespectadores. Principalmente os pobres, os últimos, os
excluídos. Não vos esqueçais deles, dos pobres da porta ao lado! Continuai a
estar ao lado dos encarcerados e dos condenados à morte.”.
“Educar os jovens na escola do
Evangelho”. Depois de
recordar que, no documento final do recente Sínodo dos Bispos, foi evidenciado
que ‘todos os jovens, sem exclusão, são o coração de Deus e, portanto, o
coração da Igreja’, Francisco esclareceu o significado deste pedido:
“Isso significa, antes de tudo, ser testemunhas da única Palavra que
salva. Desejo que a vossa comunicação seja em saída, disponíveis ao diálogo e
principalmente escutando os jovens. Recordemos: o Evangelho pede para ousar!”.
E “Narrar sem maledicência. Depois, o Papa indicou o terceiro compromisso: “narradores
que não usam a maledicência. A comunicação não é só a transmissão de
notícias. É disponibilidade, enriquecimento recíproco, relação. Infelizmente a maledicência continua ser uma forma
de comunicação muito difusa que não visa a atenção pelo outro e a compreensão
recíproca. É um péssimo costume que todos os dias se insinua na comunidade
humana, semeando inveja, ciúmes e ganância de poder. Pode-se até matar uma pessoa
com esta arma, advertiu o Papa argentino.
Ao recordar quanto
é cruel esta atitude e como é importante comunicar com responsabilidade, o
Santo Padre concitou todos a promoverem “um jornalismo de paz” (…)
“comprometido em indicar soluções alternativas à escalada do clamor e da
violência verbal”.
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Todas estas preocupações,
desde a fiabilidade e bondade da comunicação e do esforço de diálogo ao esforço
pela preservação do equilíbrio ecológico e pela correta atenção aos migrantes e
refugiados, são fautoras do desenvolvimento sustentável e da paz, devendo
constituir a preocupação de todos e de cada um dos cidadãos do mundo e passar a
ser o seu estilo de vida. Para tanto, há que travar o negócio e a utilização
das armas que alimentam os conflitos entres os povos decretados pelos decisores
políticos, tantas vezes arrastados pelos interesses económicos. E cabe aos
crentes e aos homens e mulheres de boa vontade tornar este mundo mais consonante
com o coração de Deus.
2018.12.14 – Louro de Carvalho
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