sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Borba: procedimento de atribuição de indemnizações


O Conselho de Ministros Extraordinário de 27 de dezembro de 2018, de acordo com o respetivo comunicado, aprovou, por via eletrónica, a resolução que estabelece o procedimento de atribuição de indemnizações pela morte das vítimas da derrocada parcial da Estrada Municipal 255, em Borba, no passado dia 19 de novembro.
No entanto, considerou que, “tratando-se de uma infraestrutura municipal há mais de 13 anos, não competia ao Estado fiscalizar, manter, conservar, reparar ou gerir a EM 255, sendo estas competências exclusivas do Município de Borba, pelo que inexistiam indícios que ao Estado coubesse uma responsabilidade objetiva ou subjetiva emergente” da derrocada referida.
Por outro lado, não deixa de admitir como “causa principal da derrocada a atividade das pedreiras adjacentes e a consequente responsabilidade das entidades que as exploram”.
Assim, ainda nos termos do aludido comunicado, “a 21 de novembro, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética determinou que a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território realizasse uma ação de inspeção ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão das pedreiras localizadas na envolvente da referida estrada”. Todavia, o relatório preliminar, apresentado ao Governo a 20 de dezembro, apontando responsabilidades claras a entidades terceiras, “indicia que a Administração central poderá não ter prosseguido de forma diligente as atribuições de fiscalização da atividade das pedreiras que lhe estão cometidas, pelo que não se pode excluir, nesta fase, uma responsabilidade indiciária, concorrente e indireta do Estado, por via da omissão de diligência no exercício dos seus deveres de fiscalização das pedreiras envolventes da estrada municipal”.
Por isso, “para acautelar desde já o ressarcimento pelos danos sofridos, e perante a ausência de qualquer ação por parte das entidades públicas ou privadas imediata e diretamente responsáveis, entendeu-se estabelecer um procedimento extrajudicial, célere e eficiente, para o pagamento das indemnizações por perdas e danos pela morte das vítimas do mencionado acontecimento trágico” – decisão esta que “não prejudica o apuramento de eventuais responsabilidades relativamente às quais possa vir a ser exercido direito de regresso por parte do Estado”.
Finalmente, o Conselho de Ministros atribui à Provedora de Justiça “a tarefa de fixar os prazos e procedimentos necessários para requerer a indemnização e de determinar o montante da indemnização a pagar em cada caso concreto”.
No encalço do aludido comunicado, vem, numa nota da Presidência, o Presidente da República a saudar a iniciativa do Governo “de proceder à indemnização das famílias das vítimas da tragédia de Borba, através de avaliação a ser estabelecida pela Senhora Provedora de Justiça”.
***
Entretanto, para que não restem dúvidas na opinião pública, o Ministro do Ambiente e da Transição Energética acorreu a esclarecer que o Estado “não assume qualquer responsabilidade pelo acidente”, apenas “pela indemnização das famílias das vítimas”. No entanto, registe-se que o aludido comunicado não a enjeita totalmente, até admite a eventual quota de responsabilidade da Administração Pública, como se refere a seguir.
As declarações de Matos Fernandes surgiram horas depois do referido comunicado do Conselho de Ministros no qual o Governo admite alguma responsabilidade do Estado na queda da estrada adjacente à pedreira de Borba, na sequência da qual morreram 5 pessoas. A resolução do Conselho de Ministros indica que não se pode excluir, nesta fase, “uma responsabilidade indiciária, concorrente e indireta do Estado, por via da omissão de diligência no exercício dos seus deveres de fiscalização das pedreiras envolventes da estrada municipal”.
Com efeito, os deveres de fiscalização passaram, em 2015, para a DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia), que, sabe-se, foi avisada para o perigo de derrocada da estrada municipal por causa das pedreiras no final de 2014, sem que alguma coisa tenha sido feita para obviar ao perigo.
E, face à ausência “de qualquer ação por parte de entidades públicas ou privadas, em face do trágico acidente, para acautelar o ressarcimento dos danos sofridos” o Governo estabeleceu um “procedimento extrajudicial”, que passa pela Provedoria de Justiça, para o pagamento de indemnizações da morte das vítimas, como disse João Pedro Matos Fernandes à Lusa, num esclarecimento a propósito do comunicado do aludido Conselho de Ministros Extraordinário.
A decisão governamental surgiu na sequência dum relatório preliminar sobre o acidente, que foi conhecido esta semana e que tinha sido pedido pelo Ministro do Ambiente e da Transição Energética, a 21 de novembro, à IGAMAOT (Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território).
Segundo o Ministro, o documento deixa claro que “a estrada é municipal há mais de 13 anos, e que foi provado que desde 2014 a Câmara de Borba sabia do risco e nada foi feito”. Assim, disse o governante, “convém perceber que a câmara é quem assume a responsabilidade sobre a autoridade de proteção civil à escala local” e que, já em 2008, tinha sido aprovado pela câmara “um plano de pormenor, com regras que eram impossíveis de cumprir”.
Não obstante, o Ministro assume que o predito relatório preliminar também reconhece que a DGEG “não foi solícita nas suas funções de fiscalização”. E acrescentou que, “por isso não se pode excluir liminarmente uma responsabilidade indiciária e indireta por parte do Estado”, sendo que também resulta claro do relatório que “não há qualquer relação entre estas omissões de fiscalização e o trágico acidente de dia 19 de novembro”. Como pode ser dito isso?
E Matos Fernandes adiantou que o relatório final da IGAMAOT estará pronto no fim de janeiro, revelou que a indemnização ora decidida se deveu à ausência de ação, quer do dono/explorador da pedreira, quer da Câmara de Borba, e que a decisão tomada não prejudica o “direito de regresso”, ou seja, o Estado poder reaver o dinheiro na sequência de decisão final sobre o caso.
Porém, como disse o governante, tal “é indiferente para as famílias, das vítimas, que são quem nos preocupa neste momento”.
***
Por seu turno, o autarca de Borba diz-se orgulhoso do Estado por este ter avançado com o procedimento de indemnizações às vítimas da queda da estrada 255 em Borba.
Em declarações à TSF, António Anselmo afirmou:
Esta atitude do Estado português é, de facto, a atitude de um Estado. Infelizmente, por muitas vezes já duvidei do Estado, mas sinceramente, hoje estou contente com o Estado que temos em Portugal, que felizmente assumiu.”.
As palavras do Presidente da Câmara Municipal de Borba chegaram depois de o Conselho de Ministros ter aprovado “a atribuição de indemnizações pela morte das vítimas da derrocada parcial da Estrada Municipal 255, em Borba”. No entanto, o comunicado do Governo também sublinha – e bem – que a “decisão não prejudica o apuramento de eventuais responsabilidades relativamente às quais possa vir a ser exercido direito de regresso por parte do Estado”. Ou seja, se as investigações concluírem que a culpa da queda da estrada foi da autarquia, então é possível que a Câmara Municipal tenha de devolver ao Estado o dinheiro das indemnizações. Mas, sobre isso, António Anselmo disse que “neste momento a culpa nem é de ninguém” e que não importa de quem seja a culpa. Agora, o que importa é enaltecer a atitude do Estado, “uma atitude” de que se orgulha “enquanto português”, como declarou à TSF, porque, na verdade, “o Estado, independentemente de assumir ou não [as responsabilidades], tomou a atitude correta”. E acrescentou que, naturalmente, “as coisas irão ser investigadas e revistas”; e, se as investigações apontarem para culpas da autarquia, admitiu: “Depois, cá estaremos”.
***
Recorde-se que a versão final do relatório da IGAMAOT só ficará concluída a 27 de janeiro. Ainda assim e pelo que foi divulgado ontem, 27 de dezembro, o relatório preliminar da Inspeção-Geral do Ministério do Ambiente e Transição Energética, que atualmente tem as competências de licenciamento e fiscalização das pedreiras, aponta na direção da Câmara de Borba e dos exploradores das pedreiras.
Sendo a estrada que ruiu no dia 19 de novembro “uma infraestrutura municipal há mais de 13 anos, não competia ao Estado fiscalizar, manter, conservar, reparar ou gerir a EM 255, sendo estas competências exclusivas do Município de Borba, pelo que inexistiam indícios que ao Estado coubesse uma responsabilidade objetiva ou subjetiva emergente da derrocada da referida estrada municipal”.
Foi, aliás, esta a primeira conclusão do Primeiro-Ministro, quando confrontado com o acidente que provocou a morte a cinco pessoas. Mas não foi a leitura que o Presidente da República fizera do acontecimento. Com efeito, Marcelo Rebelo de Sousa ressalvou que o Estado tem dois tipos de responsabilidade perante um acidente desta natureza, abrindo a porta à obrigação de indemnizar. Também não é de descartar a falta de acautelamento, quer da Administração Central, quer do município, aquando da transferência da tutela da estrada.  
A decisão do Governo, por um lado, reconhece que não se pode excluir  “como causa principal da derrocada a atividade das pedreiras adjacentes e a consequente responsabilidade das entidades que as exploram”, mas, por outro, “não prejudica o apuramento de eventuais responsabilidades relativamente às quais possa vir a ser exercido direito de regresso por parte do Estado”, pelo que o caso está a ser investigado também pelo Ministério Público.
Como o objetivo é “acautelar desde já o ressarcimento pelos danos sofridos” pelas famílias das vítimas, a iniciativa de aprovar um mecanismo de compensação extrajudicial, mais rápido e eficaz e que não depende de nenhuma decisão condenatória de entidades públicas em tribunal, é justificada também pela “ausência de qualquer ação por parte das entidades públicas ou privadas imediata e diretamente responsáveis” para o pagamento das indemnizações.
***
Fez-se alguma coisa e agiu-se com rapidez. Falta o resto, designadamente o apuramento das responsabilidades em concreto e fazer pagar os responsáveis. Se assim não acontecer, não se faz a justiça devida que o direito impõe.
2018.12.28 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário