O Presidente
da República promulgou a Lei do Orçamento do Estado para 2019, mas, como é nele
habitual, comentando-a. Desta vez, segundo a Nota da Presidência, “tem
presente, nessa decisão, a mais complexa situação externa, o valor da
estabilidade política, a permanência do caminho nacional no tocante ao controlo
dos défices orçamentais e decorrente preocupação com a redução da dívida
pública”, bem como “a credibilidade alcançada e que deve ser preservada e
reforçada nas instituições financeiras internacionais”.
Considera
ainda o imperativo de se contribuir para “tornar sustentado o crescimento e o
emprego atingidos nos últimos anos, acentuando o ritmo do primeiro, condição
essencial para o próprio rigor das contas públicas e a recuperação no domínio
da dívida pública”, realçando “o facto de o cenário macroeconómico subjacente
ao diploma ser mais generoso do que o apontado pela generalidade das
instituições internas e internacionais, que preveem menor crescimento e
abrandamento no investimento e, sobretudo, nas exportações”. E, embora
descortine “diversas almofadas preventivas”, relevantes em “cenário menos
favorável”, aponta “a sensação de que se mantém uma linha limitativa no
encorajamento ao investimento não público”, na linha dos orçamentos anteriores,
nomeadamente na política fiscal, que pode “não ser compensada pelos passos
dados no investimento público”, assaz dependente “do espaço de manobra do poder
político se o cenário macroeconómico se deteriorar”, ainda que parcialmente.
Referindo
que “a opção em causa – avessa a mais evidentes desagravamentos fiscais na
tributação direta das pessoas e das empresas – corresponde a uma escolha
relacionada com a matriz da fórmula governativa e parlamentar vigente”, salienta
a dúvida de se saber se, “em caso de desaceleração económica” (externa e
interna), se manterá o equilíbrio, possível
em contexto global favorável, “entre rigor orçamental e crescimento e emprego”
e se, a prazo, “as pessoas e as empresas se encontram em condições de
enfrentarem, sustentadamente, desafios mais exigentes no futuro”. Isto, porque o
Estado não poderá “substituir o papel nuclear das pessoas e das empresas”, usualmente
“citadas pela sua dimensão ou pelo seu protagonismo em setores-chave da
economia.
Porém, não
havendo “razão para suscitar a fiscalização preventiva da inconstitucionalidade
do diploma” e consideradas “as razões inicialmente enunciadas, fundamentais da
perspetiva do interesse nacional”, assim como o entendimento do Presidente, a
decisão presidencial foi no sentido da promulgação para entrar em vigor a 1 de
janeiro de 2019.
***
Assim, Marta Moitinho Oliveira, já a 21 de dezembro, comentava no ECO, que o Presidente tem dúvidas de que as almofadas previstas no OE possam ser
suficientes para responder a eventuais problemas, dizendo que Marcelo põe a
hipótese de o PIB crescer menos.
Citando a predita nota, faz assentar a decisão
promulgativa na “mais
complexa situação externa”, no “valor da estabilidade política”, na “permanência
do caminho nacional” rumo ao “controlo dos défices orçamentais”, na “preocupação
com a redução da dívida pública” e na “credibilidade alcançada”, a preservar, “reforçada
nas instituições financeiras internacionais”.
Diz tratar-se do último da legislatura, prometendo o Governo de António
Costa um défice quase zero e o crescimento económico de 2,3% e recebendo avisos
de Marcelo.
E Marta Oliveira, além da predita nota, baseia-se nas declarações do
Presidente aos jornalistas.
Segundo a colunista, o Presidente chama a atenção para o cenário
macroeconómico previsto no diploma, lembrando que várias instituições preveem
que o PIB cresça menos que o antecipado pelo Governo, 2,3% (O Banco de
Portugal reviu, esta semana, a sua previsão do crescimento para 1,8%).
Por outro lado, o Chefe de Estado não se mostra confiante em que as
almofadas preventivas possam dar resposta a eventuais problemas e mostra duvidar se pessoas e empresas estão preparadas para uma
eventual situação económica mais desfavorável, tendo em conta a opção da
atual solução governativa “avessa a mais evidentes desagravamentos fiscais na
tributação direta das pessoas e das empresas”. Porém, mesmo assim, Marcelo Rebelo
de Sousa optou pela promulgação da lei, “tendo em conta as justificações
apresentadas – ‘fundamentais da perspetiva do interesse nacional’ –,
assim como o facto de [não] ter encontrado dúvidas que suscitem a fiscalização
preventiva da inconstitucionalidade do diploma.
***
Em artigo do mesmo dia sob o título “Os 4 recados (e as 5 razões) de Marcelo no
último OE da legislatura”, a mesma colunista, no mesmo diário digital, diz
que “o último OE
da legislatura já teve o OK de Marcelo”, em nome do interesse público, mas com
vários recados ao Governo.
Mas, se no OE 2018 o pedido de Marcelo foi evitar os riscos de
eleitoralismo, neste o Chefe de Estado mostrou-se preocupado com o cenário económico “mais generoso” do Governo.
Assim e ao invés do que fez a referida colunista, enumeram-se, a seguir, os quatro recados ao Governo, que são os
seguintes:
- No atinente ao cenário macroeconómico, desta vez
“mais generoso”, o Chefe de Estado lembra que a “generalidade” das instituições
que acompanham a economia portuguesa prevê “menor crescimento e um abrandamento
no investimento – sobretudo nas exportações”. Por
isso, o Presidente opõe as suas reservas, embora considere que, em termos
teóricos, até era possível um défice zero ou um excedente, como defendeu em
declarações aos jornalistas.
- Por outro lado, Marcelo preferia ter visto os
impostos a descer mais para as empresas, pois, ainda que haja neste OE “almofadas
preventivas” para enfrentar tempos de menor crescimento, defende que o
Orçamento tem poucos incentivos ao investimento empresarial, restando,
ainda assim, a sensação de que se mantém uma linha limitativa no encorajamento
ao investimento não público, que vem dos orçamentos anteriores, nomeadamente
traduzida na política fiscal”. Ou seja, o Presidente queria descida de impostos
para as empresas e, como declarou aos jornalistas, “teria gostado de mais estímulos
fiscais diretos às empresas e às pessoas”, pois mostra duvidar de que o
investimento público possa encorajar o privado, sobretudo se ocorrer um cenário
económico mais desfavorável.
- Pensando que as pessoas e empresas podem não ter
capacidade de resposta aos desafios do futuro, Marcelo mostra ter dúvidas
sobre se, no caso de menor crescimento, continuará a ser possível o
“equilíbrio” que o Governo tem reclamado entre défice e crescimento e
se, a prazo, “as pessoas e as empresas se encontram em condições de
enfrentarem, sustentadamente, desafios mais exigentes no futuro”.
- E, tal como no
discurso a seguir aos incêndios de outubro de 2017 – em que pediu ao poder
político que olhasse também para o interior –, reitera o pedido de que todos
sejam tidos em conta e sustenta que “nunca poderá o Estado substituir o papel nuclear das pessoas e das empresas, que, aliás, são
muitíssimas mais do que aquelas que surgem, usualmente, citadas pela sua
dimensão ou pelo seu protagonismo em setores-chave da economia”. Pelo
que apela a olhar além de protagonismos.
Paralelamente, são de relevar as cinco
razões “fundamentais na perspetiva do interesse público”, que levaram o
Presidente a promulgar o OE 2019, que são as seguintes:
- A “complexa situação externa” – com relevo para a
difícil conjuntura internacional, nomeadamente, nos receios em torno dos
populismos;
- O “valor da estabilidade política” – sendo que o
Presidente tem, regra geral, criado um clima propício à paz política, num
contexto de uma solução governativa de esquerda, na qual poucos acreditavam no
início – embora intrometendo-se a cada passo nos diversos temas da governação,
comentando e opinando mesmo antes de os demais órgãos de soberania chegarem a
conclusões, chegando a ponto de esses irem atrás dele na procissão do debate.
- A “permanência do caminho nacional no atinente ao controlo dos
défices orçamentais e decorrente da preocupação com a redução da dívida pública”,
pois ainda no próprio dia 21 o Ministro das Finanças admitiu que o défice deste
ano possa ficar abaixo do 0,7% previstos no OE, estando projetado para 2019 um
défice de quase zero (0,2%).
- A nítida “credibilidade alcançada e que deve ser preservada e reforçada nas
instituições financeiras internacionais” – pois, nesta
legislatura, Portugal evitou as sanções da Comissão Europeia porque saiu do PDE
(Procedimento
por Défices Excessivos) e o rating da dívida portuguesa saiu do lixo em
todas as agências de notação financeira.
- A não existência de “dúvidas
de constitucionalidade” – pois o
Presidente diz não as ter, pelo menos, a ponto de justificarem um pedido de
fiscalização preventiva do diploma.
Feitas as contas, o saldo é positivo e vai no sentido da promulgação.
***
Também no dia em que deu luz verde ao OE 2019, Marcelo promulgou os
diplomas relativos ao aumento extraordinário das pensões, ao novo regime de
flexibilização de acesso à pensão de velhice (incluindo
as reformas/aposentações antecipadas) e à subida do salário mínimo nacional para 600 euros – que têm
incidências orçamentais.
Quanto à atualização extraordinária das pensões, em causa está um aumento
total de 10 euros das prestações que não ultrapassem os 1,5 Indexantes de
Apoios Sociais (isto é, 653,64 euros) e que não tenham sido atualizadas entre 2011 e 2015. Caso tenham sido
atualizadas nesse período, a subida total é de 6 euros. É importante notar
que a este aumento extraordinário é subtraído o valor da atualização
anual (no caso, 1,6%). Assim, por exemplo, quem recebe 500 euros de pensão (que não
tenha sido atualizada no referido intervalo temporal) passará a receber a 510 euros e não 518 euros, visto
que passará a receber mais 8 euros devido à atualização normal e mais 2 euros à
boleia do aumento extraordinário.
Já no que diz respeito ao novo regime das reformas antecipadas, fica determinado
o fim da dupla penalização para alguns. A partir de janeiro, quem se reformar
antecipadamente aos 63 anos (e que, aos 60 anos de idade, já contasse com 40 de
descontos) passará a não sofrer o corte de
14,7% implicado no fator de sustentabilidade. E, em outubro, essa medida abrangerá
todos os que se reformem antecipadamente, desde que aos 60 anos de idade contem
40 de contribuições. Recorde-se, contudo, que se mantém o corte de 0,5%
por cada mês antecipado face à idade pessoal da reforma. Por outro lado, por
cada ano de descontos acima dos 40, está prevista uma redução de 4
meses face à idade legal da reforma (em 2019, ´e de 66 anos e cinco meses), sem a limitação, até agora imposta na lei, dos 65
anos. Será a idade
resultante desse cálculo que servirá para definir o corte por antecipação.
E, quanto ao salário mínimo nacional, o Presidente deu “luz verde” à subida
para 600 euros mensais, aprovada, no dia 20, em Conselho de Ministros. Esse valor
foi proposto pelo Governo, mas acabou por não lograr o consenso dos parceiros sociais, porque a UGT (União Geral de Trabalhadores) exigia o aumento para 615 euros, a CGTP (Confederação
Geral dos Trabalhadores Portugueses) para
650 euros e os patrões para o valor incluído no programa do Governo (600
euros).
***
As
preocupações orçamentais de Marcelo são recorrentes. Todos os orçamentos que
promulgou foram objeto de reparos seus, bem como de levantamento de motivos que
justificavam a promulgação. Por outro lado, tem equacionado e reforçado a ideia
de que os partidos têm de chegar a alargado entendimento quanto ao próximo
quadro financeiro plurianual, fazendo assentar a importância do acordo no
impacto desse instrumento no investimento público na próxima década. Com
efeito, como defendeu em seu discurso na sessão de abertura da 1.ª Cimeira das
Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, “o
investimento privado será sempre fundamental, mas nunca dispensará o
investimento público”. E, em declarações transmitidas
pela RTP3, destacando a importância desse dinheiro para o
“futuro coletivo” da sociedade portuguesa, disse que “o próximo quadro financeiro plurianual
europeu vai largamente determinar o investimento público até quase ao fim da
década de 20 deste século”. Sustentou que esta deve ser uma “causa de todos” e
“tem de suscitar um entendimento alargado”, porque “a diferença entre uma vitória e uma derrota
será a diferença entre as muito piores ou muito melhores condições de futuro”.
E assinalou a necessidade de investimento público “em domínios tão vitais como
os das funções de soberania (nomeadamente a Segurança e a Justiça), as infraestruturas básicas, as áreas sociais indutoras de
desenvolvimentos (educação,
inovação, qualificação, conhecimento e os cuidados de saúde)”.
Para o
Presidente “todos ganham com
perspetivas mais vastas e partilhadas e todos perdem com a sua ausência”,
sendo que “falar a médio e longo prazo é falar de pelo menos em duas
legislaturas”. Por isso, tem pedido que não se confunda a discussão destas
matérias com a “discussão dos votos”. E, se temos a
tendência que chega para olhar para o dia seguinte, para a navegação à vista da
costa, instou a que “por uma vez alarguemos o nosso horizonte”.
Marcelo
considera que as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto têm um “papel decisivo”
no investimento público e no crescimento económico. No aludido discurso, fez questão de pôr a tónica no “papel
particularmente pungente” da habitação
que nas principais cidades, frisando:
“A
habitação, num conceito mais amplo de habitação social, vai muito para além [lá]
do que era a problemática da habitação social […] porque os desafios são
completamente diferentes, colocados pela evolução económica e social das áreas
metropolitanas e pelas migrações internas e externas”.
E, em
viagem à Grécia por aqueles dias, o Presidente defendia que o próximo quadro
financeiro plurianual da União Europeia não devia cortar na política agrícola e
na de coesão, dizendo:
“Ao
discutir este quadro financeiro para os próximos sete anos após 2021, estamos a reparar as condições de vida
dos nossos filhos e netos, por toda a Europa”.
***
Por
isto tudo e pelas recorrentes intervenções que vai fazendo, o Presidente parece
ter uma agenda política a par da do Governo e ora elas se coadjuvam ora se
impedem, tendo quase sempre Marcelo levando a sua avante e, noutros casos,
moderando a do Governo.
2018.12.22 – Louro de
Carvalho
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