Na madrugada de 28 de fevereiro de 1969, Portugal Continental foi abalado
pelo maior terramoto sentido na Europa depois de 1755 (Lisboa), com a morte de 13 pessoas (duas em consequência direta do
abalo e 11 por consequência indireta, algumas acometidas de síncope), vários feridos e queda de
casas.
A população ficou assustada e muitas pessoas passaram a noite fora de casa
apesar da chuva gelada. Foram 4 minutos de ansiedade – entre as 03:41 e as
03:45 – em que grande parte do país, em pânico, saiu para a rua meio despida ou
em pijama. “Uma eternidade em breves
segundos: Levará muito tempo a esquecer o pavor da última madrugada de
fevereiro” – era um título de 1.ª página no DN do dia seguinte. E daquela madrugada dramática escrevia o JN:
“Com a terra tremiam os homens e as mulheres
que a povoam. Porque ontem só duas
espécies de pessoas não tremeram, de novo os inconscientes e os mentirosos.”.
O epicentro esteve no Oceano Atlântico, 180 Km a sudoeste do Cabo de São
Vicente (Vila do Bispo), onde navegava o “Manuel Vicente”, navio misto de cargas e passageiros que
fazia a ligação entre Portugal e Angola, vindo depois o comandante da embarcação a descrever o local “como o borbulhar de uma
panela de água a ferver”.
O Sul, mormente o Algarve, e a região de Lisboa foram as zonas mais atingidas pelo sismo de 7,9 na escala de Richter (embora com dados variáveis, como se verá a seguir), que se fez sentir também em Espanha e Marrocos. Foi o último grande sismo sentido por cá e o mais importante do século XX. O comunicado do SMN (Serviço Meteorológico Nacional), que antecedeu o IPM (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), emitido a 28 de fevereiro de 1969, referia:
“Foi registado um sismo nas estações sismográficas de Coimbra e Lisboa,
com início às 3h41m 41,5s [e] 3h41m 20,2s, respetivamente, e com o epicentro a
cerca de 230 km a SW de Lisboa. A magnitude do sismo atribuída é de 7,3 na
escala de Richter, tendo sido sentido com intensidade VI-VII da escala Mercalli
modificada (MM56) em Lisboa e noutras localidades do continente.”.
O epicentro
foi posteriormente determinado como 36.01º N, 10.57º W e foram-lhe atribuídas as
magnitudes Ms=7.9 e Mw=8.0 pelos dados da RSI (rede sísmica internacional). Em Lisboa houve
forte réplica com início às 5h 28m com intensidade III da escala MM56.
O sismo
provocou alarme e pânico na população, corte nas telecomunicações e no fornecimento
de energia elétrica; foi sentido até 1 300 km de distância do epicentro, vg em
Bordéus e nas Canárias; e teve várias réplicas, tendo a estação sísmica da WWSSN
(World Wide
Standard Seismographic Network) da Serra do
Pilar (Porto) registado 47 réplicas (de 28 de fevereiro a 24 de março).
Também em
Marrocos foram reportadas algumas vítimas. Porém, a maior intensidade (VIII)
foi observada no Algarve, sendo atribuída a Lisboa uma intensidade VI.
A nível dos
efeitos, sabe-se que foram consideráveis, no Algarve, os estragos nas construções, sobretudo em Vila do Bispo,
Bensafrim, Barão de São João, Portimão e Castro Marim, com fendilhação de
paredes, chaminés e tetos, deslocamento de telhas, quebra de vidros, etc. Em
Bensafrim caíram mais de 20 casas. Em Vila do Bispo e em todas as povoações do
concelho, os prejuízos foram avultados, com muitas casas derrubadas e outras
muito danificadas. Em Lagos,
ficaram danificados muitos edifícios e as rachas obrigaram ao escoramento de
alguns. O edifício da Câmara Municipal ficou danificado, com o piso superior
fendido e em risco de derrocada. Terão 400 casas sido derrubadas ou arruinadas.
Pessoas amedrontadas da zona de Santo Amaro puseram-se a salvo com os seus
meios de transporte. Na cidade lamentou-se a perda de uma vida devido a
desabamento duma parede da casa degradada onde vivia. Várias réplicas se seguiram,
sobressaltando a população.
Em Lisboa caíram muitas chaminés de
edifícios e paredes pouco consolidadas, que destruíram veículos estacionados.
Parte da cidade ficou sem energia e comunicações telefónicas. Foram reportados
58 feridos ligeiros. Um acelerómetro instalado na Ponte 25 de Abril obteve um
registo sísmico completo da vibração da ponte.
***
Como é
natural, muitas pessoas
acotovelavam-se nas ruas, de rosto marcado pelo medo, em trajes reduzidos, muitas tal como se encontravam deitadas, pois
debandaram de casa com receio de desabamento, sem se preocuparem em
agarrar um agasalho.
Tremia-se de
frio, a humidade era muita e caía uma chuva miudinha que penetrava os ossos e resfriava
todo o corpo. Porém, muitos nem davam conta, mercê da angústia que os invadira.
O pânico voltou às 5:28, quando se sentiu uma réplica de pequena intensidade,
pois acreditavam que este abalo seria de grande intensidade. E muitos pernoitaram
na rua, nos passeios, em bancos de jardim, embrulhados em cobertores.
Muitos diziam que o céu tomara coloração rubra, a
lembrar uma aurora boreal, e fez, depois raiar um rápido, mas intenso, clarão. O dia amanheceu com poucas
nuvens no céu, com o sol a brilhar, mas com muita destruição: carros foram soterrados
por paredes que caíram; os hospitais de São José (parte teve de
ser evacuada) e o Curry Cabral também ficaram danificados.
Não havia ainda telemóveis. Fizeram-se filas de gente de roupão e camisa de
dormir junto às cabines telefónicas: todos queriam saber dos seus, mas as
comunicações não estavam fáceis, com falta de rede, aparelhos destruídos,
linhas impedidas. Os muitos que não conseguiam ligação ligavam para o número
das avarias (o 13), na Rua da Trindade, em Lisboa, onde estavam de serviço nessa noite 25
telefonistas, que atendiam entre nervos e lágrimas, possibilitando que outras pessoas expandissem as mesmas lágrimas e nervos,
o que é humano.
O Hospital de Castro Marim, no Algarve, ficou praticamente destruído. Em
Casseia, várias casas vieram abaixo e a igreja, reconstruída após o terramoto
de 1755, sofreu danos consideráveis.
Em Boliqueime, uma
criança foi salva pelos avós, que a
retiraram do berço onde estava a sufocar por causa das pedras e entulho.
Em Lagos, próximo do quartel, uma família salvou-se por um triz: mal puseram os
pés na rua, a casa onde habitava desabou em ficou em ruínas.
A 2 de março o DN mostrava o país
a refazer-se da emoção, com Marcello Caetano a visitar o Hospital de São José,
que sofrera vários danos, e onde quase mil pessoas já tinham tido alta.
Nos dias seguintes, foi conhecido o testemunho do comandante do “Manuel
Vicente”, o navio que navegava no epicentro do sismo e a que se aludiu acima. O
comandante Oliveira Manata estava recolhido. Às 1:43 locais, percebeu que o
navio se comportava de modo estranho: arfava. Depois, deixou de arfar e começou a vibrar com muita força. O comandante vestiu o roupão e foi ver o que se passava. Pensou
que a embarcação tinha perdido a hélice ou que uma das máquinas tivesse gripado
e a outra estivesse a arrastar, mas o chefe de máquinas já tinha feito essa
verificação. O barco era intensamente abalado. E, segundo o DN, o comandante contou:
“O barco vinha a navegar com vaga moderada. Na altura do abalo, a vaga desapareceu
e via-se o mar, de um lado e de outro, borbulhar como a água de uma panela a
ferver. Logo que parou a vibração, vieram duas vagas grandes; o navio subiu
uma, desceu a outra e passou-a também. Depois tudo serenou.”.
Os passageiros, pensando que o navio encalhara, não ficaram muito
alarmados, mas vieram para os corredores tal como estavam.
***
Hoje,
compreende-se melhor a fronteira a sul de Portugal, que separa a placa Euroasiática
da Africana. É constituída por uma rede de falhas ativas com grande potencial
para gerar sismos e tsunamis.
Percebe-se melhor a propagação das ondas sísmicas, a atenuação da energia a
partir das falhas, a forma como os solos amplificam ou atenuam a energia das
ondas sísmicas e como os edifícios se comportam sob o efeito dessas ondas. Mas
ainda há muito para aprender. Por isso, a propósito do cinquentenário do sismo,
foi lançado, em 2019, um concurso a nível escolar (para escolas
básicas ou secundárias) instando à
participação através da resposta a questionário online, com vista a um trabalho
de investigação que ajudasse a caraterizar a perigosidade sísmica de Portugal e
a prepararmo-nos para sismos futuros.
Os alunos
deviam encontrar um adulto (avô, tio-avô, vizinho, etc.) que tivesse sentido o sismo e se lembrasse tão bem
quanto possível do sismo. Em conjunto com o adulto que sentiu o sismo, o aluno
preencheria o questionário e identificaria a escola que frequentava. Devia ser
preenchido um inquérito por cada relato disponível, podendo o aluno, por isso, preencher
mais que um inquérito, um por cada relato/testemunha. O desafio proporcionou recolha
de informação científica importante, deu prémios a quem submeteu mais de 100
respostas e estimulou o diálogo intergeracional. Com efeito, ao interagir com
um adulto que tenha vivido o sismo, o aluno escutava relato de vivência dum
sismo forte na 1.ª pessoa, o que o estimularia a aprender mais sobre sismologia
e a preparar-se para caso de sismo, e ficava a saber como os inquéritos
sísmicos contribuem para a determinação dos mapas de intensidade.
Por outro lado, após o sismo de 1969, a rede sísmica nacional melhorou
significativamente.
A sismologia
instrumental iniciou-se por cá no início do século XX e sofreu, durante 7
décadas, considerável evolução impulsionada pela ocorrência de sismos: a 23 de
abril de 1909, no sismo de Benavente, a rede sísmica tinha só um “pêndulo
horizontal de Milne” no Observatório da Universidade de Coimbra; em 1910, o Instituto
Geofísico da Universidade de Lisboa (atual IDL) instalou três sismoscópios Agamemnon nas Penhas
Douradas, Évora e Lagos e um sismómetro vertical Mainka em Lisboa. Em 1913
e 1914, foram adquiridos 3 sismógrafos Wiechert de três componentes, mas instalados
apenas em 1919. Coimbra recebeu equipamentos similares entre 1915 e 1926. Os
primeiros resultados de análise de sismos foram publicados pelo atual IDL em
1920, tendo a gestão da rede passado para o SMN (atual IPMA) a partir de 1946, que instalou novos equipamentos
sismológicos nos três institutos geofísicos: em Coimbra, um sismógrafo
eletrónico de curto período; e, no Porto, um sismógrafo Sprengnether idêntico
ao instalado em Lisboa. Em 1963, houve novo progresso com a instalação duma
estação WWSSN no Porto.
Em 1975, o
SMN instalou uma estação sísmica de curto período em Faro e outra em Manteigas.
Com a formação do INMG (Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica) foram instaladas 5 estações sismográficas (Montachique,
Moncorvo, Portalegre, Montemor-o-Novo e Monte Figo-Faro), algumas das quais já com capacidade telemétrica
analógica. Apesar da melhoria na sua composição, a rede sismográfica do
Continente, que funcionou até meados da década de 1990, não mostrou grande
eficácia em termos de deteção. Por isso, para ultrapassar o problema na zona
Sul, onde há maior sismicidade, em dezembro de 1995 foi instalada no Algarve,
no âmbito dum projeto internacional financiado pela UE, uma rede regional que
se tornou operacional em janeiro de 1996 e permitiu melhorar a capacidade de
deteção e estudo dos eventos sísmicos, em particular no Algarve e na região
Atlântica adjacente, tendo estado em operação até dezembro de 2000.
Em termos de
rede digital, em 1994, o então Instituto de Meteorologia iniciou um projeto de aquisição
e instalação duma rede digital a instalar no Continente e no arquipélago da Madeira
(depois,
visou instalação similar no arquipélago dos Açores) que ficaria concluído em 1998.
O
desenvolvimento seguinte ocorreu no período 2006-2009, com o processo de
modernização da rede sísmica nacional, e compreendeu a instalação de 22
estações sísmicas de banda larga, com registo acelerométrico incluído. Este
dispositivo tornou possível o registo de todo o tipo de eventos sísmicos, desde
o nível do microssismo ao dos movimentos fortes associados aos sismos próximos
de maior magnitude e aos dos de magnitude superior a 5 que ocorram em qualquer
parte do globo. Estes equipamentos permitem a transferência da informação
sísmica em tempo quase real (4-10 segundos de latência) para o centro operacional, onde o sistema de
processamento que permite o acompanhamento da atividade sísmica em tempo quase
real e a disseminação de informação em tempo útil para atuação dos serviços de
proteção civil (ex: avisos rápidos com informação básica da fonte sísmica; estimativas de
impacto macrossísmico). Além da
componente operacional, a rede contribui para a obtenção de dados de elevada
qualidade, essenciais para estudos vários, incluindo a caraterização da
perigosidade sísmica.
A melhoria tem
agora nova fase, com apoio do POSEUR (Programa
Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos) (PORTUGAL 2020), para o
melhoramento da rede sísmica do Centro e Sul de Portugal Continental, com
modernização de estações sísmicas de banda larga e instalação de novas estações
acelerométricas, sendo este desenvolvimento orientado para o alerta precoce de
sismos e tsunamis. Paralelamente, outras entidades, que não o
ex-IM (atual IPMA), instalaram equipamentos sísmicos para vários fins. O IST (Instituto Superior Técnico) instalou, em várias etapas, a rede acelerométrica de âmbito nacional e a
rede digital telemétrica de banda larga no Vale Inferior do Tejo. As
Universidades de Lisboa, Évora e Coimbra instalaram e operam estações de banda
larga e, com a coordenação entre várias entidades, foi possível integrar no
IPMA a informação, em tempo quase real, das várias estações sísmicas a operar
em Portugal.
Na
componente dos tsunamis, o IPMA
assegura, em cooperação com os países do Atlântico Nordeste e Mediterrâneo e
sob a coordenação da COI (Comissão Oceanográfica Intergovernamental), a operação do sistema de alerta de tsunamis, tendo
inaugurado, em novembro de 2017, o Centro Nacional de Alerta de Tsunamis,
simultaneamente Centro Regional de Alerta para os países do Nordeste Atlântico.
O Centro de Alerta está orientado para a deteção e monitorização de tsunamis de
origem sísmica e tem por base uma sequência de operações que vão desde a
obtenção e análise de dados após ocorrência dum terramoto até à emissão de mensagens.
O sistema rem três componentes principais: deteção
sísmica (assegurada pela rede sísmica de banda larga), deteção e análise do tsunami (assegurada com
recurso à rede maregráfica, em Portugal operada pelo Instituto Hidrográfico,
Direção Geral do território e pelo IPMA) e envio de mensagens.
As mensagens
de alerta são enviadas para os pontos focais designados por cada Estado-membro
da COI, sendo particularmente orientadas para o sistema de proteção civil de
cada país.
***
Este
apontamento, respigado de duas longas reportagens plasmadas no DN em fevereiro de 2019, avivou-me a
memória do sismo. Estava no Seminário de Lamego, a frequentar o então dito 2.º
ano de Filosofia. Acordei de noite com o barulho. Como outros, mantive-me no
quarto, embora a pé. No dia seguinte, soube que, enquanto um dos colegas se pôs
a comer da merenda que tinha no quarto, alguns saíram para o campo de futebol,
por ser terreno aberto.
E
notou-se fendilhação sobretudo na plataforma granítica que sustém o robusto
edifício do Seminário. Estragos houve na zona, mas sem danos pessoais. A lição
da efemeridade da vida!
2021.02.28 –
Louro de Carvalho