quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

PRR pretende menos empréstimos e mais emprego

 

O plano de recuperação e resiliência (PRR), documento que equaciona as principais reformas que Portugal pretende concretizar, bem como as áreas de intervenção consideradas prioritárias pelo Governo, a partir dos fundos que a UE disponibilizará para fazer face à crise socioeconómica aberta com a pandemia, está em consulta pública desde 16 de fevereiro até 1 de março.

O PRR prevê 36 reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total de 13,9 mil milhões de euros em subvenções, podendo ainda recorrer a empréstimos a uma taxa de juro muito baixa, sendo que os empréstimos serão de evitar tanto quanto possível, dado que se refletem na dívida pública, visto que a UE não considera que a dívida surgida no contexto da pandemia possa deixar de contribuir para o volume global das dívidas soberanas, coo pretendiam alguns Estados-membros.

O Governo português, “com base no diagnóstico de necessidades e dos desafios”, definiu três “dimensões estruturantes” de aposta – resiliência, transição climática e transição digital –, a que serão alocados os preditos 13,9 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido das verbas europeias pós-crise. E, a este respeito, o Primeiro-Ministro, ao escrever na sua conta no Twitter que o PRR é “a ‘vitamina’ que nos vai ajudar a sair da crise e tornar o país mais resiliente, mais verde e digital”, apelou à consulta e participação na melhoria do texto.

O documento inscreveu 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, mas fonte do Governo refere que “ainda não está assegurado” que Portugal recorra a esta vertente do MRR (Mecanismo de Recuperação e Resiliência), o principal instrumento do novo Fundo de Recuperação da UE, pois a tendência do Executivo é evitar o recurso aos empréstimos disponibilizados por Bruxelas a juros muito baixos, contrariando, neste âmbito, a primeira versão do plano, a de outubro de 2020, pois do valor de cerca de 4,3 mil milhões de euros passou para 2,7 mil milhões de euros.

As mencionadas subvenções destinam-se, por exemplo – e por ordem decrescente de valores – à habitação (1,6 mil milhões), ao investimento e inovação (1,4 mil milhões), às qualificações e competências (1,35 mil milhões), ao SNS (1,3 mil milhões) e às respostas sociais (583 milhões). Isto, para lá da importância a dar à dimensão da transição climática, que absorverá 21% do montante global do PRR prevendo-se a mobilização de 2,8 mil milhões de euros em subvenções e 300 milhões de euros em empréstimos.

A par destas vertentes, segundo a versão atual do PRR, o Governo prevê a criação de 30 mil empregos permanentes através de apoios às empresas em 2021 e 2022, o que importará num financiamento de 230 milhões de euros, a operacionalizar pelo IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional).

Com efeito, como reza o documento, “no âmbito da promoção do trabalho digno será necessário promover o incentivo à criação de emprego permanente de caráter excecional e que deverá vigorar durante um período limitado de tempo, isto é, 12 meses, com possibilidade de prorrogação em função da evolução do contexto e cumprimento das metas, no período 2021-2022”. A seguir, sustenta que a criação de emprego assenta num “apoio financeiro direto à contratação no valor de pelo menos 12 vezes o valor do indexante de apoios sociais” (5265,72 euros), majorável em 25% no caso de contratação de jovens até 35 anos e de a remuneração-base ser igual ou superior a duas vezes o salário mínimo nacional, sendo as majorações acumuláveis. E também, no caso de contratação de trabalhadores com sexo sub-representado, há reforço, ou seja, “o apoio terá uma majoração, também acumulável”, se estiver em causa “a contratação do sexo sub-representado na profissão”.  

Outra vertente fortemente contemplada no PRR é o combate à pobreza energética. Assim, o Executivo prevê a atribuição de 100 mil cheques às famílias em situação de pobreza energética para melhoria do conforto das casas, através de soluções energéticas. Porém, não estão definidos os termos e as condições de acesso ou o valor máximo que caberá a cada agregado familiar.

Ora, trata-se de matéria premente, porquanto, segundo os dados estatísticos, Portugal apresenta uma taxa de pobreza energética superior à média europeia, tendo em conta o indicador referente à incapacidade de as famílias manterem a sua casa adequadamente quente (23,8% em Portugal versus 9,4% na média europeia).

Por outro lado, no atinente à energia e ao acesso a verbas comunitárias pós-crise da covid-19, Portugal concretizará com Espanha um projeto transfronteiriço de exploração do lítio, para dinamizar a construção e reciclagem de baterias elétricas para automóveis, pelo que se explicita:

Dando uma dupla resposta às estratégias europeias para as matérias-primas e para as baterias, Portugal pretende desenvolver com Espanha uma fileira industrial e de inovação de processos e produtos, completa, que permita o bom aproveitamento do lítio existente nos dois países, desenvolvendo um projeto transfronteiriço para a construção e reciclagem de baterias elétricas para automóveis”.

Numa parte do plano sobre a cooperação com outros países, o Executivo anota que “não só as principais jazidas de lítio se encontram próximas da fronteira, como Portugal possui a capacidade de atrair a tecnologia e empresas interessadas na sua refinação”. Por isso, está o Instituto Ibérico de Nanotecnologia, pertencente aos dois países, “a desenvolver projetos de criação de células de última geração que poderão em breve entrar em fase de testes”.

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Deverá, pois, o PRR responder aos principais problemas socioeconómicos que assolam o país e que foram agravados com o surto pandémico. Na verdade, entre os grandes números muito além dos limites, sobressaem a perda massiva de emprego e o adiamento dos pagamentos de créditos de famílias e empresas, o que leva Portugal a partir para a recuperação com um grande e difícil peso. E, se a bazuca europeia não funcionar – e rapidamente –, o país arrisca-se a permanecer na fossa por muitos anos e a candidatar-se a novo resgate e a mais um período austeritário.

Dos milhares de postos de trabalho que a economia portuguesa deixou cair entre o final de 2019 e o último trimestre de 2020, a esmagadora maioria respeitava a empregos pouco ou nada qualificados, trabalhadores mais pobres e jovens (e precários). Ao invés, segundo o INE, quem tinha um contrato mais seguro, mais ligado a altas tecnológicas, mais qualificações, ganhava melhor e não estava ligado ao comércio e alojamento/restauração, regra geral, manteve o seu trabalho e o lay-off ajudou muito. Já, dos dez grupos profissionais principais, sete tiveram perda líquida de empregos, sendo responsáveis pela destruição de 270 mil postos de trabalho, sendo estes os que terão mais dificuldade em encontrar novo emprego.

A seis meses do fim do prazo das moratórias, os banqueiros defendem flexibilidade e criação de mecanismos de apoio a empresas e famílias que não consigam pagar os créditos em setembro, mas afastam a ideia de a moratória poder ser genericamente prolongada para todos.

A situação apresenta uma gravidade não despicienda. Com efeito, cerca de 22% de todo o dinheiro emprestado pelos bancos aos portugueses (46 mil milhões de euros) – juros e/ou prestações – não está a ser devolvido. É a maior fatia de crédito em moratória em toda a UE e o BdP (Banco de Portugal) estima que, desse total, poderão ficar por pagar cerca de 13 mil milhões, a fatia de leão, pelas empresas. E, se o malparado disparar no fim do ano, à crise económica e à social somar-se-á uma crise financeira.

Agora, o confinamento do 1.º trimestre de 2021 custará ao PIB (produto interno bruto) correspondente a este horizonte temporal pelo menos mil milhões de euros em termos reais, ou seja, descontando j a inflação). A estimativa da CE (Comissão Europeia), no boletim económico do inverno, revela que Portugal é pior caso da UE no desempenho da economia nesta fase: “As maiores contrações do PIB devem acontecer em Portugal (-2,1%), Irlanda (-1,6%) e Áustria (-1,4%).”

Portugal e Chipre foram os Estados-membros da UE mais ajudados pelo BCE (Banco Central Europeu), através dos programas de compra de dívida pública. De facto, o BCE comprou o equivalente a mais de metade das necessidades de endividamento do país em 2020. Porém, vários sinais e avisos na zona euro alertam para o limite das possibilidades, sendo que tal ajuda poderá abrandar. Segundo as Finanças, “a política monetária está no limite e está esgotada”, o que deixa Portugal exposto ao próximo paradigma da política monetária.

Nesta perspetiva de dificuldade do BCE em prosseguir a ajuda em curso, Portugal e os países com maiores desequilíbrios nas contas públicas poderão ter ainda mais um ano em que não se aplicam os critérios do Pacto de Estabilidade, que impõe a redução do défice (menos de 3% do PIB) e da dívida (menos de 60%) –, medida tomada por Bruxelas no início da pandemia, para permitir aos Estados-membros obviar à crise e que pode ser prolongada. Porém, se tal não acontecer, Portugal ficará em grande dificuldade, pois o défice de 2020 estará próximo de 6,3% (mais do dobro do que pede a regra-mãe do Pacto de Estabilidade) e a dívida pública é gigante, ou seja, 136% do PIB, muito acima do dobro do permitido.

A CE tomará uma decisão na primavera, mas admite que “as dificuldades não terminarão a 31 de dezembro de 2021”.

Caberá, pois, ao Ministro do Planeamento, Nelson de Souza, responsável pela coordenação dos fundos europeus, o zelo pela efetiva disponibilização dos mesmos (pela eficácia da via diplomática e pela libertação da burocracia desnecessária), a promoção duma ajustada execução física e financeira (não sendo admissível que o país não seja capaz de aplicar em tempo útil as verbas disponibilizadas) e a supervisão da monitorização contra eventuais irregularidades (não consentindo em desvios de verbas, despesas fraudulentas e aplicação em fins para que as verbas não foram disponibilizadas…). E caberá ao Ministro de Estado e das Finanças, João Leão, desprender-se um pouco da folha de Excel e pensar mais nas pessoas e no país.

2021.02.17 – Louro de Carvalho

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