O plano de
recuperação e resiliência (PRR), documento que
equaciona as principais reformas que Portugal pretende concretizar, bem como as
áreas de intervenção consideradas prioritárias pelo Governo, a partir dos fundos
que a UE disponibilizará para fazer face à crise socioeconómica aberta com a pandemia,
está em consulta pública desde 16 de fevereiro até 1 de março.
O PRR prevê 36
reformas e 77 investimentos nas áreas sociais, clima e digitalização, num total
de 13,9 mil milhões de euros em subvenções, podendo ainda recorrer a
empréstimos a uma taxa de juro muito baixa, sendo que os empréstimos serão de evitar
tanto quanto possível, dado que se refletem na dívida pública, visto que a UE não
considera que a dívida surgida no contexto da pandemia possa deixar de
contribuir para o volume global das dívidas soberanas, coo pretendiam alguns Estados-membros.
O Governo português,
“com base no diagnóstico de necessidades e dos desafios”, definiu três
“dimensões estruturantes” de aposta – resiliência, transição climática e
transição digital –, a que serão alocados os preditos 13,9 mil milhões de euros
em subvenções a fundo perdido das verbas europeias pós-crise. E, a este
respeito, o Primeiro-Ministro, ao escrever na sua conta no Twitter que o PRR é
“a ‘vitamina’ que nos vai ajudar a sair da crise e tornar o país mais resiliente,
mais verde e digital”, apelou à consulta e participação na melhoria do texto.
O documento
inscreveu 2,7 mil milhões de euros em empréstimos, mas fonte do Governo refere que
“ainda não está assegurado” que Portugal recorra a esta vertente do MRR (Mecanismo de Recuperação e Resiliência), o principal
instrumento do novo Fundo de Recuperação da UE, pois a tendência do Executivo é
evitar o recurso aos empréstimos disponibilizados por Bruxelas a juros muito baixos,
contrariando, neste âmbito, a primeira versão do plano, a de outubro de 2020,
pois do valor de cerca de 4,3 mil milhões de euros passou para 2,7 mil milhões
de euros.
As mencionadas subvenções
destinam-se, por exemplo – e por ordem decrescente de valores – à habitação (1,6 mil milhões), ao investimento e inovação (1,4 mil
milhões),
às qualificações e competências (1,35 mil milhões), ao SNS (1,3 mil milhões) e às respostas sociais (583
milhões).
Isto, para lá da importância a dar à dimensão da transição climática, que absorverá
21% do montante global do PRR prevendo-se a mobilização de 2,8 mil milhões de
euros em subvenções e 300 milhões de euros em empréstimos.
A par destas vertentes, segundo a versão atual do PRR, o Governo prevê a
criação de 30 mil empregos permanentes através de apoios às empresas em 2021 e
2022, o que importará num financiamento de 230 milhões
de euros, a operacionalizar pelo IEFP (Instituto do Emprego
e Formação Profissional).
Com efeito, como
reza o documento, “no âmbito da promoção do trabalho digno será necessário promover
o incentivo à criação de emprego permanente de caráter excecional e que deverá
vigorar durante um período limitado de tempo, isto é, 12 meses, com
possibilidade de prorrogação em função da evolução do contexto e cumprimento
das metas, no período 2021-2022”. A seguir, sustenta que a criação de emprego assenta
num “apoio financeiro direto à contratação no valor de pelo menos 12 vezes o
valor do indexante de apoios sociais” (5265,72
euros),
majorável em 25% no caso de contratação de jovens até 35 anos e de a
remuneração-base ser igual ou superior a duas vezes o salário mínimo nacional, sendo
as majorações acumuláveis. E também, no caso de contratação de trabalhadores
com sexo sub-representado, há reforço, ou seja, “o apoio terá uma majoração,
também acumulável”, se estiver em causa “a contratação do sexo sub-representado
na profissão”.
Outra vertente fortemente contemplada no PRR é o combate à pobreza energética.
Assim,
o Executivo prevê a atribuição de 100 mil cheques às famílias em situação de pobreza
energética para melhoria do conforto das casas, através de soluções energéticas.
Porém, não estão definidos os termos e as condições de acesso ou o valor máximo
que caberá a cada agregado familiar.
Ora, trata-se de matéria
premente, porquanto, segundo os dados estatísticos, Portugal apresenta uma taxa
de pobreza energética superior à média europeia, tendo em conta o indicador
referente à incapacidade de as famílias manterem a sua casa adequadamente quente
(23,8% em Portugal versus 9,4% na média europeia).
Por outro lado, no atinente
à energia e ao acesso a verbas comunitárias pós-crise da covid-19, Portugal concretizará
com Espanha um projeto transfronteiriço de exploração do lítio, para dinamizar
a construção e reciclagem de baterias elétricas para automóveis, pelo que se
explicita:
“Dando
uma dupla resposta às estratégias europeias para as matérias-primas e para as baterias,
Portugal pretende desenvolver com Espanha uma fileira industrial e de inovação
de processos e produtos, completa, que permita o bom aproveitamento do lítio
existente nos dois países, desenvolvendo um projeto transfronteiriço para a construção
e reciclagem de baterias elétricas para automóveis”.
Numa parte do plano
sobre a cooperação com outros países, o Executivo anota que “não só as principais jazidas de lítio se
encontram próximas da fronteira, como Portugal possui a capacidade de atrair a
tecnologia e empresas interessadas na sua refinação”. Por isso, está o Instituto
Ibérico de Nanotecnologia, pertencente aos dois países, “a desenvolver projetos
de criação de células de última geração que poderão em breve entrar em fase de testes”.
***
Deverá, pois, o PRR responder aos principais problemas socioeconómicos
que assolam o país e que foram agravados com o surto pandémico. Na verdade, entre os grandes
números muito além dos limites, sobressaem a perda massiva de emprego e o
adiamento dos pagamentos de créditos de famílias e empresas, o que leva Portugal
a partir para a recuperação com um grande e difícil peso. E, se a bazuca europeia
não funcionar – e rapidamente –, o país arrisca-se a permanecer na fossa por
muitos anos e a candidatar-se a novo resgate e a mais um período austeritário.
Dos milhares de
postos de trabalho que a economia portuguesa deixou cair entre o final de 2019
e o último trimestre de 2020, a esmagadora maioria respeitava a empregos pouco
ou nada qualificados, trabalhadores mais pobres e jovens (e precários). Ao invés, segundo o INE, quem tinha um contrato mais seguro,
mais ligado a altas tecnológicas, mais qualificações, ganhava melhor e não
estava ligado ao comércio e alojamento/restauração, regra geral, manteve o seu trabalho
e o lay-off ajudou muito. Já, dos dez grupos profissionais principais,
sete tiveram perda líquida de empregos, sendo responsáveis pela destruição de
270 mil postos de trabalho, sendo estes os que terão mais dificuldade em
encontrar novo emprego.
A seis meses do fim
do prazo das moratórias, os banqueiros defendem flexibilidade e criação de
mecanismos de apoio a empresas e famílias que não consigam pagar os créditos em
setembro, mas afastam a ideia de a moratória poder ser genericamente prolongada
para todos.
A situação apresenta
uma gravidade não despicienda. Com efeito, cerca de 22% de todo o dinheiro
emprestado pelos bancos aos portugueses (46 mil
milhões de euros) – juros e/ou prestações – não está a ser devolvido. É a maior
fatia de crédito em moratória em toda a UE e o BdP (Banco de Portugal) estima que, desse total, poderão ficar por pagar cerca de 13
mil milhões, a fatia de leão, pelas empresas. E, se o malparado disparar no fim
do ano, à crise económica e à social somar-se-á uma crise financeira.
Agora, o confinamento do 1.º trimestre de 2021 custará ao PIB (produto interno bruto) correspondente a este horizonte temporal pelo menos mil milhões
de euros em termos reais, ou seja, descontando j a inflação). A estimativa da CE
(Comissão Europeia), no boletim económico do inverno, revela que Portugal é pior caso
da UE no desempenho da economia nesta fase: “As maiores contrações do PIB devem
acontecer em Portugal (-2,1%), Irlanda (-1,6%) e Áustria (-1,4%).”
Portugal e Chipre
foram os Estados-membros da UE mais ajudados pelo BCE (Banco Central Europeu), através dos programas de compra de dívida pública. De facto, o
BCE comprou o equivalente a mais de metade das necessidades de endividamento do
país em 2020. Porém, vários sinais e avisos na zona euro alertam para o limite das
possibilidades, sendo que tal ajuda poderá abrandar. Segundo as Finanças, “a
política monetária está no limite e está esgotada”, o que deixa Portugal
exposto ao próximo paradigma da política monetária.
Nesta perspetiva de dificuldade do BCE em prosseguir a ajuda em curso, Portugal e os
países com maiores desequilíbrios nas contas públicas poderão ter ainda mais um
ano em que não se aplicam os critérios do Pacto de Estabilidade, que impõe a
redução do défice (menos de 3% do PIB) e da dívida (menos de 60%) –, medida tomada por Bruxelas no início da pandemia, para permitir
aos Estados-membros obviar à crise e que pode ser prolongada. Porém, se tal não
acontecer, Portugal ficará em grande dificuldade, pois o défice de 2020 estará
próximo de 6,3% (mais do dobro do que pede
a regra-mãe do Pacto de Estabilidade) e a dívida pública é gigante, ou seja, 136% do PIB, muito acima
do dobro do permitido.
A CE tomará uma
decisão na primavera, mas admite que “as dificuldades não terminarão a 31 de
dezembro de 2021”.
Caberá,
pois, ao Ministro do Planeamento, Nelson de Souza, responsável pela coordenação
dos fundos europeus, o zelo pela efetiva disponibilização dos mesmos (pela eficácia da via diplomática e pela libertação da
burocracia desnecessária), a promoção duma ajustada execução física e
financeira (não sendo admissível que
o país não seja capaz de aplicar em tempo útil as verbas disponibilizadas) e a supervisão
da monitorização contra eventuais irregularidades (não consentindo em desvios de verbas, despesas
fraudulentas e aplicação em fins para que as verbas não foram disponibilizadas…). E caberá
ao Ministro de Estado e das Finanças, João Leão, desprender-se um pouco da
folha de Excel e pensar mais nas pessoas e no país.
2021.02.17 –
Louro de Carvalho
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