Alguns órgãos da comunicação social estão a dar voz a uma carta aberta, que
nas redes sociais surge em forma de petição a assinar por quem o desejar, em
que uma centena de personalidades se dirige ao Governo e ao Presidente da
República a defender a urgência de abrir escolas (a começar pelos mais novos), mas com condições de segurança reforçadas, que
especifica.
Um mês após novo fecho das escolas e quando os números
da epidemia estão a ceder, o grupo de “cidadãos e cidadãs”, de proveniência
multidisciplinar de diversas áreas da intervenção académica e social, mas com
inúmeras referências ligadas à pediatria, à saúde mental, à epidemiologia e à
pedagogia, pede a reabertura, para quanto antes, embora faseada, dos
estabelecimentos de educação e ensino, “com segurança e de forma contínua, começando
pelos mais novos”, ancorado no pressuposto de que a escola é um “bem essencial” e é possível “conciliar os direitos à saúde
e à educação”.
O Governo assumiu que o desconfinamento se iniciará
pela escola e defende que, ao invés do ano letivo anterior, o regresso ao
ensino presencial começará pelos mais novos, menos autónomos e a quem a falta
de contacto direto com os professores mais prejudica. Porém, não apontou qualquer
data, tendo a Ministra de Estado e da Presidência declarado que “é prematuro
falar para esta próxima quinzena de desconfinamento, nomeadamente em matéria de
escolas”.
A pari, os subscritores da carta creem que é possível e desejável as creches e
jardins de infância reabrirem já no início de março, seguindo-se, de forma
gradual e também no início do próximo mês, os restantes níveis de ensino, a
começar pelos 1.º e 2.º ciclos do básico (1.º ao 6.º ano).
A missiva sustenta igualmente que as crianças e jovens
beneficiários da ação social escolar, os sinalizados pelas comissões de proteção
de crianças e jovens e aqueles para quem a escola considere ineficaz o ensino à
distância, regressem já ao ensino presencial, tal como previsto nas orientações
do Ministério da Educação para este ano letivo. Os poucos que têm ido (apenas 3300 que as escolas consideraram
não ter condições para estudar em casa e mais 2300 que necessitam de terapias,
segundo os últimos dados da tutela) muitas
vezes limitam-se a ter “meras aulas à distância na escola”.
É ainda a pensar na falta de condições de milhares de
famílias e crianças para eficaz estudo em casa e na penalização que o ensino à
distância exerce nos mais desfavorecidos que se justifica a urgência de voltar
às aulas presenciais, ainda mais quando no ano letivo passado os alunos do ensino básico foram para casa a 16 de
março e não voltaram mais às salas de aula, num dos mais longos
confinamentos registados na UE. E os subscritores da carta alertam:
“Estudos em vários países e a experiência
clínica de alguns dos signatários da carta mostram o aumento de problemas
psicológicos e psiquiátricos das crianças e jovens associados ao confinamento e
ao fecho das escolas (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, autolesões
etc.).”.
A argumentação apresentada na carta reconhece que o
encerramento de escolas torna mais fácil a redução dos contactos e controlo da
epidemia, mas contrapõe que “não é indispensável” para isso acontecer,
sustentando-se na experiência do 1.º período letivo, em que as medidas nas escolas e um “rígido protocolo
sanitário” impediram “numerosos casos e clusters”,
tendo havido apenas 800 turmas que tiveram de fechar em todo o país neste
período.
Todavia, para evitar o reagravamento da situação
pandémica, os subscritores propõem a várias medidas a acrescentar às já
existentes para circulação e permanência na escola.
Por exemplo, a máscara deve ser obrigatória a partir
dos 6 anos, em vez dos atuais 10, como devem proibir-se as concentrações fora
da escola e – digo eu – ao portão e fazer-se rastreios periódicos na comunidade
escolar para detetar infeções assintomáticas ou pré-sintomáticas e permitir que
os professores de risco fiquem em casa a dar aulas ou sejam substituídos.
Recomenda-se o reforço dos transportes públicos e maior
desfasamento de horários de entrada e saída. E defende-se a inclusão de professores e funcionários na
fase 1 do plano de vacinação, devendo ser vacinados, concluída a
proteção do pessoal de saúde, idosos e grupos de risco.
E os signatários da carta porfiam que estas medidas
“estão ao alcance do Governo e que o seu custo é infinitamente menor que o
retorno no curto, médio e, principalmente, no longo prazo”.
***
Numa análise mais detalhada da carta intitulada “Prioridade à Escola”, vejamos:
Os subscritores apresentam-se como “cidadãos e cidadãs, pais, professores,
epidemiologistas, psiquiatras, pediatras e outros médicos, psicólogos,
cientistas e profissionais de diferentes áreas” e, considerando “a escola um
serviço essencial”, querem que “reabra rapidamente em moldes presenciais, com
segurança e de forma contínua, começando pelos mais novos”.
Sabem que é
imperativo “conter a epidemia e reduzir as infeções” e “dotar medidas, com base
na ciência e nos dados, capazes de proteger a escola como um bem essencial”.
Sustentam
que “a escolha entre a vida dos mais velhos e a educação das crianças e jovens
é um falso dilema e que é possível conciliar os direitos à saúde e à educação”.
Asseguram que
o sucesso duma política não se mede com os números, mas pesando também as “consequências
de saúde, física e mental, no presente e no futuro”.
Consideram que
as escolas aplicam “rígidos protocolos sanitários, que garantem o uso correto
dos dispositivos de segurança individuais durante grande parte do dia e que
evitam a formação de agrupamentos”, ao invés do que sucede nas famílias e na
rua, e que “a aprendizagem dos gestos de proteção na escola promove a aplicação
de medidas preventivas na comunidade”.
Referem que, no 1.º período, “as medidas sanitárias nas
escolas impediriam numerosos casos e clusters” (só
800 turmas fecharam em todo o país) e que, em fevereiro, “nas 700 escolas que estão em
funcionamento para acolher os filhos dos profissionais essenciais, só 25 casos
positivos resultaram dos 13 mil testes realizados” – o que mostra a
possibilidade de manter a pandemia sob controlo e com as escolas abertas, “desde
que com as devidas precauções”.
Admitem que “o encerramento de escolas se associa a uma
diminuição dos casos na população” mas aduzem que tal “não é indispensável para
controlar a epidemia, sendo possível fazê-lo mantendo as escolas abertas”, pois
as investigações mostram que “as escolas não são contextos relevantes de
infeção” e que, no 1.º período, “as medidas sanitárias em vigor nas escolas
provaram que o curso da epidemia foi independente de as escolas estarem abertas”.
Apontam que “não estão otimizadas ferramentas” de controlo da
epidemia igual ou até mais eficaz do que o fecho das escolas, por exemplo o
rastreiro em massa.
Declaram
que estudos e a experiência clínica de alguns signatários
da carta mostram “o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos das
crianças e jovens associados ao confinamento e ao fecho das escolas” (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, autolesões,
etc.).
Relatam que pesquisas em psicologia do desenvolvimento
mostram que “a educação pré-escolar e a escola permitem melhorias cognitivas,
mas também motoras, sociais e emocionais” (“mais
motivação académica, menos agressividade, menor prevalência de comportamentos
de risco e de dependência”), o que indicia que “as escolas são fundamentais para o
desenvolvimento harmonioso, o desempenho académico, a participação no mercado
de trabalho e a cidadania responsável”.
Dizem que “o ensino a distância é menos eficaz do que o
ensino presencial” e é “multiplicador de desigualdades de todos os tipos, não
apenas educacionais, penalizando os mais vulneráveis”, podendo “o atraso na
aquisição de aprendizagens” levar à “reversão do avanço das últimas décadas na
diminuição da desigualdade social e no abandono escolar precoce”.
Defendem que o encerramento de escolas em Portugal em 2020
foi dos mais longos da UE, sobretudo no ensino básico, “o que comprometeu o
direito à educação de crianças e jovens” e o direito à infância (entendido em sentido lato), como o direito à relação e à
convivência com os pares.
Verificam que o nosso é um dos países da UE com menos
condições para ensino a distância, mercê do baixo nível de qualificações dos pais
(só um em 4 no ensino público até ao 9.º ano frequentou o
ensino superior), às condições de privação material de muitas famílias com
crianças, sofrendo de pobreza energética e habitacional, e à cobertura desigual
da rede de 4G e de fibra. Por consequência, mais de 1/4 das crianças até aos 12
anos vive em casas com problemas de humidade e infiltrações, 16% em alojamentos
sobrelotados, 13% em casas não adequadamente aquecidas. Há 9% das crianças
abaixo dos 12 anos cujas famílias não têm capacidade financeira para oferecer
uma alimentação saudável. E a privação material das crianças é superior em
certas áreas do país, como as regiões autónomas ou o Algarve.
Tendo em conta o exposto e visando o rápido regresso à
escola, os subscritores propõem:
- Providenciar meios às escolas para, cumprindo as
orientações, permitir o regresso ao ensino presencial para todas as crianças e
jovens beneficiários da ação social escolar, sinalizadas pelas Comissões de
Proteção de Crianças e Jovens ou para as quais a escola considere ineficaz o
ensino a distância e estejam em risco de abandono escolar;
- Reabrir as creches e os estabelecimentos de educação
pré-escolar no início de março;
- Abrir o ensino básico a partir do início de março,
gradualmente, a começar pelos 1.º e 2.º ciclos;
- Dar prioridade às componentes práticas do ensino artístico
e profissional;
- Manter e reforçar as medidas existentes – arejar os
espaços, manter distâncias entre assentos, manter os mesmos lugares de assento
nas salas de aula, evitar o agrupamento de pais e alunos reforçar o
rastreamento e assegurar a quarentena de crianças e jovens em risco;
- Tornar a máscara cirúrgica obrigatória desde os 6 anos
fornecida pela escola;
- Insistir na proibição, em tempos de grande pressão, de
reuniões fora da escola;
- Incentivar o uso de meios de transporte alternativos, como
bicicletas, para ir à escola e aumentar a oferta de transporte público durante
o horário escolar;
- Desfasar ainda mais os horários de entradas e saídas para
evitar agrupamentos nestes horários;
- Fazer o rastreio periódico da infeção em amostras da
população escolar de modo o identificar infecções assintomáticas ou
pré-sintomáticas;
- Incluir professores e auxiliares de ação educativa nos
grupos prioritários de vacinação, após o pessoal de saúde, idosos e grupos de
risco;
- Permitir que os professores de alto risco sejam substituídos
por outros ou deem aulas remotamente (com os alunos na escola) até que estejam
vacinados;
- Reforçar ou criar um espaço específico em cada escola ou
agrupamento de escolas para aplicar testes rápidos de antigénio e iniciar os
procedimentos de isolamento e quarentena;
- Fazer a vigilância de contágios nas escolas publicitando
regularmente a sua frequência e tomar atitudes com base nesses e outros dados,
agindo em função do risco na região, tipo de escola e idade dos alunos;
- Manter contacto regular entre os diretores das escolas e as
estruturas de saúde pública por forma a melhorar a gestão dos surtos, evitando
medidas gerais e tardias que abrangem todas as escolas.
Ademais, pedem os subscritores, para já, a elaboração dum
plano de reabertura das escolas e a canalização dos recursos suficientes para
colmatação do atraso acumulado por alguns alunos em competências-chave e tutela
da saúde física e mental das crianças e jovens. E mostram-se convictos todas
as medidas enunciadas estão ao alcance do Governo sendo o seu custo infinitamente
menor que o retorno no curto, médio, e, principalmente, no longo prazo, como se
sabem cônscios da gravidade da situação sanitária a pedir que as escolhas do
Governo estejam à altura dos desafios de hoje e de amanhã, para as crianças, os
jovens e os idosos, na esperança de que serão protegidos “os direitos de setores
da população que já pagaram caro pela crise atual e aos quais atualmente apenas
garantimos o papel de devedores perpétuos”.
Obviamente a carta, que também subscrevi apesar da minha
insignificância social, mas certo do imperativo de cidadania educacional,
merece a minha inteira concordância.
Suponho, no entanto, que pouco importa o desfasamento de
horários se os transportes escolares não forem desamarrados dos restantes
transportes públicos e se a sua lotação não for controlada. De igual modo,
tenho reservas sobre alguns comportamentos escolares, nomeadamente sobre a
permanência contínua em sala de aula, podendo os alunos conversar sem máscara
comendo e bebendo. E, quanto aos ajuntamentos nas imediações da escola (rua
e portões), o “Programa Escola Segura” da PSP e da GNR deveria ser convenientemente
reforçado em efetivos e competências de modo que a permanência na escola e o percurso
casa-escola-casa fosse o mais impermeável possível ao contágio viral.
De resto reabrir a escola – comunidade de aprendizagem e
socialização – para reabrir as comportas à pandemia, não. Mas é possível e
desejável combater a pandemia com a escola aberta e a levar a cabo a sua missão
educadora e humanizante na linha da cidadania ativa genuína e proativa.
2021.02.23
– Louro de Carvalho
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