terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Carta aberta apela à reabertura das escolas já em março

 

 

Alguns órgãos da comunicação social estão a dar voz a uma carta aberta, que nas redes sociais surge em forma de petição a assinar por quem o desejar, em que uma centena de personalidades se dirige ao Governo e ao Presidente da República a defender a urgência de abrir escolas (a começar pelos mais novos), mas com condições de segurança reforçadas, que especifica.

Um mês após novo fecho das escolas e quando os números da epidemia estão a ceder, o grupo de “cidadãos e cidadãs”, de proveniência multidisciplinar de diversas áreas da intervenção académica e social, mas com inúmeras referências ligadas à pediatria, à saúde mental, à epidemiologia e à pedagogia, pede a reabertura, para quanto antes, embora faseada, dos estabelecimentos de educação e ensino, “com segurança e de forma contínua, começando pelos mais novos”, ancorado no pressuposto de que a escola é um “bem essencial” e é possível “conciliar os direitos à saúde e à educação”.

O Governo assumiu que o desconfinamento se iniciará pela escola e defende que, ao invés do ano letivo anterior, o regresso ao ensino presencial começará pelos mais novos, menos autónomos e a quem a falta de contacto direto com os professores mais prejudica. Porém, não apontou qualquer data, tendo a Ministra de Estado e da Presidência declarado que “é prematuro falar para esta próxima quinzena de desconfinamento, nomeadamente em matéria de escolas”.

A pari, os subscritores da carta creem que é possível e desejável as creches e jardins de infância reabrirem já no início de março, seguindo-se, de forma gradual e também no início do próximo mês, os restantes níveis de ensino, a começar pelos 1.º e 2.º ciclos do básico (1.º ao 6.º ano).

A missiva sustenta igualmente que as crianças e jovens beneficiários da ação social escolar, os sinalizados pelas comissões de proteção de crianças e jovens e aqueles para quem a escola considere ineficaz o ensino à distância, regressem já ao ensino presencial, tal como previsto nas orientações do Ministério da Educação para este ano letivo. Os poucos que têm ido (apenas 3300 que as escolas consideraram não ter condições para estudar em casa e mais 2300 que necessitam de terapias, segundo os últimos dados da tutela) muitas vezes limitam-se a ter “meras aulas à distância na escola”.

É ainda a pensar na falta de condições de milhares de famílias e crianças para eficaz estudo em casa e na penalização que o ensino à distância exerce nos mais desfavorecidos que se justifica a urgência de voltar às aulas presenciais, ainda mais quando no ano letivo passado os alunos do ensino básico foram para casa a 16 de março e não voltaram mais às salas de aula, num dos mais longos confinamentos registados na UE. E os subscritores da carta alertam:

Estudos em vários países e a experiência clínica de alguns dos signatários da carta mostram o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos das crianças e jovens associados ao confinamento e ao fecho das escolas (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, autolesões etc.).”.

A argumentação apresentada na carta reconhece que o encerramento de escolas torna mais fácil a redução dos contactos e controlo da epidemia, mas contrapõe que “não é indispensável” para isso acontecer, sustentando-se na experiência do 1.º período letivo, em que as medidas nas escolas e um “rígido protocolo sanitário” impediram “numerosos casos e clusters”, tendo havido apenas 800 turmas que tiveram de fechar em todo o país neste período.

Todavia, para evitar o reagravamento da situação pandémica, os subscritores propõem a várias medidas a acrescentar às já existentes para circulação e permanência na escola.

Por exemplo, a máscara deve ser obrigatória a partir dos 6 anos, em vez dos atuais 10, como devem proibir-se as concentrações fora da escola e – digo eu – ao portão e fazer-se rastreios periódicos na comunidade escolar para detetar infeções assintomáticas ou pré-sintomáticas e permitir que os professores de risco fiquem em casa a dar aulas ou sejam substituídos.

Recomenda-se o reforço dos transportes públicos e maior desfasamento de horários de entrada e saída. E defende-se a inclusão de professores e funcionários na fase 1 do plano de vacinação, devendo ser vacinados, concluída a proteção do pessoal de saúde, idosos e grupos de risco.

E os signatários da carta porfiam que estas medidas “estão ao alcance do Governo e que o seu custo é infinitamente menor que o retorno no curto, médio e, principalmente, no longo prazo”.

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Numa análise mais detalhada da carta intitulada “Prioridade à Escola”, vejamos:

Os subscritores apresentam-se como “cidadãos e cidadãs, pais, professores, epidemiologistas, psiquiatras, pediatras e outros médicos, psicólogos, cientistas e profissionais de diferentes áreas” e, considerando “a escola um serviço essencial”, querem que “reabra rapidamente em moldes presenciais, com segurança e de forma contínua, começando pelos mais novos”.

Sabem que é imperativo “conter a epidemia e reduzir as infeções” e “dotar medidas, com base na ciência e nos dados, capazes de proteger a escola como um bem essencial”.

Sustentam que “a escolha entre a vida dos mais velhos e a educação das crianças e jovens é um falso dilema e que é possível conciliar os direitos à saúde e à educação”.

Asseguram que o sucesso duma política não se mede com os números, mas pesando também as “consequências de saúde, física e mental, no presente e no futuro”.

Consideram que as escolas aplicam “rígidos protocolos sanitários, que garantem o uso correto dos dispositivos de segurança individuais durante grande parte do dia e que evitam a formação de agrupamentos”, ao invés do que sucede nas famílias e na rua, e que “a aprendizagem dos gestos de proteção na escola promove a aplicação de medidas preventivas na comunidade”.

Referem que, no 1.º período, “as medidas sanitárias nas escolas impediriam numerosos casos e clusters” (só 800 turmas fecharam em todo o país) e que, em fevereiro, “nas 700 escolas que estão em funcionamento para acolher os filhos dos profissionais essenciais, só 25 casos positivos resultaram dos 13 mil testes realizados” – o que mostra a possibilidade de manter a pandemia sob controlo e com as escolas abertas, “desde que com as devidas precauções”.

Admitem que “o encerramento de escolas se associa a uma diminuição dos casos na população” mas aduzem que tal “não é indispensável para controlar a epidemia, sendo possível fazê-lo mantendo as escolas abertas”, pois as investigações mostram que “as escolas não são contextos relevantes de infeção” e que, no 1.º período, “as medidas sanitárias em vigor nas escolas provaram que o curso da epidemia foi independente de as escolas estarem abertas”.

Apontam que “não estão otimizadas ferramentas” de controlo da epidemia igual ou até mais eficaz do que o fecho das escolas, por exemplo o rastreiro em massa.

Declaram que estudos e a experiência clínica de alguns signatários da carta mostram “o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos das crianças e jovens associados ao confinamento e ao fecho das escolas” (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, autolesões, etc.).

Relatam que pesquisas em psicologia do desenvolvimento mostram que “a educação pré-escolar e a escola permitem melhorias cognitivas, mas também motoras, sociais e emocionais” (“mais motivação académica, menos agressividade, menor prevalência de comportamentos de risco e de dependência”), o que indicia que “as escolas são fundamentais para o desenvolvimento harmonioso, o desempenho académico, a participação no mercado de trabalho e a cidadania responsável”.

Dizem que “o ensino a distância é menos eficaz do que o ensino presencial” e é “multiplicador de desigualdades de todos os tipos, não apenas educacionais, penalizando os mais vulneráveis”, podendo “o atraso na aquisição de aprendizagens” levar à “reversão do avanço das últimas décadas na diminuição da desigualdade social e no abandono escolar precoce”.

Defendem que o encerramento de escolas em Portugal em 2020 foi dos mais longos da UE, sobretudo no ensino básico, “o que comprometeu o direito à educação de crianças e jovens” e o direito à infância (entendido em sentido lato), como o direito à relação e à convivência com os pares.

Verificam que o nosso é um dos países da UE com menos condições para ensino a distância, mercê do baixo nível de qualificações dos pais (só um em 4 no ensino público até ao 9.º ano frequentou o ensino superior), às condições de privação material de muitas famílias com crianças, sofrendo de pobreza energética e habitacional, e à cobertura desigual da rede de 4G e de fibra. Por consequência, mais de 1/4 das crianças até aos 12 anos vive em casas com problemas de humidade e infiltrações, 16% em alojamentos sobrelotados, 13% em casas não adequadamente aquecidas. Há 9% das crianças abaixo dos 12 anos cujas famílias não têm capacidade financeira para oferecer uma alimentação saudável. E a privação material das crianças é superior em certas áreas do país, como as regiões autónomas ou o Algarve.

Tendo em conta o exposto e visando o rápido regresso à escola, os subscritores propõem:

- Providenciar meios às escolas para, cumprindo as orientações, permitir o regresso ao ensino presencial para todas as crianças e jovens beneficiários da ação social escolar, sinalizadas pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens ou para as quais a escola considere ineficaz o ensino a distância e estejam em risco de abandono escolar;

- Reabrir as creches e os estabelecimentos de educação pré-escolar no início de março;

- Abrir o ensino básico a partir do início de março, gradualmente, a começar pelos 1.º e 2.º ciclos;

- Dar prioridade às componentes práticas do ensino artístico e profissional;

- Manter e reforçar as medidas existentes – arejar os espaços, manter distâncias entre assentos, manter os mesmos lugares de assento nas salas de aula, evitar o agrupamento de pais e alunos reforçar o rastreamento e assegurar a quarentena de crianças e jovens em risco;

- Tornar a máscara cirúrgica obrigatória desde os 6 anos fornecida pela escola;

- Insistir na proibição, em tempos de grande pressão, de reuniões fora da escola;

- Incentivar o uso de meios de transporte alternativos, como bicicletas, para ir à escola e aumentar a oferta de transporte público durante o horário escolar;

- Desfasar ainda mais os horários de entradas e saídas para evitar agrupamentos nestes horários;

- Fazer o rastreio periódico da infeção em amostras da população escolar de modo o identificar infecções assintomáticas ou pré-sintomáticas;

- Incluir professores e auxiliares de ação educativa nos grupos prioritários de vacinação, após o pessoal de saúde, idosos e grupos de risco;

- Permitir que os professores de alto risco sejam substituídos por outros ou deem aulas remotamente (com os alunos na escola) até que estejam vacinados;

- Reforçar ou criar um espaço específico em cada escola ou agrupamento de escolas para aplicar testes rápidos de antigénio e iniciar os procedimentos de isolamento e quarentena;

- Fazer a vigilância de contágios nas escolas publicitando regularmente a sua frequência e tomar atitudes com base nesses e outros dados, agindo em função do risco na região, tipo de escola e idade dos alunos;

- Manter contacto regular entre os diretores das escolas e as estruturas de saúde pública por forma a melhorar a gestão dos surtos, evitando medidas gerais e tardias que abrangem todas as escolas.

Ademais, pedem os subscritores, para já, a elaboração dum plano de reabertura das escolas e a canalização dos recursos suficientes para colmatação do atraso acumulado por alguns alunos em competências-chave e tutela da saúde física e mental das crianças e jovens. E mostram-se convictos todas as medidas enunciadas estão ao alcance do Governo sendo o seu custo infinitamente menor que o retorno no curto, médio, e, principalmente, no longo prazo, como se sabem cônscios da gravidade da situação sanitária a pedir que as escolhas do Governo estejam à altura dos desafios de hoje e de amanhã, para as crianças, os jovens e os idosos, na esperança de que serão protegidos “os direitos de setores da população que já pagaram caro pela crise atual e aos quais atualmente apenas garantimos o papel de devedores perpétuos”.

Obviamente a carta, que também subscrevi apesar da minha insignificância social, mas certo do imperativo de cidadania educacional, merece a minha inteira concordância.

Suponho, no entanto, que pouco importa o desfasamento de horários se os transportes escolares não forem desamarrados dos restantes transportes públicos e se a sua lotação não for controlada. De igual modo, tenho reservas sobre alguns comportamentos escolares, nomeadamente sobre a permanência contínua em sala de aula, podendo os alunos conversar sem máscara comendo e bebendo. E, quanto aos ajuntamentos nas imediações da escola (rua e portões), o “Programa Escola Segura” da PSP e da GNR deveria ser convenientemente reforçado em efetivos e competências de modo que a permanência na escola e o percurso casa-escola-casa fosse o mais impermeável possível ao contágio viral.

De resto reabrir a escola – comunidade de aprendizagem e socialização – para reabrir as comportas à pandemia, não. Mas é possível e desejável combater a pandemia com a escola aberta e a levar a cabo a sua missão educadora e humanizante na linha da cidadania ativa genuína e proativa.

2021.02.23 – Louro de Carvalho

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