A 24 de janeiro, no mês em que, há 40 anos, a União das Instituições Particulares de
Solidariedade Social (UISS) elegeu os seus
primeiros corpos sociais, foi publicada uma entrevista do Padre José Maia, claretiano (tido como fundador da
CNIS – Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade
Social), à “Renascença” e à “Ecclesia”.
Não deixou de precisar que
objetivamente não foi “o fundador da CNIS”, pois, sendo presidente da direção na altura em
que se constituiu a CNIS (trata-se de órgãos colegiais), clarifica que “há dois momentos na vida
das instituições de solidariedade”. Há 40 anos, um conjunto de instituições do
Norte reuniu-se – estiveram nessa reunião também os padres Marinho, Redentorista,
e Orlando, pároco de Cedofeita – e pensou em “organizar-se para melhor poder
atuar”. E criou-se a União das Instituições de Solidariedade Social (UISS). E o Padre José Maia
acabou por entrar “para presidente de uma das direções que foi eleita” (foi o 3.º presidente da UISS) e por lá andou uns anos (1988-2002). Porém, vendo que a dimensão
dos problemas era muito grande e o número de instituições muito grande e muito
diversificado, entenderam partir para uma confederação. E surgiu a CNIS.
Questionado sobre a
importância do setor social para a sociedade neste momento de pandemia, frisa a
indiscutibilidade da importância deste setor hoje, aliás como sempre,
constituindo a doutrina social da Igreja (DSI), toda ela, “um monumento às preocupações sociais da Igreja”,
pois são tantas as reflexões, bem como os “escritos dos Papas e de muita outra
gente”.
Reconhece que se foi registando, por parte das
autoridades, uma evolução relativamente à importância
das IPPSS em Portugal e admite que “hoje esse reconhecimento é cabal”. De 30 a
40 chegaram a 4 mil, o que significa “um movimento muito grande”. Lembra-se
de ter falado com o então Ministro Silva Peneda, “que esteve sempre atento a
esta realidade”, e de lhe ter pedido “um assento no conselho económico e social”,
no que foi atendido. Assim, a UISS e, depois, a CNIS, que lhe sucedeu, passou a
ter assento ali “onde se fazem as políticas sociais no país”. E sublinha que
“eram tempos difíceis”, pois “a maior parte dos trabalhadores e responsáveis da
segurança julgavam-se os donos da massa”, dando “a impressão de que nos faziam
um grande favor, quando nos pagavam parte do muito que nos deviam”, pelo que “houve
muita necessidade de bater o pé, e batê-lo forte”.
Considera que “a
constituição da CNIS foi o passo necessário para que as instituições tivessem
dimensão mais ampla e ganhassem maior influência”, porque “a união faz a força”. Observa que a CNIS é
também importante porque, já na altura, no quadro do pacote financeiro para
apoiar parte dos apoios financeiros, “o Estado nunca pagou, nem antes nem agora,
a totalidade do serviço que era feito”. Por outro lado, era necessário ter a “consciência
de instituição representativa”, que fortalecesse
“a representação nacional” e desse, “ao nível de cada distrito”, a organização
“das uniões distritais para que houvesse um crescimento”. E, crendo que é a
força das bases que dá força a quem as representa, gosta de que as coisas
cresçam de baixo para cima.
Sendo-lhe lembrado que a CNIS chegou, há cerca de 25
anos, ao pacto de Solidariedade, mas que o setor
continua a reclamar mais apoio e a pedir a revisão dos acordos de cooperação, no
âmbito das respostas sociais, releva que “o pacto foi decisivo” e que
fora negociado e falado e autorizado pelo engenheiro Guterres, com quem a CNIS
teve longas reuniões e que chegou a ir a Fátima, a uma dessas reuniões. E a
CNIS entendeu que era necessário, pela dimensão e forma de agir de todas as
instituições, “um instrumento jurídico com muito mais força”. E o
pacto de cooperação veio concretizar uma realidade, pois, em Portugal, o Estado
não podia fazer o que era feito. E Guterres entendeu. Logo, fez-se o pacto, “que
não é nenhum favor”, “concertaram-se políticas, fizeram-se estudos, em que
ficou declarado que o Estado pagaria uma percentagem” do que era devido e as
instituições, famílias e comunidades suportariam o resto.
Sobre o facto de tal
percentagem ficar aquém das necessidades das instituições, diz que as respostas de então não eram as de hoje.
Começaram com centros de dia, uma resposta mais barata; passou-se ao apoio
domiciliário; e, depois, criaram-se os lares, uma resposta já com muito mais
custos; e chegou-se aos cuidados continuados. Ou seja, a natureza e a complexidade
e dimensão das respostas exigem mais apoio financeiro.
E à objeção de que se trata de instituições particulares,
não tendo o Estado que ajudar, contrapõe que “o Estado tem de cumprir os
compromissos que estabelece”. E, estabelecida a lógica do pagamento até 75%, é
necessário satisfazer os encargos das instituições, sendo os maiores os
atinentes aos trabalhadores. E a CNIS tem “a noção de que muitos trabalhadores
recebem salários muito aquém daquilo que seria justo pagar-lhes”. Ora, como diz
o Padre Maia, temos que “defender quem faz o trabalho social, juntamente com o
voluntariado”.
Mantendo o Padre Maia a sua
ligação ao setor social, foi questionado sobre as suas maiores dificuldades. E
respondeu começando por dizer algo “fora da caixa” e, depois, falou a sério:
“Nós temos é de encostar o Estado à
parede. Eu não gosto de pedir. Encostar o Estado à parede. Por estes dias foi
publicado: a União Europeia tem programas de ajuda social aos países como
Portugal. Este ano concretamente, o Estado só foi capaz de utilizar 33 por
cento das ajudas a que o país que tem direito. Os outros não foram
requisitados. Não faz sentido.”.
Reconhece que já não tem representação para encostar o
Estado, mas aponta:
“O Estado como Estado, essa gente
toda que está em centros distritais… não faz sentido a andar a pedir por
esmola, casa a casa; cobertores e coisas, quando o Estado não foi capaz de
trazer para Portugal apoios que a União Europeia tem para o país.”.
E dá para concluir que “o nosso Estado não funciona”. É muito
bom a mandar, a fazer regras, mas “devia empenhar-se muito mais na resposta à
ajuda aos mais necessitados”, pois não se admite que “se ande a pedir por
esmolas, aquilo que é devido por justiça social”. E Maia vinca:
“Nós temos uma lei de bases da segurança
social com vários subsistemas e essa lei é da responsabilidade do Estado e da
Segurança Social. (…) A Segurança Social é decididamente uma das áreas mais mal
servidas no nosso país. (…) Nós poderíamos ter muito melhores
serviços sociais. Mas isto que acontece este ano acontece todos os anos. Fica
tanta, tanta coisa por trazer para o país que podia vir.”.
Confrontado com a
possibilidade de, no combate à pandemia, o setor social, nomeadamente as
misericórdias sobretudo na área da saúde, ajudar a aliviar a pressão sobre o
SNS, mas embatendo isso com a reserva ideológica, o Padre Maia lamenta que “neste momento a parte da
ideologia ande tão alumiada”. Diz que sempre houve ideologias e acusa a
ideologia de ter acabado com a educação privada (o que não é bem assim – discute-se é se o Estado deve pagar o ensino
provado opcional), estando em causa agora a saúde.
Confessa que, não tendo partido, tem “amigos em todos
os partidos políticos”, mas o seu partido “é o humanismo cristão, que é o
Evangelho”. Porém, declara que “nem nós
fazemos um favor ao Estado, quando ajudamos – é o nosso dever ético –, nem o
Estado nos dá nenhuma esmola quando nos faz chegar os pagamentos
contratualizados”. Assim, sustenta que, neste momento, “quem tiver camas e
respostas em consciência ética é obrigado a pô-las ao serviço da comunidade”,
não por ideologia, mas por ética. Verificando que “já há casos de igrejas que
se ofereceram ao Estado, para que ele possa usar tudo o que for preciso”,
sublinha que “a tragédia com que o país está confrontado não se compadece com
essas coisas ridículas, tacanhas, ideológicas”. E exclama:
“Ai de nós se vemos alguém morrer ao
nosso lado e não ajudamos. Eu não vou à ideologia, seja o setor privado,
social, Igrejas…”.
Opina que o passo a dar é que todos nós “estejamos
devidamente motivados” e atentos a que a ideologia não inquine uma parte
importante do problema, e que quem tem possibilidade dê. Releva que o Papa gritou
ao mundo e foi entendido. O presidente americano Joe Biden, quando tomou posse,
referenciou o Papa e a sua encíclica que proclama “somos todos irmãos”. Por
isso, Maia prefere “a motivação de natureza ética” à barata politização de
tudo.
Quanto à suposta
predominância da vertente assistencial da ação social da Igreja Católica,
admite a falta da suficiente consciência cívica para uma maior intervenção nas
causas dos problemas socioeconómicos e para questionar o próprio poder político. Não obstante, faz ressaltar que, no
âmbito da tríplice dimensão da Igreja – profética, litúrgica e sócio-caritativa
–, se inscreve a obrigação de cada comunidade, em nome da sua fé, prestar ajuda
àqueles que fazem parte da comunidade e são pobres, doentes ou estão em outras
situações de carência, o que vai sendo feito e, muitas vezes, com muita
generosidade. Porém, quando é necessário alargar o horizonte das respostas, há
que estabelecer pontes e parcerias. E foi por isso, diz, que se fez colaboração
com o Estado: “disponibilizamos recursos,
voluntariado, para, com meios do Estado, se alargar o âmbito da atuação”.
Considera que se tem feito o anúncio de Evangelho,
mas, no seu entender, não se faz a denúncia suficiente. E explicita:
“Há muita coisa a denunciar em
Portugal, porque atenta contra a justiça social. E essa denúncia tem de ser
feita, por todos os cristãos. A Igreja somos todos, não é só bispos, cardeais
ou o Papa. Há aqui uma dimensão de denúncia, que a Igreja terá de fazer, de
muitas situações, de certos hábitos, certas práticas, mesmo de quem nos
governa. Há aquela frase conhecida, “eles comem tudo e não deixam nada”, isso
hoje está a acontecer…”.
Em relação ao tratamento
dos idosos, particularmente os institucionalizados, na pós-pandemia, refere que
“a situação das pessoas
idosas deve merecer-nos uma grande reflexão”, o que já se devia ter feito. Com
efeito, a pandemia deixa algumas lições. E, sendo graças à ciência que se dão
mais anos à vida e hoje viver até aos 100, 90, é normal, sustenta que “dar anos
à vida tem sido importante”, mas que “não estamos a ser capazes é de dar vida
aos anos”, isto é, “de fazer que pessoas mais idosas tenham oportunidades,
tenham também uma sociedade organizada”. E defende que é terrível “a reforma
ser obrigatória”, pelo que a sociedade “terá de encontrar outras formas de que
as pessoas com mais anos possam não apenas contar com mais anos na sua vida,
mas poder contar com mais vida nos seus anos”. Um debate que é necessário
fazer.
No quadro do processo de vacinação contra a covid,
realça que é preciso valorizar o que está bem e dirige um preito aos
cientistas. Sabendo que “Jesus, na altura, fazia milagres”, pois, “como Filho
de Deus, tinha esse poder de sarar”, diz que “Ele hoje faz milagres, através da
Ciência” e que “a humanidade está a ser abençoada, porque Deus tem pessoas que
são as suas mediadoras e a Ciência tem feito esse grande milagre das vacinas”.
Contudo, brada que “é preciso que os homens façam tudo o que depende deles”,
dizendo que “não queria ter a responsabilidade que os Governos têm, é muito
difícil”.
A 24 de janeiro, ainda não se registavam os abusos
conexos com a ministração indevida de vacinas em virtude do chico-espertismo
típico de alguns portugueses… O que dirá a isso agora?
Sobre a decisão dos bispos
de suspenderem a celebração do culto com a participação de povo, observa que ou
se tem o sentido comum ou não se tem e considera que nós, os crentes, “temos sentido comum e alguma preparação”.
Pensa que a Igreja quis ela mesma dar um sinal de que “é bom ter esta precaução
e criar todas as condições para que se evitem aglomerações de pessoas”.
Diz que “anda muita gente incomodada com as Missas”,
mas muitos “nem sabem o que é uma Missa”. E fala dum homem que não ia à Missa,
mas tem acompanhado a mulher em casa e, admirado, disse: ‘Mas a Missa é isto? Afinal não é tão mau.’. E conclui:
“Nós não precisamos que nos digam
aquilo que nós entendemos como normal fazer”.
***
Já a 30 de março de 2020, a Ecclesia
destacava que
comunidade paroquial de Nossa Senhora da Areosa, na Diocese do Porto –
comunidade fundada com o Padre Maia em março de 1980, com pedaços de 4
freguesias – estava a “ir ter com o povo” com um projeto de “telecatequese” e a
transmissão de celebrações da Palavra online com o contributo dos grupos,
procurando “que ninguém se sinta abandonado”. Com efeito, como dizia
então o Padre Maia, vigário paroquial, pareceu importante ao
pároco e a ele que nunca poderiam abandonar o rebanho, pelo que era conveniente
passar às celebrações online e divulgar as muitas passagens da Bíblia.
O sacerdote explicava que era “altura de ir ter com povo, ir ter à
casa das pessoas” e destacava a preocupação com a comunidade da catequese,
abrangendo 540 crianças, para se manterem recordadas da sua comunidade. Ele fazia um guião em cada semana para acompanhar a celebração da Palavra
online e os catequistas foram incansáveis. Como há a telescola, a paróquia tem
a telecatequese, com imensos pais a acompanhar as crianças em suas casas.
Com a ajuda de paroquianos conhecedores da área das novas
tecnologias, as celebrações da Palavra, a cada domingo, eram transmitidas
online, com participação das crianças, de adultos e do grupo de jovens que
deixa a sua marca no fim da celebração. Têm a escola de música com 320
alunos e, com essa possibilidade, o cântico final era da sua responsabilidade.
O sacerdote apontava a proximidade da paróquia com o Hospital de
São João e reconhecia que a experiência estava a atingir os objetivos: “que o
povo, crianças e pais não se sentissem abandonados”.
Segundo o sacerdote, as celebrações eram transmitidas da capela do
Santíssimo, um espaço mais pequeno, mas na Semana Santa seriam na Igreja para
que o “povo veja e recorde a sua Igreja” e as iniciativas dos dias da semana
são da responsabilidade dos vários grupos.
Além das transmissões online, a paróquia da Nossa
Senhora da Areosa, em parceria com as juntas de freguesia de Campanhã e
Paranhos, colocou à disposição uma linha telefónica para acompanhar quem está
só e para ajudar quem precisa. Já tinham o movimento ‘sentinelas de rua’ que servia para atender pessoas em solidão. Com
a crise, surgiu a linha telefónica para ajudar nesta fase de isolamento.
É de crer que neste confinamento geral a experiência se tenha
reeditado em nome do sentido comum e do serviço evangélico às pessoas.
E é de sublinhar que ainda há padres e muitos outros cristãos como
o Padre José Maia.
2021.02.07 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário