sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Provedora de Justiça pede ao TC fiscalização da lei da eleitoral autárquica

 

A Provedora de Justiça enviou ao Tribunal Constitucional (TC) o pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos n.os 4 e 5 do art.º 19.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, na redação que lhe foi dada pela Lei Orgânica n.º 1-A/2020, de 21 de agosto, alegando violação do dos artigos 48.º, n.º 1, e 239, n.º 4 da CRP, ou seja, “violação dos direitos dos cidadãos de tomar parte na vida política”.

Mais solicita, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 65.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), que seja dada prioridade à apreciação deste processo.

É um pedido de fiscalização sucessiva da lei, que não impede a entrada em vigor, o que já acontece, mas terá efeitos, se o TC decidir pela inconstitucionalidade de um ou mais artigos.

O pedido de Maria Lúcia Amaral, com 25 páginas e desenvolvido em 61 artigos, datado de 18 de fevereiro e publicado, neste dia 19, no site da Provedoria, surge a 9 meses das eleições em altura de forte contestação à lei por dificultar as candidaturas de independentes. Com a alteração à lei eleitoral, alegou a Provedora, “passou a ser vedado a um mesmo grupo de cidadãos eleitores apresentarem candidaturas, simultaneamente, a órgãos municipais e às assembleias de freguesia do mesmo concelho”, o que põe em causa dois direitos fundamentais.

Esta disposição, como se lê no texto, “consubstancia uma violação da liberdade de participação na vida pública, liberdade essa que se traduz, desde logo, no direito, que assiste a todos, de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos políticos do país”. Ademais, a proibição de repetir nomes em candidaturas municipais e nas freguesias pode “afetar gravemente o grau de envolvimento dos cidadãos na promoção e salvaguarda dos seus interesses”. Enfim, alega-se que esta mudança na lei representa um retrocesso relativamente à lei de 1997 que pôs fim ao monopólio dos partidos nas candidaturas autárquicas e abriu as listas a independentes.

A 9.ª (e mais recente) alteração à lei eleitoral autárquica, aprovada no final da sessão legislativa passada por PS e PSD, foi altamente contestada pelos movimentos independentes (destacando-se o do presidente das Câmara do Porto, Rui Moreira) que estão sobretudo contra o facto de a lei em vigor os obrigar a recolher assinaturas para concorrer à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal, mas também para se poderem candidatar a cada uma das freguesias, estando ainda impedidos de usar os mesmos nomes, símbolos e siglas em cada uma das candidaturas.

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No meio da polémica, o PS admitiu apresentar em breve um projeto de alteração à lei eleitoral para as autarquias no sentido de corrigir (eliminando ou suavizando) os obstáculos à apresentação de candidaturas independentes, como anunciou a líder parlamentar socialista, Ana Catarina Mendes, no dia 17 de fevereiro, no programa “Circulatura do Quadrado”, da TVI-24 e TSF. O PSD, partido que aprovou a lei com o PS em julho de 2020, no Parlamento, prometeu, segundo o presidente socialdemocrata, analisar a questão. E o CDS-PP entregou um projeto de alteração com o objetivo de retirar “os entraves às candidaturas independentes”.

Em causa estão duas mudanças substanciais em relação às regras anteriores: com a lei aprovada em julho, os movimentos de cidadãos têm de recolher assinaturas para concorrer à Câmara Municipal e à Assembleia Municipal e para cada freguesia a que se queiram candidatar; e estão impedidos de usar os mesmos nomes, símbolos e siglas. Agora, o PS decidiu dar o braço a torcer e prometeu apresentar uma proposta de alteração à lei “nos próximos dias”.

“A lei foi feita com uma discussão mínima no final da sessão legislativa. Têm algumas correções que me parece que vão no bom sentido, como a impossibilidade de um candidato à câmara não poder ser candidato à Assembleia Municipal. Mas subsistem duas normas que são dificultadoras dessas candidaturas” – reconheceu a líder parlamentar socialista, acrescentando que “as coisas são imperfeitas, nem sempre são bem feitas”. “A sigla não poder ser usada nas candidaturas às juntas de freguesia é um absurdo e tem que ser mudado”, disse. “E a dificuldade de as assinaturas não poderem servir para outra freguesia” também não deve ficar como está.

Questionada sobre se há condições políticas para aprovar tais correções a tempo das próximas eleições autárquicas, Ana Catarina Mendes disse que bastam os votos de “116 deputados para aprovar esta lei”, ou seja, o voto favorável da maioria dos deputados em efetividade de funções.

Os movimentos de cidadãos independentes têm vindo a pedir que a Assembleia da República altere a lei eleitoral autárquica, certo, e admitiram fundar um partido, que poderia ser o “partidos dos independentes” para se poderem candidatar às eleições, o que não faz sentido. Isto surgiu depois de o presidente da Câmara do Porto ter admitido fazê-lo para contornar as alterações do PS e PSD num diploma que o autarca chegou a classificar de “à medida da birra de Rui Rio”.

No dia em que a Provedora de Justiça solicitou a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, os partidos parecem concordar em reduzir o número de assinaturas necessárias para candidaturas independentes. CDS e BE apresentam propostas de alteração. Contudo, o PAN quer travar já efeitos da lei para que não se aplique nas autárquicas.

Críticas de autarcas (sobretudo de Rui Moreira), acusações sobre um ‘cartel PS-PSD’ e suspeitas de inconstitucionalidade são ameaças que impendem sobre a lei que regula as eleições autárquicas com as alterações introduzidas no verão passado, com a polémica a recrudescer recentemente.

Como consequências práticas, o PSD está disponível para rever a lei, embora não queira mexer num dos pontos que mais irritaram o presidente da Câmara do Porto; o PS vai apresentar propostas de alteração, aproveitando para fazer ajustes por causa da pandemia; o PAN quer suspender desde já o diploma, para que não possa ser aplicado nas eleições autárquicas de outubro; e o PCP diz esperar para ver os projetos que vão ser apresentados.

Os motivos de indignação dos independentes, isto é, os que se candidatam não em nome dum partido mas dum movimento de cidadãos – o caso de Rui Moreira é o mais mediático, mas há outros 16 eleitos em câmaras municipais no país – são vários e passam, sobretudo, pelo facto de estes movimentos serem obrigados a recolher assinaturas diferentes para cada órgão (câmaras, assembleias municipais e assembleias de freguesia), o que significa que, para formar um partido, são precisas menos assinaturas; por serem impedidos de se candidatarem às juntas com a mesma sigla e símbolo; e por não poderem usar as palavras “coligação” e “partido” no nome do movimento, como é, de novo, o caso de Moreira, que se candidatou com o nome “Porto, o nosso partido”, embora entretanto fundado a associação “Porto, o nosso movimento”.

Ao Expresso, os partidos explicam que estão a analisar as eventuais injustiças que possam estar a ser cometidas contra os movimentos independentes.

O PSD, partido que propôs as alterações feitas no verão passado, está “disponível” para as rever, como referiu a deputada Emília Cerqueira. E, embora o partido assegure ainda “precisar de perceber exatamente as reivindicações” dos independentes, já estabelece aquilo em que poderá ou não vir a mexer: por um lado, o grupo parlamentar do PSD considera “da mais elementar justiça” assegurar que os independentes não precisarão de recolher mais assinaturas do que alguém que pretenda formar um partido, assim como que não precisarem do reconhecimento das mesmas por parte dum notário, por exemplo. Mas há limites: por exemplo, as alterações introduzidas para a “transparência” nas contas dos independentes e a proibição de os independentes usarem a palavra “partido”, que no verão passado era referida por alguns deputados como a “norma Rui Moreira”. Na verdade, como diz o PSD “o sistema político tem partidos, sujeitos a determinadas regras”, por isso, se é justo que os movimentos que vêm da sociedade civil não queiram legitimamente estar sujeitos às regras dos partidos, não o é que recusem a formulação de regras específicas. E o PSD, sabendo que “Rui Moreira é o mais mediático, mas, sem desprimor nenhum para ele”, “não entende que uma regra seja alterada por um presidente de Câmara”. No entanto, promete que o resultado da reflexão acontecerá sempre de forma que a lei possa estar pronta a tempo das autárquicas de outubro.

No PS, o tema está em análise depois de Ana Catarina Mendes ter admitido que a lei foi, no ano passado, “feita com a discussão mínima” resultando numa regra imperfeita” e “penalizadora da vida democrática”. A líder parlamentar do PS apontou dois aspetos a alterar: o da proibição dos independentes de usarem a mesma sigla nas candidaturas a vários órgãos; e o dos entraves à recolha de assinaturas. E, nas últimas horas ficou a saber-se que “o essencial” passará até por adotar medidas para “gerir a pandemia”, uma vez que as próximas autárquicas acontecem já este ano, “e acolher o que aprendemos com as presidenciais”, o que poderá ter a ver, por exemplo com o voto de quem fica em isolamento ou doente ou a quantidade de mesas de voto.

No verão, foram PS e PSD os partidos que alteraram a lei, com votos contra de todos os outros e das deputadas não inscritas. Agora, CDS vai apresentar alterações para retirar obstáculos aos independentes; o Bloco de Esquerda confirma que fará o mesmo; o PAN explica que apresentará, em primeiro lugar, um projeto para travar a aplicação da lei nova já em vigor e o PCP espera para ver como há de agir.

é de recordar em julho o PSD, pela voz de Emília Cerqueira, criticava “a tendência para que movimentos se confundam com partidos políticos”, frisando que a palavra “partido” não poderia ser “usada e abusada para que se confundam grupos de eleitores com partidos”. E pedia “coragem” às restantes bancadas. E o PS, pela voz de Pedro Delgado Alves, sustentava que a clarificação da identificação dos grupos de eleitores como tal e não como partidos era “um imperativo democrático”, recorrendo à obra do pintor René Magritte para lembrar que “uma coisa ou é um cachimbo ou não é um cachimbo”, tal como “um grupo de cidadãos ou é um grupo de cidadãos ou é um partido”. E dizia:

Procurar confundir-se com um partido político também não me parece tratar os eleitores com o respeito que eles merecem. A proposta apresentada faz, efetivamente, sentido”.

Nessa altura, o PAN e o CDS foram os partidos mais críticos da proposta, com o PAN a acusar os sociais-democratas de escolherem “destinatários bem específicos” e de quererem conseguir na lei o que sabem não conseguir nas urnas. E Cecília Meireles, do CDS chamou à lei “a iniciativa Rui Moreira”, atacando: 

Percebo que o PSD esteja em desacordo em relação à governação na cidade do Porto, mas tem de resolver esse problema nas urnas”. 

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Sete meses depois, os partidos reabrem o dossiê para resolver os problemas detetados para conseguirem a melhoria da lei. Seja, pois basta de leis atamancadas!

2021.02.19 – Louro de Carvalho

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